Já não sei a razão próxima destas quintilhas atrevidas que de chofre, me
surgiram da tulha de rimas e de brancos que fui guardando e agora me
servem de isco para, em meu curricar, conseguir pescar algum peixe,
mesmo em forma de sorrisos, sem risco de fazer corar os involuntários
causadores deles.
Mas achei-as curiosas para ajudar a temperar este cozinhado, tão
carecido de umas pitadas de pimenta para que não limite a sua graça, se
alguma graça tiver, ao sal insosso da falta dela que tiver o pobre
escriturário destas laudas que, por serem, por vezes, de escárnio e mal
dizer, têm sempre o seu ovo e raízes em realidades vividas ou de que, em
devido tempo, se tomou conhecimento.
Só lembro serem consequência de uma carta emanada do Tribunal e que de
todo perdi, em prova plena de que aos naturalmente metódicos, por vezes
falta o método eficaz.
Mas vamos às quintilhas e às rimas de outro tipo que encerram as da
lengalenga.
Quando vi, na minha frente,
O envelope colossal,
Julguei logo, num repente,
Que estava a brincar com a gente,
O JUIZ do Tribunal.
/ 127 /
É que todo o aparato
Que o envelope trazia,
Nos mostrava um desbarato,
Deslocado e insensato,
Em maré de economia.
E pensei, de mim pr'a mim,
Que se um JUIZ quer brincar,
Nada haverá de
ruim,
Em dizer tim... por tim-tim,
Quanto a verbe nos ditar.
E resolvi responder,
Com versos de pé quebrado,
Apesar de não saber
Se o que iria escrever,
Tinha que ser... educado!
Nunca julguei nem pensara
Que ao abrir o sobrescrito,
As rimas que eu já rimara
Em U alho" e até
em U cara"
Constituiriam delito.
Não um delito punido,
Na nossa legislação
Mas um delito mordido,
Nas
regras e no sentido
Da melhor educação.
Meti no saco a viola,
Que já
tinha preparada,
E, c' uma grande cachola,
Procurei tento pr' á bola
E pr' á musa malcriada.
/ 128 /
Mas não me sinto à vontade,
Sofro até de asfixia!
Aqui pr' a nós, sem vaidade,
Acho que a pura verdade,
Dispensa, até,
cortesia.
É que a carta do JUIZ
Contém uma tal lição
Que se espelhar o que ele diz,
Talvez o torne infeliz
E o retire da Relação!
Seja, porém, como for,
O que interessa e é preciso,
É que todo o seu teor,
Seja Código sem bolor,
Em todo e qualquer Juízo!
Se invoca Calamandrei,
até o Lamennais,
Por certo que a sua Lei,
É no sentido da Grei
E contra o "Yé-Yé".
Não quero referir-me à moda,
Dos jovens desmiolados,
Mas só ao andar da
roda,
Daqueles que sabem da poda
E pr' ó alto são puxados.
/ 129 /
Daqueles que, por alto estar,
Julgam ter mais merecimento,
Daqueles que
com sal e azar,
Passam a vida a temperar,
Todo o seu muito alimento.
Este azar quer dizer sorte,
Quando ao sal é misturado,
Venha do Sul ou
do Norte,
Seja de vida ou de morte,
O feliz contemplado!
É que há degraus e cadeiras
Que perturbam muita gente,
E transformam em
asneiras,
As verdades verdadeiras,
De muito homem decente!
Tudo o que na carta vem
É carapuça inteiriça
Que se aplica e bem,
A todo o homem que tem
Por missão, fazer justiça.
E também aos que a pedir
Que justiça seja feita,
Sofrem, por vezes, a
rir,
E sem ter pr' onde fugir,
Tanta justiça imperfeita!
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Que haja, pois, dos dois lados,
A melhor compreensão,
E que os Juízes togados
E nós, os Advogados,
Aprendamos a lição!
E foi assim,
Pobre de mim,
Que,
Começando a brincar,
Acabei por versejar,
A sério,
Sem a Musa malcriada,
Estas quintilhas sem brilho,
Mas todas com o mesmo trilho,
Um trilho que
é imagem,
Daquela camaradagem
Que não causa dano às Becas,
Nem as togas amarrota,
Antes procura arejar
A sala triste da vida,
Onde o choque é criador
Só quando, com Liberdade,
O melhor e o pior
Disser a sua Verdade
Sem ter receio ou temor
Dessa Verdade não ser
A VERDADE, antecipada,
Do ILUSTRE julgador!
Aveiro - Fevereiro de 1966 |