J. Domingos Arede, Santa Maria de Ul, Vol. XVII, pp. 193-234.

SANTA MARIA DE UL

TODOS os que amam a terra onde viram a primeira luz ou comem o pão salgado com o suor do seu rosto, devem sentir e reconhecer a utilidade da história escrita dessa terra.

Tendo já escrito alguns pequenos trabalhos de investigação histórica sobre algumas freguesias do concelho de Oliveira de Azeméis, que foram publicados na revista Arquivo do Distrito de Aveiro, resolvi também escrever, para a mesma revista, o modesto trabalho que segue, respeitante à freguesia de Santa Maria de UI (Nossa Senhora da Assunção).

Isto posto:

UI é terra de trabalho e de costumes sãos, que não desregrados; vive da agricultura na sua maior parte, e não julga depreciados os seus serviços com os calos da enxada com que cava e prepara a terra que lhe dá pão e a sua independência económica, devida tão somente ao fruto do trabalho activo e honesto.

O ulense já bastante educado e, ao mesmo tempo, instruído e corajoso, procura o engrandecimento da terra com a sua actividade bem dirigida, tanto na cultura do campo como no exercício de outros trabalhos.

Em UI, como é voz corrente, as famílias respeitam-se, toleram-se e auxiliam-se mutuamente; os lares são modelares e, neles, predominam o amor e o conforto; os pais não se poupam a sacrifícios para os filhos não sofrerem privações, e para assim lhes deixarem uma bela lição de carinho e amor, pela qual serão compensados também quando velhos e cansados.

Vivo há meio século em Cucujães, onde tenho ouvido sempre as melhores referências ao bom povo de UI, referências estas que já vêm de longe, como tive ocasião de apreciar em dois documentos que me confiou o reverendo Agostinho Pereira da Silva Gomes, ex-pároco da mesma freguesia, que [Vol. XVII - N.º 67 - 1951] / 194 / eu qualifico de «Páginas de Luz» para a História de UI, e que vão reproduzidos aqui, com a epígrafe «Homens de UI Ilustres em Letras».

Li os Anais do município de Oliveira de Azeméis, que não são a história do concelho, mas sim uma ligeira descrição das suas freguesias. Nos assuntos de investigação histórica de cada freguesia, os ilustres autores dos Anais apresentaram elementos que muito interessam às mesmas freguesias, tais como: a notícia das tradições, do carácter, do progresso e evolução do seu povo. Importante e interessante, sem dúvida, o seu serviço para a história!

Porém, nessa minha leitura, depararam-se-me bastantes deficiências históricas em algumas freguesias, e também nesta de UI que, só com o tempo, podem ser preenchidas com novas noções elementares que forem aparecendo, mediante trabalho de devotados estudiosos.

Aos habitantes da freguesia de UI, que amam a sua terra, dedico estas «Páginas de Luz», como contributo para a sua história, que outros estudiosos virão amplificar com o relato de mais factos que interessem à terra de UL.


CAPÍTULO PRIMEIRO

Primórdios históricos de UI, do concelho de Oliveira de Azeméis,
distrito administrativo de Aveiro.

A terra de UI, pela sua situação geográfica, bom clima e abundância de águas, foi habitada, desde remotíssimos tempos, pelo homem. O nome de Ur vem de Ur-rio, de proveniência celta, raça humana que foi a primitiva que habitou a península ibérica, e tanto assim que foi ela que teve a hegemonia sobre as outras raças. Daí serem celtas na península os primitivos crastos. Os crastos romanos foram muito posteriores; e é nuns e outros que se conhece o grau de civilização dos povos já desaparecidos há muitos milénios.

I – Existem monumentos veneráveis da antiguidade, em UI; e, dentre os mesmos, uma inscrição encontrada numa lápide da igreja com os seguintes dizeres:

. . . . Re . Augusto Tribuni
. . . . XXVII . Cos . XII I . Pater
. . . . Rminus . Augustalis.


II –
Outros monumentos: a igreja. A igreja de Santa Maria (Assumpção) é muito antiga. Da sua fundação nada / 195 / sabemos. Em 1246 (anos de Cristo) foi seu abade Martim Esteves. Pelo ano de 1770 foi demolida e, a seguir, reconstruída no mesmo local da primitiva, sendo pároco encomendado, ao tempo, o reverendo Dr. José Borges de Azevedo.

As obras de reconstrução acabaram em 1790, sendo então abade Manuel José Pereira.

lII – Altar de S. Brás. Na mesma igreja há um altar com a imagem e invocação de S. Brás, cuja festividade costuma ser feita no dia 2 e 3 do mês de Fevereiro de cada ano com a igreja toda engalanada.

