Costa e Melo, Ilhas do Mundo Vário. I - Ilhas do Mar, Horta, CMH, 1999, págs. 91 a 116.

O Abel, a vida e a morte

À memória do Tibério, do José de Freitas e do Pimentel, açorianos do Pico, das Flores e da Horta, de quem fui irmão-amigo.

 

Resolvera com o acordo dos pais e depois de feito o balanço às possibilidades de o manterem em Coimbra ou em Lisboa durante os anos necessários ao curso e a um razoável período de prática nos Hospitais, ir para Medicina, terminado que foi o Liceu, em colégios do Porto.

E não teve a ideia de ficar na bela e vetusta cidade do Douro, porque, com o tempo, foi sentindo necessidade de, aos olhos e aos passos, dar outro conforto menos triste que o dos cinzentos escurecidos pela patina dos granitos velhos e o íngreme daquelas escadas e ladeiras que tanto levavam à beleza líquida do rio como dele o afastavam dos poucos verdes que, encosta acima, só de longe e em ocasionais buracos deixados em aberto pelos prédios construídos sem visão, para além do perto, se avistavam nos pequenos plainos da Cordoaria e das Fontainhas.

Contudo, nunca deixava de sentir uma certa nostalgia por aquela tristeza de ruas tortas, pois fora nelas que tivera os seus primeiros e fugidios amores com uma rapariga, empregada de balcão nos Armazéns do Chiado, lá em cima, perto do pátio dos leões e junto à mole imensa da Universidade e não longe da velha Torre dos Clérigos, dedo que aponta ao Porto o caminho do céu para os seus anseios e passos em frente.

Era o Abel.

Tinha boa figura e a altura, mesmo naquela idade em que se acabou de crescer e ainda se está muito longe de começar a mingar, dava-lhe um ar distinto a que nem faltava um quase permanente sorriso de troça inocente que atraia mais do que afastava aqueles com quem contactava ou o viam, sem o conhecer.

Tinha uma personalidade forte de que não raro se servia, em proveito próprio, conseguindo convencer os irmãos mais novos que com ele estudavam, também no Porto, de que ele, por mais velho, poderia e deveria ir para os melhores lugares da plateia, enquanto eles teriam de contentar-se com as galerias, já que o dinheiro que o Tio, em casa de quem estavam, lhes dava para irem ao Teatro, aquando da vinda de companhias de Lisboa, para mais não chegava.

Era o tempo dos Brasões, dos Rosas, dos Chaby, este quase ainda na juventude, e, do lado feminino, da Adelina Abranches, da Pai mira Bastos e dessa incomparável Maria Matos que tanto era a cómica como a trágica, com igual categoria.

É que eles gostavam muito de teatro, todos eles, e só não iam ao Sá da Bandeira, ao Chave d'Ouro ou ao S. João, quando à pequena mesada, na medida das possibilidades, o Tio não queria ou não podia reforçar para a compra dos bilhetes de ingresso.

Mas a decisão de ir para Coimbra e, seguidamente, para Lisboa, estava tomada e numa manhã chuvosa de Outubro, lá foi o Abel e, com ele, bem encrostada em si, a ideia de conseguir o diploma necessário ao exercício lucrativo de uma profissão que ele antevia como perfeitamente compatível com o que começava a pensar acerca da vida e da morte, tão ligadas, entre si, como o nascer e o findar.

Pensava nisso muitas vezes, o Abel, e não se impressionou demasiado, no desenrolar do curso, quando da Maternidade passava para a Cirurgia ou para a Morgue, onde se começava, se corrigia e se apuravam causas de fim ou consequências de substâncias ou actos de violência.

Tudo seguia com aparente maturidade e aquelas passadas da Ladeira do Seminário até ao Hospital e suas enfermarias eram iguais àquelas que se desenvolveriam quando, três anos depois, se transferiu para Lisboa onde haveria mais doentes, mais carne morta para retalhar em pesquisas, mais e mais categorizados Mestres, entre os quais brilhavam, já, um Pulido Valente, um Augusto Monjardino, um Egas Moniz e começava a ensinar o que com eles aprendera, o Fernando da Fonseca, e levavam o Abel das ruas do Conde de Redondo até à Santa Marta do Hospital e ao Campo de Santana, da Faculdade, propriamente dita.

Quando o Abel terminou o curso, já estava preso, definitivamente, a uns olhos negros, daqueles que, por vezes, encandeiam sem deixarem de marcar destinos.

Fora uma grande alegria para os pais que, com o facto, viram uma porta aberta no futuro do filho e um fim à sangria da pequena bolsa, só reabastecida pelos minguados lucros da lojeca do pai e pelos também reduzidos proventos vindos da venda do trigo, do milho e dos feijões das courelas e dos almudes de vinho com origem nas vinhas que haviam herdado ou adquirido com as economias consegui das antes dos filhos começarem a estudar.

