David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a primeira metade do século XX (Da Junta de Parochia à Junta de Freguesia). 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2008, 268 pp.

2.1 – O problema dos foros

 

Uma fonte de permanente preocupação, ao longo de todo o primeiro quartel do Século XX, era a cobrança dos foros. Havia sempre enfiteutas que não pagavam no tempo próprio. A Junta ameaçava-os; e dava prazo extraordinário para que cumprissem a sua obrigação… mas, mesmo assim, eles não pagavam. Então, via-se constrangida a dar instruções ao seu advogado para que accionasse judicialmente esses devedores relapsos. A certa altura, era uma situação recorrente. Sem se referir todos os casos, relataremos os que pareceram mais curiosos ou significativos e também, na altura própria, as medidas extraordinárias que, face ao agudizar do problema, a Junta decidiu adoptar em 1922 na tentativa de o resolver de vez.

 

Um dos casos mais curiosos está descrito na acta da sessão de 31 de Maio de 1903, transcrita com respeito da ortografia em que está expressa, com erros e tudo, para não lhe tirar o sabor:

 

“Aos trinta e um dias do mez de Maio do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e três, estando reunida a Junta de Parochia d’Aradas, concelho d’Aveiro, na sachristia da egreja matriz d’esta freguezia, que é o logar habitual das suas sessões, composta pelo presidente o Reverendo Parocho António dos Santos Pato e dos vogaes Júlio Alfredo Lourenço Catharino, Manoel Simões Maia da Fonte, António Nunes Rafeiro e Francisco Gonçalves Andril, pelo presidente foi aberta a sessão.

 

Á Junta foi apresentado pelo presidente o accordão da Comissão Districtal que approvou as contas do anno de mil novecentos e dois, com a clausula de demandar Chrisanta Ferreira do Amaral, d’Arada, pelo fôro que a mesma deve a esta Junta de Parochia, com o fundamento de que se acha pago até ao anno de mil oitocentos e noventa e cinco, não havendo prescripção, tornando a esta Junta responsável quer individual quer solidariamente por elle, se não executar a emphyteuta, ou por outra qualquer verba que deixe de ser recebida por desleixo.

 

A Junta resolveu cumprir o que superiormente lhe fôra ordenado; e como a verba orçada para litígios é insuficiente, fazer um orçamento supplementar, se for necessário, aplicando para demandar a dita emphyteuta, ou outro qualquer que se ache em divida, o dinheiro que a Junta tencionava destinar para as obras da egreja, devendo ter em consideração que se aquelle fôro de Chrisanta Ferreira do Amaral se acha pago até ao anno de mil oitocentos e noventa e cinco, como affirma a Excellentissima Comissão Districtal em seu accordão, também o está até ao anno de mil e novecentos inclusive, não pela emphyteuta, mas pelos membros da Junta transacta, condenados a pagar as dividas que não tinham cobrado. E como nada mais houvesse a tratar, o presidente declarou encerrada a sessão, mandando lavrar a presente acta que vai assignar com os mais vogaes, depois de lida por mim António da Maia, secretario da Junta, que a escrevi e assigno”.

 

A acta é extraordinariamente curiosa, por dois motivos:

 

Primeiro, pelo aspecto pedagógico. Aqueles homens trabalhavam de graça, pela honra de servir o povo. Não recebiam qualquer remuneração pelo exercício de funções públicas na Junta de Paróquia. Não obstante, as entidades político-administrativas do Reino sentiam-se com moral suficiente para os obrigarem a assumir o pagamento do seu bolso de dívidas de terceiros que deixassem de ser cobradas por eventual menor cuidado que tivessem posto no exercício dessas funções, embora gratuitas. Imagine-se tal exigência nos dias de hoje, quando é o próprio Estado a dar o exemplo de mau pagador!... Aparentemente, neste particular andou-se para trás e bastou um século para que o nosso País virasse do avesso!

 

O segundo motivo de curiosidade é a própria identidade da enfiteuta, ou seja a pessoa que tinha a obrigação de pagar o foro – que era algo parecido com a actual renda – por beneficiar do uso da propriedade. A devedora em falta é filha do anterior pároco, Vigário Manuel José Ferreira do Amaral que, ao tempo da dívida, era presidente da Junta. Neste particular, se pensarmos um pouco no que se vai passando à nossa volta, parece que o País afinal não terá mudado tanto assim! 

 

 

 Na sessão de 28 de Junho de 1903, a Junta autorizou o presidente a levantar do cofre a verba necessária para demandar Crisanta Ferreira do Amaral, como determinou o acórdão da Comissão Distrital, e cobrar de outros devedores.

 

 

Na sessão de 12 de Julho de 1903 a Junta tomou conhecimento de que o Governo Civil tinha aprovado as multas decididas na sessão de 19 de Abril. O presidente requereu verbalmente que lhe fossem concedidos 30 dias de licença em Agosto. A Junta decidiu favoravelmente esse requerimento verbal e chamou para exercer funções o vogal substituto mais velho, João Manuel Branco, da Quinta do Picado, ficando como presidente substituto o vogal efectivo mais velho, Sr. António Nunes Rafeiro.

 

 

Nas sessões de 9 e 23 de Agosto e 6 de Setembro, que foram presididas por António Nunes Rafeiro, não se tomou nenhuma decisão.

 

 
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