F. Ferreira Neves, Testamento de Diogo Soares, Vol. XVIII, pp. 3-13.

TESTAMENTO DE DIOGO SOARES, SECRETÁRIO DE ESTADO EM ESPANHA
NO ANO DE 1640 E FUNDADOR
DO MOSTEIRO DE SERÉM

O PORTUGUÊS Diogo Soares era, desde 1635, do conselho do rei Filipe quarto de Espanha e terceiro de Portugal, e também secretário de Estado na corte de Madrid. Por alvará régio dado nesta cidade aos 12 dias de Fevereiro de 1633, teve autorização para comprar a Dom António da Silva Saldanha, por 5.500 cruzados, o senhorio das vilas portuguesas de Serém e do Préstimo, que eram da coroa, e que de facto comprou.

Tratou em seguida de edificar em Serém um convento da ordem de São Francisco da província de Santo António. Na verdade, em 23 de Junho de 1634, foi feita em Lisboa uma escritura em que Diogo Soares se obrigava a construir um convento da invocação de Santo António, na sua vila de Serém, junto a Vouga, para nele habitarem doze religiosos e a dar a estes uma ordinária para ajuda da sua sustentação, com a condição de ficar Diogo Soares padroeiro do convento, e lhe ficar reservado o domínio da igreja e capela-mor para nelas ter ele e seus descendentes suas sepulturas e jazigos. Nesta escritura ficou consignada a aceitação do convento e cláusulas por parte dos religiosos. Por estes outorgaram o padre José Manuel de Santa Catarina, ministro provincial da Província de Santo António, e outros padres, e por Diogo Soares outorgou António de Matos da Fonseca, em virtude da procuração feita em Madrid em 15 de Fevereiro de 1634.

Em 16 de Setembro de 1634, concedeu o dito rei autorização para se fazer o convento, desde que nele não houvesse / 4 / mais de doze religiosos. Em 18 de Abril de 1635 foi lavrada, em Serém, a escritura da oferta do local para o convento por Diogo Soares, e neste mesmo ano começou a construção do convento, que demorou largos anos.

Bem se enganava Diogo Soares quando supunha que, no seu convento de Serém, viria a dormir o sono eterno. De facto, graves acontecimentos políticos não permitiram que ali fosse sepultado.

Julgava Diogo Soares que a unidade ibérica efectuada em 1580 não viria a ser destruída, mas a errada política de Espanha para com os portugueses levou estes à revolução de Lisboa, no dia primeiro de Dezembro de 1640, a qual restituiu a independência a Portugal.

O fim do vexatório domínio espanhol foi simbolizado no assassinato de Miguel de Vasconcelos de Brito, vulgarmente conhecido por Miguel de Vasconcelos, então secretário de Estado em Lisboa, a quem os conjurados acusavam de não ter defendido convenientemente os interesses e direitos dos portugueses.

O movimento revolucionário obrigou o deão de Braga, Luís de Melo, e o bispo de Leiria, Pedro Barbosa, irmãos de Miguel de Vasconcelos e cunhados de Diogo Soares, a refugiarem-se em Espanha. A História acusa severamente Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos de grande falta de patriotismo por seu servilismo perante o governo espanhol.

O triunfo da revolução de 1640 levou ao trono português o duque de Bragança, mas a consolidação da independência de Portugal demorou ainda muitos anos e custou imensos sacrifícios. Vários nobres de alta linhagem foram ainda condenados à morte por continuarem a ser partidários do rei de Espanha, e conspirarem contra D. João IV, o novo monarca português. Certo é que a revolução estabeleceu uma confusão tremenda na política portuguesa: basta reparar no que diz D. Pedro Mascarenhas, adepto do monarca espanhol, numa carta dirigida a seu pai, o marquês de Montalvão, escrita de Niebla para o Brasil, a 12 de Fevereiro de 1641:

«Tambem disse a V. Ex.ª o dezastrado fim de Miguel de Vasconsellos; que certo me Lastima, ainda que no lo não merecia. Hoje está isso provado Largamente com a sua Letra e firmas, que tudo tenho em meu poder.»

