A
MAIS antiga notícia que conhecemos acerca do Asilo Aveirense encontra-se
nas Memórias de Aveiro, de MARQUES GOMES (1875), págs. 167 a 169. Afirma
aí o ilustre antiquário aveirense que «o haver em Aveiro
um asylo para a infancia desvalida» se «deve ao grande tribuno José Estevam»; que este «não chegou a ver realisados os seus projectos com
relação ao asylo porque só dez anos depois do seu falecimento é que pôde
ter Iogar a inauguração d'este estabelecimento humanitário». Fala dos
«grandes obstáculos que se encontraram» para criar essa instituição e
diz que «o asylo se abriu a 6 de Agosto de 1870, contendo apenas 12
asyladas».
Ora a Ex.ma Senhora D. Conceição Faria, neta do Dr. Bento de Magalhães,
que foi grande amigo de José Estêvão, possui, entre bastantes cartas
deste, a seu avô dirigidas, duas outras cujo destinatário se desconhece, em que o grande orador se refere ao problema da criação do Asilo,
pelo qual muito se interessava. Para aqui se transcrevem, pois alguma
luz derramam sobre o assunto. Nem numa nem
noutra figura o ano em que foram escritas; mas o seu teor leva-nos a
concluir que pertencem a 1860, ano em que o Liceu passou de dependências
do Convento de Santo António para o edifício onde tem funcionado desde
15 de Fevereiro do referido ano. Ei-las(1):
1.ª − Il.mo Am.º e Sr.
Escrevi ao Bento Magalhães acerca do asylo, escrevi sobre o mesmo
assumpto ao João de Mello, e escrevo
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agora a V. S.ª. E fico a escrever a todos os membros da commissão até
que tenham a bondade de se reunir e de levar a cabo a empresa que
encetámos.
No asylo não posso tirar proveito, e renuncio à gloria de ter concorrido
para a sua formação; mas vejo que nos sobram facilidades para aquella
obra, que, sendo pia, não pode deixar de ter o seu auxilio e ajuda.
V. S.ª não tem que fazer. O tempo, portanto, é do serviço publico e
dos pobres. Tenha a bondade de reunir a commissão, de agradecerem á
senhora Baronesa d'Almeidinha a offerta da casa, de fazerem o competente titulo dessa offerta com as resalvas que ella pretende, de me
enviarem os papeis que sollicitei do Bento Magalhães, e creiam que hão
de ter mais auxilios do que eu mesmo esperava.
De V. S.ª
Att.º amigo obrig.do
Lisboa 23
de Janeiro
José Estevam
2.ª − Il.mo Amigo
3 de Março
Tenha paciencia. Eu não sei se é ou não Presidente da commissão do Asylo.
Se não é faça-me o favor de se reputar como tal para o fim de tomar posse
do convento na parte, em que estava o Liceu.
Tenciono ir a Aveiro breve, acompanhado de pessoa sabedora de contas d'Asylos.
Tenho a certesa de que me hão de alargar a concessão, entregando a
varanda que é indispensável para os rapases.
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
amigo
José Estevam
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Pertencia também ao espólio epistolográfico do Dr. Bento
de Magalhães a seguinte carta, dirigida a José Estêvão:
Ex.mo Sñr. José Estevão
A portaria dirigida ao Commandante da
3.ª Divisão Militar para a entrega, ao Presidente da Commissão do Azilo,
Francisco Thomé Marques Gomes(2), da parte do Edificio do extincto
Convento de Santo Antonio, que estava occupada pelo Lyceu da mesma
cidade, tem a data de hontem, 2 de Março, e foi expedida hoje 3.
É d'este modo que sempre costumo satisfazer ás exigencias de todas as
pessoas que tem negocios n'esta
Repartição, porque a ley me impõe esse dever: já vê
V. Ex.ª portanto, que nenhum favor me fica devendo.
Disponha de quem é
Com estima e cond.ção
V.or e Cr.do
18 3/3 60
F. X.er Lopes.
Dois anos antes da inauguração do Asilo, e passados seis sobre a morte
de José Estêvão, trabalhava-se com ardor para a realização do seu
humanitário projecto. A empresa foi patrocinada pelo Governador Civil de
então, D. José Manuel Meneses de Alarcão, como se depreende da pastoral
que seguidamente se transcreve, dirigida aos párocos da Diocese de
Aveiro:
O Conego Jose Joaquim de Carvalho e
Goes,
Vigario Geral e Covernador do Bispado de Aveiro.
