O
GRAU de prosperidade duma região depende essencialmente da riqueza do
seu solo, da intensa e racional exploração deste e do desenvolvimento
industrial que aí se registar. As restantes actividades estão, por via
de regra, estreitamente subordinadas àquelas e ao afluxo populacional
que determinam ou que as condições de vida do meio permitem. A elevada
densidade de população que se verifica no distrito de Aveiro pode em
grande parte explicar-se pela extraordinária importância agrícola e
industrial da região. No caso particular da indústria de lacticínios à
base do leite de vaca, o distrito de Aveiro constitui o fulcro da sua
área principal e é nele onde essa actividade atingiu maior
desenvolvimento. Para documentar o que se acaba de referir, bastará
indicar que ao distrito de Aveiro cabem cerca de 77 % da produção de
lacticínios do Continente. A indústria absorve na região cerca de 60 %
da produção de leite de vaca, avaliada no ano de 1951 em cerca de 65
milhões de litros.
Para mais perfeita ideia do
que se acaba de referir, indica-se, no quadro n.º 1, a produção anual
dos vários produtos no Continente e no distrito e a percentagem que a
este cabe em relação àquele.
Vemos assim que o maior
contingente de produtos lácteos é fornecido pela região aveirense,
pertencendo-lhe inteiramente a produção de produtos dietéticos, leite
condensado, leite em pó e lactose e grande parte dos produtos de
tecnologia mais delicada.
À produção total de
lacticínios do distrito pode atribuir-se, no ano em referência, o valor
aproximado de 110 mil contos, contra cerca de 70 mil contos do valor da
matéria prima industrializada, cerca de 50 milhões de litros. Naquela
[Vol. XIX - N.º 75 - 1953]
/ 162 /
importância não está incluído o valor dos principais subprodutos −
350.000 litros de leite magro, 1:800.000 litros de leitelho e 18:000.000
de litros de soro de queijo e caseína − utilizados na alimentação de
animais ou noutros fins.
QUADRO N.º 1
ELEMENTOS RELATIVOS AO ANO DE 1951
Produtos |
Produção no Continente - kgs. |
Produção no Distrito de
Aveiro - kgs. |
% no Distrito em relação ao
Continente |
Manteiga
Queijo
Farinhas lácteas
Produtos dietéticos
Leite condensado
Leite em pó
Caseína
Lactose |
2:141.405
1:534.561
188.429
316.320
361.698
164.622
386.605
3.370 |
1:210.005
1:375.960
166.599
316.320
361.698
164.622
338.914
3.370 |
56,5
89,6
88,4
100,0
100,0
100,0
87,6
100,0 |
Totais |
5:097.010 |
3:937.488 |
77,25 |
Apesar da enorme importância
da produção de leite na região, o valor desta é inferior ao de vários
produtos agrícolas e pecuários, tais como o vinho, a carne, a batata e o
milho, que excedem em muito os 100 mil contos anuais, assim como o valor
da respectiva indústria é, nalguns casos, bastante inferior ao de outras
actividades industriais, mesmo sem falar naquelas que constituem
empreendimentos com verdadeira projecção em todo o País.
Todavia, se situarmos aquela
modalidade industrial no quadro das actividades regionais, ela pode,
mercê da posição relativa que ocupa, do progresso que atingiu e da série
de problemas que envolve, ser considerada das mais importantes.
Por estes motivos e pelas
tradições que a indústria de lacticínios tem no distrito, afigura-se-nos
de interesse arquivar nas notas que vão seguir-se os factos mais
salientes da sua evolução e do incontestável desenvolvimento e
aperfeiçoamento atingidos nos últimos anos.
Assim, na evolução da
indústria de lacticínios no distrito de Aveiro podemos considerar três
períodos:
1.º − Da sua origem a 1923:
2.º − De 1924 a 1938;
3.º − De 1939 a 1953.
/ 163 /
1.º Período: − Corresponde à
época que decorre até 1923 e compreende duas fases distintas.
A primeira vem das mais
recuadas épocas(1)
e estende-se até ao fim do século passado (1892), altura em que são
introduzidas as desnatadeiras centrífugas na região.
As notícias mais antigas que
atestam a preparação da manteiga nesta região datam de 1513. Em foral de
D. Manuel I, dado em Dezembro daquele ano à vila de Arouca, fazem-se
referências a este produto.