S. Brás foi bispo da cidade de Sebaste na Capadócía na Ásia Menor, onde foi degolado no fim do século III, no tempo do imperador Dioclecíano, por não ter querido adorar e sacrificar aos ídolos (deuses do paganismo). A sua festividade é muito concorrida de devotos a depositar no altar do milagroso Santo velas e moldes de cera, e artigos de adorno por graças recebidas do céu por intercessão do mesmo Santo, a quem muitos fieis invocaram nos seus transes de aflição e de dor.

OBSERVAÇÃO – Ainda são veneradas duas relíquias de S. Brás, uma no Convento de Arouca, que foi da rainha D. Mafalda e já tinha sido / 196 / da rainha Santa Helena, e outra no lugar do Bombarral, do termo de Óbidos, concelho das Caldas da Rainha. (V. Mapa de Portugal pelo P.e JOÃO BAPTISTA DE CASTRO, terceira parte, páginas 316 e 320, como regista também JAIME SEGUIER).

Mais: O marco miliário da milha XII, colocado na Câmara de Oliveira de Azeméis, que assinala a passagem da via militar romana nesta região, foi encontrado no entulho dos alicerces da Igreja de UI, quando da sua reconstrução.


IV –
Antigas contribuições da igreja de Ul à Sé do Porto e ao Estado

a) A igreja de Santa Maria de UI pagou à Sé do Porto, nos tempos medievais, direitos com o nome de censos para sustentação do Bispo e do Cabido.

Vejamos:

«Ecclesia Sanctae Mariae Dul.
D. cera mediam libram (meia Libra peso).
De mortuarijs . xxxv. solidos (35) soldos,
       direitos de sepultura que os doridos eram
       obrigados a pagar).
De tritico tres sextarios.
De Auena . unum modium.
De milio . duos quartarios.
De vino . unum puçal»
(1).


b) Pagou também a mesma igreja de UI, no tempo do rei D. Diniz, uma contribuição suplementar, com o nome de taxação eclesiástica, por espaço de três anos, para defesa da Pátria. Esta contribuição foi considerada como um imposto de guerra contra os mouros. Essa taxação, que foi concedida ao rei D. Diniz pelo Pontífice João XXII, por bula de 23 de de Maio de 1320, era a décima parte das rendas eclesiásticas do Reino, excepto as pertencentes à Ordem do Hospital. E assim, depois de contados os rendimentos de todas as
igrejas e mosteiros, foi taxada a igreja de Santa Maria de UI em 40 libras, moeda do tempo.


V –
Padroeiros da igreja. A igreja de Santa Maria de UI foi, de princípio, do padroado real e, passados bastantes anos, da Mitra (padroado eclesiástico).

Por decreto do Governo de 5 de Agosto de 1833 foram extintos todos os padroados eclesiásticos de qualquer natureza ou denominação que fossem, e passado para a Coroa (Rei) o direito do padroado eclesiástico.

E assim o Rei continuou, desde então, com o direito do / 197 / padroado em todas as igrejas do Reino até à implantação da República em 1910, que separou o Estado da Igreja por Lei de 20 de Abril de 1911 – Capítulo 1 – artigo 2.º. E assim, a igreja de Santa Maria de UI, depois da implantação da República, ficou independente do Estado, e sujeita, apenas, à jurisdição do bispo diocesano e, portanto, fora das determinações dos poderes seculares superiores.

VI – Organização da paróquia. Devia ter sido organizada a paróquia de Santa Maria de UI nos meados ou fins do século XII, que não antes, por não estarem ainda definidos, nesse tempo, os limites de jurisdição paroquial, como se depreende da Carta de instituição e doação do Couto de Cucujães ao Mosteiro Beneditino, situado em Cucujães, por D. Afonso Henriques, em 7 de Julho de 1139 (anos de Cristo), e, na mesma carta, apenas se mencionarem as povoações contérminas de Cucujães, sem ser feita a mínima referência a paróquias ou freguesias limítrofes, o que já se não dava, na mesma época, com os bispados, como se pode julgar pela assistência do Arcebispo de Braga e Bispo de Coimbra à factura da referida carta que confirmaram com a sua assinatura, como conselheiros que eram do príncipe, ao tempo, do Condado Portugalense. / 198 /

 

CAPÍTULO SEGUNDO

Párocos de S. Maria de Ul desde o século XVI.


O povo da freguesia de Ul, de hoje, como o seu antepassado, tem mostrado o sentimento de Deus e da Religião, respeitado os direitos de Deus e da Santa Igreja, e tido sempre na maior consideração os seus párocos. E assim, os filhos do bom povo de Ul, gente laboriosa e disciplinada, continuam a ser a esperança e o poder da freguesia e também da nação que devem preferir à freguesia, tanto no espiritual como no temporal.