E mais:

«Portugal se Levantou sem dinheyro, sem armas, sem munições, sem Artilheria, sem Gente e sem Capitaeñs para dispôrem; e elegeu para Rey a hũ Homem / 5 / parvo, mau e traydor por natureza. Veja V. Ex.ª agora, como poderá ter isto bom fim.» (1)

Porque é que D. Pedro Mascarenhas mostrava tão grave ressentimento contra Miguel de Vasconcelos que era afinal considerado traidor pelos revoltosos?

Somente motivos políticos e interesses feridos levariam aquele fidalgo a desmerecer Miguel de Vasconcelos, como adiante veremos. Pelo menos, este fingiu sempre ignorar a organização do levantamento, pois que, avisado da conspiração de quarenta fidalgos, disse que em Portugal não havia gente para isso, e nenhumas providências tomou para prender os conspiradores.

A atitude de Miguel de Vasconcelos perante a rebelião de Lisboa foi ambígua, sem dúvida nenhuma.

A alta nobreza, por juramento e interesse, era partidária de D. Filipe; o povo e alguma nobreza mediana eram partidários de D. João IV. D. Francisca de Vilhena, mãe do dito D. Pedro Mascarenhas, escrevia numa carta de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 1641 dirigida a seu marido, que os quarenta da fama, isto é, os quarenta conjurados, eram a escória desta terra.

«Já vos avizámos como ficávamos com o Duque de Bragança por Rey, e por nos dizerem q. haviaõ de ver as cartas nos naõ atrevemos a alargar mais q. a mostrar grande contentamento pelo perigo q. havia em se dizer outra couza.

Este negocio foi por tais cabeças q. se lhe naõ pode esperar bom fim, nem traiçoens o podem ter nunca, os que entraraõ nisto foraõ quarenta fidalgos, q. hoje se nomeaõ pellos quarenta da fama, sendo assim q. saõ a escoria da terra, os q. naõ entraraõ nesta conjuraçaõ andaõ aqui mui arriscados (porq. este Rey naõ tem juizo p.ª conhecer o q. he bom, nem máo), e D. Pedro, e D. Jeronimo muito mais, porq. todos lhe conheceraõ sempre grande sentimento neste negócio.» (2)

Interessa-nos conhecer alguns pormenores de um ofício secreto de 12 de Dezembro de 1640 que monsenhor Cesare Fachinette, núncio apostólico em Madrid, mandou para o Vaticano, sendo então papa Urbano VIII, relatando os acontecimentos de Lisboa no dia primeiro de Dezembro de 1640, que transformaram Portugal em nação livre. Nele faz / 6 / referências a D. João IV e sua mulher D. Luísa Francisca de Gusmão, e às causas da revolução. Diz que o duque de Bragança, D. João, agora rei de Portugal, de trinta e cinco anos de idade(3), é de branda natureza, amigo da música, e de pouco entendimento; e que se tinha entregado nas mãos de um secretário seu a quem considerava um oráculo.

Referia-se, por certo, a João Pinto Ribeiro.

Sua mulher era uma irmã do duque de Medina Sidónia, sobrinha da princesa de Melito, da Casa Gusmão. Possuía espírito e engenho elevado. O conde duque de Olivares tinha-a casado com o duque de Bragança.

A respeito dos motivos do levantamento em Lisboa no dia primeiro de Dezembro e consequente alastramento a todo o reino, dizia o núncio que se discorria em escuro porque de Lisboa não vinham cartas; mas que em Madrid se murmurava que eram causas determinantes da sublevação a opinião de se reduzir o reino de Portugal a província, sujeitando-o e unindo-o a Castela e Leão; e que para tal fim se fosse aniquilando o Conselho de Portugal, que tinha degenerado em uma pequena junta totalmente governada e dominada por Diogo Soares; e ainda mais, que os portugueses fossem obrigados a tomar parte na guerra contra a Catalunha.

