Uma fonte de permanente preocupação, ao longo de todo o
primeiro quartel do Século XX, era a cobrança dos foros. Havia sempre
enfiteutas que não pagavam no tempo próprio. A Junta ameaçava-os; e dava
prazo extraordinário para que cumprissem a sua obrigação… mas, mesmo
assim, eles não pagavam. Então, via-se constrangida a dar instruções ao
seu advogado para que accionasse judicialmente esses devedores relapsos.
A certa altura, era uma situação recorrente. Sem se referir todos os
casos, relataremos os que pareceram mais curiosos ou significativos e
também, na altura própria, as medidas extraordinárias que, face ao
agudizar do problema, a Junta decidiu adoptar em 1922 na tentativa de o
resolver de vez.
Um dos casos mais curiosos está descrito na acta da sessão de
31 de Maio de 1903, transcrita com respeito da ortografia em que está
expressa, com erros e tudo, para não lhe tirar o sabor:
“Aos trinta e um dias do mez de Maio do anno do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e três, estando reunida a
Junta de Parochia d’Aradas, concelho d’Aveiro, na sachristia da egreja
matriz d’esta freguezia, que é o logar habitual das suas sessões,
composta pelo presidente o Reverendo Parocho António dos Santos Pato e
dos vogaes Júlio Alfredo Lourenço Catharino, Manoel Simões Maia da
Fonte, António Nunes Rafeiro e Francisco Gonçalves Andril, pelo
presidente foi aberta a sessão.
Á Junta foi apresentado pelo presidente o accordão da
Comissão Districtal que approvou as contas do anno de mil novecentos e
dois, com a clausula de demandar Chrisanta Ferreira do Amaral, d’Arada,
pelo fôro que a mesma deve a esta Junta de Parochia, com o fundamento de
que se acha pago até ao anno de mil oitocentos e noventa e cinco, não
havendo prescripção, tornando a esta Junta responsável quer individual
quer solidariamente por elle, se não executar a emphyteuta, ou por outra
qualquer verba que deixe de ser recebida por desleixo.
A Junta resolveu cumprir o que superiormente lhe fôra
ordenado; e como a verba orçada para litígios é insuficiente, fazer um
orçamento supplementar, se for necessário, aplicando para demandar a
dita emphyteuta, ou outro qualquer que se ache em divida, o dinheiro que
a Junta tencionava destinar para as obras da egreja, devendo ter em
consideração que se aquelle fôro de Chrisanta Ferreira do Amaral se acha
pago até ao anno de mil oitocentos e noventa e cinco, como affirma a
Excellentissima Comissão Districtal em seu accordão, também o está até
ao anno de mil e novecentos inclusive, não pela emphyteuta, mas pelos
membros da Junta transacta, condenados a pagar as dividas que não tinham
cobrado. E como nada mais houvesse a tratar, o presidente declarou
encerrada a sessão, mandando lavrar a presente acta que vai assignar com
os mais vogaes, depois de lida por mim António da Maia, secretario da
Junta, que a escrevi e assigno”.
A acta é extraordinariamente curiosa, por dois motivos:
Primeiro, pelo aspecto pedagógico. Aqueles homens trabalhavam
de graça, pela honra de servir o povo. Não recebiam qualquer remuneração
pelo exercício de funções públicas na Junta de Paróquia. Não obstante,
as entidades político-administrativas do Reino sentiam-se com moral
suficiente para os obrigarem a assumir o pagamento do seu bolso de
dívidas de terceiros que deixassem de ser cobradas por eventual menor
cuidado que tivessem posto no exercício dessas funções, embora
gratuitas. Imagine-se tal exigência nos dias de hoje, quando é o próprio
Estado a dar o exemplo de mau pagador!... Aparentemente, neste
particular andou-se para trás e bastou um século para que o nosso País
virasse do avesso!
O segundo motivo de curiosidade é a própria identidade da
enfiteuta, ou seja a pessoa que tinha a obrigação de pagar o foro – que
era algo parecido com a actual renda – por beneficiar do uso da
propriedade. A devedora em falta é filha do anterior pároco, Vigário
Manuel José Ferreira do Amaral que, ao tempo da dívida, era presidente
da Junta. Neste particular, se pensarmos um pouco no que se vai passando
à nossa volta, parece que o País afinal não terá mudado tanto assim!
Na sessão de 28 de Junho de 1903, a Junta autorizou o
presidente a levantar do cofre a verba necessária para demandar Crisanta
Ferreira do Amaral, como determinou o acórdão da Comissão Distrital, e
cobrar de outros devedores.
Na sessão de 12 de Julho de 1903 a Junta tomou conhecimento
de que o Governo Civil tinha aprovado as multas decididas na sessão de
19 de Abril. O presidente requereu verbalmente que lhe fossem concedidos
30 dias de licença em Agosto. A Junta decidiu favoravelmente esse
requerimento verbal e chamou para exercer funções o vogal substituto
mais velho, João Manuel Branco, da Quinta do Picado, ficando como
presidente substituto o vogal efectivo mais velho, Sr. António Nunes
Rafeiro.
Nas sessões de 9 e 23 de Agosto e 6 de Setembro, que foram
presididas por António Nunes Rafeiro, não se tomou nenhuma decisão. |