Em cumprimento de uma promessa
Entrei no Pórtico da Glória,
Vossa e não minha, Senhor,
A pedir benevolência,
Para um pobre pecador!
Quando o Santo descobriu,
Quem eu era e donde vinha,
Logo disse que pecados,
Era coisa que eu não tinha!
Perguntou quem me mandara
Pedir a absolvição,
E, ao dizer-lhe, quem fora,
Quase chorou de emoção.
Perguntou pelo "Devoto"
Do meu Juiz protector;
Eu não sei o que lhe disse,
Mas o que ouvi, sei de cor:
− Tu, meu filho, não precisas
De por mim ser perdoado,
Já cumpres a penitência
De ser "bom" Advogado!
Atura os Juízes todos,
Com calma e resignação,
Absolve as suas faltas
E dá-lhes sempre o perdão,
Mesmo quando condenarem
Um inocente, a prisão,
E a pagar um gordo imposto,
À custa do magro pão!
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E quando falares, não esqueças
De dizer ao teu Juiz,
Que se vós perdestes Goa
Foi porque Deus assim quis!
E quando chegar o dia
Do julgamento final,
Não recorra da sentença
Que condenou Portugal,
Porque a Divina providência
Jamais se engana; não erra,
Pois, embora com
bondade,
"Manda na Paz e na Guerra".
Não pude conter-me e disse,
Como homem e português,
Que a Divina
Providência,
Não soube bem o que fez!
Santiago, então, sorriu,
Parecendo que compreendeu
E tentou desculpar
PAULO
Do círio que ao NEHURU deu!
Em nome do meu Juiz,
Não me dei por convencido,
E até o ameacei,
De que seria punido,
Se não fizesse o milagre
De Goa nos devolver,
E de que o seu Julgamento,
Era em Aveiro e a valer...
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Ele sorriu, mais uma vez,
Com seu ar bonacheirão,
E deu-me uma palmadinha,
Com a recomendação:
− Diz em Aveiro ao Juiz
Que até mim te mandou,
Que não é absolvido,
Aquele que nunca pecou!
Tu, meu filho, não pecaste,
Pois, se tivesses pecado,
Já tinhas a penitência,
De ser um advogado!
Se o teu Juiz cá viesse,
Pedir a absolvição,
Talvez que eu lh' a não desse,
Talvez sim... ou talvez não!
Gosto dele, fora da teia.
A imitar Santo António,
Mas no imposto de Justiça,
Santo Deus, é um
Demónio!
Mas ele que não desanime
De no céu vir a entrar,
Lá estarei para o receber,
Lá estarei pr'ó ajudar...
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***
Meritíssimo Juiz,
Dei cumprimento ao pedido.
O resultado aqui fica,
Tal como foi prometido.
Se eu não me confessei,
Foi o SANTO que o não quis,
Pois julgou desnecessário
Perdoar-me o que não fiz.
E fiquei com a impressão,
Sem que eu nisso insista,
Que o SANTO, aqui para nós,
Era quase... COMUNISTA!
(Compostela, dia da raça do ano de mil novecentos e sessenta
e seis,
O Costa e Melo o escreveu e em Aveiro o dactilografou na véspera de
Santo António, o mais rapioqueiro dos Santos da Corte Celestial. )
*
Importa anotar por curiosidade interpretativa que o referido Juiz e
Amigo, era natural de Goa e fervoroso activista das manifestações ao
tempo desenvolvidas para atemorizar a Índia com ameaças de Albuquerques
e penas do Purgatório.
Só abrandava, como fanático católico, quando era posto o facto consumado
da concessão da Candelária da Paz, a Nehru, e a este
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entregue − suprema ironia... − por um Cardeal Português, de nome
José
Vieira Alvernaz, picaroto de nascimento e criação, tal como o
D. José da
Costa Nunes, pessoa inteligente e arguta que foi Patriarca das
Índias e
chegou ao posto de Vice Camerlengo da Santa fé, em Roma, onde veio a
morrer.
É longo o que aí fica. Longo por certo de mais pelo pouco que
vale. Mas precisa de uma compensação.
Para mim que o escrevi, basta o sorriso complacente de quem
o ler. |