É
INTERESSANTE conhecer o espírito político que
animava os rurais aquando das lutas travadas pelo constitucionalismo
para apoderar-se das cadeiras do poder. Ora, em algumas das actas da
Câmara
do Préstimo, ressalta bem como toda, ou quase toda, a população do
concelho tinha arraigado o sentimento do governo pelo rei com audição
dos três estados − clero, nobreza e povo, que a Nação Portuguesa serviu
por largo período. São de notar o calor e as palavras festivas dos autos
da Câmara, quando se tratava de apoiar situação absolutista, e o número
de assinaturas que os ultimavam,
em contraste com a frieza daquelas e pobreza destas, quando referiam
apoio ou confirmação constitucional.
Pela transcrição dos referidos autos o leitor se dará conta da verdade
que adiantamos.
1.º
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte
e três anos. Aos dezasseis dias do mês de Junho do dito ano, nesta vila
do Préstimo e Casa da Câmara, aí sendo presentes o juiz ordinário
actual, João José dos Santos e todos os oficiais da Câmara, João António
de Arede, e António Simões e Manuel Nogueira, e o procurador do
Concelho, Manuel de Arede e o Clero, Nobreza e Povo do distrito da mesma
Vila, que para o presente auto foram convocados, logo, penetrados todos
do maior regozijo
e satisfação, aclamaram a Sua Majestade o Senhor D. João VI
rei absoluto e independente de todo este Reino e Domínios
de Portugal, jurando todos, e cada um de per si, de defenderem e fazer
defender os direitos de EI-Rei absoluto e os da rainha Nossa Senhora e
de toda a dinastia da Real Casa de Bragança, e mandaram outrossim os
ditos oficiais que
/
236 /
imediatamente se passasse ordem para que todos os habitantes deste
Distrito manifestassem publicamente nos três dias sucessivos o júbilo e
alegria de que igualmente se achavam penetrados, pondo luminárias em
suas habitações, feito e assinado em Câmara aos dezasseis dias do mês de
Junho de mil oitocentos vinte e três anos, e de tudo mandaram fazer este
auto que assinaram = Eu, José Joaquim Tomás escrivão da Câmara que o
escrevi e assinei.
José Joaquim Tomás, o Juiz, Santos, Manuel Nogueira, João António de
Arede, Manuel Simões, Manuel de Arede.
2.º
AUTO DE JURAMENTO DA CARTA CONSTITUCIONAL
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte
seis anos. Aos trinta e um dias do mês de Julho do dito ano, nesta vila
do Préstimo e casas da Câmara dela, sendo presentes o juiz presidente e
os actuais oficiais dela, os vereadores, almotacé, procurador, escrivães
e alcaide, logo pelo juiz foi dito, pondo as mãos nos santos evangelhos
ou um livro deles: «Juro cumprir e fazer cumprir e guardar a Carta
Constitucional decretada por El-Rei o Senhor D. Pedro IV em vinte e nove
de Abril de mil oitocentos vinte seis, para os reinos de Portugal e
Algarves e seus Domínios, tão inteira e fielmente como nela se contém. E
logo deferiu nos santos evangelhos aos vereadores, almotacé, procurador,
escrivães e alcaide em o mesmo livro em que eles, e cada um de per si,
in solidum, puseram suas mãos, e recebido na forma devida disseram:
Juramos cumprir e fazer cumprir e guardar a Carta Constitucional decretada por El-Rei o Senhor D. Pedro IV, em vinte e nove de Abril de mil e
oitocentos e vinte seis, para os reinos de Portugal e Algarves e seus
Domínios, tão inteira e fielmente como nela se contém. De tudo mandaram
fazer este auto que assinaram, aqui copiado no livro da Câmara, e se
remete o original à Secretaria dos Negócios do Reino. Eu, José Joaquim
Tomás, escrivão da Câmara, o escrevi, e assinei.
O juiz-presidente, João António de Arede
O vereador, Manuel Nogueira
» Dionísio Duarte Pereira
Almotacé, António Simões
Procurador do Concelho, José Tavares
Escrivão do Público, Francisco José
Ferreira
» das Sisas, António Ferreira Pereira
Alcaide, José Manuel
/
237 /
3.º
AUTO CAMARARIO
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e vinte oito anos, e vinte e três dias do mês de Junho do
dito ano, nesta vila do Préstimo e na casa do Concelho dela, onde eu,
escrivão, vim com o juiz actual, José Tavares, e vereadores actuais, José
Fernandes e Manuel Francisco, procurador actual, João Antunes, e aí, em
cumprimento e observância do aviso da Junta Provisória encarregada de
manter a legítima autoridade de El-Rei o Senhor D. Pedro IV, − prometiam positivamente submissão e manter a legítima
autoridade da Junta Provisória, encarregada pelo mesmo Augusto Senhor D.
Pedro IV −. E logo mandaram fazer este auto, que assinaram. Eu, José
Joaquim Tomás, escrivão da Câmara, que o escrevi e assinei.