O núncio mostrava alguma satisfação pelo triunfo do movimento revolucionário português, em virtude de certa questão havida entre a corte de Madrid e o Vaticano, pois começava assim o seu ofício:

«Ai sollevamenti di Catalogna et ai stabilimenti o confederationi di quel principato con i francesi, succede la rivolta di tutto il regno di Portugallo, con incredibile sentimento di tutta questa corte; in un'hora si è perduto, può dirsi, un regno, e prima se n'è saputa la perdida che conosciutane la possibilità et il pericolo di perderlo. Dio benedetto a tutte l'hore non rivede i conti e non ad ogni settimana pareggia le partite; per haec quae peccavimus, per haec et punimur! (4)

Os espanhóis e grande número de portugueses não consideravam D. João IV rei legítimo de Portugal, mas um simples rebelde, pelo que tinham como certa a recuperação de Portugal por Espanha, mais cedo ou mais tarde. Diogo Soares era um deles, e nesta crença viveu até à morte.  / 7 /

Os anos após 1640 iam-se passando, mas a pressão espanhola para subjugar novamente Portugal não dava resultado. Entretanto aproximou-se o fim da vida de Diogo Soares, e então, aos 23 dias do mês de Agosto de 1649, este fez testamento cerrado.

Diogo Soares poucos mais dias viveu, pois no dia 29 do mesmo mês e ano faleceu em Madrid, nas casas em que residia, situadas na rua de Ortaleza. No mesmo dia foi aberto e lido o testamento, a requerimento de sua mulher e testamenteira, Dona Antónia de Melo. É um documento interessante sob vários pontos de vista. Nele deixou Diogo Soares algumas palavras de defesa dos seus actos políticos. Tal testamento está inédito há 302 anos, e agora o publicaremos como subsídio histórico genealógico.

O testamento de Diogo Soares foi escrito em língua castelhana, e dele possuímos uma pública-forma feita em Madrid aos 12 de Maio de 1756, a requerimento de Manuel Alberto da Rocha Tavares Pereira, padroeiro da igreja paroquial de Santa Maria de Pigeiros, administrador dos morgados de Nossa Senhora da Graça da igreja de Castelões de Cambra, e de São Martinho de Argoncilhe e residente em Arrifana de Santa Maria, bispado do Porto (5).

Alegava o requerente que necessitava de uma cópia autêntica do dito testamento para se esclarecer acerca de certas prevenções que nele fez Diogo Soares como testamenteiro que foi do Doutor Miguel Soares Pereira, do Conselho e câmara do rei de Portugal (6). De facto, no artigo 37.º do testamento, existem tais prevenções.

O requerente pedia também cópia autêntica dos documentos relativos às diligências que precederam a abertura do testamento, e esta cópia lhe foi fornecida e encontra-se anexa à pública-forma do testamento. / 8 /

o primeiro destes documentos é a petição da viúva Dona Antónia de Melo, para que seja aberto e publicado o testamento cerrado de seu defunto marido e lhe sejam dados os treslados e testemunhos necessários. Intitula-se ela «viuda muger que fui del señor Diego Suarez, secretario de Estado del consexo de Portugal, y de el de la real hacienda y contaduria maior dela».

A dita petição foi feita em 29 de Agosto de 1649, dia em que faleceu Diogo Soares.

Pela declaração de abertura se verifica que de facto o dito testamento foi aberto e lido no dia atrás mencionado. Depois foi registado a folhas 893 do segundo livro de registos de escrituras efectuadas em Madrid, por Diogo de Ledesma, no ano de 1649.

Diogo Soares era genro de Miguel de Vasconcelos por parte de sua terceira mulher, D. Antónia de Melo e Vasconcelos, e também cunhado dele por parte de sua segunda mulher, D. Mariana de Eça, como a seguir se mostra e importa saber:

Dr. Pedro Barbosa de Luna, morto em 16 de Junho de 1606, segundo uns, ou em 23 de Outubro de 1621 segundo outros, casou com D. Antónia de Vasconcelos e tiveram:

Miguel de Vasconcelos, que foi secretário de Estado em Lisboa;
Pedro Barbosa, bispo de Leiria, sagrado na igreja de São Francisco de Xabregas em 7 de Setembro de 1636;
Luís de Melo, deão da sé de Braga;
D. Mariana de Eça que casou com Diogo Soares, secretário de Estado em Madrid, e foi sua segunda mulher
(7);
D. Maria Antónia que casou com Pedro de Macedo Leite.