Entretanto o Abel tinha resolvido casar, alternando períodos na aldeia com os pais, com períodos de Lisboa para frequentar hospitais em busca de traquejo no manejo do bisturi, do estetoscópio e das seringas, ausências essas agora só possíveis por ter passado a contar com a casa, cama, mesa e roupa lavada dos sogros que, sem serem ricos, desfrutavam de nível económico bastante para o efeito.

O Abel sempre gostou de se dar um pouco à noite e, nela, dedicar algum do seu tempo aos manejos do pano verde e dos baralhos do solo ou do "bridge" em que era exímio e, por isso, tão desejado quanto temido pelos companheiros, já que jogava sempre a dinheiro, embora "baratinho".

Entre estes contava-se um, de origem açoriana, que pela sua arguta inteligência e tendências ideológicas, logo se tornou no principal amigo do Abel, ao ponto de o passar a influenciar em muitos dos seus passos pois era mais velho e dos tais que sabem convencer e cativar sem jamais se imporem com outros argumentos que não os da razão.

E não tardou que o Abel se sentisse conquistado pela ideia, incutida pelo amigo, de ir fazer um período de medicina, quase de pioneirismo, numa das mais recônditas ilhas do arquipélago onde o esperavam vários milhares de habitantes, nem todos sãos e, por isso, carecidos de quem os medicasse e, ocasionalmente, fosse ao ponto de intervir, cirurgicamente, em casos de urgência não conciliáveis com demoras do vapor que só de mês a mês os poderia levar até ao Faial, já dotado de alguns médicos, enfermeiros e hospital com um mínimo de possibilidades para enfrentar as crises mais agudas.

Era a Ilha das Flores, um naco de paraíso, verde e azul, despejado no mar mas onde, como em outros lados, se nascia, se vivia e se morria com solavancos de saúde em tudo semelhantes aos das vacas que nos úberes pastos das encostas, dos plainos altos e das fajãs, também nasciam, viviam e morriam na quase única tarefa de se darem, em leite e carne, a quem delas fosse dono, tratador, comprador ou talho.

Só tinha um cavalo para as deslocações, algumas de vários, muitos quilómetros ou léguas e de um ajudante, tratador do bicho, a ele e ao dono dedicado por igual, e que, nos primeiros tempos, lhe serviu de guia para os ignotos caminhos das freguesias rurais da outra ponta da Ilha; ou de um barco a remos que, pelo mar, nem sempre ou quase nunca manso, o levava àqueles lugares, quase sempre fajãs de seu nome, onde só por mar se poderia chegar na ajuda a pessoas atacadas de gripe, pneumonias, diarreias ou prisões de ventre que, quando persistentes, se tornariam perigosos se não atacadas a tempo.

Mas o que o Abel mais gostava de fazer era ajudar a pôr à luz do mundo, os pequeninos seres que o continuavam e que os seus compridos dedos de pianista sabiam trazer para fora das mães que, por qualquer motivo, o não conseguiam fazer naturalmente ou com a simples mas preciosa ajuda das "comadres" da freguesia própria ou vizinha.

Era um apaixonado da vida, o Abel, apesar de partilhar com ela tantos amargos que a idade, a bem dizer jovem, fazia suportar sem sacrifício.

Mas, exactamente por o ser, olhava a vida dos outros como bem inestimável e tudo fazia para, além dos remédios que receitava, com o seu sábio poder de convencimento, levar os seus pacientes a encarar esses amargos como fatalidades inevitáveis que da vida tanto faziam parte como os doces da alegria e do prazer.

E adoravam-no, exactamente por isso!

Viam nele um predestinado para toda aquela ajuda que dava, ainda que profissionalmente, mas com o coração e até, se fosse caso disso, com o desinteresse material. Só exigia, sempre, que entre os seus pacientes e a verdade não houvesse um milímetro que fosse a separá-los. Por sua parte, ainda que respeitador, quase fanático, dessa mesma verdade, não deixava de dar a maior importância ao fenómeno da dor, chegando a considerá-la o mal maior de todas as doenças e estados que faziam parte da vida.

Chegava a ultrapassar, às vezes, o limite da prudência para evitar a dor de ouvidos de uma criança ou aquelas, por vezes lancinantes do parto, sempre largamente compensadas pela alegria do surgimento de um novo ser, principalmente quando era o primeiro e tinha o seu quê de rasgar de carnes e despejar de sangues, sempre marcas de vida mesmo quando possam significar o final dela.

Esse temperamento múltiplo do Abel, naquela Ilha do meio do Atlântico, não raro lhe trazia problemas que só não eram mais graves porque o facto de ser único, em toda aquela extensão de verdes e azuis das pastagens sem fim bordadas de hortenses, o livrava de ciúmes e malquerenças deles, quase sempre, filhos legítimos.