A)

Nomes dos párocos da igreja de Ul e seu tempo de paroquialidade, desde 1587 a 1774, constantes de seis livros, da mesma igreja, arquivados na Universidade de Coimbra, com a numeração anual dos baptizados celebrados na igreja da freguesia.

Segue a relação dos nomes por sua ordem cronológica:

I LIVRO
15871676

De 1587 a 1599 – Francisco Álvares Pais (abade).
  » 1599 a 1605 – Licenciado – Baltazar Barbosa (abade).
  » 1605 a 1609 – Fernão Vaz (abade).
  » 1609 a 1628 – Pascoal Francisco Pais (abade).
  » 1628 a 1631 – Pedro de Oliveira (cura).
  » 1631 a 1668 – André de Resende (abade).
  » 1668 a 1676 – André Cardoso (abade).

II LIVRO
1676-1715

De 1676 a 1680 – Continua abade o mesmo André Cardoso.
De 1680 a 1682 – Miguel Rodrigues Fernandes (encomendado).
De 1682 a 1702 – Pedro de Figueiroa (abade).
  » 1702 a 1709 – Joseph Lopes Lobo (encomendado).
  » 1709 a 1715 – Inácio Barbosa de Sousa (abade).  
/ 199 /

III LIVRO
1715-1742

De 1715 a 1737 – Continua abade o anterior.
1737 – Manuel da Costa Silva (encomendado).
  » 1737 a 1742 – Cláudio Borges Araújo (abade). Foram curas deste abade, alternadamente:

Padre – Teodósio Tavares.
Padre – Manuel Rodrigues de Oliveira.
Padre – Manuel Borges Rios.
Padre – Manuel Henriques de Oliveira.
Padre – Luís Borges de Azevedo.


IV LIVRO
1742-1780

De 1742 a 1760 Padre – Abade anterior.
  » 1760 a 1775 Padre – Dr. José Borges de Azevedo (encomendado).
De 1775 a 1779 Padre – Manuel José Pereira (abade).

V LIVRO
1779-1813

De 1779 a 1797 – Continuou o abade anterior até à sua morte em 2 de Janeiro de 1797, sucedendo-lhe, por encomendação por alguns meses, o Reverendo Manuel Monteiro.
De 1797 a IS13-João Pereira de MeIo (abade).


VI LIVRO
1813-1834

De 1813 a 1826 – Continuou o abade anterior.
  » 1826 a 1830 – António Leite Ribeiro Moreira (cura).
  » 1830 a 1850 – Manuel Duarte Pereira Coentro (abade).

B)

Nomes dos párocos da mesma freguesia de UI, constantes do livro das visitações pastorais, arquivado na residência paroquial.

Segue a relação:
De 1550 a 1570 – Francisco Pais de Resende.
  » 1570 a 1880 – Manuel Duarte Pereira. 
/ 200 /

De 1880 a 1900 – Modesto Coelho da Costa Pessoa.
  » 1900 a 1924 – António da Silva Nunes.
  » 1924 a 1937 – Manuel Pereira da Silva Gomes.
  » 1937 a 1940 – António Marques Nogueira.
  » 1941 a 1949 – Agostinho Pereira da Silva Gomes.
                 1950 – António Fonseca.

OBSERVAÇÃO – Transcrevemos, aqui, o nome de todos os párocos de UI pela ordem cronológica desde 1587. Para maior clareza, harmonizamos os anos com algumas alterações sem importância.

Párocos que mais serviços prestaram à igreja de Ul no seu tempo de paroquialidade, e que a história regista a bem da igreja e da freguesia e que não mais esquecem no tempo.

1.º) Reverendo Dr. José Borges de Azevedo.

I – Demolição e reconstrução da igreja.

a) Foi este pároco quem promoveu e dirigiu os trabalhos de demolição e reconstrução da igreja de S. Maria de UI, no seu tempo de pároco, tendo assim, com esta sua dedicação à igreja, prestado relevante serviço à freguesia – serviço que os habitantes da mesma viram, admiraram e reconheceram com amor e gratidão.

b) Ao tempo residiam bastantes ulenses no Brasil e, tendo lá conhecimento dos muitos esforços e sacrifícios feitos a benefício da igreja de UI pelo seu reverendo pároco Dr. José Borges de Azevedo, deliberaram render-lhe a sua humilde homenagem de justiça e gratidão com a compra e oferecimento de um escravo preto que lhe mandaram para o servir na sua residência de UI. Esse escravo teve o nome de Manuel Domingues Preto.

Os supraditos ulenses ausentes, com este seu gesto, só mostraram ser bons filhos de UI, grandes patriotas e bons cristãos, isto devido à primorosa educação cívica e religiosa dos seus maiores.

2.º) Reverendo P.e Manuel Pereira da Silva Gomes.