Em 1640 todos os
proprietários de vacas da freguesia de S. Pedro de Castelões de Cambra
tinham incluído nos seus foros o pagamento de meio quartilho de manteiga
ou meio tostão em dinheiro, por cada animal. (Rectificação do Tombo
relativa à freguesia de Castelões).
Em 1870 escrevia o
Intendente da Pecuária, António Augusto dos Santos:
«Em Cambra e mais terras que
compõem o solar da família bovina arouquesa, o leite de vaca é
convertido tão somente em manteiga. Nenhum se aplica
ao fabrico do queijo. É geralmente mal preparado aquele lacticínio(2).
A imperfeição do seu preparo deve atribuir-se sobretudo a má qualidade
da manteiga.
A estatística oficial
relativa ao ano de 1870, acusa nos cinco concelhos, que total ou
parcialmente constituem o solar da raça arouquesa, a produção de
17.902,5 kgs. de manteiga que ao preço médio de 340 reis, dão o valor de
6.0868850 reis.»
Do relatório acerca do
estudo da indústria pecuária no distrito de Aveiro, relativo a 1876 e
1877, publicado em 1878, transcrevemos as seguintes referências:
«As explorações económica e
zootécnica da espécie bovina neste distrito reduzem-se à produção,
criação e recriação de novilhos − trabalho, ceva e produção de
lacticínios...». E mais adiante: «Está muito atrasada a indústria de
lacticínios neste distrito como geralmente o está em todo o País».
No mesmo trabalho se afirma
que a indústria de fabricação de manteiga estava quase limitada aos
concelhos de Sever do Vouga, Cambra, Arouca e Paiva, sendo uma pequena
parte consumida nestas localidades e a restante vendida para Aveiro,
Porto, Coimbra, Santarém, Lisboa e outras terras do Sul.
/ 164 /
A maior exportação deste
lacticínio fazia-se de Cambra, por intermédio da Estação de Estarreja. O
autor dos referidos relatórios (o Intendente de Pecuária, MANUEL F. DE
OLIVEIRA COUTINHO) calculava que do concelho de Cambra saíam anualmente
cerca de 40.000 kgs. de manteiga, embora parte fosse produzida nos
concelhos vizinhos.
Até à introdução das
desnatadeiras centrífugas eram os próprios lavradores que extraíam a
manteiga pelo primitivo processo da cântara de barro e touço, prática
que ainda, por vezes, se realiza nos lugares mais recônditos da Serra.
Consistia essencialmente em guardar o leite na cântara de barro durante
dois ou três dias para facilitar o afloramento da gordura, aumentar a
acidez e permitir um maior rendimento em manteiga.
O processo em referência era
e é conhecido pela designação de «massar o leite».
A sua descrição sumária
permite avaliar a natureza e péssima qualidade da manteiga, por via de
regra conspurcada de moscas, larvas, pêlos, etc., apresentando muitas
vezes aspecto verdadeiramente repugnante.
Os lavradores vendiam a
manteiga assim obtida a intermediários que, depois de reunirem
quantidades apreciáveis, a submetiam a uma salga feita à mão na típica
masseira, colocando-a a seguir nos centros de consumo, embalada em
tigelas de barro, cestos de vime ou latas.
Este processo
circunscrevia-se quase exclusivamente à zona serrana, solar da raça
bovina arouquesa, constituindo o natural aproveitamento do leite que
excedia da amamentação das crias e do parco consumo em natureza.
MATA PREGO considerava este
processo pouco generalizado e apenas em uso pelos pequenos agricultores
do distrito de Aveiro, cuja manteiga de má qualidade era sobretudo
consumida pelo mercado do Porto.
Nessa altura, de facto, a
técnica de fabrico utilizada era rudimentar e inteiramente caseira.
A segunda fase deste período
inicia-se com a introdução das desnatadeiras centrífugas na região e
corresponde à generalização das referidas máquinas por quase todo o
distrito.
Pode considerar-se como a de
«iniciação industrial».
Em 1892, montou-se no
escritório duma casa comercial de Sever do Vouga a primeira
desnatadeira.
Em 1893, surge em Sanfins do
mesmo concelho a primeira fábrica de manteiga com finalidade industrial.
