Costa e Melo, Gente de Toga, Beca e Capinha (Fogachos da lareira forense), CMA, 2000, pp. 123 a 126.

Sardo e o Sebastião

A camaradagem que eu sentia à minha volta e tinha a qualidade de não exclusiva, pois crescia entre todos os oficiais do tal ofício de "pedidores de justiça", sempre foi fértil na geração de frutos de convivência mas, nem por isso, de sociedades que gerissem interesses comuns.

Havia um pouco a sensação, talvez natural e pura, de que a advocacia era um acto individual de comunicação íntima e total com o cliente e carecia de qualquer coisa como o segredo de alcova, que só permitisse destapar os lençóis da comunhão, e mesmo assim, não completamente, quando tivesse de desmanchar-se perante um Senhor da Beca que, para ver melhor ou mais importante parecer, se sentava num degrau alto dos patamares do mundo judicial.

A ideia de especialização colaborante que a sociedade multimoda de hoje impôs aos seus membros, praticamente só existia na camaradagem de todos e na amizade de alguns.

Por isso quando, para além da conotação natural e de jeito familiar, surgida entre o Manuel das Neves e o Álvaro, seu filho, apareceu o Sardo e o Sebastião, Flávio de nome, o primeiro e Dias Marques de apelidos, o segundo, todos mais ou menos sorrimos, sem invejas nem rancores, antes desejando aos "nubentes" que o conúbio durasse, até "fim" do mundo como o Pedro da História declarou em relação à Inês da lenda" estórica" e mandou escrever no doce e macio calcário do seu palácio final. / 124 /

E do sorriso de todos nasceu a "versalhada" atrevida do Amigo que eu era e, felizmente, ainda sou.

E foi a minha prenda para a corbelha!

Ei-la tal como as tubas do atrevimento amigo a fizeram soar, nas quebradas da cordilheira da nossa velha amizade:

TOADA DOS BEM CASADOS

Para cantar à teorba pelo Sardo e Sebastião, em dias de Colectivo.

Com o Sardo e o Colega,
Em plena sociedade,
É quase certo, florir,
Neles, o pôdre da vaidade!

Com luxos de Xá da Pérsia,
Sem Soráias-Messalinas,
EIXO melhora e a GAFANHA
Passa pr'além das salinas.

Mas tenho um certo receio,
Um temor-reverencial,
De que o dueto açambarque
As acções do Tribunal!

No seu AVISO "estenderam-se",
Ultrapassaram a decência,
Indicando o EVARISTO
Como ponto de referência!

/ 125 /

Só há uma solução,
Na penitência, a cumprir:
É convidar os Colegas
Com ordem de... mandar vir!

Basta chegar à janela

E dizer: Ó EVARISTO,
Mete coisas na panela,
Seja chouriço ou morcela.
E depois.. CHEGA CÁ ISTO.

P.S. (Ainda não havia P.S.)

Como questão marginal,
Surgiu a "gaffe" mais feia:
Foi dado como sinal,
Um homem do "Futebal"
Preterindo, assim, o Granjeia.

Primavera de 1972
Primo anno affectio societatis.


A alusão ao Granjeia, Colega de todos e com banca paredes meias com a Adega do Evaristo, compreendia-se e até servia de tempero satírico naquele "Primo anno afectio societatis".

O sorriso foi geral e ultrapassou o negro das togas e becas, na primeira acção de convívio, em colectivo, levada a efeito naquela Adega ou não importa em que Tribunal, uma vez que esse sorriso e / 126 / essa camaradagem nunca se sentiam deslocados, apesar dos degraus e das... custas.

 

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