Era naturalmente aceite com gratidão, no exercício do seu sacerdócio. Mesmo aquelas e aqueles que, em estado de necessidade, o substituíam por crendices e outros "mistérios" com isso ganhando umas águias americanas ou um punhado de serrilhas ou patacas dos que pela ilha ficaram, contentes com o que ela lhes dava ou eles nela sabiam encontrar, o respeitavam e ousavam, até, consultá-lo como se doentes fossem e já tivessem perdido a fé nas mezinhas da sua tradição e lucro.

O Abel, é certo que os não recebia como "colegas" mas não os hostilizava, até os compreendendo, dado os largos períodos que a Ilha passava sem Delegado de Saúde, lá então denominado Guarda-Mor de Saúde, título talvez mais condizente com a função.

Eram períodos de angústia, esses, para quantos por seu mal ou injúrias da sorte se viam obrigados a passar semanas e semanas à espera de quem por demais tardava e, nos casos de maior urgência, era substituído pelo médico de bordo do vapor "São Miguel" durante as escassas horas que demorava no porto de Santa Cruz ou no das lajes, e isso mesmo só quando ele estava disposto a atendê-los ou, ao boticário da terra dar um mínimo de instruções acerca dos remédios a tomar ou até tratamentos a fazer dentro dos limites da tintura de iodo, da água oxigenada, do penso ou do adesivo.

Tudo decorria naquela quase modorra de paz sem intromissões de imagens ou sons espúrios, para além dos poucos dos Serviços de Meteorologia, ali tão importantes por a Ilha ser a fonte ou, pelo menos, o primeiro sinal do tempo, bom ou mau, que fazia amarrar mais forte as embarcações de pesca ou soltá-las para pesca do bonito, da albacora ou, para os maiores e mais apetrechados, uma saltada até ao Banco da princesa Alice, já nas vizinhanças do Mar dos Sargaços, viveiro e maternidade de espécies mais valiosas.

O Abel dedicava muitos dos poucos momentos livres, à leitura, quer das revistas e tratados médicos que o mantinham mais ou menos actualizado; quer a obras de História, sobretudo aquelas que tapavam ou destapavam os passos de Napoleão, o grande corso, por quem tinha verdadeira adoração ao ponto de saber de cor tiradas inteiras das suas falas aos soldados e aos generais que o acompanhavam em suas aventuras guerreiras.

Havia mesmo algumas que frequentemente usava nas conversas com o padre, o Boticário ou o professor da Escola Primária, única que então havia, já que Liceus, só os das capitais de Distrito e a mais próxima era a Horta, na Ilha do Faial, a uma noite inteira de viagem, no "S. Miguel". Sobretudo aquela tirada atribuída a Napoleão, ao desembarcar da Ilha de Elba e apontava o caminho até às Torres de Notre-Dame e que veio a tomar o nome do grande pequeno imperador dos franceses, essa andava-lhe sempre nos lábios a propósito de qualquer coisa que lhe cheirasse a feito heróico.

Mas, a par da História, sua maior paixão para lá da do ofício, embrenhava-se em pensamentos e lucubrações sobre os mistérios da vida e da morte que nunca ligava a vontades omnipotentes de qualquer "extra-terrestre", mesmo engalanado com as plumas de séculos de aceitação, devoção e fanatismo.

Era um materialista de natureza embora o imaterial das alegrias, das tristezas e sobretudo das dores pesasse, como chumbo, na sua maneira de ser, pensar e agir.

A morte do amigo e o conhecimento de que tinha sido acompanhada, durante bastante tempo, por dores atrozes, fê-lo recolher-se, dentro de si, e só de lá sair, como farrapo humano, para escrever à Mãe, a quem adorava, uma carta de fel acerca das Impotências do homem na luta que trava com a morte para conservar a vida. E sentia-se com o seu grau de culpa, como médico que era e, também, pela cobardia que dele se apossava, por vezes, como chicote em castigo por obediência a costumes enraizados, sempre filhos da hipocrisia social em que vivia e, não raro, o esmagava.

Ele que quase limitava às linhas de um "estou bem e o mesmo vos desejo a todos" as cartas que escrevia à Mãe, quase sempre a bordo onde tinha por obrigação ir no exercício de funções, dessa vez encheu três folhas de papel de bordo para deixar escorrer todo o fel da sua amargura. Nela o Abel se confessava angustiado só em pensar que, com o galope da Ciência, não tardaria a ser encontrada a cura para aquele mal terrível que lhe levara o Amigo.

A carta, por inabitual no Abel, quase atemorizou a Mãe, tão ciosa do "seu menino", longe, agora, dos seus afagos e cuidados. E até mediu o tormento do Abel pela dor que ele tão extensamente transmitira ao papel, ele que quase não gostava de escrever para além das receitas para o Boticário e de um ou outro relatório, feito no âmbito da Medicina Legal, para o Delegado da Comarca, actos que sempre praticava com respeito pelas normas e pelo interesse que lhe mereciam as funções do cargo e o exercício da profissão.