A instalação desta fábrica deve-se à iniciativa do Visconde de Nandufe,
a quem se atribui também a introdução das desnatadeiras centrífugas no
País e a montagem, anos antes, duma outra fábrica em Tondela.
/ 165 /
Aquele titular dedicava-se
com entusiasmo à preparação da manteiga, pois em 1894 estabelecia uma
rede de postos de desnatação e de fábricas por todo o distrito.
A sua falência, em 1924,
obrigou-o a passar os restos dessa actividade para um seu feitor, o qual
a abandonava totalmente em 1932.
Em 1896, um grupo de
vendedores de manteiga estabelece em Vale de Cambra outra fábrica de
manteiga, e, em 1906, constituiu-se na mesma localidade uma firma em
regime de sociedade que emprestou também grande impulso ao fabrico desse
produto.
Em 1896, é decretado que a
Frutuária de Castelo de Paiva funcione como escola de lacticínios, sendo
o respectivo plano de organização aprovado no mesmo ano e pouco tempo
depois.
Não foi fácil colher
elementos seguros sobre o exercício da Frutuária. As poucas informações
que obtivemos levam-nos a supor que a escola de lacticínios não chegou a
funcionar.
A circunstância do País
deixar de exportar gado bovino para a Inglaterra, a partir de 1895,
levou a lavoura a interessar-se pelo fabrico de manteiga.
/ 166 /
Neste último ano são
decretadas providências relativas à fiscalização da venda do leite e
lacticínios.
Em 1905, o VISCONDE DE
NANDUFE apresentava no Congresso de Leitaria, entre outras, as seguintes
considerações:
«O fabrico de manteiga pelo
processo do repouso, ainda bastante praticado no País, deve ser
proibido. Tem gravíssimos inconvenientes: o primeiro é ser nocivo,
porque sendo a manteiga por este processo obtida de nata da qual a mais
antiga tem, por vezes, dez, doze e mais dias, não é nata o que se
pretende transformar em manteiga, mas sim uma substância repugnante à
vista, mal cheirosa e cheia de vermes, além de micróbios de toda a
espécie.
O segundo inconveniente
deste processo, ou antes, da forma por que ele é praticado, está em que
o produto obtido por esta forma não é manteiga, mas sim um produto
falsificado em que predomina a caseína e a matéria azotada, esta
proveniente dos vermes desenvolvidos por milhares... durante o tempo em
que a, nata esteve em repouso...»
Em 1906, o professor MOTA
PREGO considerava «a indústria de fabrico de manteiga de rudimentar e
pouco importante, visto que o consumo deste produto no País era
sustentado por uma grande importação de Inglaterra».
Com o rodar dos anos,
sucedem-se e realizam-se várias tentativas, embora na maioria
infrutíferas, para o estabelecimento do fabrico do queijo, em imitação
do que já se fazia nos países estrangeiros de maior produção de leite.
Assim, de 1902 a 1914, o
Visconde de Salreu dedicou-se em instalações próprias à preparação do
queijo do tipo holandês, o que maior contingente ocupava no mapa das
nossas importações.
Em 1905, aparece na Feira
outra tentativa com vistas ao fabrico de queijo do tipo de pasta mole.
Este empreendimento sucumbe
no ano imediato, data em que a firma Holândia inicia a preparação do
queijo em Válega − Ovar.
Nesta fábrica, cujo
desaparecimento teve lugar em 1924, preparou-se queijo de tipo holandês,
no intuito louvável de se abastecer o mercado com produtos fabricados no
País.
Apesar de algumas
instalações serem consideradas modelares para a época − é o caso da
fábrica de Salreu − todas as tentativas soçobraram perante a
insuficiência de meios adequados, deficiência de instalações e falta de
conhecimentos para trabalhar leite produzido em condições de higiene e
salubridade muito precárias, ao que se nos afigura pela natureza,
qualidade e progresso das explorações da hora presente.
Ao tempo que estas
tentativas tinham lugar, assistia-se a uma intensa pulverização de
fábricas de manteiga e postos de desnatação.
/ 167 /
/ 168 /
Ao período de guerra que começou em 1914, segue-se o tabelamento da
manteiga em 1918.
Embora fosse de prever que
esta medida traria como consequência um certo abrandamento ao
desenfreado interesse na instalação de novos estabelecimentos, o que é
certo é que estes aumentaram em grande escala.