O dito Miguel de Vasconcelos casou com D. Catarina de Macedo Leite e tiveram:

Pedro de Vasconcelos e Brito;
Diogo de Vasconcelos;
D. Antónia de Melo e Vasconcelos que foi terceira mulher de Diogo Soares, secretário de Estado em Madrid.


O testamento de Diogo Soares compreende quarenta e nove artigos, que se referem principalmente ao seu enterro,
/ 9 / à divisão dos bens que possuía, pelos seus filhos, e à justificação de factos da sua vida política.

Nele mandava Diogo Soares que, quando falecesse, fosse o seu corpo enterrado por depósito no Colégio Imperial da Companhia de Jesus de Madrid, onde parecesse mais conveniente aos seus testamenteiros, e lá estivesse até ser trasladado para o convento de Santo António de Serém, que ele havia edificado para nele ser sepultado, mas que ainda não estava concluído à data do testamento. Onde fosse depositado o seu corpo, seriam também depositados os corpos de D. Mariana de Eça, sua segunda mulher, o de Pedro Barbosa, seu cunhado e bispo de Leiria, e o de sua filha, os quais estavam depositados na igreja da vila de Aldea deI Fresno.

Ordenava também que o convento que havia fundado na sua vila de Serém se acabasse de edificar quando o reino de Portugal fosse recuperado pela Espanha, dado o caso de não estar ainda concluído. As obras do convento haviam parado em virtude da confiscação dos bens de Diogo Soares em 1641, entre os quais as localidades de Serém, Préstimo e Macieira, cujos rendimentos garantiam a ordinária de 76.000 reis, doada por Diogo Soares para as obras do convento e sustento dos frades.

Declarava que fora casado a primeira vez com D. Francisca de Melo, de cujo matrimónio nasceram dois filhos, Valentim e João, já falecido, e três filhas, Paula, religiosa professa no mosteiro de Santa Clara de Lisboa, Maria Soares casada com João Álvares Soares, seu primo, e Inês de Melo, casada com Martim Cotta Falcão; e que fora casado segunda vez com D. Mariana de Eça, da qual teve três filhos, Lucas, Leonor e Maria Antónia Soares.

Quando Diogo Soares casou com D. Mariana de Eça, fizeram entre si escritura de dote e arras, na qual ela vinculou em morgado (mayorazgo) todo o seu dote que constava de bens situados em Portugal; e Diogo Soares na mesma escritura vinculou a sua terça em morgado, sendo estes dois morgados para o filho varão deste matrimónio e seus descendentes. Deles veio a beneficiar seu filho Lucas Soares.

No seu testamento fundava Diogo Soares outro morgado ao qual seriam anexados os dois primeiros e ainda o padroado (patronazgo) do convento de Santo António de Serém e todos os outros padroados e capelanias que possuía em Portugal e Castela. De todos estes bens seria administrador seu filho Lucas e seus sucessores conforme era determinado no testamento. Os restantes bens foram distribuídos pelos outros filhos nos termos das disposições testamentárias.

Declarava que casou pela terceira vez com D. Antónia de Melo, de quem teve cinco filhos: António Soares, Miguel / 10 / Luís Soares, Miguel Soares de Vasconcelos, João Álvares Soares, e Pedro Soares.

