Costa e Melo, Gente de Toga, Beca e Capinha (Fogachos da lareira forense), CMA, 2000, pp. 23 a 24.

O Leite de Pinho

Quando, deixados os cueiros no campo de Santana para não trazer os mofos e as traças neles deixados pelo Abel de Andrade e pelo Carneiro Pacheco mas procurando não me apartar dos arejados ensinamentos do Rocha Saraiva e do Pinto Coelho, eu "aportei" a Albergaria-a-Velha para me preparar, pelos estágios na Advocacia, no Ministério Público e no Notariado para o ingresso na vida prática, encontrei, no Tribunal da Comarca, um rapaz, sensivelmente da minha idade que, ou já era escriturário ou praticava para isso.

Viera dos lados de Oliveira de Azeméis.

Era o Leite de Pinho.

Tornou-se um belo funcionário, poderíamos sem exagero dizer por tendência, vindo a desempenhar cargos nas Inspecções Judiciais onde sempre se mostrou, consciente e justo.

Mas, na altura era, como eu, um novato.

Contudo e para a minha inexperiência foi uma fonte de conhecimentos práticos a que não me cansava de recorrer.

Tantos eram, já, apesar de novito, os seus conhecimentos e paciência para os transmitir ao recém-formado que eu era, que eu recorria mais a ele que ao Delegado, o José Osório, que tão alto chegou na Magistratura portuguesa. / 24 /

E não hesitei em meu misto de atrevimento e admiração em baptizá-lo como "Doutor Resina" bem adequado que o epíteto era ao seu nome de família.

Não me esqueço de que foi ele, nos casos mais complicados e colocados a milhas do meu conhecimento, a ensinar-me a fórmula mágica das promoções que eu deveria exarar nos autos de corpo de delito:

"Promovo o regresso do Delegado proprietário."

e que, pouco me tendo ajudado em conhecimentos, que me faltavam, sobretudo no lado prático, não deixou de constituir durante os seis meses que o estágio durou, a cortina de fumo que salvava as aparências do aprendiz que, afinal, a bem dos réus futuros, passou ao lado da Magistratura para a qual tendo embora feito o respectivo estágio, não chegou a fazer concurso, navegando para outras águas julgadas mais ricas do peixe nosso de cada dia.

Mas o "Doutor Resina" ficou sempre como referência daquele tipo de funcionários que muito honrariam, como ele honrou, a capinha emblemática do ofício e da condição.

Na Comarca de Águeda para onde mais tarde veio como Escrivão, continuou a mostrar-se como funcionário de eleição e não foram raras as ocasiões em que, directamente, como homem de toga que eu era, tive ocasião de o constatar.

 

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