Para uma ideia mais exacta
da evolução do número destes estabelecimentos neste período, referimos
no quadro N.º 2 o seu movimento nos anos iniciais da indústria e no fim
dos quinquénios que lhes sucederam até 1924.
QUADRO N.º 2
|
ANOS |
Estabelecimentos existentes |
Postos de desnatação |
Fábricas de manteiga |
Total |
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1000
1905
1910
1915
1920
1924
|
−
1
2
6
6
14
19
26
39
64
113
140
197
288
|
1
2
7
7
8
9
12
12
13
29
40
58
74
107
|
1
3
9
13
14
23
31
38
52
93
153
198
271
395
|
|
|
Do que se deixa dito somos
levados a concluir que este período inicial da indústria de lacticínios
teve a caracterizá-lo:
a) − O aumento progressivo
do número de estabelecimentos;
b) − A falta de condições
higio-técnico-económicas de laboração, funcionando os estabelecimentos
em adegas, estábulos, cozinhas, alpendres, etc., etc., nas piores
condições de salubridade;
c) − A transformação dum
leite mau em manteiga de péssima qualidade e sem poder de conservação;
d) − O irremediável e lógico
fracasso das tentativas para o aproveitamento integral do leite.
/ 169 /
2.º Período: − Decorre desde 1924 até 1939, ano em que a indústria é
organizada (Decreto n.º 29:749, de 13/7/1939 e Portaria n.º 9:733, de
10/2/1941).
Nos primeiros anos deste
período regista-se a publicação de dois diplomas legais, com o fim de
assegurarem, na instalação e funcionamento dos estabelecimentos, as
condições de higiene e de salubridade indispensáveis (Decs. n.os
10:195 e 16:130).
Como se disse atrás, os
postos e fábricas pululavam por toda a parte da região, instalados, por
vezes, em antros de verdadeira imundície.
Aos diplomas citados deve-se
realmente a disciplina e o progresso que a partir dessa altura se operou
na indústria: o primeiro, estabelecendo os preceitos higiénicas a
observar no fabrico dos produtos; o segundo, promulgando várias medidas
relativas às condições a que deviam obedecer os estabelecimentos de
lacticínios. Além destes pontos essenciais, aqueles diplomas inserem
várias disposições sobre armazenagem e venda dos produtos e tornaram
obrigatório o licenciamento dos estabelecimentos de preparação de natas,
manteiga, queijo e outros derivados do leite, seja qual for a sua
extensão e natureza.
A execução dos decretos a
que nos vimos reportando competia e compete quase exclusivamente à
Direcção-Geral dos Serviços Pecuários.
Nos primeiros anos que se
seguiram à sua publicação, organizou-se o cadastro dos estabelecimentos
em exercício e iniciou-se a obrigatoriedade do seu licenciamento.
Por alturas de 1926, é
determinado um inquérito para conhecimento do estado e exigências da
indústria de lacticínios no País.
Só a partir de 1933 podemos
considerar extensiva a todas as oficinas a obrigatoriedade de possuírem
a respectiva licença sanitária.
De 1925 a 1930 a indústria
do fabrico de manteiga atravessou um período de crise pela concorrência
da margarina.
Este produto invadiu o
mercado em embalagens originais e serviu, ao mesmo tempo, para a prática
de fraudes por falsificação da manteiga.
Em 1930, inicia-se em Vale
de Cambra nova tentativa de fabrico de queijo, a qual só vê resultados
práticos assegurados a partir de 1933.
Este período foi de grande
entusiasmo pelo fabrico daquele produto, pois que se estabelecem no
distrito fábricas em Estarreja (1931), Feira (1933), Avanca (1933) e
Vale de Cambra (1934).
O êxito que ia alcançando o
fabrico do queijo, a secagem do leite praticada em pequena escala desde
1924, o aparecimento de farinhas lácteas em 1934 e o da caseína cujo
fabrico
/ 170 /
data de 1936, marcam o início da fase verdadeiramente industrial. Começa
a fazer-se em extensão o total aproveitamento do leite, valorizando o
leite magro na preparação dos vários produtos, até então quase
inteiramente destinado à alimentação de animais.
O distrito de Aveiro possuía
nessa altura metade das fábricas existentes no País e cerca de dois
terços dos postos de desnatação. Estes, na totalidade, ultrapassavam o
número 500.
