Costa e Melo, Gente de Toga, Beca e Capinha (Fogachos da lareira forense), CMA, 2000, pp. 133 a 137.

Quadras galegas

Em cumprimento de uma promessa

Entrei no Pórtico da Glória,
Vossa e não minha, Senhor,
A pedir benevolência,
Para um pobre pecador!

Quando o Santo descobriu,
Quem eu era e donde vinha,
Logo disse que pecados,
Era coisa que eu não tinha!

Perguntou quem me mandara
Pedir a absolvição,
E, ao dizer-lhe, quem fora,
Quase chorou de emoção.

Perguntou pelo "Devoto"
Do meu Juiz protector;
Eu não sei o que lhe disse,
Mas o que ouvi, sei de cor:

− Tu, meu filho, não precisas
De por mim ser perdoado,
Já cumpres a penitência
De ser "bom" Advogado!

Atura os Juízes todos,
Com calma e resignação,
Absolve as suas faltas
E dá-lhes sempre o perdão,

Mesmo quando condenarem
Um inocente, a prisão,
E a pagar um gordo imposto,
À custa do magro pão!

/ 134 /

E quando falares, não esqueças
De dizer ao teu Juiz,
Que se vós perdestes Goa
Foi porque Deus assim quis!

E quando chegar o dia
Do julgamento final,
Não recorra da sentença
Que condenou Portugal,

Porque a Divina providência
Jamais se engana; não erra,
Pois, embora com bondade,
"Manda na Paz e na Guerra".

Não pude conter-me e disse,
Como homem e português,
Que a Divina Providência,
Não soube bem o que fez!

Santiago, então, sorriu,
Parecendo que compreendeu
E tentou desculpar PAULO
Do círio que ao NEHURU deu!

Em nome do meu Juiz,
Não me dei por convencido,
E até o ameacei,
De que seria punido,

Se não fizesse o milagre
De Goa nos devolver,
E de que o seu Julgamento,
Era em Aveiro e a valer...

/ 135 /

Ele sorriu, mais uma vez,
Com seu ar bonacheirão,
E deu-me uma palmadinha,
Com a recomendação:

− Diz em Aveiro ao Juiz
Que até mim te mandou,
Que não é absolvido,
Aquele que nunca pecou!

Tu, meu filho, não pecaste,
Pois, se tivesses pecado,
Já tinhas a penitência,
De ser um advogado!

Se o teu Juiz cá viesse,
Pedir a absolvição,
Talvez que eu lh' a não desse,
Talvez sim... ou talvez não!

Gosto dele, fora da teia.
A imitar Santo António,
Mas no imposto de Justiça,
Santo Deus, é um Demónio!

Mas ele que não desanime
De no céu vir a entrar,
Lá estarei para o receber,
Lá estarei pr'ó ajudar...

/ 136 /

***

Meritíssimo Juiz,
Dei cumprimento ao pedido.
O resultado aqui fica,
Tal como foi prometido.

Se eu não me confessei,
Foi o SANTO que o não quis,
Pois julgou desnecessário
Perdoar-me o que não fiz.

E fiquei com a impressão,
Sem que eu nisso insista,
Que o SANTO, aqui para nós,
Era quase... COMUNISTA!


(Compostela, dia da raça do ano de mil novecentos e sessenta e seis,

O Costa e Melo o escreveu e em Aveiro o dactilografou na véspera de Santo António, o mais rapioqueiro dos Santos da Corte Celestial. )

*

Importa anotar por curiosidade interpretativa que o referido Juiz e Amigo, era natural de Goa e fervoroso activista das manifestações ao tempo desenvolvidas para atemorizar a Índia com ameaças de Albuquerques e penas do Purgatório.

Só abrandava, como fanático católico, quando era posto o facto consumado da concessão da Candelária da Paz, a Nehru, e a este / 137 / entregue − suprema ironia... − por um Cardeal Português, de nome José Vieira Alvernaz, picaroto de nascimento e criação, tal como o D. José da Costa Nunes, pessoa inteligente e arguta que foi Patriarca das Índias e chegou ao posto de Vice Camerlengo da Santa fé, em Roma, onde veio a morrer.

É longo o que aí fica. Longo por certo de mais pelo pouco que vale. Mas precisa de uma compensação.

Para mim que o escrevi, basta o sorriso complacente de quem o ler.

 

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