Desde a nossa costa
até aos mares da Terra Nova
todas as ondas eram portuguesas.
Rasgavam o céu as velas Lusitanas
e as cores da bandeira,
que é da cor do sangue e da esperança,
bailavam impiedosamente
a valsa da miséria e da labuta.
Majestosos lugres,
feitos de grandeza,
de mastros ao alto, imponentes,
senhores dos ventos,
das marés e dos marinheiros.
Eram a cama e mesa,
Eram o cárcere, o carrasco, o salvador...
Desditosos tempos.
Malfadada pátria!
Fraca Mãe – cujos filhos– "homens da gueira",
Órfãos de tudo,
com as mãos cheias de nada,
mais não podiam do que sonhar e partir.
Abraçar a sina era o seu fadário.
A bordo do Dóri, num perigo maior
que a imensidão do mar que os embalava,
zagaiavam a sorte;
espantavam o frio,
as saudades e outros demónios.
Corpos cansados.
Dedos gretados.
Lábios salgados.
Peitos molhados.
Olhos chorados.
Corações apertados.
E quantos foram e não voltaram?
E quantos tiveram o mar por sepultura?!
A quantos a Linha deu o pão
mas também a perdição?
Naufragados, ou simplesmente sepultados
porque a terra estava longe
e a faina não permitia lutos.
Um Pai Nosso e três Ave-Marias
encomendavam-lhe a alma a Deus
e ia o corpo ao mar, sem mais demoras.
Que no dia seguinte, ao romper da aurora,
cantavam-se os Louvados e a saga prosseguia...
E em terra, sem notícias
esperavam mães e esposas e filhos.
Ansiavam um amor que não voltaria
nem vivo, nem morto...
Só na chegada da frota,
ao avistar dos panos brancos,
enfunados,
o povo decifrava o código das bandeiras
hasteadas na Mezena:
– Ai Jesus que morreu gente. Ai que desgraça!
As mulheres vestiam-se de negro.
Talhavam-se de pranto, muito antes
de se saber por quem gritar.
Porque para as mães do Litoral,
cada pescador é um filho.
Cada morte no mar,
é o reavivar de mil dores,
já antes sentidas.
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