Por alturas de 1934, são
visitados pelos Serviços Oficiais os estabelecimentos e os seus
proprietários são notificados a executar as beneficiações de que aqueles
careciam. Estas determinações abrangeram 128 fábricas de manteiga; 312
postos de desnatação; e 15 postos de recepção.
Apesar destas exigências, o
número de estabelecimentos foi aumentando progressivamente, a ponto de
em 1936 se ter verificado a necessidade de impedir que a indústria se
pulverizasse ainda mais. Assim é, naquela data, superiormente
determinado o condicionamento da indústria e a suspensão de novos
licenciamentos.
Nos anos que decorreram de
1934 a 1938, verificou-se grande número de encerramentos, quer
voluntários, por incapacidade técnica e económica dos proprietários,
quer impostos pelos Serviços Oficiais, por falta de requisitos de ordem
técnico-higiénicas nas instalações.
São estas, a traços largos,
as ocorrências de maior relevo verificadas no decorrer do período a que
nos vimos referindo. No entanto, alguma coisa mais diremos acerca desta
época.
Antes, porém, de o fazermos,
damos no quadro n.º 3 nota do movimento dos estabelecimentos no fim de
cada triénio.
QUADRO N.º 3
|
ANOS |
Estabelecimentos existentes |
Postos de recepção |
Postos de desnatação |
Fábricas de manteiga |
Total |
1927
1930
1933
1936
1939 |
−
−
3
56
89 |
347
355
345
327
250 |
125
155
123
126
113 |
472
510
471
509
452 |
|
|
Pelo que se deixa dito
verifica-se que o número de estabelecimentos se mantinha, não obstante o
condicionamento para abertura de novas oficinas e das exigências que
vinham sendo impostas àquelas que se encontravam em laboração.
/ 171 /
Às prescrições legais
promulgadas anteriormente se deve atribuir o progresso que a indústria
mostrou nessa época.
Na verdade essas disposições
prestaram relevantes serviços ao País e podem considerar-se, para esse
tempo, de superior concepção, pela visão clara do problema e metódico
ordenamento dos pontos que visam.
Paralelamente às exigências
feitas nas instalações, os Serviços Oficiais iniciam em 1934 uma
campanha de assistência à indústria.
Embora não transparecesse a
apreciável melhoria que a pouco e pouco se ia verificando nas condições
de laboração dos vários estabelecimentos, a obra realizada nesse sentido
representa trabalho de grande persistência e podia considerar-se do
maior interesse para o País.
Só quem conhecer a dispersão
das instalações, os penosos, e duros trajectos a que a sua inspecção
obrigava, pode avaliar os sacrifícios feitos para dar execução às
providências que as leis publica das impunham e a melhor salubridade e
qualidade dos produtos exigia.
Procedeu-se, assim, em
etapas sucessivas à beneficiação obrigatória das instalações, ao
reapetrechamento das fábricas, dotando-as dos requisitos indispensáveis
a uma melhor técnica.
/ 172 /
As exigências dos Serviços
Oficiais incidiram, em especial, sobre os seguintes pontos:
a) Impermeabilização das
paredes e pavimentos;
b) Isolamento das instalações e salubridade dos locais (afastamento de
estrumeiras
e de estábulos);
c) Arejamento e ventilação convenientes;
d) Tectos forrados ou a estuque; e
e) Abastecimento de águas e canalização de esgotos.
Ao mesmo tempo a laboração
era vigiada e exigia-se:
a) Conservação e limpeza das
instalações e material;
b) Uso permanente de vestuário próprio e exclusivo para trabalho
nos estabelecimentos;
c) Documentação sanitária de todo o pessoal; e
d) Lavagem e desinfecção do material utilizado na recolha e transporte
do leite.
Nos anos imediatos foram
seguidas, com interesse, as técnicas de fabrico e foi prestada a
necessária assistência.
/ 173 /
Aconselhava-se a montagem de
frigoríficos, a pastorização do leite e a fermentação das natas à base
de culturas de fermentos lácteos próprios, etc.
Fizeram-se demonstrações e
experiências, orientava-se o fabrico e aconselhavam-se os pormenores de
ordem técnica indispensáveis à obtenção de produtos de melhor qualidade.