Aos reverendos parochos d'esta Dioceze saude e paz
em Jesus Christo, que de todos é remedio e salvação.
Com vivo prazer vos annuncio hoje um pensamento
elevado, que o Ex.mo Governador Civil d'este Districto projecta
realizar dentro em pouco com gloria para a Religião, e com reconhecida
vantagem para as classes, sobre quem peza o infortunio da pobreza. É a creação do Azylo d'infancia desvalida.
E se a caridade é a virtude mais sublime do Christianismo, e se a
moralidade publica depende principalmente
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da educação saã, que se inocula nos corações infantis; e se é o
Clero, a quem mais rigorozamente
incumbe o ser instrumento da caridade e o auxiliador da boa educação,
não duvido dirigir-vos um apello para que secundeis o pensamento da
primeira auctoridade do districto, recommendando aos vossos parochianos
aquele instituto de beneficencia, sollicitando d'elles o obolo da
esmolla para esse fim, e prestando-vos a fazer parte das commissões
filiaes, que vão ser organizadas em todos os concelhos, e para as quaes
haveis de ser convidados.
Encarecer vos a utilidade d'um tal Estabelecimento
seria desconhecer o alcance da vossa inteligencia.
Interessar n'essa obra sancta o vosso zelo seria esquecer o disvelo,
que vos anima em promover tudo o que possa contribuir para a
exaltação da religião, de que somos ministros, e para o adiantamento da
sociedade de que somos membros.
Limito me a ponderar-vos que, creado o Azilo conforme o projecto do
digno magistrado, que se acha
á testa da governarão d'esta circunscripção administrativa, e conforme a indole das instltuicões de tal
natureza, terá a educação moral e religioza da infancia indigente de
todo o Districto uma solida garantia
d'aperfeiçoamento, tera a sociedade um abrigo seguro para os seus
membros necessitados, e n'esta terra dar-se ha um grande passo para a
civilização verdadeira.
E para que esta chegue ao conhecimento de todos, a quem diz respeito,
será enviada aos muito Reverendos Arciprestes, para d'ella darem
noticia aos reverendos Parochos dos seus Dlstrictos, devendo estes
transcrevel'a no Livro das Pastoraes, e declarar que a leram e
registraram.
Dada em Aveiro, sob o meu signal de V. S. S. ex C.
− aos 10 de Novembro
de 1868. − E eu, José Pereira de Carvalho, Secretário da Camara a
subscrevi.
José Joaquim de Carvalho e Goes.
V. S. S. ex C.
C. de Souza
Roteiro
Sosa − Vágos − Mira, Covão
do Lobo − Troviscal; Mamarrosa, Palhaça,
Nariz, donde deve remetter-se para Sosa, cujo parocho Arcipreste dará
conta ao Rev.mo Prelado respectivo.
/
311 / Li, e registrei.
Resid.ª de Sosa 22 de Novembro
de 1868.
Reitor José Luís Rangel Pimentel de Quadros.
Li, e registrei Residencia de Vagos 23 de Novembro de 1868.
O Prior José de Miranda Ascenso.
Li, mas não copiei, por que esta freguesia não
pertence ao Districto d'Aveiro. Mira 23 de Novembro de 1868.
O Vigario João Ferraz d'Abreu.
Li, e transcrevi. Covão do Lobo 24 de Novembro
de 1868.
O Vigario António da Costa Pedrosa.
Li, e copiei. Mamarrósa
30 de Novembro de 1868.
O Reitor − Joaquim Pedro Nolasco.
Li e copiei. Palhaça 7 de Dezembro de 1868
O encommendado José Tavares Pinheiro
−
Li, copiei, e cumprirei. Rezidencia de
Nariz em 12
de Dezembro de 1868.
O Prior − Joze Duarte d' Almeida Martins.
Criou-se, pois, o Asilo; seguiu seu longo fadário por
várias casas; teve épocas de pujança e de decadência.
Um nome, porém, ficou a aureolar-Ihe a fronte
− o do
Homem que o concebeu e lhe quis dar vida − José Estêvão.
Que nova era de esplendor o venha a bafejar!
JOSÉ TAVARES |