Ó Senhor dos Aflitos,
olha o barquinho!
Olha-o indefeso contra a maré.
Olha que se afunda, se não lhe acodes
Olha os pescadores.
Olha o medo estampado nos seus rostos.
Olha esta aflição!
– Força a bombordo – grita o anais.
– Já lá não vai, mestre! Chora o pescador.
– Ai Mãe, que chegou a hora...
– Meus ricos filhinhos, que vai ser de vós?
Marejam-Ihe os olhos,
as mãos tremem.
– Olha a vaga, olha a vaga!
– Ai Jesus, que é desta que vamos!
Desta não nos safamos...
E a onda enrola e
o barco estala, entra de proa e naufraga...
Em terra gritam velhos e novos –
Senhora do Socorro, salvai-os!
Erguem as mãos ao céu, mas em vão.
Os cachopos choram assustados.
Os mais afoitos correm mar a dentro, mas da barca,
nem bóias, nem paneiros, nem um ai...
– Ó mar maldito!
– Ó mar ladrão,
dá-mo, que ele é meu!
Gritam as mulheres,
as mães desconsoladas,
que rasgam as blusas,
que arrancam os cabelos,
que rezam murmúrios de dor e
esperam na praia,
ajoelhadas,
molhadas de pranto e maresia,
para abraçar o fruto do seu ventre,
o seu amor,
ainda que morto.
Se o mar os trouxer...
Senhora da Boa Morte,
dai-lhe ao menos sepultura!
In "Um mar de sentidos"
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