Ao mesmo tempo o Laboratório
de Patologia Veterinária do Porto foi devidamente apetrechado, para
efeito de poder distribuir gratuitamente fermentos lácteos pela
indústria, de resolver as dificuldades de ordem técnica que surgissem
aos industriais, de realizar os ensaios e os estudos necessários para
que fossem divulgadas as normas a atender na preparação dos produtos.
Dos vários estudos
efectuados destacamos o que incidiu sobre o queijo nacional do tipo
holandês, considerado pelo Prof. José Maria Rosell o mais completo do
mundo.
Reconheceu-se também a
necessidade de ser criada uma Comissão de Vistorias a estabelecimentos
de lacticínios que, em resumo, tinha como finalidades essenciais:
a) Estudar e propor as
remodelações necessárias nos vários estabelecimentos;
b) Apreciar as condições dos locais previstos para novas instalações; e
c) Apreciar e pronunciar-se sobre os projectos relativos a
estabelecimentos
desta natureza.
Os postos de recepção
aparecidos em 1933, aumentaram de ano para ano e contavam-se por cerca
de 90 em 1939, o que representava, por si só, um índice de progresso,
dado que a sua missão principal é recolher leite em boas condições, com
vistas ao abastecimento de fábricas onde existe a possibilidade de
realizar o seu inteiro aproveitamento.
Em 1939, 5 fábricas
preparavam queijo, cotando-se a produção em cerca de 400.000 quilos,
quantidade suficiente para evitar a importação deste produto. Sete anos
depois a produção de queijo no distrito atingia 1 milhão de quilos.
O elevado número de
estabelecimentos e a sua confusa dispersão continuavam a permitir, na
compra do leite, uma concorrência desmedida entre os industriais,
concorrência à primeira vista salutar, mas no fim, quase sempre de
funestas consequências para a própria produção.
À subida exagerada de preços
da matéria prima durante a luta entre os industriais sucedia quase
sempre um largo período de baixa por eliminação de alguns concorrentes
ou por acordo entre eles.
/ 174 /
O aspecto geral que oferecia
a indústria no fim deste período foi ainda essencialmente caracterizado
pela grande dispersão e expressivo numerário dos estabelecimentos:
89 postos de recepção;
250 postos de desnatação;
113 fábricas de manteiga (5 das quais preparavam queijo e outros
produtos).
Em resumo, neste período,
deve destacar-se:
a) Instalações acanhadas e
por vezes inadequadas;
b) Reduzida capacidade de laboração e inconstante garantia da matéria
prima;
c) Incapacidade técnica e financeira da maioria dos proprietários;
d) Deficiente apetrechamento;
e) Ausência de condições para a formação de stocks.
Daqui necessariamente
resultava:
a) Produção má e cara;
b) Concorrência no mercado de produtos laborados;
c) Frequentes oscilações no preço do leite.
A falta de frigoríficos que
permitissem conservar e armazenar a super-produção dos anos de 1937 a
1939, facilitou a desmedida concorrência na venda da manteiga.
Foram, sem dúvida, estas
razões que levaram o Estado a organizar a indústria em moldes especiais,
com vistas a conciliar e a garantir o justo equilíbrio dos interesses em
causa.
Pelo que temos lido e
ouvido, podemos concluir que talvez fosse essa a solução que se
afigurasse mais consentânea com as necessidades da época.
Referindo-se ao estado da
indústria de lacticínios em Portugal, escrevia, em 1938, o Agrónomo
ERNESTO BURGUETTE:
«Chegamos, assim,
logicamente, à concentração industrial como único meio, permitindo o
melhoramento dos produtos e uma economia de laboração aceitável, da qual
muito longe se encontram as nossas minúsculas fábricas actuais. De uma
melhor economia e qualidade dos produtos beneficiarão, sem dúvida, o
consumidor e o industrial, mas também com ele viria a lucrar o produtor,
presentemente uma vítima das deficiências da indústria.»
/ 175 /
Reconhecida esta
oportunidade, o Governo cria a Junta Nacional dos Produtos Pecuários,
com cuja acção se inicia o período seguinte:
3.º Período: − Começa
verdadeiramente com o aparecimento da J. N. P. Pecuários e é, por assim
dizer, o período da concentração da indústria de lacticínios.
