David Paiva Martins, Fragmentos de Vida. A Minha Terra. 1ª ed., Aradas, ACAD (Associação Cultural de Aradas), 2005, 170 pp.

Teatro em Verdemilho


XVII

(...) A arte teatral teve certa expressão na nossa freguesia, com algum sentido de continuidade entre os finais do Século XIX e meados do XX. Depois, as transformações sociais que se operaram no período que se seguiu ao final da Segunda Grande Guerra interromperam a tradição. Interrupção que durou praticamente até aos nossos dias. Nesse hiato de meio século houve só uma experiência fugaz, entre sensivelmente 1970 e 1975, na Quinta do Picado, protagonizada pela ADAC — Associação dos Amigos do Carocho, que, contudo, não teve continuidade. Actualmente, sob a influência de nova e ainda mais profunda transformação social, está em curso um novo esforço no sentido do retomar da tradição teatral na nossa terra, desta vez levado a cabo pelos jovens da oficina de arte dramática "Ilusões & Limitadas" da ACAD — Associação Cultural de Aradas, sob a direcção do Tó-Chico, ou seja, o Francisco António Magalhães Pereira.

Por volta de 1890, havia em Verdemilho um grupo de pessoas, dentre as quais podemos referir Manuel Filipe Neto, Joaquim Crespo, Manuel Lobo, João Paiva (pai do Dr. Paiva), Rosa Tuna e outros, que faziam teatro. Ensaiavam e representavam na escola primária que então existia na Quinta de Nossa Senhora das Dores.

Aparentemente, este movimento deu frutos e, cerca de 1910/1915, já se fazia teatro não só em Verdemilho mas também no Bonsucesso e em Aradas. Em Verdemilho surgem-nos, entre outros, nomes como / 38 / os de João Francisco Neves, Salvador Torres ou Angélica Ferreirinha. No Bonsucesso, onde se fez teatro entre mais ou menos 1910 e 1930, com um interregno durante a Primeira Grande Guerra de 1914/1918, encontramos nomes como os de Casimiro Madail e suas filhas Maria e Palmira, Duarte Morgado, os irmãos Fernando e Marcos Ratola, José Pinho (que era de Verdemilho), José Carraca (que era o sacristão do tempo do Vigário Pato), Rosa Torroa, João Maria de Oliveira, etc. Ensaiava-se em casa do Fernando Ratola. Representava-se nos palheiros de diversas casas do lugar e, também, nos arraiais das festas, tanto no Bonsucesso como em outros lugares das redondezas, como Salgueiro ou Quintãs.

Também por esse tempo, entre aproximadamente 1910 e 1920, se fazia teatro em Aradas, numa casa velha da Rua Direita, um pouco acima da actual loja do Jandana, por iniciativa da Rosa Pataca e sua irmã Guilhermina. Na Quinta do Picado, só cerca de 1935 apareceu um grupo a fazer teatro. Desse grupo faziam parte, entre outros, o Abel João Branco (ferreiro), o João Caganeta (ex-"brasileiro") e o Artur Cardoso, de Verdemilho. Actuavam quer em casas do lugar, quer nos arraiais das festas. Posteriormente, cerca de 1940, Duarte Tavares Lebre formou em sua própria casa uma espécie de "companhia”, constituída pelos familiares, pelos criados e também algumas pessoas de fora, para representar as rábulas cómicas que ele próprio escrevia. Para esse efeito, aproveitando a adega, fez-lhe adaptações e transformou-a num teatro.

Entretanto, em Verdemilho, por volta de 1929 foi desmantelada a escola primária da Quinta de Nossa Senhora das Dores, onde até então se ensaiava e representava, pelo facto de ter sido inaugurada a nova escola da estrada nacional — edifício em que, actualmente, tem a sua sede o Grupo Desportivo Verdemilhense. Então, por iniciativa do ensaiador Abel Costa, constituiu-se em 1930 o Clube Recreativo / 39 / Verdemilhense, que arrendou o 1º andar dum prédio da Rua Capitão Lebre (prédio que ainda hoje existe, como casa de habitação, e se localiza defronte do Café Botafogo) onde construiu um palco e fez teatro até à sua extinção, em 1945.

Dessa terceira geração de amadores do teatro em Verdemilho fizeram parte o Necas Sarrico, o João Romão e a sua irmã Maria, os irmãos Artur e Manuel Filipe, os irmãos Saul e Amílcar Neves, a Natália Ferreirinha, a Noémia Barroca, a Isaura Paiva, a Maria Helena Labrisca, a Felicidade Ramos, o José Vieira, o Israel Maio e o seu irmão Mário, o Diamantino Marques, o João Neves e dezenas de outros. Representaram-se rábulas, comédias, actos de variedades e peças como "Gaspar, o Serralheiro", "Rosas de Nossa Senhora", "Rosa do Adro" e "O Vinte e Nove" — que foi a última representada pelo grupo, imediatamente antes da extinção do Clube. Esta peça, a que criancinha ainda tive oportunidade de assistir, representou, para mim, o primeiro contacto da minha vida com o teatro.

Foram presidentes do Clube: primeiro — e durante muitos anos — João Francisco Neto; seguiu-se-Ihe o Major António Lebre, depois Elísio Martins e, por fim, João Francisco Neves — que era o proprietário do prédio onde o Clube estava instalado. Pelo largo espaço de tempo que durou, pelo elevado número de pessoas que envolveu, num meio humano rural e tão pequenino como era Verdemilho nesse tempo, pela cadência espantosa no levar à cena de novos espectáculos (chegaram a apresentar espectáculos novos a ritmo quinzenal, com programas inteiramente diferentes!...) e pelo nível artístico por estes atingido, o Clube Recreativo Verdemilhense foi uma experiência verdadeiramente notável e representou a mais consistente e conseguida realização de toda a tradição teatral na nossa freguesia.

 

 
Página anterior Página inicial Página seguinte

22-04-2018