Um dia, já lá vão uns anos valentes, vi-me eleito presidente de uma
das duas corporações de bombeiros da minha cidade de Aveiro.
Presidente dos “Novos”, com a obrigação de conduzir o esforço
financeiro que seria necessário para pôr de pé um quartel novo, já que
o primitivo tinha sido demolido por camartelo impiedoso. Ainda hoje,
quando disto me lembro, fico com pena da minha eleição ter sido tão
tardia. É que o quartel destruído era uma bela peça arquitectónica de
Arte Nova, da autoria de um arquitecto, Carlos Mendes, que nunca foi
compreendido na minha terra. Se eu tenho sido eleito com esse edifício
ainda em pé, garanto que tudo teria feito para que o novo quartel
fosse construído noutro local, preservando o primeiro quartel
projectado por Carlos Mendes com tanto amor que até o levou a
converter-se, ele, no primeiro comandante dos Bombeiros Novos.
Repito: o que estava em causa era a preservação de um dos mais belos
edifícios de Arte Nova que Aveiro tinha no seu seio. Mas o mal já
estava praticado. Eu já nada podia fazer a não ser pôr mãos à obra do
novo quartel e arregimentar boas vontades que permitissem a recolha
dos meios financeiros necessários para levar a bom termo a tarefa que
herdei com a minha eleição.
Os setenta e cinco anos dos Bombeiros Novos já foram comemorados com
toda a dignidade na casa nova. E, a certa altura, verifiquei que os
Bombeiros Novos não tinham um lema. Os “Velhos”, sim: “Semper
Fidelis”.
E, vai daí , dei comigo a escrever um texto que veio a ser integrado
no
opúsculo publicado quando dos festejos dos três quartos de século
dos “Novos”, texto que não resisto a recuperar.
Assim:
“Os "Velhos" tinham um lema: SEMPER FIDELlS.
Os "Novos", nada. Nunca disso tinham curado, se bem que, sem lema,
tenham vivido, e bem, ao longo de 75 anos que virão a ser perfeitos no
próximo dia 30 de Novembro. Setenta e cinco anos sem lema têm que ter,
mesmo, na sua base, no seu suporte, no seu ânimo, um lema não escrito,
mas bem vivido.
Contudo, a vida destes "novos" bombeiros, jovens de 75 anos,
mereceria, merece, merecerá um lema que, síntese, os abone em relação
aos outros, a todos, bombeiros ou não, que todos, no fundo, de
bombeiros temos um pouco.
SEMPER FIDELlS também são os "Novos", no seu exemplo, na sua
abnegação, na sua doação à mesmíssima causa que, sempre, os "Velhos"
animou.
Daí que só um "quid" distintivo pudesse, autonomizá-los, aos "Novos",
garantindo-lhes, contudo, a herança dos bons exemplos dos "Velhos".
Nisso nos quedámos no bosquejo. E foi fácil. Mais jovens, novos,
optámos por, tão simplesmente: SEMPER ET UBIQUE (FIDELlS). Fieis como
os exemplares bombeiros donde viemos.
Em toda a parte para lhes garantirmos a permanência de atitude. Quiçá,
com renovada seiva. Quiçá, com renovados meios. Quiçá, com
diferenciadas, estimuladoras diferenças.
É facto que os Bombeiros Novos estão na Beira-Mar. São da Beira-Mar.
Apetecem as águas da Ria, seus esteiros; as águas do mar, suas ondas.
Salgados pela maresia do vento norte, respiram sal que as cebolas
condimentam.
E porque até no condimento se realizam UBIQUE estão, onde a
necessidade obriga.
FIDELIS, segundo o bom exemplo de quem lhes garantiu a promanação; mas
UBIQUE e até onde o seu ânimo permitir.
O lema que não existia, aí fica, resultado de boa aprendizagem: SEMPER
ET UBIQUE, qual grito de salutar emulação.
Lema que não é só lema. Antes, esboço de definição da indefinível
capacidade de doação que aos bombeiros se reconhece.
Na cidade dos dois, abençoada a hora que permitiu surgir os BOMBEIROS
NOVOS.
Até em matéria de bombeiros, Aveiro é mais Aveiro. Para bem de Aveiro;
para bem do SERVIÇO À COMUNIDADE; para bem de cada um que, sendo
bombeiro ou servindo os bombeiros, nesse espírito se realiza.
Em casa nova sabe bem sentir o que vem de trás. O exemplo pesado da
HISTÓRIA garante que aqueles que nunca tiveram lema escrito o merecem,
porque o mereceram e o merecerão. Este será, fielmente: SEMPER ET
UBIQUE!.”
Este lema perdurou e, com o passar dos tempos, mais consistência
ganhou.
Ainda este ano, tão cheio de incêndios que já levaram o melhor de
100.000 hectares de floresta e, até agora, 8 vidas de soldados da Paz,
os Bombeiros de Aveiro, SEMPER FIDELIS e SEMPER ET UBIQUE FIDELIS, têm
comparecido nos vários teatros de operações com o seu saber, a sua
dedicação e o seu esforço, colaborando com os seus colegas por esse
País fora na luta contra o fogo impiedoso.
VIDA POR VIDA, foi um lema que o saudoso David Cristo criou quando do
Congresso Bombeiral realizado em Aveiro.
Também este lema mais uma vez foi posto à prova. E de que maneira… Bem
hajam Bombeiros de Portugal!
PS:
Sou LION há mais de 40 anos. Fui o presidente fundador do
primeiro Clube Lions de Aveiro. Os Lions têm uma FUNDAÇÃO de âmbito
internacional que foi criada, entre outras acções, para assistir a
situações graves, como esta dos fogos que nos têm endemoninhado. Como
Presidente do Conselho Nacional dos Governadores dos dois Distritos
Lions em que Portugal está dividido, registo o facto dessa Fundação
ter correspondido aos apelos dos Governadores portugueses com dois
significativos subsídios de emergência de igual montante: um para a
Ilha da Madeira e outro para a zona de Águeda, zonas que tão
castigadas foram pelo fogo devastador.
Gaspar Albino
Aveiro, 25 de Setembro de 2013 |