Entrei para a E.P.A. em 1963. Já anteriormente trabalhava na indústria
naval. A sirene que ainda está montada no mastro do St. André foi
construída e ensaiada por mim. Também fazíamos lá alternadores para a
guerra em África. O meu patrão foi perguntar ao Sr. Egas como era
possível pagar a um miúdo quarenta e cinco escudos, quando eu ganhava
vinte.
Em 1964, representei a E.P.A., num concurso de trabalho. Ganhei os
Regionais em Aveiro e nos Nacionais, na Escola Marquês de Pombal, em
Lisboa, fiquei em 3.º lugar. Ainda hoje estou à espera do prémio:
esqueceram-se de me dar a medalha de bronze!
Em 1966, interrompi o trabalho, por causa do serviço militar. Tirei o
curso de Sargento de Transmissões e fui mobilizado para Angola.
Convenceram-me que ia defender o País. Não foi difícil! Afinal estava lá
o meu sogro e tínhamos na Baía Farta, em Moçâmedes, uma Empresa.
Embarquei em 27 de Janeiro de 1968 e, em Setembro do mesmo ano, vim para
casar no São Gonçalinho.
Na E.P.A., transformava-se o Santa Joana, tirando os motores “Guldner”
de 900 HP para montar motores Fairbranks Morse de 1300 HP.
Voltei em Fevereiro de 1969, para ver o “Cidade de Aveiro” deitado no
cais da Gafanha. Nunca me convenceu aquele navio com o centro de
gravidade tão alto. Acabou com uma explosão nas caldeiras, nos mares dos
Açores.
Em África, embrenhei-me no mato, percorri as savanas e deliciei-me com
os relâmpagos e trovoadas. Fui no “Uíge”, vim no “Uíge” e fui para a
província do Uíge.
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Navio Uíge em
09-09-1972. Foto da autoria de Trevor Jones. |
Estava no Norte e desci à região dos Dembos, onde um lugar mítico era
Nambuangongo, para fazer protecção à Engenharia, que, na operação
“grande salto”, construía uma ponte sobre o rio Dange, tendo a jusante a
barragem das Mabubas, que alimentava Luanda.
Conheci grandes fazendas de café. Enormes! A “Margarido” e a “Maria
Fernanda”, onde passei os meus 24 anos.
Luanda é uma saudade, pois tinha lá o meu sogro. Nomes como Baleizão,
Pólo Norte ou Versalhes, são para mim familiares, sem falar no cinema
Miramar, ao ar livre, ou na casa do Beira-Mar.
Tive a oportunidade de deixar equipamento de transmissões, do tempo da
Segunda Guerra Mundial (E/R AN-GRC 9), para trabalhar com os TR28 da
Racal, fornecidos pela África do Sul. Esta experiência permitiu-me,
quando cheguei, inscrever-me no ICP como Radioamador, com o indicativo
CT1-ANQ. E, mais tarde, muito mais tarde, dar Formação na área das
Telecomunicações. As Forças Armadas sempre foram uma grande escola.
Hoje, apesar da crise, vejo a nossa juventude divertir-se, nas docas de
Lisboa, onde nos anos sessenta as mães choravam lágrimas de sangue. Não
tenho inveja! E ainda bem que as minhas filhas não passaram por isso,
porque a guerra é sempre uma tragédia; mas dói-me pensar que a minha
juventude foi passada num campo de concentração, rodeado de arame
farpado, cujo silêncio só era alterado pelo rebentamento das minas,
tendo como cenário a serra da Canda.
A 8 de Fevereiro de 1974, no dia que me nasceu uma filha, às 15:30 horas
tocava o telefone e a Eutália diz-me:
– João, venha cá baixo falar com o Sr. Egas.
E ele disse-me:
– Não te vais embora, que eu preciso de ti aqui. Vais ser nomeado Chefe
de Serviços e dou-te o dobro do ordenado.
Era muito inteligente… Como sabia ele que, passados quase 40 anos da sua
morte, ainda me dava trabalho? |