Tomou posse da freguesia em 3 de Julho de 1924.

I – Serviços prestados à freguesia e aos párocos seus sucessores:
a)
Na residência paroquial. Havendo tomado conta da freguesia, cuidou logo em mandar demolir uns pardieiros que já tinham servido de residência dos párocos, e levantar, no mesmo local, uma nova residência com as necessárias divisões, e bem assim fechar com um muro o quintal junto.

Todo este serviço a expensas suas. / 201 /

b) No passal. Tendo visto no dia da posse da sua paróquia, desaproveitado o passal, interessou-lhe, sem grande demora, a preparação do terreno para cereais e horticultura, e também plantação de bacelos para vinha nova.

II – Melhoramentos materiais na igreja:

a) Reforma das sacristias que importou em Esc. 7.000$00.
b) Serviço da carpintaria no tecto e cobertura da igreja com telha, tipo Marselha, cujo dispêndio foi de Esc. 6.000$00.

c) Pavimentação do corpo da igreja, que custou Esc. 3.000$00.

d) Instalação da luz eléctrica, que importou em Esc. 3.000$00.

e) Compra de um relógio para a torre pela quantia de Esc. 4.400$00.

f) Aquisição de uma imagem do Coração de Jesus, de um cálix de prata, dois missais e alguns paramentos.

g) Oferta da imagem da padroeira Santa Maria pelo benemérito ulense – Severino Baptista da Silva Terra.

III – Criação da Escola Primária Oficial do lugar do Pinheiral:

a) Diligências do pároco. Querendo o pároco dar impulso à instrução numa localidade da sua freguesia, não se poupou a esforços e sacrifícios para conseguir o seu fim.

E assim, devido à sua acção e influência pessoal e política, foi criada pelo Estado a Escola Primária Oficial no lugar do Pinheiral, depois de ofertado o necessário terreno pelo grande defensor dos interesses da sua querida freguesia de UI – Domingos de Oliveira Fontes.

b) Comparticipação do Estado.

A construção da nova escola importou em. . . . . . . . . Esc. 55 00$800;
o Estado auxiliou com a verba de. . . . Esc. 30.000$00,
e ainda com uma outra verba de . . . . Esc. 4.000$00,
para abertura de um poço e canalização de água para o seu abastecimento.

Estas comparticipações do Estado foram concedidas por intermédio do ilustre loureirense – José Luciano da Silva Cravo a pedido do seu amigo e bondoso pároco de UI padre Manuel Pereira da Silva Gomes.

3.º) Reverendo António Marques Nogueira. Foi nomeado pároco da igreja de UI por Decreto Episcopal de 14 de Julho de 1937.

I – Melhoramentos que promoveu e realizou na igreja:

a) Modificação da sacristia com divisões e vidros granulados. / 202 /

b) Aquisição de duas dalmáticas vermelhas, capa da asperges, e véu de ombros da mesma cor.

e) Compra de um pavilhão de gala para o sacrário, e adaptação de duas cortinas de tela dourada para o mesmo.

d) Soalho da Capela-mor, e achegamento do altar à tribuna.

II – Melhoramentos dentro da residência paroquial:

a) Reforma da cozinha.
b) Conserto do escritório e de um quarto.
c) Reparação da sala de visitas e revestimento do tecto.

4.º) Reverendo Agostinho Pereira da Silva Gomes. Tomou posse da freguesia de Ul em 16 de Dezembro de 1942, que paroquiou até 15 de Agosto de 1949.

I – Serviços relevantes prestados à igreja:

a) Colocação de mosaicos no pavimento da capela-mor, onde o tortulho tinha devorado alguns soalhos em poucos anos, o que importou em . . . . . . . Esc. 5.000$00.

b) Aquisição de cadeirais confeccionados nas oficinas do Colégio das Missões da Vila do Couto de Cucujães, que custou a verba de.. Esc. 6.000$00.

e) Divisão da pia baptismal com mármore, e cobertura da mesma pia com tampa de bronze cromado; rebocação do baptistério, e colocação de azulejos em sua volta.

d) Colocação em uma janela de um vitral com uma pintura, representando o baptismo de Cristo, e embelezadas as portas com dois vitrais, ficando cada um com sua pintura: um representando a árvore da perdição, e outro a cruz da redenção, na importância de . . . Esc. 7.000$00.

e) A fachada principal da igreja revestida de azulejos, e o interior, em volta, também de lambrim de azulejos, o que tudo importou em . . . . .. . Esc. 24.000$00.

f) Aquisição das imagens de S. António, e de S. João de Brito (Mártir), em cedro do Brasil, por. . . . . . Esc. 5.000$00.

