Acesso à hierarquia superior.

A APANHA DO MOLIÇO

A apanha do moliço foi, primitivamente, exercida pelos agricultores. Mais tarde, e como consequência da expansão agrícola, exigindo uma maior produtividade, criou-se a profissão dos moliceiros.

Estes homens exercem, geralmente, o ofício por conta própria e só descansam aos domingos e dias santos de guarda.

A tripulação de cada barco compõe-se de dois membros: arrais e moço. No entanto, e apesar desta aparente hierarquia, que o próprio tratamento recíproco de camarada / 16 / nega, as suas funções confundem-se, podendo qualquer deles tomar a seu cargo, indiscriminadamente, os diferentes trabalhos exigidos pelas operações de recolha ou descarga do moliço.

Nos sítios de maior profundidade, a apanha do moliço realiza-se pela forma seguinte: primeiramente, os moliceiros tomam barlavento; a certa distância do local determinado para a colheita e em andamento reduzido, colocam, nos bordos, dois ou quatro ancinhos de arrasto que, durante o percurso, são retirados alternadamente, sempre que os sintam carregados de moliço arrancado do fundo da ria, e colocados novamente nos seus lugares, depois de depositada a encinhada nas cavernas.

Atingido o limite da área de arrasto, os barcos retomam barlavento e recomeçam a faina.


Apanha do moliço.

Esta operação repete-se tantas vezes quantas as necessárias para completar o carregamento do barco e dá-se-lhe o nome de maré de moliço.

Nos locais em que a profundidade é menor, a colheita faz-se fora do barco, a pé, com ancinhos de apanhar, que também são utilizados para colher o arrolado, moliço que se desprende do fundo e fica a boiar ou dá às praias, impelido pela corrente e pelo vento.

/ 17  / No decurso da colheita, acontece que a embarcação, a partir de certa carga, mergulha os bordos, submersão esta que chega a atingir 40 centímetros, ao completar o carregamento, que orça pelas 5 toneladas. Para prevenir esta circunstância, aumenta-se o pontal do barco com 4 falcas e 2 falquins, pranchas adaptáveis ao bordo e que se ligam entre si por justaposição.

O moliço desempenha, como fertilizante, um papel / 17 / de relevo na transformação dos terrenos arenosos e im­produtivos em excelentes terras de cultura.

Quando se destina à aplicação em verde, ou seja, imediatamente após a apanha, os carros de bois vão junto dos barcos, nas margens da ria, para o transportar para os campos. Outras vezes, descarregam-no, com padiolas, dispondo-o depois em filas sucessivas de pequenos montes, nas motas, cais de descarga de reduzida extensão.

Se, pelo contrário, é aplicado em seco, é descarre­gado e estendido em terrenos ligeiramente inclinados, a que dão o nome de malhadas, para lhe ser extraída a percentagem de água que representa uma sobrecarga inútil.

NOTA – O presente texto foi extraído do tomo referente a Os Moliceiros, Estudos Etnográficos, coordenados por Domingos José de Castro, obra editada pelo Instituto Português para a Alta Cultura, em 1943.

 
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