O diploma que cria aquele
organismo, impõe com clareza a orientação a seguir e os objectivos a
atingir pelas suas diferentes secções. No caso particular da indústria
de lacticínios esses objectivos eram:
a) Estudar as condições a
que devem obedecer as fábricas para uma laboração económica, e promover
a concentração da indústria por forma que todas as unidades que
subsistissem desfrutassem dessas condições de laboração;
b) Definir as respectivas
zonas de abastecimento;
c) Promover a supressão dos
postos de desnatação considerados impróprios, inconvenientes ou de
laboração deficientes.
O referido organismo,
servindo-se de estudos feitos e tomando em conta as médias de laboração
do triénio 1937 a 1939, extraídos de elementos fornecidos directamente
pelos industriais, dá imediata execução às determinações previstas na
lei. Organiza e promove a concentração dos industriais e propõe o
encerramento dos estabelecimentos considerados
desnecessários.
Em 1941 diversos industriais
agrupam-se em sociedades.
Eram estes os primeiros
efeitos da orientação que se entendia dever seguir em matéria de
lacticínios.
Logo que a maioria dos
industriais se constitui nos agrupamentos previstos, são definidas as
zonas de abastecimento (Portaria n.º 9:733, de 10/2/1941) para as novas
unidades industriais.
Aos proprietários dos postos
de desnatação é garantida a indemnização respectiva, calculadas na base
da sua quilagem média de laboração.
Alguns proprietários de
fábricas não entraram nas sociedades por sua livre vontade e outros
aguardaram oportunidade de ver considerados os seus direitos,
devidamente assegurados pelo organismo competente.
A definição das zonas de
abastecimento para cada fábrica impunha necessariamente uma modificação
profunda nas instalações existentes, as quais eram inadequadas,
insuficientes ou incapazes, pelo seu apetrechamento, de laborarem em
boas
/ 176 /
condições técnico-económicas os quantitativos de leite que lhe haviam
sido atribuídos.
Inicia-se assim uma época de
renovação nas instalações da indústria de lacticínios, o que se consegue
na maior parte com o decorrer dos anos.
Os projectos das novas
unidades fabris ou os projectos de ampliação das já existentes, foram
apreciados e considerados em relação à provável laboração prevista e à
natureza dos produtos a preparar.
Duma maneira geral todas as
instalações passaram a dispor de boas condições higio-técnicas,
realizando-se as diferentes operações de fabrico segundo um ordenado
esquema de trabalho.
Os melhoramentos
técnico-higiénicos introduzidos nas diferentes instalações fabris e
estabelecimentos complementares, podem considerar-se notáveis, pois de
instalações incipientes e antiquadas passou-se em pouco tempo para
edifícios modernos e de boa concepção (Fotos 6 e 7, 8 e 9).
E certo que, nalguns casos,
as exigências dos Serviços Oficiais foram excedidas pela iniciativa dos
industriais que se abalançaram a empreendimentos de extraordinária
grandeza.
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Vejamos agora no quadro n.º 4 o movimento do numerário de estabelecimentos nos vários anos deste período.
QUADRO N.º 4
|
ANOS |
Estabelecimentos existentes |
Postos de recepção |
Postos de
desnastação |
Fábricas de Manteiga |
Total |
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952 |
89
91
113
119
80
79
82
84
87
98
123
137
140
141 |
250
251
233
191
69
67
69
66
67
61
69
57
57
56 |
113
95
70
37
14
14
14
14
14
14
14
14
14
14 |
452
437
416
347
163
160
165
164
168
173
206
208
211
211 |
|
|
/
179 /
Observa-se assim que, embora decrescendo o número
de postos de desnatação e de fábricas de manteiga, só em 1943
se verifica o desaparecimento dos estabelecimentos previstos na
organização da indústria.
Daí por diante o número de fábricas e de postos oferece certa
estabilidade, embora nos últimos anos tenha aumentado o movimento de
postos de recepção (Fotos 10 e 11).
Muitos estabelecimentos licenciados actualmente como
postos de desnatação realizam apenas a recepção do leite.
É natural que futuramente se observe aumento nos estabelecimentos daquela natureza, circunstância que poderá ser interpretada
como retrocesso.
Das 14 fábricas de lacticínios existentes apenas 3 fabricam exclusivamente manteiga; as restantes realizam o aproveitamento do
leite na variada gama de produtos a que pode dar lugar.
