É um vício este, meu.
Principalmente ao sábado, antes da hora do almoço, depois de uma bica
reconfortante tomada nos AVEIRENSES, no CONVÍVIO ou no GRIN’S, cafés
do meu Bairro, à sombra de dois dedos de conversa com os marretas Drs.
Girão Pereira, Henrique de Oliveira e José Balacó (assim nos tratamos,
numerados no respeito de uma hierarquia de idades, por conta do
cadinho de amizade que os anos permitiram consolidar), embarco no meu
carro e dou o meu “passeio dos tristes”, as mais das vezes acompanhado
pelo amigo Henrique, quando o consigo despegar do computador, onde ele
vai construindo, incansavelmente, o seu nunca acabado “site”
AVEIRO E CULTURA.
Esse “passeio dos tristes”
tem quase sempre o mesmo itinerário. Poderemos começar por um lado ou
por outro; mas, sem darmos por ela, nunca deixamos de visitar os
mesmos pólos do nosso interesse de cidadãos: o campus universitário de
São Tiago, que está sempre em mudança; uma olhadela pelo bairro do
Alboi para ver como as obras em curso vão acabar; depois, uma vistoria
às várias zonas do nosso porto.
No último sábado fui
sozinho. Passei pela Universidade e logo de seguida fui direito ao
canal das Pirâmides, levado por uma notícia na qual a ADERAV criticava
o local e a forma como essas pirâmides, durante tanto tempo
desaparecidas, regressaram ao canal que delas tomou o nome.
Lembro-me muito bem dos
tempos em que esta avenida de água era debruada por esmerados muros em
que as esguias pirâmides se erguiam no seu extremo norte, como que
definindo o termo da urbe.
Por esses tempos não havia
obstáculo algum a delimitar essa superfície líquida. A eclusa que o
Dr. Girão em boa hora mandou construir ainda lá não estava para
impedir que as marés baixas deixassem a descoberto o leito da ria com
as suas lamas malcheirosas que, então, eram objecto de desagradáveis
mas justificadíssimas críticas vindas de quem nos visitava. É certo
que a eclusa veio alterar a leitura do espelho de água que se estendia
para além do canal. Mas os benefícios vieram a revelar-se altamente
compensadores. Hoje, só em situações de curta duração verdadeiramente
excepcionais é que voltamos a ver o repelente leito da ria e a sentir
o mau cheiro que dele se desprende.
A verdade é que, depois da
construção da eclusa, por razões que desconheço, os muros da parte do
canal para além dela ruíram, não sem que, a tempo, tivessem sido
retiradas dos seus pedestais as pirâmides.
Agora voltaram aos muros
do canal. E eu também concordo com as críticas da ADERAV, não tanto
quanto aos malefícios que o tempo e a incúria das pessoas lhes
infligiram, mas pelo local em que foram recolocadas. É que os muros
para além da eclusa deveriam ser reconstruídos e as pirâmides (re)implantadas,
tanto quanto possível, no local em que sempre estiveram.
A marinha da Troncalhada
está ali mesmo ao lado. É um destino de visita de muitos turistas e de
muitos estudantes. A sensação de abandono para que toda a envolvente
foi remetida é verdadeiramente confrangedora.
Da desaparecida estrada
que me levava à praia da Barra nas camionetas da Aveirense, quando eu
era menino, resta um miserável caminho que dá acesso às instalações
desportivas do Clube Náutico e do Sporting Clube de Aveiro que o
interrompem. Do lado das marinhas de sal, (algumas ainda resistem e
continuam a ser amanhadas), o caminho era bordado por tramagueiras que
em tempos idos eram podadas. Do lado da Cale da Vila, as fortes
correntes de água destruíram as protecções de pedra, esburacando o que
resta do caminho e criando autênticas ratoeiras. Para além disto tudo,
registe-se a enorme quantidade de lixo que encharca todo o percurso.
Olhando para norte, o
espectáculo que nos é dado apreciar é confrangedor. Antigamente, toda
aquela margem da cale tinha muros de torrão sempre cuidados. Os
marnotos tratavam da sua manutenção e, nas eiras das marinhas, logo
que chegavam os dias mais compridos e os calores de verão adivinhado,
começavam a despontar os cones alvos do sal a brilhar ao sol. Hoje,
esses muros arronharam, estão todos rotos e, na maré baixa, as antigas
marinhas convertem-se num lamaçal sem fim. Na maré cheia, as águas da
cale invadem tudo e não se sabe onde ficam as fronteiras do que foi,
antigamente, uma das partes mais produtivas do salgado aveirense.
Não tenho saudades da
ponte de madeira que, noutros tempos, ligava esta estrada ora
arruinada à Gafanha da Nazaré. O progresso saudável deu lugar a um
porto comercial bem movimentado e a um estaleiro que renasceu da
antiga CARNAVE.
Também não tenho saudades
da outra ponte de madeira que ligava o Forte à praia da Barra.
O progresso deu-nos
alternativas bem mais seguras e bem mais agradáveis.
Mas tenho pena que, a seu
tempo, se tenha perdido a oportunidade de converter o assoreamento
assustador do canal de Mira, no intervalo fronteiro ao actual porto da
pesca costeira, na MARINA que servisse muita da navegação de recreio
de alto mar que passa nas nossas barbas, num incessante ir e vir entre
o norte rico da Europa e o Mediterrâneo.
De 14 a 15 de Março irá
realizar-se mais um Congresso da Região de Aveiro, promovido pela
Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, cujo presidente é o
incansável Engenheiro Ribau Esteves.
Deus ilumine os seus
intervenientes na busca de soluções duradouras que permitam que a
galinha dos ovos de ouro que é a nossa Ria não morra por conta da
nossa incúria.
Fala-se na vinda de um
especialista holandês, Dick Van Den Bergh, que virá apresentar
soluções para a Ria de Aveiro.
Estes senhores holandeses
sabem do que falam. Eles quase que inventaram parte significativa do
seu território pátrio.
E a nossa Ria está mesmo a
precisar de um saber de experiência feito.
Chega
de “words, words, nothing but words”!
Gaspar Albino
Aveiro, 3 de Março de 2013 |