E só repousou a Mãe, dos seus cuidados, quando, passado o mês do intervalo nas escalas do "S. Miguel", recebeu nova carta, esta já naquele estilo telegráfico que era bem o do Abel.

Mas o Abel tardou a encontrar o equilíbrio emocional ainda que sem deixar, nunca, de com rigor e humanidade, cuidar de cumprir os seus deveres fossem os de preencher papéis, fossem, principalmente, aqueles que sem serem propriamente o terreno do que aprendera com os Mestres da sua Faculdade, não deixavam de fazer parte da maleta onde guardava a seringa, o estetoscópio, a tesoura, o frasco do álcool e a caixa dos comprimidos de aspirina.

Eram as palavras de convencimento e conforto para os momentos de crise, sobretudo daqueles que surgiam acompanhados de dor, essa espécie estranha de vida que em muitos momentos chama a morte como forma de libertação.

Era esse o caso daquela mulher, relativamente nova - não teria mais de quarenta anos... - que desde os vinte ensinava crianças na aldeola da Caveira, ali a dois passos de Santa Cruz onde semanalmente vinha a servir de emissária das necessidades daquelas duas dúzias de famílias que formavam a Aldeia.

Eram os medicamentos na botica, as compras nas lojecas, a orientação para os poucos negócios de pastos e quintais após informações que colhia nas Finanças, no Notário ou na Conservatória. Só não ia ao Tribunal já que sempre conseguia fazer os acordos que o evitavam.

E nunca lhe faltava barco a remos ou à vela que a levasse e trouxesse, movido ou dirigido por músculos sãos de quem fora Mestra e em muitos casos com carinhos de mãe, castigos de pai e conselhos de amigo.

O Abel conhecia-a bem e tinha por ela, para além da mais alta consideração, aquilo a que chamava simpatia, quase amor sem carne, apesar dela ser ainda uma bela mulher, nunca estragada ou sublimada por actos de sexo ou de maternidade.

Ouvia-a sempre com o maior respeito e atenção, fosse no consultório do pequeno e rudimentar Hospital da vila, fosse quando à Caveira tinha de deslocar-se, nos casos mais delicados.

Olhava-a como se ela fizesse parte da Ilha e quase a julgava tão parte dela como aqueles azuis dos renques de hortenses que faziam a fronteira das pastagens, como que a dizer, com suavidade, o "isto é meu" dos egoísmos da terra.

Mas porque há sempre um dia na sucessão de dias que a vida é, houve um que marcou para a o. Hermínia que era esse o nome daquela que de todos não era senão a Mestra, um começo que não queria fosse, mas era, de fim, traduzido por um grande mal estar que chegou a levá-la, coisa que jamais havia sucedido, a, durante uma semana, faltar às aulas de todo aquele canteiro de rosas − ela assim dizia... − que era a sua Escola.

O caso foi notado quase como se um aluimento de terras altas da costa, fronteira e vizinha do mar, tivesse provocado o aparecimento de toda uma fajã de angústia, ainda sem verdes, sem cais e sem capelinha branca e negra para o orago a eleger pelas crendices e fé do povo que lá viesse instalar-se como pioneiro.

E tão notado foi que dois ou três dos pais dos alunos não deixaram de o comunicar ao Abel, ao Dr. Abel, para que este, sem despertar demasiadas preocupações, a visse e medicasse em busca de cura ou, pelo menos, melhoras.

Tão depressa os recebeu logo o Abel largou tudo para se inteirar da situação e quis ir à Caveira sob o pretexto de ver outra pessoa que acamara.

E, assim, não lhe foi difícil convencer a "Velha Mestra" a ir, num dos próximos dias, à vila, para ser examinada em melhores condições e até serem feitas umas análises sumárias cujos resultados poderiam constituir um primeiro rebate para outros cuidados mais atentos no caminho de um seguro diagnóstico.

Ela não quis ouvir o Abel e só quando ele lhe falou na idade dela, habitualmente crítica para certas mudanças, nem sempre tranquilas, e, sobretudo, na falta que ela poderia fazer como jardineira daquele canteiro de rosas a desabrochar, se resolveu pela promessa de ir à vila durante uns dias, que esperava poucos, para esclarecer a situação.

O Abel já viera preocupado da Caveira e tudo preparou para que os exames e análises, possíveis ali, fossem céleres pois, em caso de necessidade, haveria a possibilidade do "S. Miguel" levar a D. Hermínia até à Horta, Angra ou Ponta Delgada, ou mesmo até Lisboa, onde poderia ser examinada com outras certezas de diagnóstico e eventual intervenção cirúrgica, impossível naquele pedaço de terra verde e azul, do meio do Atlântico.

O Abel estava realmente preocupado pois não lhe passaram despercebidos certos sintomas, ainda que ligeiros mas já alarmantes, verificados ou, para melhor dizer, confirmados durante os três dias que a D. Hermínia passou na vila para, no rudimentar Hospital, se sujeitar a exames e testes.

