David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a primeira metade do século XX (Da Junta de Parochia à Junta de Freguesia). 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2008, 268 pp.

2.6 – A cruz da fábrica

 

Na Paróquia de Aradas existe há séculos uma notável cruz de prata, de elevado valor artístico e também grande valia monetária. Por tudo isso, foi fonte de sérias preocupações aquando das Invasões Francesas – 1807 a 1810 –, época que passou escondida, enterrada num curral de vacas, ao que sempre ouvi contar. Além de bonita é também uma peça muito grande: pesa cerca de sete quilos e meio.

 

Exactamente um século após as Invasões Francesas, a Cruz da Fábrica voltou a ser motivo de algumas discussões. Tudo começou quando a Junta decidiu, na sessão ordinária de 18 de Março de 1906, as condições da sua utilização em cerimónias públicas. Diz-nos a respectiva acta que a Junta deliberou “que d’hoje para o futuro, attendendo aos estragos feitos à cruz grande, de prata, pertencente a esta Junta, não seja permittido que a levem aos acompanhamentos, nos enterros, menos que não entrem com a quantia de trez mil reis, no cofre da Junta, por meio da respectiva guia; e que só poderá sahir, alugada, para fora da freguesia, mediante a quantia de quatro mil e quinhentos reis, sendo conduzida, neste ultimo caso, por pessoa da confiança da Junta, e a quem esta pagará o trabalho da condução e guarda, ficando por este modo destinada a abrilhantar as procissões desta freguesia somente, visto ser um objecto de grande valor, não só pela materia prima, mas pelo trabalho artistico e antigo que a mesma encerra”.

 

 

 

Parece que as pessoas não apreciaram a decisão da Junta. Vejamos, a propósito, o que diz a acta da sessão ordinária de 1 de Abril de 1906, que se transcreve parcialmente: “… mas tendo chegado ao seu conhecimento (do Presidente) o desagrado que aos parochianos causara a prohibição da comparencia da cruz de prata nos enterros, sem que pagassem a quantia de trez mil reis; e reconhecendo que o intuito dos mesmos é o de conservar os usos e costumes da freguesia, o que é justo, e que a deliberação que a Junta a este respeito tomara não era movida pela ganancia, mas sim para evitar a sua deterioração; reconsiderando, resolveu que ficasse sem effeito a parte daquella sua deliberação no que diz respeito ao serviço da cruz dentro da freguesia, mas que para evitar qualquer descuido da parte dos Juizes da Egreja, a cargo dos quaes se acha o serviço e guarda da dita cruz, que estes sejam chamados à presença da Junta para tomarem a responsabilidade d’ella e de qualquer prejuizo que possa soffrer até à entrega a outro que lhe suceda, verificação e entrega que se realizará perante a mesma Junta, assignando, sempre, cada um, a acta da sessão em que lhe seja feita a entrega”.

 

 

 

Mas as preocupações da Junta não se esgotavam no problema da preservação do bom estado da cruz. Havia outros abusos, que era necessário reprimir. Por isso, a acta da sessão ordinária de 5 de Agosto de 1906 diz que a Junta, “tomando conhecimento de que pessoas estranhas à freguesia têm ido ilegalmente extrair areia para construções ao baldio do Carregueiro, deliberou que para o futuro o preço de cada carro de areia daquele baldio seja de cem réis; e que todo o indivíduo, de fora da freguesia, que seja encontrado sem a respectiva guia assinada pelo tesoureiro da Junta, fique sujeito à multa de mil réis por cada carro de areia, independentemente de procedimento criminal”; e, ainda, “que qualquer paroquiano desta freguesia possa exigir a guia aos condutores, podendo, no caso de infracção, apreender o carro e bois para o pagamento da multa, de que terá metade o denunciante e outra metade para a Junta de Paróquia”.

 

 

 

 

Na sessão ordinária de 30 de Setembro de 1906 prestou juramento, e tomou posse como vogal efectivo, em substituição de Manuel da Rocha Ribeiro, que falecera, o vogal substituto mais votado, que era José Maria João da Rosa.

 

 

 

Na sessão ordinária de 28 de Abril de 1907, a Junta decidiu adquirir as madeiras para a casa paroquial. “Approvada a acta da sessão anterior, a Junta resolveu adquirir as madeiras orçadas para a casa da residência, autorizando o presidente a pagal-as logo que sejam fornecidas, assim como os concertos nos paramentos de mais necessidade”.

 

 

 

Na sessão ordinária de 10 de Novembro de 1907, o vogal Manuel Simões Maia da Fonte historiou a ideia da construção da casa paroquial, a sua necessidade, e o que já havia sido feito para sua construção, e propôs que o terreno baldio em que ela se localiza lhe fique afecto, como quintal, jardim e caminho de acesso, passando a pertencer à Junta. Este assunto veio a ser fonte de diversos problemas futuros, com a Lei de Separação da Igreja e do Estado, após a implantação da República – como a seu tempo veremos.

 

 

Na sessão ordinária de 22 de Dezembro de 1907, a Junta decidiu segurar contra incêndios, no valor de seiscentos mil réis, a casa que está a ser construída para residência paroquial.

 

 

Fica uma referência ao facto de, todos os anos, haver uma reunião extraordinária da Junta de Paróquia, no dia 26 de Dezembro, para nomear os mordomos das diversas confrarias, “como é costume immemorial desta freguesia” e “em conformidade com o antigo costume” – como se lê na acta da sessão de 26 de Dezembro de 1907.

 

Há alguns pormenores curiosos: para juízes da Igreja e para juízes de cada uma das confrarias havia sempre dois mordomos, sendo um de Verdemilho e outro de Arada. As pessoas do Bonsucesso e da Quinta do Picado só surgiam nomeadas para juízes do “Ramo de Cima” – que não se conseguiu apurar o que era. O juiz do “Ramo de Cima”, aliás, aparecia sempre, tanto na Igreja como em cada uma das confrarias.

 

Aqui está, entre outros, um trabalho interessante para um historiador investigar. A observação destas actas sugere um sem número de perguntas, para que seria interessante encontrar respostas. Porque – como a própria acta refere – se tratou dum costume “antigo” e “imemorial” que, não obstante, desapareceu sem deixar rasto nos nossos dias.

 

 
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