II – Sacristia da igreja, denominada Museu pelo povo da freguesia:

a) A igreja, do lado sul, possui uma sacristia para depósito e guarda dos objectos destinados ao culto, e também das suas velharias, tais como:

Imagens antigas desafectas ao culto, missais antigos em bom uso, pedras de ara inutilizadas, galhetas em estanho e âmbulas do mesmo metal, lanternas antigas de acompanhar o Santíssimo, cruzes de madeira e de metal já em desuso, e outros objectos antigos que foram retirados da igreja para a sua sacristia. / 203 /

O Sr. Dr. João da Conceição e Silva, distinto clínico, e amigo de UI, onde se consorciou, mandou vedar com vidraça a parte da sacristia, onde está o pequeno Museu e, desde então, começou o mesmo a ser observado com atenção, não só pelo povo da freguesia, mas até por estranhos.

b) Livros da igreja. Do Museu fazem parte diversos livros, tais são: O rol da desobriga de 1771 que está escrito em papel selado de cinco réis, e o de 1799 em papel de dez réis. Este rol menciona, como residentes na freguesia, o abade e mais quatro clérigos, e a população de 495 almas.

c) O Livro das Visitações Pastorais, as constituições do bispado, missais editados na tipografia régia de Lisboa em 1789, e outros livros, são também dignos de menção.

lII – A freguesia muito aprecia e considera o novo Museu instalado na sacristia da igreja.

E assim:

a) Pessoas que tinham em suas casas objectos religiosos houveram por bem dá-los ao Museu, como rosários e coroas interessantes, etc. Uma velhinha, do lugar do Crasto – a Virgínia – ofereceu uma pedra com cerca de meio metro de altura com uma cruz em gesso e a imagem de Jesus Cristo, dizendo que a avó a trouxera das Almas da Moura para o quintal. Algumas pessoas cultas chegaram a afirmar que era um «dolmen» / 204 / (do celta daul – mesa, e maen – pedra), a que os cristãos apuseram a cruz; mas o que parece mais provável é ser uma obra de arte popular, embora muito antiga.

/ 205 /
b) Fazem parte do Museu uma custódia de madeira com um coração. Este símbolo do Coração de Jesus esteve exposto na igreja de S. Francisco, da cidade do Porto, na exposição de 1946, e foi mandado fazer para lucrar as primeiras indulgências concedidas ao Altar que tivesse esse símbolo. Estas indulgências foram concedidas tão somente ao bispado do Porto, a pedido da rainha D. Maria I.

c) Objecto mais antigo deve ser uma caldeirinha em bronze batido, com as asas do aro cravadas, o que deve ser anterior ao século XIII. Há também uma bacia das esmolas interessante e de algum valor pelo Agnus Dei (Deus Misericordioso) que tem gravado, em relevo.

CAPÍTULO TERCEIRO

Crasto de UI, antigo oppidum (Praça cercada de muros e baluartes
que a defendiam contra o inimigo)

I – Situação do crasto. O crasto de UI, situado a poucos metros de distância da igreja da freguesia, é um pequeno monte povoado que se estende, do lado Nascente, até à margem esquerda do rio UI, e do Poente até à direita do Antuã.

a) Escavações no crasto. Com esforço e persistência conseguiu o reverendo Agostinho Pereira da Silva Gomes, já mencionado neste trabalho, em escavações que planeou e mandou fazer no dito crasto, muitos vestígios de estâncias pré-históricas, que formam a colectânea de um novo Museu, instalado na sacristia .da igreja, como já advertimos.

Do reverendo Agostinho segue o relato dos objectos encontrados no crasto e recolhidos no Museu:

b) Além de grandes quantidades de fragmentos de cerâmica: figulina, aretina, micada e fuscada, foram depositados no Museu pesos ou aparelhos de teares, tijolos diversos, bicos de ânfora, pedaços de tégula intactos que atestam bem a civilização desses remotos tempos.

c) As pequenas mós manuais (2), em pedras de qualidades diferentes, mostram que o crasto devia ter sido um / 206 / grande centro de comércio. Junto às mós via-se barro grosso de um lado e fino do outro, levando a crer que eram utilizadas para moer o barro.

d) Foram levadas também para o Museu muitas pequeninas pedras curiosas, contas, vidro fabricado com mica, torresmos ou escórias da forja e carvão.