Preocupado como ficou, logo o Abel se prontificou a preparar, no Faial, através de um Colega Amigo, companheiro de Coimbra, o necessário para que fosse internada no Hospital da Horta, esse sim, embora modestamente, capaz de fazer os exames pretendidos.

Por mercê de contactos radiotelegráficos em que não foi de pequeno valor a boa vontade dos encarregados dos respectivos serviços meteorológicos, tudo ficou assente para que a D. Hermínia pudesse embarcar no "S. Miguel", já daí a oito dias.

Mas a dificuldade maior era convencê-la, à D. Hermínia, a abandonar o canteiro e a estar ausente das suas flores, pelo menos um mês, sendo até certo que poderia ser maior a ausência.

Mas como "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" toda aquela insistência do Abel e dos pais das crianças, agora reforçada pela oferta das duas professoras da vila, para se deslocarem duas vezes por semana à pequena escola da Caveira, com o fim de não deixar estiolar, de todo, aqueles rebentos tenros e frágeis do canteiro da Colega, de todos tão querida e por todos tão respeitada, acabou por vencer, e tudo ficou assente.

Só não foi maior a romaria ao pequeno cais do porto, porque se pretendeu não preocupar a D. Hermínia, na hora da despedida.

E o "S. Miguel" lá foi levando-a no seu modesto conforto e durante a noite que tardaria a chegar ao Monte da Guia, um dos braços que abraçava a linda baía da Horta, donde era fácil ver, na encosta, o edifício do Hospital, não grande mas maior que todos os que o cercavam.

O Abel tinha combinado tudo e a D. Hermínia, cujo estado ainda lhe permitia andar normalmente, lá foi até ao Cais da Alfândega onde já a aguardava o Dr. Goulart que dali a acompanhou, no carro do Chico Claudino, até ao Hospital onde já a esperava um quarto branco, de brancura que poderia significar, em sua pureza, a esperança de voltar em breve ao canteiro das suas flores pequeninas que deixara em mãos diferentes, a que não estavam habituadas.

Conforme fora prometido ao Abel, logo começaram os exames, as análises e um minucioso interrogatório com base em muitos elementos transmitidos por intermédio do Médico de bordo ao Dr. Goulart que, tal como o Abel, desempenhava, na Horta, funções idênticas às dele, em Santa Cruz.

Foram naturalmente morosos os exames mas a tudo resistiu, sem perder a esperança, a D. Hermínia, sempre saudosa das rosas do seu jardim, embora tranquila quanto à forma carinhosa como as Colegas as tratariam.

Aproveitando as escalas dos barcos do Pico, chegou o Dr. Goulart a mandar, para Ponta Delgada e para maiores certezas, os resultados incompletos obtidos na Horta, por falta de meios necessariamente incompletos e carecidos de confirmação.

Ao mandá-los, porém, era visível a preocupação já que havia indícios de que o pior estava a tomar, cada vez mais, o lugar do melhor.

E assim foi quando, uma semana depois, veio a confirmação de que o caso era grave, muito grave mesmo, e, cientificamente, de evolução rápida e imparável.

Tudo foi feito para, ao menos, libertar a D. Hermínia dos sofrimentos que começavam a aumentar, só cedendo e mesmo assim em parte, a analgésicos cada vez mais fortes e menos capazes de a eles obstar e mais, de causarem outros males a acrescentar aos já existentes.

Essa evolução, quase galopante, não passou despercebida à própria D. Hermínia que com a proximidade do regresso do "S. Miguel" à sua Ilha de verdes e azuis, começou a ter como único objectivo da vida o ir morrer junto das rosinhas do canteiro dos seus amores.

Chegada a hora do apito da largada, já o "obrigado" da Professora ao Médico que a tratara foi mais de adeus agradecido que de "até qualquer dia" de esperança.

Quando o "S. Miguel" lançou o ferro que o seguraria, ali, à vista da terra verde e azul da Ilha, durante umas poucas de horas, ouviram-se foguetes que pretendiam, com o seu estralejar frenético, dar à D. Hermínia sinais de alegria por verem de novo a grande amiga das crianças que lhe levavam, em braçado, o azul das hortenses.

Por momentos a D. Hermínia deixou-se enganar e sorriu ao ver as rosas do seu jardim, ali perfiladas como em parada de quartel, postura que durou pouco tão depressa a abandonaram para abraçar e beijar aquela que julgaram recuperada em milagre de que seriam as bem-aventuradas.

Quase foi de festa esse dia com o pitoresco de um humilde cortejo de barcos até ao minúsculo cais da Caveira, logo a seguir ao morro que o abrigava das vagas do nordeste.

Houve uma conversa ligeira com o Abel e ficou combinado que num dos dias seguintes a D. Hermínia iria à vila se ele, médico, entretanto não fosse à Caveira.

