XVII
(...) A arte teatral
teve certa expressão na nossa freguesia, com algum sentido de
continuidade entre os finais do Século XIX e meados do XX. Depois, as
transformações sociais que se operaram no período que se seguiu ao final
da Segunda Grande Guerra interromperam a tradição. Interrupção que durou
praticamente até aos nossos dias. Nesse hiato de meio século houve só
uma experiência fugaz, entre sensivelmente 1970 e 1975, na Quinta do
Picado, protagonizada pela ADAC — Associação dos Amigos do Carocho, que,
contudo, não teve continuidade. Actualmente, sob a influência de nova e
ainda mais profunda transformação social, está em curso um novo esforço
no sentido do retomar da tradição teatral na nossa terra, desta vez
levado a cabo pelos jovens da oficina de arte dramática "Ilusões &
Limitadas" da ACAD — Associação Cultural de Aradas, sob a direcção do
Tó-Chico, ou seja, o Francisco António Magalhães Pereira.
Por volta de 1890,
havia em Verdemilho um grupo de pessoas, dentre as quais podemos referir
Manuel Filipe Neto, Joaquim Crespo, Manuel Lobo, João Paiva (pai do Dr.
Paiva), Rosa Tuna e outros, que faziam teatro. Ensaiavam e representavam
na escola primária que então existia na Quinta de Nossa Senhora das
Dores.
Aparentemente, este
movimento deu frutos e, cerca de 1910/1915, já se fazia teatro não só em
Verdemilho mas também no Bonsucesso e em Aradas. Em Verdemilho
surgem-nos, entre outros, nomes como
/ 38 /
os de João Francisco Neves, Salvador Torres ou Angélica Ferreirinha. No
Bonsucesso, onde se fez teatro entre mais ou menos 1910 e 1930, com um
interregno durante a Primeira Grande Guerra de 1914/1918, encontramos
nomes como os de Casimiro Madail e suas filhas Maria e Palmira, Duarte
Morgado, os irmãos Fernando e Marcos Ratola, José Pinho (que era de
Verdemilho), José Carraca (que era o sacristão do tempo do Vigário
Pato), Rosa Torroa, João Maria de Oliveira, etc. Ensaiava-se em casa do
Fernando Ratola. Representava-se nos palheiros de diversas casas do
lugar e, também, nos arraiais das festas, tanto no Bonsucesso como em
outros lugares das redondezas, como Salgueiro ou Quintãs.
Também por esse
tempo, entre aproximadamente 1910 e 1920, se fazia teatro em Aradas,
numa casa velha da Rua Direita, um pouco acima da actual loja do Jandana,
por iniciativa da Rosa Pataca e sua irmã Guilhermina. Na Quinta do
Picado, só cerca de 1935 apareceu um grupo a fazer teatro. Desse grupo
faziam parte, entre outros, o Abel João Branco (ferreiro), o João
Caganeta (ex-"brasileiro") e o Artur Cardoso, de Verdemilho. Actuavam
quer em casas do lugar, quer nos arraiais das festas. Posteriormente,
cerca de 1940, Duarte Tavares Lebre formou em sua própria casa uma
espécie de "companhia”, constituída pelos familiares, pelos criados e
também algumas pessoas de fora, para representar as rábulas cómicas que
ele próprio escrevia. Para esse efeito, aproveitando a adega, fez-lhe
adaptações e transformou-a num teatro.
Entretanto, em
Verdemilho, por volta de 1929 foi desmantelada a escola primária da
Quinta de Nossa Senhora das Dores, onde até então se ensaiava e
representava, pelo facto de ter sido inaugurada a nova escola da estrada
nacional — edifício em que, actualmente, tem a sua sede o Grupo
Desportivo Verdemilhense. Então, por iniciativa do ensaiador Abel Costa,
constituiu-se em 1930 o Clube Recreativo
/ 39 /
Verdemilhense, que arrendou o 1º andar dum prédio da Rua Capitão Lebre
(prédio que ainda hoje existe, como casa de habitação, e se localiza
defronte do Café Botafogo) onde construiu um palco e fez teatro até à
sua extinção, em 1945.
Dessa terceira
geração de amadores do teatro em Verdemilho fizeram parte o Necas
Sarrico, o João Romão e a sua irmã Maria, os irmãos Artur e Manuel
Filipe, os irmãos Saul e Amílcar Neves, a Natália Ferreirinha, a Noémia
Barroca, a Isaura Paiva, a Maria Helena Labrisca, a Felicidade Ramos, o
José Vieira, o Israel Maio e o seu irmão Mário, o Diamantino Marques, o
João Neves e dezenas de outros. Representaram-se rábulas, comédias,
actos de variedades e peças como "Gaspar, o Serralheiro", "Rosas de
Nossa Senhora", "Rosa do Adro" e "O Vinte e Nove" — que foi a última
representada pelo grupo, imediatamente antes da extinção do Clube. Esta
peça, a que criancinha ainda tive oportunidade de assistir, representou,
para mim, o primeiro contacto da minha vida com o teatro.
Foram presidentes do
Clube: primeiro — e durante muitos anos — João Francisco Neto;
seguiu-se-Ihe o Major António Lebre, depois Elísio Martins e, por fim,
João Francisco Neves — que era o proprietário do prédio onde o Clube
estava instalado. Pelo largo espaço de tempo que durou, pelo elevado
número de pessoas que envolveu, num meio humano rural e tão pequenino
como era Verdemilho nesse tempo, pela cadência espantosa no levar à cena
de novos espectáculos (chegaram a apresentar espectáculos novos a ritmo
quinzenal, com programas inteiramente diferentes!...) e pelo nível
artístico por estes atingido, o Clube Recreativo Verdemilhense foi uma
experiência verdadeiramente notável e representou a mais consistente e
conseguida realização de toda a tradição teatral na nossa freguesia. |