A distribuição dos bens de Diogo Soares por seus filhos era até certo ponto fictícia, porquanto todos os bens que possuía em Portugal estavam confiscados desde 1641. Acreditava, porém, o antigo secretário de Estado em Madrid que a Espanha viria a recuperar Portugal pela força das armas quando estivesse liberta de outras questões e pudesse dispor de fortes recursos militares. E nestas circunstâncias, ele ou os seus herdeiros entrariam na posse dos bens confiscados. Não é de estranhar, portanto, que Diogo Soares em vários passos do seu testamento manifestasse ardente desejo de que Portugal fosse recuperado ou restaurado, isto é, que voltasse ao domínio de Espanha. E assim, encontram-se nele frases como estas:

«Quando se recupere el dicho Reyno...», (art.º 3.º); «confiando en Dios que en mis dias vea la restauracion de el Reyno de Portugal...», (ar1.º 10.º); «si mis pecados no permitieren que à la hora de mi muerte estubiere Portugal recuperado...», (art.º 26.º).

Admitia, no entanto, que demorasse o regresso do reino de Portugal à sua anterior situação, e por isso, no artigo 30º do testamento após a divisão dos bens, faz um apelo à clemência do rei Filipe IV de Espanha, no sentido de amparar e favorecer seus filhos e mulher, alegando que sem a protecção real, pereceriam totalmente por lhes faltar toda a fazenda e rendas que tinham em Portugal, e estavam confiscadas pelo Rebelde.

São muito interessantes as declarações de carácter histórico que Diogo Soares faz para justificar o pedido que fazia ao rei para proteger a esposa e oito filhos que ele tinha a seu cargo.

Declara ele que serviu Sua Majestade durante trinta e sete anos, com notório zelo, e que apesar disso tinha sofrido grandes incómodos e vexames provocados por pessoas que se tornaram suas inimigas por virtude do serviço de Sua Majestade, com o fim de escurecerem a sua reputação e crédito.

Diz o testador que das averiguações que em Espanha se fizeram a seu respeito nada se apurou que o comprometesse, e, no entanto, ele achava-se sem o exercício do seu ofício de secretário de Estado de Portugal que tinha de propriedade, e estava passando necessidades e sua família.

De sua mulher D. Antónia de Melo diz que é filha do secretário Miguel de Vasconcelos que, pelo zelo que teve do serviço de Sua Majestade, foi morto violentamente em Lisboa pelos rebeldes, por ocasião do levantamento do reino de Portugal e por estes lhe foram confiscados os bens, em virtude do que ela ficou pobre. / 11 /

Também é interessante a condição que Diogo Soares impôs a seu filho Lucas e sucessores no morgado que instituiu no seu testamento para que em nenhum caso se encarregassem nem aceitassem o ofício de secretário de Estado, em virtude dos riscos e perigos a que estavam expostos sem culpa sua, como sucedeu a ele.

De que teria sido acusado Diogo Soares em Espanha? E quem o teria acusado? Vamos vê-lo.

Importa recordar que D. Pedro Mascarenhas, vedor do rei D. Filipe, se mostrou muito ressentido contra Miguel de Vasconcelos por ocasião do assassinato deste, como já dissemos.

No testamento queixa-se Diogo Soares de incómodos e acusações que, após o levantamento de 1640, provieram de pessoas mal afectas a ele. Trata-se de uma vingança de D. Pedro Mascarenhas contra Diogo Soares, por motivos adiante indicados, e de que só teve conhecimento após a morte do secretário Miguel de Vasconcelos.

A seguir ao movimento libertador de 1640, D. Pedro Mascarenhas, ainda em Lisboa, tornou-se imediatamente cabeça de uma conspiração contra D. João IV, e intentou mesmo matá-lo, segundo confessa numa carta que enviou a seu pai e à qual nos referiremos adiante.

Teve por isso de fugir para Espanha no mês de Fevereiro de 1641 com seu Irmão D. Jerónimo Mascarenhas, porque as suas vidas já corriam perigo.

Uma vez aqui, procurou derribar Diogo Soares do seu cargo de secretário de Estado no conselho de Portugal em Madrid, com o apoio do duque de Medina Sidónia e do presidente do Conselho de Portugal em Madrid, o conde de Ficalho e duque de Villa Hermosa.