Mas foi só em casa que o Abel se inteirou do evoluir da situação por mercê da carta-relatório que, por intermédio do Médico de Bordo, o Dr. Goulart enviara ao colega e velho amigo, de Santa Cruz.

O caso era grave e tão grave que os prognósticos preliminares feitos antes da ida à Horta, não só se confirmavam, como até se agravaram pelos sucessivos exames e análises.

Não restavam dúvidas ao Abel de que à D. Hermínia não restariam muitos meses de vida, tudo levando a crer no tormento de dores progressivamente mais fortes, até à libertação que a morte causaria.

Logo o Abel a si próprio marcou o objectivo de privilegiar a vigilância médica à D. Hermínia e, nesta, encontrar soluções para que o sofrimento fosse reduzido ao mínimo.

Ela juntara forças para voltar à Escola mas não tardou uma semana que não se sentisse condenada, com lágrimas que conseguia verter para dentro de si, a abandonar a sua paixão e voltar à vila, quase às caldeirinhas, para se avistar de novo com o Abel e saber do seu destino.

− Sabe, D. Hermínia, o seu caso, como já deve ter pressentido, é grave, muito grave mesmo, mas espero que me ajude a torná-lo suportável.

Foi o que o Abel encontrou para dizer àquela doente que, de há muito, considerava digna de um destino diferente e que, por ser superiormente inteligente e arguta, não era merecedora de qualquer mentira, mesmo piedosa.

− Eu sei que pouco me resta de vida e que já nem verei as minhas rosas florir de novo, antes dos exames de Julho. Não vá ocultar-me nada. Qualquer tentativa nesse sentido só servirá para agravar a situação. Confio na sua dedicação e no seu saber. Sou paciente. Estou resignada. Não tenho medo de morrer apesar de tão bem ter vivido na missão que na terra me foi dado cumprir. Mas tenho medo de sofrer. Não me deixe sofrer, peço-lhe, mesmo que o preço seja a diminuição do tempo de espera. Não lhe peço que mo prometa. Conheço-o bem para acreditar que me fará a vontade.

O Abel, mais uma vez, ficou impressionado com o que acabara de ouvir e que logo pôs no mesmo painel de vida em que colocara a dor e a morte do seu grande Amigo, o que motivara a sua ida para aquelas terras do meio do mar.

Durante dias e noites o Abel não parou de ler tudo quanto pudesse servir, não já para salvar a D. Hermínia, mas para preparar aquele corpo, precocemente cansado da vida, dando-lhe uma maior resistência anímica ante a cavalgada de tormentos que se aproximava.

E julgou-se preparado e, sobretudo, determinado a olhar o trágico daquela situação com a inteligência necessária para a encarar sem obediência a preconceitos de moral duvidosa que nada tinham a ver com a verdade da vida viva, em que, por inteiro, acreditava.

Acamada por fraqueza generalizada das suas condições de resistência, a Mestra querida de tantas próximas órfãos do seu carinho, começou a sentir dores lancinantes, progressivamente maiores, que a levaram, quase diariamente, a solicitar a presença do Abel e das crianças, junto das quais ainda conseguia forças para armar sorrisos falsos, aparentando alegria onde só tristeza havia.

O Abel ia atenuando o que podia com os argumentos químicos e psicológicos que a Ciência punha ao seu alcance. Mas sofria, ele também, os tormentos da sua própria impotência.

Quando se deslocava à Fajã Grande, a chamamento de qualquer paciente e tinha de atravessar o redondo daquela Ilha a que, com tanta verdade, chamaram das Flores, num qualquer ponto alto donde se avistasse o infinito do mar, logo parava e mandava à frente o moço que lhe servia de eguariço, sob o pretexto de avisar a família que o chamara para que tudo estivesse em ordem, e deixava-se ficar a olhar os longes da vida e dos salgados de todo aquele vasto abismo, sepultura de tantas vidas e berço de muitas mais.

Não era fácil de compreender toda aquela meditação num corpo ainda jovem, mal dobrados os trinta anos e, sobretudo, aquele borbulhar de pensamentos em que a vida, nem sempre ou quase nunca, ia de braço dado com a morte, ambas dando lugar ao começo e ao fim dos fenómenos de dor que, mais que elas, o preocupavam, quase mesmo o esmagavam. Mas o Abel, por estar ainda a caminho da maturidade plena, fosse na Medicina, fosse na própria idade, desde a morte do Amigo que não deixava de se sentir comandado por forças conscientes que, em cada caso surgiam como condições necessárias ao silogismo da própria existência.

O mar, em seu azul esbatido até à linha longínqua do horizonte e as flores azuis e os chãos verdes, eram pouco de vida, desde as baleias que ao longe passavam na esperança de fugir aos arpões, espelhas e lanças dos baleeiros e ao caldeirão fervente que as transformaria em óleo sem outra dignidade que não a do sabão; até às vacas que por ali passeavam, talvez alheias à beleza envolvente, a transformar em espumas brancas de leite os verdes de que careciam para viver e fazer viver.

