No
cemitério central de Aveiro, feito em 1835, existe um mausoléu de forma invulgar, tendo sobre o tecto
de pedra uma interessante alegoria da morte, feita
de bronze e medindo cerca de dois metros e meio de
altura. Uma lápide colocada na fachada deste mausoléu diz-nos que ele é
de Artur Prat e sua família.
O autor desta escultura é o falecido artista Artur Prat, que a denominou
«O último alento». Esta obra de arte compreende duas figuras: uma simbolizando a vida; outra simbolizando a morte. A vida é
representada por uma mulher nova, formosa e robusta, em pé, segurando na
mão esquerda uma tocha acesa voltada para a terra − o último alento; a
seus pés estão esparsas flores: rosas, martírios e saudades,
representando os componentes da vida, e sobre elas uma foice.
A morte é representada por um esqueleto envolto em ampla túnica,
situado, atrás da mulher e curvado para ela, segurando na mão esquerda
uma ampulheta alada e erguendo o braço direito para o céu.
A maquette da escultura foi feita em Lisboa, no ano de 1914, por Artur
Prat, e a escultura foi fundida em bronze também em Lisboa.
Na base do monumento encontra-se a assinatura A. C.
Prat com a data 1914; por baixo da assinatura a inscrição:
Venâncio & C.ª, fundidores, 1923.
Artur Prat foi um pintor e escultor já quase desconhecido na
actualidade; por isso, dele vamos dar algumas breves notas biográficas
para elucidação dos vivos e vindouros.
Artur Prat era brasileiro por nascimento, mas português por
naturalização e educação. Nasceu na cidade de Pelotas, em 7 de Setembro de 1861, e faleceu em Lisboa em 15 de
Agosto de 1918. Era filho de D. Emília da Fonseca, brasileira, e de José
Prat, espanhol da Catalunha. Com dez anos de idade veio do Brasil para
Portugal com seus pais e seu único irmão José da Fonseca Prat, e
estabeleceram residência em Aveiro.
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Aqui fez Artur Prat exame de instrução primária, continuando em seguida em Lisboa os preparatórios para a matrícula na
Escola Politécnica, que frequentou durante um ano. Matriculou-se depois
na Academia das Belas Artes, de
Lisboa, onde fez o curso com distinção.
Logo a seguir, e mediante concurso público, foi nomeado
professor e director da Escola Industrial de Portalegre, onde
exerceu acção tão notável que foi louvado e premiado. Mais
tarde foi transferido a seu pedido para a Escola Industrial
Marquês de Pombal, de Lisboa, e posteriormente para a Escola
Industrial de Coimbra, onde esteve até o ano de 1904.
Até esta data já Artur Prat se tinha distinguido como pintor, pois
concorrera com alguns quadros a diversas exposições no Grémio Artístico, de Lisboa, e à Exposição
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Universal de Paris, em 1900. Animado, porém, de imenso desejo de se
aperfeiçoar e aprender com os grandes mestres da Arte, Artur Prat partiu
para Paris em 1904 e lá fixou residência durante oito anos.
Nesta cidade fez extraordinários progressos
na pintura, e o número dos
seus quadros foi aumentando. É de notar que não procurou especializar-se
num só género; pelo contrário, era ao mesmo tempo retratista, paisagista e animalista.
Artur Prat estava-se preparando para uma demonstração pública do seu
valor artístico. Com efeito, no dia 2 de Março de 1906, inaugurou-se em
Paris a primeira exposição portuguesa de pintura, feita por ele, na Galérie des Artistes Modernes.
NeIa figuraram mais de sessenta quadros, compreendendo retratos de pessoas notáveis, paisagens francesas, e algumas paisagens dos
rios Vouga e Mondego.
Esta exposição chamou a atenção do mundo artístico parisiense, da
Imprensa, e de grande número de pessoas de elevada categoria social e
intelectual.
Em virtude do êxito desta exposição, o rei D. Carlos concedeu a Artur
Prat o oficialato da Ordem de Avis.
Em Dezembro deste mesmo ano foi inaugurada em Paris, no Palais Royal, a
exposição do Museu Colonial Português, tendo sido a parte decorativa em
pintura totalmente executada por Artur Prat.
No mês de Junho de 1907 fez este a primeira exposição portuguesa de
pintura em Londres, nas Bruton Galleries,
Bond Street.
A estas exposições
referiram-se largamente as seguintes publicações:
A Ilustração Portuguesa, de 19-3-1906;
O Mundo Elegante (publicado em Paris), de 10-3-1906;
La Vie Illustrée,
de 2-3-1906;
La Revista de Paris, de 3-3-1906;
La Revue Diplomatique, de 23-12-1906;
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The Queen e The Crown, respectivamente de
13 e 20
de Julho de 1907.
A partir de 1908, Artur Prat dedicou-se também com muito entusiasmo à
escultura; alguns dos trabalhos que fez neste género ficaram em França.
Tendo-se-lhe abalado muito a
saúde, regressou então a Portugal em meados de 1912, e instalou o seu atelier
em Lisboa, na Avenida de António Augusto de Aguiar.
Aqui fez ainda várias esculturas, entre as quais diversos bustos, as
três estátuas monumentais representando a Pintura, a Escultura e a
Arquitectura, que sobrepujam o palacete da Ordem dos Engenheiros, em
Lisboa, e, para o terraço do mesmo, o vaso monumental de granito, com
lindos e inspirados grupos finamente cinzelados, representando as quatro
estacões do ano.
Como seu irmão José viveu sempre em Aveiro e aqui constituiu
família, Artur Prat vinha com frequência a esta cidade, e por aqui se
demorava por vezes.
Logo que regressou de Paris a Lisboa, mandou construir em
Aveiro, que
ele considerava sua terra natal, um mausoléu para nele serem guardados
os seus restos mortais e os de sua família.
Foi para encimar este mausoléu que ele fez em 1914 o grupo alegórico «O
último alento» a que atrás nos referimos.
Em 1917 Artur Prat adoeceu gravemente, e passado proximamente um ano,
faleceu em Lisboa, aos 15 dias de Agosto de 1918. No dia seguinte, o seu
cadáver foi trazido para Aveiro, e sepultado no jazigo que havia
mandado construir.
A alegoria da Morte foi aqui colocada depois de 1923, mas esteve ainda
coberta durante muito tempo até 1927. Na acta da sessão da Câmara Municipal de
Aveiro, de 22 de Dezembro de 1927 lê-se o seguinte passo:
«Foi presente um ofício de José da Fonseca Prat, participando que já se
acha exposto ao público o grupo simbólico em bronze que encima o mausoléu de seu falecido irmão Artur da Fonseca Prat.»
As referências que fazemos aqui a Artur Prat são também homenagem à memória deste, que, não sendo natural de
Aveiro, sempre
por esta cidade mostrou entranhado afecto, a dotou com uma obra de arte
notável e valiosa, e nela quis dormir o sono eterno.
Aveiro, Outubro de 1951.
FRANCISCO FERREIRA NEVES |