Para tal se serviu de cerca de sessenta cartas de Miguel de Vasconcelos ou de Diogo Soares para ele, que havia conseguido em Lisboa de entre as que foram encontradas na casa de Miguel de Vasconcelos e de lá foram tiradas e espalhadas no dia da revolução.

Isto é o que se deduz do teor da carta que D. Pedro Mascarenhas escreveu a seu pai, o marquês de Montalvão, governador do Brasil, datada de Niebla, a 12 de Fevereiro de 1641. Nesta dizia ainda que as referidas cartas comprometiam Diogo Soares porque revelavam as grandes tramóias e maldades deste e de Miguel de Vasconcelos e das quais ninguém suspeitava, as várias conjurações que estes haviam feito e os actos por eles praticados contra o marquês de Montalvão e seus filhos.

Ficamos agora sabendo o motivo das queixas de Diogo Soares por ter sido acusado e destituído do seu cargo de secretário de Estado, embora nada se tivesse averiguado contra ele, conforme diz. / 12 /

Em tudo isto há um ponto muito importante a esclarecer. Que conjurações seriam as que fizeram Diogo Soares e seu sogro Miguel de Vasconcelos? Em que contrariavam estes os interesses de D. Pedro Mascarenhas e seus parentes? Teriam procedido bem e de acordo com os interesses de Portugal, opondo-se a pretensões injustas e inconvenientes destes Mascarenhas? D. Pedro Mascarenhas era homem de grandes ambições. Quem sabe se este era um dos partidários da aniquilação do Conselho de Portugal, à qual se referia o núncio em Madrid?

Talvez possamos afirmar isto em face da atitude de D. Pedro Mascarenhas após a rebelião de Lisboa. Com efeito, este no caso de ser bem sucedido na contra-revolução que tramava, propunha-se ocupar o lugar do duque de Bragança e ser ainda mais importante do que ele. Queria mesmo ser o maior homem da Monarquia. Isto pressupõe a incorporação de Portugal na monarquia espanhola como simples província.

Para se fazer a história exacta da restauração de Portugal é necessário esclarecer a luta secreta dos dois secretários de Estado contra D. Pedro Mascarenhas e seus parentes.

Vejamos agora o trecho da carta deste D. Pedro Mascarenhas a seu pai, o marquês de' Montalvão, e que se refere ao que atrás dissemos.

«De Lisboa escrevi a V. Ex.ª como se haviam achado todas as cartas de Miguel de Vasconcelos, ou de Diogo Soares para elle; e muitas respondidas á margem; estas se espalháram; e eu fiz deligência, e pude colher coiza de sessenta, que he couza que muito estimo; porque nelas se descobrem as mayores tramoyas, e maldades, que jámais se imagináram: e todas as Conjuraçoens que estes Homens fizeram, particularmente tudo o que nos tóca a nóz; assim do tempo que estavaõ comnosco em brassos; como depois. Prometo a V. Ex.ª que he hum thezouro éstas cartas, e que por tal as estimo. Todas Levo cõmigo; porque se as couzas se pozerem em estado, que me pareça que pósso derribar o Soares, o hey de fazer; porem, ha de ser sem me arriscar. Isto communiquey ao Duque; e assentamos que se fizesse assim. E tambem o communiquei com Villa hermosa; porque nestas Cartas há muitas contra eIle, que lhe não importará pouco. Emfim, Snõr, o negocio se tracta com presteza; e depois de haver pescado, Levo muitos papeis de importancia para este cazo; e particularmente hum, que basta a me fazer El Rey mayor do que era o Duque de Bragança. Encaminhe nos Deos; que eu fio delle que hey de ter muito felice Successo nesta minha rezoluçaõ. / 13 /

Levo particularíssimas noticias de tudo o que há; e em particular dos que tem a opiniaõ de El Rey; que todos por sy, ou por terceiras pessoas, se declaráraõ comigo; e muitos foram convertidos por mim. Eu deixo dispostos as communicaçoens, e intelligendas; e isto com tal modo, que o Duque está pasmado; e lhe parece, que naõ tem El Rey com que me pagar o muito que tenho feito; e tudo he dizerme, que me quizera em Lisboa, e ao lado do Conde Duque, e com sigo; E por remate me diz = Enfim, Vuestra Señoria nó há dexado piessa por tocar = E he tanto assim, que intentey matar ao Duque; e pûz em prática ganhar Saõ Giaõ. Isto digo por mayor; que por menor naõ he possiuel.

