Costa e
Melo, Gente de Toga, Beca e Capinha (Fogachos da lareira forense),
CMA, 2000, pp. 99 a 100. |
O Arquivo de quem exerceu uma actividade chamada liberal, apesar de em
tudo se parecer com charco cheio de manchas que são sinal de morte, pode
bem albergar pedaços de vida que foi e de todo não perdeu o viço de um
certo interesse que tanto pode ser de saudade como o de perfume que
sempre nos liga ao espelho da soberba magia de nos julgarmos regressados
a um passado irrepetível.
Assim vai suceder agora ao dar ouvidos às pancadinhas que de dentro do
meu senti, a dizer não merecer, pelo menos em parte dele, ficar
esquecido para sempre à espera do mofo e da traça, até que a pira
benfazeja o não transforme em fumo que, mesmo com as asas trôpegas de
uma mediania rastejante, vá por aí fora em busca do zero donde, quem
sabe, nunca deveria ter saído.
Mas não sejamos de todo modestos, já que temos por lema que "a falsa
modéstia é o supremo requinte da vaidade", e ousemos julgar de algum
interesse uns tantos casos que para aqui trago, despidos, como é de timbre profissional, dos nomes dos intérpretes, nem
sempre bafejados pela sorte de decisões favoráveis, mas em que a
confiança não desertou do espírito dos clientes que não deixaram de
ficar amigos, mesmo depois de esportularem os honorários que julguei
devidos.
Vão sem ordem pré-estabelecida, à medida que foram saltando dos arcanos
da memória ou dos mais seguros do ficheiro que sempre
/ 100 / tive orgulho de manter actualizado, na expectativa de vir a gozar o
prazer de, ao fim de alguns anos, atender os pedidos de rememorar aos
Clientes, passos importantes das suas vidas e dos seus interesses,
tantas e tantas vezes esquecidos, embora com cicatrizes de feridas nem
sempre fáceis de cicatrizar. |