Confesso
que a minha memória é muito ténue neste assunto, mas recordo-me de ir na
bateira com o meu avô a S. Jacinto buscar um familiar que tinha ido ao
bacalhau, no lugre-motor, de 470 hp, “Adélia Maria”, construído em 1948,
e a família ir a minha casa ouvir a onda curta num Schaub Lorenz, para
saber notícias! Era bom irmos a São Jacinto, tanto mais que o meu Pai
trabalhou cinquenta anos na Base; e era em frente do hangar Gago
Coutinho, onde brincava, que estavam ali mesmo à mão os lugres, um
reboque com uma enorme chaminé que deitava fumo (devia ser o “Vouga I”),
o saco de lona da roupa e o cheiro a óleo de fígado de bacalhau, que
aliás sempre me perseguiu, pois tínhamos enormes depósitos de óleo na
EPA.
Reparado na seca, o velame vai para bordo para ser
aplicado, depois de preparado o molinete. Preparam-se os mastaréus,
orientados pelo contramestre, que eram raspados e oleados com óleo de
linhaça e fervidos com pó de zarcão.
Todos os mastros eram tratados, três ou quatro, conforme
os Lugres. A tudo que era cabos de arame era dado alvaiade, o que lhe
emprestava já uma cor branca; e não era dado à trincha mas com
desperdícios, o que se tornava um trabalho sujo. Entretanto, os pintores
de terra pintavam o rancho, camarotes, etc. Mas a bordo, os pescadores
pintavam as vergas, retrancas e gurupés. Ao mesmo tempo, pintava-se o
costado do navio à trincha, nuns andaimes em cima de um barco saleiro, e
pintava-se o nome do navio. As velas, umas eram aplicadas e outras
ficavam sobressalentes. Envergavam-se os panos da proa: a giba, o estai,
a polaca e a bujarrona. Armavam-se os panos latinos, todos iguais, mas
de nomes diferentes. A vela no mastro da ré, chamada triângulo, tinha a
função de navegar e servia também, quando o lugre estava ancorado nos
Bancos, para o concentrar e não se atravessar à vaga. Havia três
extênsulas, que são velas móveis, só usadas quando o vento permitia e
quando o vento era muito forte, e arrumavam-se nos dóris. Quando se
chega aos pesqueiros, estas velas são secas e arrumadas no paiol do
pano. Claro que é preciso pensar nos dóris, fornecendo o que se chama a
palamenta: linhas de pesca, caixas de anzóis, rolos de rodo, cabos finos
para a âncora dos dóris, cestos para as linhas dos tróis, cestos para as
línguas de bacalhau ou samos para isco, vertedouros, chumbadas e zagaias
e o imprescindível agulhão. Metiam-se dóris a bordo, cerca de quatro
dóris sobressalentes. A barra de Aveiro era muito falsa, pois tinha um
banco de areia por Oeste da «Meia Laranja». Era uma epopeia o “Vouga I”
tirar os navios lá para fora, ou safá-los para dentro.
Ancorava-se frente a Belém, pois muitas vezes tinha-se de
ir a Cacilhas, à doca da Parry & Son, assentar a quilha no picadeiro,
para reparação ou vistoria. Quando se começaram a instalar motores
auxiliares, no caso da EPA, com os seus “Guldner’s”, analisava-se o veio
do hélice com um simples martelo! Aproveitava-se para meter sal, água,
etc.
Havia a bênção dos bacalhoeiros, na Igreja dos Jerónimos,
e invocava-se o Senhor Jesus dos Navegantes. Os navios pintados de
branco, embandeirados em arco, eram um cenário inimaginável. Na saída
aproava-se ao Forte de São Julião da Barra e depois ao Farol da Guia,
para rumar a norte. Não convinha vaga de proa, que provocava mais enjoo.
Passava-se pelo Cabo da Roca, mar dos Açores, para chegar à beirada dos
Bancos na Terra Nova, sinal de que a temperatura ia baixar bruscamente.
Com motores auxiliares atingiam-se 5 milhas por hora e com pano 7 a 8
milhas.
Observava-se o Sol para se tirar posições. No silêncio do
mar, apenas se ouviam, além do marulhar das ondas, os silvos dos búzios
de uns dóris para os outros.
Linhas de sonda, com chumbadas de 7 quilos, com sebo ou
sabão. Quando o sabão vinha amolgado, o fundo era de pedra.
Com temporal, sobem-se os latinos, para pôr o navio de
“capa” e desfaz-se a capa para correr em “árvore seca”, sem os latinos. |