Faz parte do Museu uma pedra de 1 metro de comprido e 50 cm. de largo onde se lê esta inscrição ao deus Camalião:

– BEAA – CAIMO – X -- / -- . o –

encontrada num quintal do crasto, e um cilindro de granito de 1 metro de altura e meio metro de diâmetro, com inscrição muito apagada, o qual parece ser um marco divisório da freguesia de Loureiro encontrado no lugar de Adães, onde se distingue bem o nome de – IOANES.

e) Em metal apenas estão no Museu três objectos encontrados no crasto: uma fíbula conforme o desenho, com meio metro de comprido, em bronze, com um gancho em S quase / 207 / na ponta, e um guarda-mão no pé que não pode ser classificado; um mascarão em bronze e uma asa de cítula.

f) Além dos supraditos objectos, que foram levados para o Museu, descobriram-se, no crasto, casas, ou antes paredes com 1 ou 2 metros de altura, formando compartimentos de diversos tamanhos. A rua entre estes compartimentos era de cinco palmos de largo. As paredes eram feitas / 208 / com duas faces e cheias de terra ou barro no meio. A muralha tem uns dois metros de espessura e está bem visível dos lados Sul e Poente do crasto.

g) Nas pesquisas efectuadas, encontrou-se grande quantidade de covas com um palmo de diâmetro, tendo cinza, carvão e pedras queimadas pelo fogo, e achou-se também num monte do actual sacristão da igreja um pavimento revestido de pequenas lajes.

Fora das muralhas, para o lado do Poente, está uma espécie de barraca de grandes pedras que se presume uma anta (monumento megalítico, formado por uma grande pedra horizontal sobre outras, mais pequenas e verticais).

O povo ainda aponta, no monte crasto, o sítio do barreiro, da fonte, e a corredoira ou corredor que dava passagem aos transeuntes pelo Oppidum (praça fortificada), enquanto estavam abertas as portas.

Sem comentários. Quando o reverendo Agostinho Pereira da Silva Gomes e o povo de UI começaram a tomar interesse pelas preciosidades antigas encerradas no crasto, o mesmo reverendo Agostinho entendeu por conveniente e necessário escrever a um considerado arqueólogo para vir orientar as pesquisas e ensinar o modo de as efectuar. E assim fez. Escreveu ao considerado arqueólogo que lhe prometeu por escrito vir em missão oficial para que o crasto ficasse com direito à com participação do Estado, pois tinha conhecimento do seu valor, não só pelo que descrevia o pároco, mas por informações de outras pessoas. Entretanto, outro arqueólogo, director de um Museu, visitou o crasto, na passagem por Oliveira de Azeméis. Pois isto foi o bastante para que o senhor considerado arqueólogo respondesse a uma carta do reverendo Agostinho, pároco de UI, dizendo que não ia fazer a prometida visita oficial; depois da visita do director do Museu de tal, nada tinha que ir lá fazer. O reverendo Agostinho, pároco, perante tal resposta, cruzou os braços, e assim findaram os trabalhos que, a princípio, tanto o entusiasmaram! / 209 / [Vol, XVII - N.º 67 - 1951]

Nota curiosa de um passado histórico, como o do crasto, que vem a propósito:

«Vestígios da antiga civilização romana em Condeixa-a-Velha».

Sua descrição circunstanciada:

O passado é morte, e só o presente é vida: todavia o presente, para ser bem compreendido, precisa das lições sentidas e silenciosas da história, quer de censura quer de louvor, as quais devem ser aproveitadas pelo homem na sua vida activa do bem e do belo que nobilita e redime.

Para confirmar esta verdade histórica:

Atraído pela curiosidade do passado histórico, que é lição e luz, fui visitar as ruínas de uma citânia em Condeixa-a-Velha (antiga Conimbriga dos Romanos), e lá encontrei os vestígios de um ópido com uma fortificação ao centro também em ruínas, e construída de grandes blocos de pedra da região: do lado Norte da fortificação, e contígua à mesma, uma larga e descoberta esplanada, contendo pavimentos de salas quadradas do desaparecido casario elegante (domus domini). Esses pavimentos (que não sei descrever, por extraordinários e complicados para mim), construídos de mármores da região, de cor branca, amarela, azul, avermelhada e negra, obrados artisticamente, põem à vista, em determinados pontos, figuras de motivos variados e gosto delicado.

As mesmas figuras formadas de finos mármores de cor escolhida e adaptada, reduzidos a minúsculos quadrados embutidos, com apropriada combinação, nos descobertos pavimentos, somente revelam a elevada actividade artística dos Romanos!

Oh! Como deveria ter sido deslumbrante a decoração interior de tão sumptuosos edifícios!

/ 210 / Entre as figuras admiradas e apreciadas nos referidos pavimentos, fazem parte as do emblema suástico, ornadas de quatro raios em forma de cruz gamada, de origem ariana (população semi-bárbara, saída da Sibéria que, a partir do ano 2.000 antes de Cristo, invadiu a Ásia Ocidental).

A seguir à supradita esplanada, do lado Nascente, dei de caras com aquecimentos de casas que foram de grandes senhores e tanques próximos para banhos.

