Assunto difícil este, para mim, dado que não sou nem
nunca fui navegador. Mas sendo esta mais uma das crónicas em que recordo
os muitos anos em que trabalhei na EPA, não poderia deixar de referir
este tema, ainda que de uma forma ligeira. E porquê? Porque, tratando-se
de uma empresa armadora principalmente vocacionada para a pesca do
bacalhau, possuía uma significativa frota de navios bacalhoeiros que,
nos longínquos e gelados mares da Terra Nova e Gronelândia, pescava o
“fiel amigo”. Longos meses de campanha em que a sabedoria e a
experiência na “Arte de Marear” dos seus capitães e pilotos,
maioritariamente filhos de Ílhavo, eram fundamentais para o seu êxito:
carregar o navio de bacalhau, salvaguardando a sua segurança e a dos
seus tripulantes.
No que respeita à navegação, a principal preocupação do
capitão é saber, com o máximo rigor possível, a posição do seu navio no
mar, isto é, as suas coordenadas geográficas: a latitude e a longitude.
E se a latitude já era desde o século XV possível de calcular pela
observação da altura dos astros, nomeadamente pela altura da Estrela
Polar, no caso do Hemisfério Norte, já o mesmo não se pode dizer quanto
à longitude, que só na segunda metade do século XVIII foi possível de
calcular com rigor, após resolvido o problema de se ter a hora certa a
bordo. E esta só foi conseguida com a utilização de um cronómetro
fiável, após sucessivos aperfeiçoamentos técnicos introduzidos nos
primeiros destes aparelhos. Desde o início das navegações oceânicas,
foram mais de três séculos de desafio a cientistas e a inventores e que
até originou a instituição de avultados prémios por parte das principais
nações marítimas da altura, interessadas em solucionar o maior problema
que então se colocava à navegação em alto mar.
Os métodos de navegação usados para se determinar a
posição do navio são quatro, a saber: navegação costeira, navegação
estimada, navegação astronómica e navegação electrónica.
Na navegação costeira, efectuada com a costa à vista, a
intersecção de azimutes a pontos notáveis em terra, representados nas
cartas de navegação, permite determinar a posição do navio (ponto
marcado). Já na navegação estimada, a posição do navio (ponto estimado)
é determinada por meio de um ponto de partida, rumo e distância
percorrida (velocidade e tempo decorrido). Por sua vez, na navegação
astronómica, a observação de astros, normalmente o Sol ou estrelas,
utilizando o sextante, permite obter as chamadas “rectas de alturas”
que, cruzadas, dão a posição do navio (ponto observado). Finalmente, na
navegação electrónica, a posição do navio é obtida recorrendo a
equipamentos electrónicos instalados a bordo, designadamente o radar e
receptores de sinais de rádio emitidos quer por estações em terra –
radiogoniómetro, Decca, Loran, Omega – quer, mais recentemente, por
estações em satélites artificiais – receptores GPS ou GLONASS.
Se, por razões óbvias, ao longo de séculos apenas os três
primeiros dos métodos indicados foram os usados pelos homens do mar, a
partir dos primórdios do século passado, com os primeiros radiofaróis e
radiogoniómetros, entrou-se na era da navegação electrónica. O enorme
desenvolvimento tecnológico, que entretanto se verificou neste domínio
ao longo daquele século, levou ao aparecimento de sistemas de
radionavegação cada vez mais precisos e de maior simplicidade de
operação, culminando naquele que é hoje o mais moderno e fiável dos
sistemas: a navegação por satélite.
Na EPA, como técnico especialista e responsável pelo
sector da electrotecnia (electricidade e electrónica industrial) e, mais
tarde, electrónica de telecomunicações, embora não sendo navegador,
sentia-me um elemento da “equipa de navegação” dos nossos navios, já
que, para além de ser da minha responsabilidade a montagem, manutenção e
reparação dos seus modernos equipamentos de navegação, garantindo assim
a sua operacionalidade no mar, sempre estive disponível para apoiar com
os meus conhecimentos técnicos os seus competentes e experientes
capitães e oficiais, com os quais tive o prazer de colaborar ao longo de
30 anos.
Recordo-me de sair a barra de Lisboa para, ao largo de
Cascais, calibrar os radiogoniómetros (enquanto também se efectuava a
calibração das agulhas magnéticas de bordo) e de, nos primeiros tempos
da navegação por satélite, instalar a bordo os receptores Navidine,
quando a NASA os considerou obsoletos para fins militares e os tornou
acessíveis à navegação comercial. Eram 3 ou 4 satélites, não
estacionários, que davam uma ajuda preciosa aos nossos capitães, sendo
que por vezes se tinha de esperar 4 ou 5 horas para se obter uma
posição. Como tudo hoje é diferente com o sistema GPS, constituído por
24 satélites muito perto da Terra, com informação em tempo real e um
erro incrivelmente pequeno.
Apesar de toda a moderna tecnologia existente hoje em dia
a bordo para se navegar com a máxima segurança, mal de quem, numa
situação de eventual avaria, não tem uma bússola à mão, uma agulha de
marear. Ou não tem um agulhão – nome dado à agulha magnética utilizada
nos dóris da pesca do bacalhau – nos seus modernos meios de salvação. E,
por ironia do destino, ao escrever esta crónica, acabo por descobrir que
quem mais “mareou” com um agulhão, depois dos pescadores de bacalhau,
fui eu, que nunca pesquei um bacalhau. Eu e os meus colaboradores. Mas
vou explicar, para que não pensem que estou a brincar. É que, quando se
começaram a electrificar os navios, a energia eléctrica era em corrente
contínua. Os motores e geradores eram, portanto, de corrente contínua e
tinham pólos eléctricos, mas não tinham lá dentro a rosa-dos-ventos.
Apenas o Norte e o Sul, que era preciso estar sempre a alinhar. E como o
fazíamos? Com os agulhões que o Sr. Manuel Mendes, da Fábrica de Redes
da EPA, nos fornecia. E esta, hein?
E, para terminar estas minhas despretensiosas divagações sobre a “Arte
de Marear”, uma sugestão para todos, muito em especial para os mais
interessados nesta temática: visitem o Museu Marítimo de Ílhavo, com um
espaço dedicado à navegação marítima, e comprem na sua loja a brochura
“Navegação dos Bacalhoeiros nos Mares da Terra Nova”, da autoria do
saudoso capitão Francisco Correia Marques. Tenho a certeza que, tal como
eu, ficarão muito agradados com a sua leitura. |