Tudo isso bailava, em erupção contínua, no espírito do Abel que, apesar de toda aquela beleza sugada pelos olhos, não deixava de procurar soluções ou, pelo menos, explicações.
Esquecia-se do tempo, naquela contemplação do exterior e do interior de si, e não raro o moço eguariço voltava para trás, a ver se algum mal tinha sucedido ao "senhor doutor".

Qualquer entidade suprema a quem se desse a totalidade dos poderes de princípio e de fim, não era aceite pelo Abel, embora, como resquícios da sua educação de menino, surgissem pensamentos de respeito e de medo em luta, quase permanente, com as leis de causa e efeito que o formaram e depois, sem esforço, aceitara como verdades de sim e de não, na floresta ou desertos da existência.

Mas a vida chamava por ele e, como que estremunhado, lá ia descendo, no passo cauteloso da alimária que o conduzia, até à borda, pedregosa e negra da pequena concha onde encontraria, para lá das paredes brancas da Igreja e ao cimo. de uma escada de poucos degraus, o catre de ferro em cima do qual o doente ia sofrendo, sob o olhar impotente de um "Senhor Santo Cristo dos Milagres" representado por gravura amarelecida, já herdada dos avós.

Aí o Abel transformava-se e sentia ter capacidade para alterar rotas do destino, com a ajuda de pós, comprimidos ou outros recursos de ali ao pé da porta, como ervas e sumos que a natureza dera e os avós foram aceitando como eficazes mezinhas de, pelo menos, não fazer mal.

Todos consideravam já o Abel como "santo milagreiro" dado o respeito que sempre mostrava pelas crendices daquela gente carecida de alívios, mais que de pão.

E ele próprio conseguia, sem esforço, corresponder a essa confiança, nem sempre inocente ou desinteressada, embora sem nunca poder libertar-se, de todo, daquele fantasma da dor que, poderia dizer-se, dançava a "dança das horas" com a D. Hermínia, cada vez mais sujeita às suas investidas, nem sempre recebidas com resignação.

Ela revoltava-se quando, quase sempre no isolado do seu modesto quarto, perdia a paciência de ler e chegava ao insólito de atirar os livros para o chão, mesmo ou até quando eles pretendiam mostrar que todo o começo tinha um fim e tudo não passava de contínua transformação sem possibilidades de fixação de limites ou de retornos prováveis.

Mais que a morte próxima que adivinhava a bater-lhe à porta da vida, era a dor, as dores, as muitas e terríveis dores que a levavam a fazer o que, tantas vezes, aconselhava os outros a não fazerem.

E numa das vezes em que o Abel foi à Caveira para a ver, mais armado da convicção do que seria mais piedoso fazer por palavras amigas que por injecções ou outros enganos, a D. Hermínia encontrou forças para, uma vez mais, lhe dizer, em súplica:

− Eu não sou capaz de ter forças que bastem para chegar de novo à vida pela mão da morte que já sinto em mim.

Não desejo morrer mas sei que posso deixar de sofrer, morrendo.

Para isso tem o senhor doutor tantos poderes como o "Senhor Santo Cristo dos Milagres".

Não deixe de fazer uso de um deles, por suas mãos, já que ele se não tem apiedado de mim, nem parece saber medir o tamanho do meu sofrer.

É tempo, senhor doutor!

Mais uma vez o Abel saiu dali atordoado, subjugado, mesmo, com toda aquela visão lúcida de que a D. Hermínia continuava a dar mostras.

O baloiçar do barco, no caminho do regresso a Santa Cruz, como que o ajudava a juntar tudo o que aprendera, vivera e jurara àquilo que sabia ser o inevitável do aumento daquele sofrimento atroz com que aquela paciente senhora estava a ser penalizada sem obediência a outras leis que não fossem as da vida e da morte que julgava suas.

E, antes mesmo de pôr de novo em terra os passos hesitantes, viu como único caminho para impedir a rota daquelas dores lancinantes, que já tomava como suas, o pôr-lhes fim, tão certo estava de que o seu prolongamento seria por semanas, meses até, sem esperança de qualquer espécie ou retrocesso possível.

E era madrugada alta quando, após leituras e pensamentos, o Abel chegou à conclusão de que, contrariamente a todas as convenções morais ou desígnios religiosos, a cura do mal das dores era mais importante que o prolongamento, em vida artificial, do alfobre em que elas cresciam em ritmo cada vez maior.

Dificilmente conseguiu adormecer o tempo curto que o separava da hora a que tinha, no Hospital, doentes para ver e tratar.

Tinha na sua razoável Biblioteca, para além de livros ligados à profissão, outros, muitos outros, em que o problema do sofrimento era analisado até às minúcias, com o desprendimento de regras falsas e postiças que só tinham de humanas o facto de partirem de homens e mulheres a quem a cegueira dera a ilusão de verem uma realidade diferente do real.