Durante o período a que nos referimos aumentou consideravelmente o fabrico de queijo e produtos dietéticos.
Em 1941
inicia-se o fabrico de leite condensado.
Em 1946 ensaia-se a preparação do Nesmilcafé.
As zonas de abastecimento às fábricas definidas em 1941, são suspensas a partir de 1947 (Portaria
n.º 11:750, de 14/3/1947).
/ 180 /
Em 1948 entra em actividade o fabrico de leite em pó, pelo método de
Krause e procede-se às instalações necessárias à preparação de lactose e
ácido láctico, como elementos
valorizadores do soro resultante do fabrico de queijo.
Em 1949 inicia-se o fabrico de «Pelargon».
A lactose e ácido láctico começam a produzir-se a partir
de 1951 e em 1952 mais duas fábricas estão apetrechadas com
a aparelhagem necessária para efectuarem a secagem do leite pelo
processo de atomização.
Ultimamente uma empresa deseja iniciar a preparação de albuminas e
ensaia-se a secagem de soro para alimentação de animais.
No quadro n.º 5 indicam-se as fábricas existentes, as datas das suas
construções ou remodelações e os produtos que estão autorizados a
preparar.
Não há dúvida de que da concentração da indústria resultaram benefícios
que não podem ser postergados e que representam para o País riqueza
apreciável.
Entre os benefícios que a concentração industrial pôde
trazer, destacam-se:
1.º − Maiores possibilidades para a instalação e montagem de estabelecimentos fabris, em boas condições
de higiene e salubridade, garantindo, ao
/
181 /
mesmo tempo, uma laboração técnico-económica conveniente;
2.º − Reapetrechamento em condições de permitir um
maior rendimento económico;
3.º − Integral aproveitamento do leite, com o aumento
do fabrico do queijo e de outros derivados;
4.º − Aperfeiçoamento dos processos tecnológicos por
uma gradual melhoria das técnicas de fabrico;
5.º − Mais eficiente controle do leite e melhoria apreciável nas
condições de recolha e transporte;
6.º − Conservação e constituição de stocks reguladores
do abastecimento público.
Como reflexo da organização indicam-se ainda:
a) Redução considerável do número de estabelecimentos e aumento relativo da laboração diária;
b) Melhor qualidade e maior variedade dos produtos;
c) Garantia na colocação do leite e desaparecimento
das frequentes oscilações de preços.
Assim, e em última análise, parece-nos que está fora de qualquer crítica
a medida mandada pôr em execução pelo
Governo, no sentido de se promover à concentração da matéria prima leite
para fins industriais.
De facto, a dispersão de pequenas unidades fabris - postos de desnatação
e fábricas de manteiga - jamais podia corresponder às necessidades
sempre crescentes da população portuguesa em produtos lácteos e
constituía uma aberração dentro do progresso industrial a que nos
últimos anos assistimos no nosso País.
No aspecto particular das instalações reiteramos que houve modernização
e que atingimos até um grau de aperfeiçoamento muito razoável.
Nos edifícios das novas
fábricas estão montados e laboram os maquinismos mais modernos em uso
nas indústrias lácteas (Fotos 12 e 12-A).
Estas condições permitem, além duma laboração em boas condições de
higiene e salubridade. a prática de processos técnicos mais
aperfeiçoados na preparação dos vários produtos.
Ao mesmo tempo, a maioria das fábricas assegura o
completo aproveitamento do leite.
Em pouco tempo a indústria de lacticínios sofreu profunda remodelação e
pode dizer-se que presentemente rivaliza com a indústria dos países mais
progressivos em matéria
de indústrias lácteas.
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e
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184 /
Não conhecemos no País outra actividade que em tão
curto espaço de tempo atingisse o progresso e o grau de
aperfeiçoamento registado na indústria de lacticínios.
Apesar de estarmos longe de satisfazer as reais necessidades da população do País em matéria de lacticínios, o distrito de Aveiro contribui largamente com produtos de qualidade para minorar essas deficiências alimentares.
São estes os factos que supomos de maior evidência na
linha evolutiva da indústria de lacticínios no distrito de Aveiro.
Oxalá possam servir a alguém que um dia queira fazer
a história completa e verdadeira da indústria de lacticínios nesta
região.
Aveiro, Janeiro de 1953.
JOSÉ A. CARRILHO RALO |