José Joaquim Tomás, José
Tavares, José Fernandes, ver.,
Manuel Francisco, ver., João Antunes, proc.
(Em consequência do
seguinte, foi este auto mandado
riscar).
4.º
AUTO CAMARÁRIO
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e oitocentos e
vinte e oito anos, e aos vinte e três dias do
mês de Julho do dito ano, nesta vila do Préstimo e casas da Câmara,
aonde aí se achavam o juiz-presidente e mais oficiais que o presente ano
servem na dita Câmara, no fim deste auto assinados, e aí por ele juiz e
oficiais foi dito que a sua notícia que Sua Majestade El-Rei, o Senhor
D. Miguel I
havia subido ao trono, o qual aclamavam e recebiam por rei absoluto, com
toda a autoridade e regalias de que gozaram os mais reis, seus
antecessores, de Portugal e mais Reinos e domínios, a quem já há muito
tempo reconheciam e aclamavam no centro do seu coração por seu soberano,
e
prometiam e estavam prontos, como fiéis vassalos, prestar-lhe
a mais firme fiel obediência, como for do seu agrado, digo, do seu real
agrado, e que se riscasse o auto retro, que haviam por reclamado, e de
tudo este auto que assinaram com alguma parte do povo.
O juiz, José Tavares, José Fernandes, ver., Manuel dos Santos, almotacé,
João Antunes, proc., José Joaquim Tomás, José Joaquim da Costa Amado,
Manuel José, João Francisco,
/
238 /
José Henriques (?), Manuel Marques da Costa Brandão, vigário, João José
dos Santos, Manuel Domingues, Francisco solteiro, António solteiro, José
António de Faria, Joaquim
José Tomás, Francisco José Ferreira, escrivão do público, Manuel
Ferreira, vigário, José António de Melo, alferes.
5.º
AUTO
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1831.
Aos 23 dias do mês de Setembro do dito ano, em esta vila do Préstimo e
Casas da Câmara dela, onde eu, escrivão, vim,
e aí se achava presente a Câmara, Clero, Nobreza e Povo abaixo
assinados, por eles todos unanimemente foi dito que visto que constava a
abdicação do Senhor D. Pedro do Império do Brasil, de onde havia saído
para o Continente, digo, Continente da Europa, podendo alguns mal intencionados, inimigos do
Altar e da estabilidade e legitimidade do Trono de Sua Majestade El-Rei
Nosso Senhor, o Senhor D. Miguel l,
tomar isto por causal para baldada inutilmente quererem
inquietar a legítima ordem de coisas do Governo e Sucessão que existe
tão felizmente nestes Reinos, segundo as suas leis fundamentais, e sendo
bem sabidos os planos da geral revolução tramada pelos sócios de uma
nefanda seita em que eles bebem as doutrinas subversivas dos tronos e da
religião católica, única verdadeira, querendo produzir a anarquia em
todos os estados, especialmente neste Reino, a Câmara, pois, Clero,
Nobreza e Povo não satisfaria ao seu dever se não reunisse
extraordinariamente, para assim fazer constar seus fieis e leais
sentimentos à face de Sua Majestade, da Nação, de todo o Mundo,
protestar outra vez por este acto, como decidida, eficaz e solenemente
protestam contra quaisquer pretensões que intente ou use alguém de sustentar ou dirigir contra os sagrados
direitos do mesmo Augusto Senhor e legais decisões desta Nação, em seu
favor contidos e abrangidos na letra e espírito do Assento dos três
Estados juntos em cortes, tomado no dia II de Julho de 1828, para cuja
sustentação e
defesa a mesma Câmara, Clero, Nobreza e Povo, por si e em
nome dos mais habitantes deste Distrito, que representam
as suas pessoas e todos os seus teres, meios e faculdades, que põem à
disposição do sábio, providente Governo, sem fazerem alguma reserva no
que julgam estar conformes com os sentires de todos os verdadeiros
portugueses, pelo que pede a Câmara a graça de Sua Majestade de fazer
publicar na gazeta esta tão sincera, espontânea expressão de sentimentos
dos /
239 /
povos deste Distrito, e de tudo mandaram fazer este auto, que assinaram,
e eu, José Joaquim Tomás, o escrevi e assinei.
O juiz, Dionísio Duarte Pereira; o ver., Manuel Duarte; o ver., José
Gomes da Silva; o proc., José Manuel, Francisco José Ferreira, escrivão
do público.
Seguem-se 54 assinaturas, que se não transcrevem por ilegíveis que são, algumas.
Visto em correição de 1832.
(Assinatura ilegível).
Pelo exposto se verifica facilmente que o povo do Préstimo era conservador, e não se incorrerá em erro admitindo que o era
também a maior parte da população portuguesa. Assim, com fundo
ancestral que procura a ordem, não será ainda hoje difícil, com
moralidade na Administração, fazer progredir a Nacionalidade no sentido
de onde transitou.
Vão os autos transcritos em ortografia corrente e dotados com a
pontuação necessária, porque assim se lhes facilita a leitura e
compreensão.
JOAQUIM SOARES DE SOUSA
BAPTISTA |