Emfim, Sñor, remato este ponto com dizer a V.ª Ex.ª, que eu me tenho rezoluto a ser o mayor homem da Monarquia; ou a meter me Frade da Capucha; porque meyo naõ o há.» (8)

Afinal não viu realizados os seus planos. O esforço e patriotismo dos heróis do 1.º de Dezembro de 1640 tinham dado nova alma e novo destino a Portugal.

Mas das comunicações e inteligências que D. Pedro Mascarenhas disse ter organizado habilmente em Portugal e que fizeram pasmar o duque de Medina Sidónia, resultaram apenas vítimas. Logo no mesmo ano de 1641 foram executados como conspiradores o marquês de Vila Real, D. Luís de Noronha e Meneses e seu filho D. Miguel, duque de Caminha; o conde de Armamar, e outros.

Para terminarmos as breves considerações e referências que fizemos ao testamento de Diogo Soares, diremos que os ossos deste não chegaram a ser trasladados de Madrid para o convento de Serém.

A seguir veremos o teor deste testamento, segundo a pública-forma de 1756 que nos foi cedida por um descendente do mencionado Manuel Alberto da Rocha Tavares Pereira.

Aveiro, Março de 1952.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

_________________________________________

(1)A. G. DA ROCHA MADAHIL, Cartas da Restauração, publicadas em "O lnstituto", vol. 96.º. págs. 319 e 324, e em separata, Coimbra, 1940.

(2)A. G. DA ROCHA MADAHIL, ob. clt., págs. 336 e 337. 

(3) − D. João IV nasceu em 18 de Março de 1604; tinha, portanto, 36 anos de idade. Casou em 12 de Janeiro de 1633. Faleceu em 6 de Novembro de 1656.

(4)DEOCLÉCIO REDIG DE CAMPOS, Quatro documentos originais e inéditos, publicados em "O Instituto", vol. 96.º, págs. 18 e segs. Coimbra, 1940. 

(5)«De Brites Soares e Teodósio de Matos nasceu, entre outros filhos, Salvador de Matos Soares, que casou em Ovar com D. Mariana da Fonseca de quem teve, entre outros, a D. Maria de Matos Soares e Fonseca, que casou com Manuel da Rocha Tavares, morgado e padroeiro in solidum da igreja de Pigeiros e senhor da honra da torre e quinta de Pereira no mesmo Pigeiros, e houve, entre outros, a Salvador da Rocha Tavares, padroeiro e morgado como seu pai, e casou com D. Ana Maria de Sousa Vareiro e Ávila, da qual teve, entre outros, a Manuel Alberto da Rocha Tavares Pereira, padroeiro e morgado como seu pai e avô; casou em Esgueira, por troca, com D. Brites Margarida Pacheco Soares de quem teve quatro filhos e três filhas, todos sem estado em 1785.» (De um manuscrito genealógico).  

(6)Miguel Soares Pereira, lente de cânones e colegial de S. Pedro de Coimbra, e depois agente em Roma para a canonização da Rainha Santa Isabel em 1625. Filho de Bento Pereira, o velho, que casou no Porto com Suzana Carneiro; este foi filho de Jerónimo Tavares e de sua mulher Maria Pinto; este era filho de Francisco Tavares e de sua mulher Maria Pereira, filha do conde da Feira, D. Manuel Pereira.

(7) Na Hist. Geneal. da Casa Real Portuguesa, tomo XI, pág. 659, menciona-se por lapso, D. Maria de Eça em vez de D. Mariana de Eça.

(8) A. G. DA ROCH'A MADAHIL, Cartas da Restauração, publicadas em "O Instituto", vol. 96.º, págs. 273 e segs. 

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