Mas não era só com Colegas que eu me "metia", dando largas
à veia e ao descaro.
Os Juízes e o Tribunal não escapavam à sanha e, sob o mais ligeiro
pretexto, a Lira tomava o lugar dos Códigos e vá de permitir sons dignos
de Orfeu ou, pelo menos, de qualquer Aedo a vaguear nos olivais do
Olimpo ou de Delfos.
E havia um simpático mas "fraquinho" Juiz, no Aveiro desse tempo e que,
por seu fanatismo religioso doentio, procurado e mantido no afã de ganhar o céu onde esperava, confiante, que um qualquer
Banaboião, Anacoreta e Mártir, aceitasse ser seu advogado naquele
processo de sentença absolutória impossível, não desistia da sua tarefa
de evangelizador, até de catequista, para fazer voltar ao redil os
cordeiros, as ovelhas, mesmo os bodes tresmalhados.
E soube, um dia, que eu iria, em peregrinação laica, a Santiago de
Compostela, para cantar todo aquele encanto medievo que dela faz, para a
minha sensibilidade ateia, a mais querida das cidades espanholas da
Galiza irmã ou das Castelas, inimigas de outrora.
Em conversa, falei ao Meritíssimo nos encantos do Pórtico da Glória, a
obra eterna de Mestre Mateo, e até lhe contei a "estória", lenda e
superstição de dar juízo, tino e caco a quem por três vezes bater com a
própria cabeça, naquela cabeçorra, polida de séculos, que se sobrepõe à
bocarra das oferendas, colocada no pilar central da obra maravilhosa.
Cheguei, ,mesmo, a prometer-lhe que iria passar as mãos na prata do
sarcófago onde repousam as ossadas divinas do Santo e... com certo sal e
pimenta, é justo confessá-lo, fui ao ponto de o convidar a vir comigo e
aproveitar a ocasião para as três pancadinhas na cabeça do Mestre.
/ 132 /
Que não, que não podia aceitar, mas exigiu que eu lhe jurasse e
prometesse contar-lhe o que comigo se viesse a passar, sobretudo o
diálogo que iria ter com o Apóstolo.
Eu já conhecia bem a cidade maravilhosa, as suas torres, as suas arcadas
e lajedos e esperava ter a sorte de a ver com a "morriña" que lhe dá
espelhos surrealistas e tanto fazem lembrar Rosalia "en las orillas deI
Sar" de ali bem perto e ponto de passagem obrigatório na Estrada de
Santiago.
Do que vi, revi e gozei, tomei notas, apontamentos e fotografias e, mal
chegado às bordas da Ria e depois de passar por terras de Marcos
Sardinha e Maria Barbuda, não tive dificuldades para abrir
a torneira da caneta e da memória fresca e despejar, no complacente
papel, toda a versalhada que ao diante se mostra e, logo no dia seguinte
ou num dos próximos, fui levar ao 2º Juízo, sem me sujeitar, por natural
precaução, à inspecção do Paiva, Chefe da Secretaria e ao policial
registo no chamado Livro-porta.
É que levava um certo receio de que as custas finais fossem demasiado
altas para a minha debilitada bolsa e até corressem o perigo de vir
acompanhadas por qualquer condenação em multa como
"litigante de má fé".
Nunca fiando...
Ei-la, à versalhada, tal como ainda se conserva no papel
amarelecido pelos anos: |