A Sul da referida fortificação, deparei com outra esplanada e, na mesma, com uma ara e alguns túmulos, parecendo ter sido local reservado para enterramento dos mortos; e, a Poente desta, restos de paredes de casas agrupadas que foram habitadas por plebeus e clientes sob a protecção do patriciado romano (classe nobre).

Pouco antes de deixar a citânia, defrontei ainda com evidentes vestígios do leito da via militar romana, na direcção de Sul para o Norte. Esses vestígios, na sua mudez eloquente, mostram o seguimento da mesma via militar romana através do antigo ópido em direcção a Coimbra (antiga Emínio) para continuar até Braga (Brachara Augusta).

Portanto:

Como lição do passado histórico de Condeixa-a-Velha, e de outros quase semelhantes já encontrados, podemos exclamar:

Como foram grandes pelo seu esforçado ânimo, em acções e feitos, os antigos Romanos que suplantaram em civilização e poderio: Egipto, Assíria, Babilónia, Medo-Persa e Grécia!

A dominação romana, que também sofreu a Espanha, terminou no princípio do século V pela invasão dos povos bárbaros, sucedendo a estes, igualmente por invasão, as hordas dos Árabes (Muçulmanos) no século VII, após porfiadas lutas com armas!

Por fim, os povos oriundos da Espanha, subjugados durante séculos sucessivamente por outros diferentes povos que foram Romanos, Bárbaros e Árabes, decidiram recuperar, com fé e a golpes de espada, a sua independência e liberdade primitivas, como sentimento nobre e contemporâneo da Humanidade.

Nesse empreendimento bélico tomaram parte rija os Lusitanos, já conhecidos pela sua valentia nunca excedida, desde a sua conquista pelos Romanos, nos anos de 149 antes de Cristo.

E assim, uns e outros desses povos invasores e despóticos, após a sua derrota pelas armas e consequente debandada da Espanha, deixaram do seu domínio vestígios importantes – verdadeiros monumentos de interesse científico, artístico, e linguístico, que continuarão a ser respeitados, / 211 / admirados, apreciados e aproveitados pelos Lusos e, sobretudo, os dos antigos Romanos, como o de Condeixa-a-Velha!

Em síntese:

O Crasto de UI é pré-romano, porque os objectos nele encontrados em nada caracterizam a civilização romana. Só os monumentos soberbos dos romanos, como o de Condeixa-a- Velha, testemunham respeitosamente – elegância, grandeza e sumptuosidade!

 

CAPÍTULO QUARTO

A freguesia de Santa Maria de UI na sua evolução político-administrativa até à sua entrada no concelho de Oliveira de Azeméis.

I – Santa Maria de Ul, do concelho da Bemposta.

A freguesia de Santa Maria de UI já era do antigo concelho da Bemposta no ano de 1527 (3). Pertenceu à comarca e ouvidoria da Feira(4) e, nos meados do século XVIII, à comarca de Esgueira(5). Esta comarca, que foi criada em 1533, passou para Aveiro em 1759.

II – Santa Maria de Ul, do concelho de Oliveira de Azeméis. A comarca da Feira, com o decorrer dos anos, tornou-se densa em população na vasta extensão do seu termo. E daí a necessidade de o Estado ter de desanexar da mesma algumas freguesias para benefício e comodidade dos seus habitantes.

E assim foram separadas da comarca da Feira 20 freguesias para a criação do concelho de Oliveira de Azeméis por Decreto de 5 de Janeiro de 1799, tendo sido 18 por este decreto. Para perfazer o determinado número das 20, decretadas, foram separadas mais 2 da mesma comarca – a do Burgo de Arrifana e a de S. João da Madeira por Decreto de 27 de Setembro de 1801.

O supradito concelho da Bemposta, nos meados do século XVIII, era composto de 11 freguesias, a saber: «Pardelhas, Santiaes (S. João de Cepelos?), S. Martinho de Salreu, Canelas, FermeIã, Branca, Ribeira de Fráguas, Palmaz, Travanca, S. Maria de UI e Loureiro». / 212 /

Extinto o concelho da Bemposta por Decreto de 24 de Setembro de 1855, foram encorporadas no concelho de Oliveira de Azeméis as 5 freguesias que o mesmo ainda contava nesse tempo e que eram: Pinheiro da Bemposta, Palmaz, Travanca, Loureiro e Santa Maria de Ul.

E assim morreu o velho concelho do Pinheiro da Bemposta para dar vida ao contemporâneo concelho de Oliveira de Azeméis, elevado à categoria de comarca no ano de 1835.

Foram estas as consequências das reformas político-administrativas de então!

