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Arquitecto Carlos Mendes

O 1.º Comandante dos Bombeiros Novos de Aveiro

 

Os Bombeiros Novos de Aveiro estão a comemorar este ano o seu primeiro centenário. Nessas comemorações surgirá um momento em que se ouvirá um toque de sentido, na homenagem ao Bombeiro, frente ao monumento aos Soldados da Paz, no Largo de Maia de Magalhães, o qual, como sempre, emociona profundamente todos os que sentem a vida de uma corporação que, como esta, tem sido exemplar escola de virtudes cívicas e tem prestado excepcionais serviços à nossa Comunidade.

O nosso povo da Beira-Mar chama "Queimadinho" à escultura de Charters de Almeida que enforma o monumento. Com efeito, a cor da patina empresta às formas longilíneas e enrugadas do bronze um ar de corpo consumido pelo fogo e a designação popular adequa-se perfeitamente à ideia e ao objectivo que lhe subjaz.

Por certo que o escultor Charters de Almeida nunca terá pensado em dar nome de "Queimadinho" a esta sua obra. Mas o povo, com a sua imensa sabedoria, assim o designou.

E nome dado pelo povo nunca mais se perde.

Aliás como nunca mais se perderá a forma tão carinhosa como as nossas gentes designam os bombeiros da nossa cidade: "Velhos", os de lá de cima, da Glória; "Novos", os de lá de baixo, da Vera-Cruz.

Ainda hoje me pergunto a razão pela qual este monumento ao Bombeiro – dos mais bonitos que conheço! – terá ficado implantado no Largo de Maia de Magalhães, tão em frente ao quartel dos Bombeiros Novos e como que a desafiar a inveja dos "Velhos”.

Por certo que terá andado por aí, na escolha do espaço, a mão do sempre saudoso Dr. David Cristo, então presidente da Direcção dos "Novos" e figura de proa do inesquecível congresso bombeiral realizado em Aveiro no final da década de 70.

Eu tive a subida honra e especial privilégio de o servir, a David Cristo, entretanto já presidente da Assembleia-Geral, e eu eleito presidente da Direcção dos Bombeiros Novos, ainda no velho quartel da traça do arquitecto Carlos Mendes.

 

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Carlos Mendes - Projecto de arquitectura parta o quartel dos Bombeiros Novos.

 

Era um lindo edifício este, o do quartel dos Bombeiros Novos, então dos mais belos exemplares de Arte Nova da nossa cidade, apesar de muito degradado.

Quando assumi responsabilidades directivas nos Bombeiros Novos, o seu destino já estava inexoravelmente traçado. O projecto do novo quartel já estava superiormente aprovado e a sua construção seria levada a cabo no espaço que resultaria da demolição da primeira sede de raiz que a Corporação tinha tido.

Já nada podia fazer para evitar tão grande perda. Nesses tempos, a importância atribuída ao património da Arte Nova aveirense era insignificante e a avaliação histórica do mérito de muita da nossa arquitectura estava por fazer.

Felizmente que em pouco mais de três dezenas de anos as sensibilidades mudaram e a consciência cívica tornou-se muito mais exigente neste particular aspecto da conservação dos marcos que permitem definir a nossa identidade. Fora esta consciência já prevalecente por esses tempos e aquele quartel ainda hoje estaria de pé, possivelmente como casa de cultura ao serviço da nossa terra. Mas não foi assim que as coisas infelizmente se passaram.

Dessa casa tão bonita resta hoje, tão somente, um primoroso desenho a nanquim aguarelado com os alçados fronteiro e lateral da autoria do ilustre arquitecto aveirense Carlos Mendes. Salvei "in extremis" tal desenho que quase se ia perdendo à frente de camartelo demolidor. Salvei isso e o monograma da Companhia da autoria do saudoso artista aveirense José de Pinho, vazado em cimento, que mandei guardar e posteriormente colocar no novo quartel.

Foi juntando peças de um verdadeiro "puzzle" que cheguei à conclusão, posteriormente, de que o mesmíssimo arquitecto Carlos Mendes tinha sido o primeiro Comandante dos Bombeiros Novos.

Recuperou-se o seu retrato a partir de uma zincogravura publicada no periódico aveirense "Democrata", de 25 de Maio de 1929, em artigo de elogio póstumo, de autoria de Acácio Rosa, decorridos que eram 7 anos sobre a morte de Carlos Mendes.

Este aveirense, de seu nome completo Carlos Augusto José Mendes, nasceu a 13 de Agosto de 1869, no Cojo, filho de um empregado da Alfândega e de uma padeira. Era gente muito pobre.

Apesar de inúmeras dificuldades materiais, o seu enorme talento artístico impeliu-o a matricular-se na Academia Portuense de Belas Artes, em Arquitectura Civil, em 21 de Outubro de 1889.

Aí frequentou também Escultura, Desenho Histórico e Pintura, tendo sido companheiro de estudos dos que viriam a ser os tão conhecidos aveirenses, arquitecto Jaime Inácio dos Santos e escultor José Maia Romão Júnior.

A grande pintora portuguesa Aurélia de Sousa foi sua contemporânea na Academia.

Carlos Mendes foi primeiro 2° prémio do concurso "Soares dos Reis", com um projecto de “invenção de arquitectura civil”.

Nos arquivos da Academia Portuense de Belas Artes há notícia de Carlos Mendes, como aluno, ate 31 de Agosto de 1894.


Carlos Mendes - Desenho a carvão; Aula do Nu. Academia Portuense de Belas Artes – 1894.

Em 1908, publicou um anúncio no jornal aveirense "Democrata", oferecendo-se como professor de desenho e pintura e projectista de arquitectura.

Foi, como já referi, o primeiro Comandante dos Bombeiros Novos, de 1 de Dezembro de 1909 até Outubro de 1913.

O primeiro quartel, feito de raiz, de sua autoria, começou a ser construído em 1920.

O desenho do auto de posse da Primeira Comissão Municipal Administrativa Republicana é de sua autoria.

Carlos Mendes foi chefe da repartição das Obras Municipais da Câmara de Aveiro, merecendo, conforme registos em actas camarárias, desde a mais violenta censura até ao mais rasgado elogio, como funcionário, como arquitecto e como cidadão.

Tentou a sua sorte nas Colónias e deixou em Lourenço Marques, hoje Maputo, talvez a sua obra arquitectónica mais impressiva: o Mercado Municipal desta cidade moçambicana é de sua autoria, constituindo visita obrigatória para os estudantes de arquitectura da África do Sul.

Veio a morrer em Aveiro, aos 25 de Maio de 1922.

Em traços largos, aqui ficam os primeiros assentos dum trabalho biográfico que me proponho levar a cabo, procurando resgatar do olvido alguém que foi talentoso desenhador, pintor e arquitecto: Carlos Mendes.

Gaspar Albino

 

 

04-05-2018