Nunca estive em Punta Arenas, mas gostava
de ter estado…
A foto aqui inserida mostra-nos um navio
polivalente da EPA (Empresa de Pesca de Aveiro), com a sua rede
pelágica, rumo às Ilhas Falkland. Este grupo insular pertence à
Inglaterra. E de nada adianta à Argentina reclamar a sua posse.
Possivelmente o barco iria para a pesca da afamada «pescada argentina»;
ou talvez não, talvez estivesse a rumar para Punta Arenas, no Chile, no
Estreito de Magalhães, onde a pescada do Chile, já no Oceano Pacífico, é
bem mais saborosa e de elevado valor comercial.
Nada me impede, no entanto, de historiar
este percurso e relatar episódios verídicos, na óptica de quem lá
esteve, como é o caso do meu amigo e companheiro de trabalho, o Senhor
Engenheiro Francisco Cravo, nas oficinas da EPA., na Gafanha da Nazaré.
Só Deus sabe o trabalho que me deu a saga
em volta destes navios trigémeos, o “Murtosa”, o “Pardelhas” e o “Calvão”,
construídos com a minha colaboração nos estaleiros navais de Viana
Castelo, na década de 1970, após o 25 de Abril.
Em Punta Arenas, no referido Estreito que
liga, na extremidade sul do planeta os Oceanos Atlântico e Pacífico, por
lá ficou encalhado o nosso navio “Pardelhas”, depois de serem cortadas
as amarras e abandonado ao seu destino, tendo por companhia, talvez e
só, os Pinguins-de-Magalhães. Estes pinguins são animais com altura
média de 70 cm, de plumagem negra. Alimentam-se de peixe e adoram a
anchova e não têm medo dos humanos. Foram avistados pela primeira vez
por Fernão de Magalhães, em 1520, aquando da sua viagem de
circum-navegação desta bola azul em que, também nós, navegamos pelo
sistema solar, dando-lhe uma volta completa de 360 em 360 dias.
Na Diáspora de quatro milhões de pessoas,
de que Portugal é fértil, sempre se encontra um português pelo mundo.
Também os havia em Punta Arenas, dedicando-se à caça de lobos-marinhos,
baleias, criação de ovinos e ao resgate de salvados de navios encalhados
e até a garimpar ouro.
Punta Arenas, a cidade mais austral do
Chile, foi fundada em 1848, sendo uma pequena colónia penal. Tem hoje na
“Plaza de Armas” uma estátua em homenagem ao navegador português Fernão
de Magalhães. E tem alguns hotéis, que não sendo de luxo, são asseados.
De Aveiro até Punta Arenas, estes navios,
com os porões vazios, tinham gasóleo e autonomia para lá chegar. No
retorno para Aveiro, carregados, tinham que reabastecer em Dakar,
capital do Senegal, na África Ocidental.
Quando Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das
Tormentas, mais tarde chamado da Boa Esperança, e mais abaixo e a
seguir, no Cabo das Agulhas, queixou-se das dificuldades, ali no
meridiano dos 34° ao sul da África, no encontro entre o Atlântico e o
Índico.
Saberia ele “das tormentas” em dobrar o
Cabo Horn, no meridiano dos 58°, esse cabo mítico na Antárctida Chilena?
Se foi Deus que deu oiro ao Sol, prata ao
luar e pôs as estrelas no céu, no fado imortalizado por Amália
Rodrigues, esqueceu-se deste Cabo, na Antárctida Chilena, o mais
meridional da América do Sul. Segundo alguns escritores, nem ali Deus
existe, dadas as condições adversas à face da Terra, que não tinha
estrelas, nem Sol, nem luar, apenas ventos ciclónicos, naquele Mar de
Cristo, onde não faltava o gelo!
Nas cercanias de Punta Arenas há algumas
baías e naquele mar, mesmo no Estreito, os navios docavam em planos
inclinados, que saíam directamente para o mar. Coisa nunca vista em
Portugal. Era um tempo a que não estamos habituados, pois num só dia o
clima varia e fazem-se sentir as 4 Estações do ano.
Tenho de ainda de recuar um pouco na
História, para lembrar que o Chile era governado por uma democracia
proposta por Salvador Allende. Em 1973 o seu chefe das forças Armadas,
Augusto Pinochet, revoltou-se, atacou o Palácio de La Moneda e instaurou
uma ditadura que vigorou até 1990. Salvador Allende, médico, no próprio
Palácio, acabou por cometer suicídio.
Mas os tempos, os lugares e as culturas
ensinam lições…
Se no meu bairro da Beira-Mar, quando era
jovem, a porta estava sempre no trinco, porque era uma comunidade de
marnotos, quase família, já o mesmo não se aplicava em Punta Arenas,
onde ninguém fechava a porta, porque nada se roubava. E isto porquê?
Porque na época de Augusto Pinochet, se alguém fosse apanhado a roubar,
eram-lhe cortadas as mãos; e por isso se viam por lá muitos “Manetas”.
Comentários para quê?
Aveiro, 10 de Março de 2021
João Pires Simões |