Mas era o do Mestre argentino, José Ingenieros, que mais o impressionava naquela passagem sublime onde dizia que "aliviar é um dever do bom amigo e negar-se a fazê-lo, reputa-se como acto desonroso, mistura de impiedade e cobardia."

E até pensava, muitas vezes, na designação antiquíssima de "boa morte" que, desde os celtas e outros povos se dava ao acto de acelerar o fim quando este era o assalto, por vezes demorado, através do atroz de sofrimentos que tornavam insuportável o continuar a viver.

E ultimamente, desde o conhecimento que passou a ter dessas angústias na pessoa daquela que, por tanto bem espalhar, tanto merecia ser poupada do mal, sentia, sentia em si a necessidade que havia de seguir um pouco a utopia de ver morrer em paz e alívio os portadores de doenças incuráveis e causadoras de dores que amargavam, até ao tutano, a despedida da vida.

E conseguia distinguir a morte libertadora daquela que, lá bem no fundo, visava um comodismo social ou até familiar, traduzido pelo fim de um incómodo ou presença sofredora... cansativa!

Quase não conseguia, o Abel, libertar-se por inteiro, daquilo que julgava culpa própria, já que, apesar de médico, não conseguia por fim a um tão grande sofrimento alheio.

Começou a usar morfina, em doses crescentes, já que um dos seus mais admirados Mestres da Faculdade, afirmara, um dia, conscientemente, que "a prudente morfinização de um canceroso, não prejudicava, notavelmente, o seu estado geral".

Mas, apesar disso, a D. Hermínia nem sequer sentia o alívio de saber a morte próxima de si e da própria libertação dos seus tormentos.

O Abel, cada vez que verificava essa distância e media, por rictos de dor, quanto ela iria obrigar a sua respeitada amiga a sofrer, procurava convencer-se da falsidade de todas as leis que, dizendo-se de vida, se opunham à morte como libertação.

Chegou a temer, por si e em si, uma perda total do que sentia valer e que ousava considerar mais grave que arrostar todas as incompreensões sociais. Por isso sentiu crescer em si, a ideia, que quase se tornou fixa, de, qualquer que fosse o preço, libertar a D. Hermínia do seu muito e cada vez mais insuportável penar.

Já dela tinha ouvido, em palavras de consciente determinação, aquilo que importava para saber que a vida, para ela, não podia limitar-se a servir de palco para a dor e os tormentos psicológicos que trazia ao colo.

Mas, a par desta constatação, aparecia para ele, para o Abel, médico e ser humano, a dúvida sobre se deveria ou não a paciente conhecer o momento do desejado fim.

E nesta luta se passaram alguns dias, atormentados dias, até que, numa manha luminosa de fim de Primavera, o Abel acordou embalado ou sacudido no sonho ou pesadelo de fazer aquilo que julgava ser o seu dever.

E quando, frente ao espelho, no quarto de banho, olhou a própria cara, conseguiu ver nela uma paz que ainda mais o fez acreditar em si.

E muniu-se do necessário, de tudo aquilo que, melhor e mais rapidamente, conseguisse fazer adormecer, em paz definitiva, sem riscos de acordar e em defesa da vida, aquela que em dor ia morrendo aos poucos, tão poucos, que não era possível prever quantos seriam.

Ele sabia não dispor ali, naquele naco do paraíso que a Ilha era, do que lera ser a mais humana maneira de acabar com os sofrimentos da vida pela piedade da morte, mas não deixou de a substituir por equivalente pendão de libertação.

O barquito levou-o até à Caveira e era calmo o seu semblante quando entrou no quarto e, antes de olhar o macilento rosto da sua amada doente, olhou a gravura do "Senhor Santo Cristo dos Milagres" como que a pedir-lhe, apesar de ser ateu, que o ajudasse, não a levar a D. Hermínia para um qualquer canto do céu, mas a libertá-la do inferno em que vivia e era tempo de abandonar.

Ainda falou um pouco com a doente que mal o podia fazer de tão grandes e lancinantes serem as dores.

Teve o cuidado de não lhe dar esperanças nem de lhas retirar.

Tão só lhe disse que precisava de descansar, ao que ela respondeu com um sorriso que só não era esgar porque ainda havia nos olhos a ternura de um obrigado.

No dia seguinte, tal como fora previsto pelo Abel, foi ele chamado para certificar que a tormenta tinha acabado e a bonança chegara.

Não ia preocupado, antes com um sentido de alívio e calma, em tudo igual ao dos que sabem ter cumprido o seu dever perante a vida, mesmo que esse dever se traduza na libertação pela morte.

Mas lá bem dentro dele, já fermentava a ideia de que chegara ao fim a sua carreira, não tanto pelo que fizera mas por tudo aquilo que não poderia fazer.

E foi a D. Hermínia, a sua última doente e a primeira que ele verdadeiramente salvara!

 

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