NOTA. – No tempo da vigência do concelho da Bemposta foram separadas algumas freguesias, já vindas da instituição do mesmo concelho, a titulo e conveniência de padroados, e incorporadas outras como que em compensação alternada, mas esta, de cada vez mais diminuta até que, por fim, baixou para 5 o número das mesmas.
     Como relatam documentos coevos da sua municipalidade secular. deduz-se que foi oscilante o movimento político-administrativo do supradito concelho que acabou, desapiedadamente, com o desprendimento da sua pêndula municipal, também político-administrativa, tendo assim passado de superior a subordinado com a sua extinção e incorporação no de Oliveira de Azeméis, distrito administrativo de Aveiro e bispado do Porto.


CAPÍTULO QUINTO

Número de prédios descritos na matriz de Oliveira de Azeméis. Censo populacional. Melhoramentos. Padarias e descasque de arroz. Quadros elucidativos. Pontes de trânsito.

A terra de UI é fértil e nela há boas propriedades que produzem milho, centeio, feijão, batata, legumes e vinho. Tem boas casas, sobressaindo a casa de Manuel Ferreira Pinto, na Rua Direita.

I – Número de prédios descritos na respectiva matriz, e seu rendimento tributável, referente ao ano de 1951:

a) Prédios urbanos, em vigor, 640 artigos, e seu rendimento tributável – 156.948:00.

b) Prédios rústicos, em vigor, 1.788 artigos, e seu rendimento tributável – 87:822:45.

II – Censo populacional:

ANO  

ALMAS

1623

 . . . . . . . . . . . .

152

1770  . . . . . . . . . . . .

634

1788  . . . . . . . . . . . .

514

1799  . . . . . . . . . . . .

495

1864  . . . . . . . . . . . .

1280

1878  . . . . . . . . . . . .

1445

1900  . . . . . . . . . . . .

1798

1940  . . . . . . . . . . . .

2071

III – Melhoramentos.

a) Escolas Primárias Oficiais. A freguesia tem três escolas primárias, mistas, a saber:

Uma no lugar de UI, outra no de Adães, e a terceira no de Ouriçosa. Além destas, tem ainda outra, não mista, no lugar do Pinheiral.

b) Correios. Esta freguesia não possui estação telégrafo-postal. Para o seu serviço público e particular, tem caixas postais em cada um dos seguintes lugares: UI, Ouriçosa, Areosa, Souto, Porto de Vacas e Serro.

c) Vias de comunicação. UI é servida de boas estradas e de uma estação do caminho de ferro do Vale do Vouga, denominada Estação de UI. Umas e outra ligam a freguesia aos principais pontos do País. O caminho de ferro do VaIe do Vouga foi inaugurado oficialmente, desde Espinho até Oliveira de Azeméis, em 23 de Novembro de 1908, com a presença do Rei D. Manuel lI.

IV – Padaria e descasque de arroz. O Rio UI, afluente do rio Antuã, que nasce no vale, sito entre a Serra do Pinheiro e o Monte de S. Marcos, de Fajões, passa pelo centro da freguesia de S. Maria de UI, atravessando uma grande zona.

O rio Antuã, que nasce em Escariz, de Arouca, atravessa uma outra zona de terreno dentro da mesma freguesia.

Este tem a sua entrada em UI na Ponte do Pego, onde é mais conhecido pelo nome de rio da ínsua.

No local, denominado Dois Rios, o Antuã recebe as águas do rio UI, como seu confluente da margem direita, correndo depois um e outro, em leito comum, para a ria de Aveiro.

Em ambos os rios, há bastantes açudes para represar as suas águas, tanto destinadas à irrigação das terras, como à moagem do grão.

V – Quadros elucidativos. Ao longo das margens do Antuã e UI vêem-se assentes bastantes casas de moinhos com rodas tocadas a água, que tanto servem para a trituração do grão, como para o descasque do arroz.

E assim, os habitantes desta linda e ubérrima terra de UI entenderam por conveniente e necessário aproveitar a abundância de águas dos dois rios para duas indústrias caseiras, de que lhes provém bastantes rendimentos para a sua economia: padaria e descasque de arroz, mercadorias estas que têm grande venda nas freguesias do concelho e fora dele. / 214 /

E assim, a freguesia de UI conta 35 padarias legalizadas perante a Secção de Finanças que, em 1951, renderam 4.067$00; e outras particulares (ambulantes), em número de 36, para vendedores de pão em feiras e mercados, sem lugar marcado que, no mesmo ano, renderam 2.975800.

Vão a seguir enumerados, em 2 quadros elucidativos, os
lugares da freguesia por onde correm os dois rios (Antuã e UI), e açudes, casas de moinhos nas margens dos mesmos e seu número de mós, convindo esclarecer que água sabida é água de todo o ano, e água perdida é, apenas, a água do inverno.
/ 215 /

/ 216 /

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(1)Censual do Cablido da Sé do Porto, pág. 547.
         História da Igreja em Portugal
– tomo 2, pág. 616.

(2) As mós manuais, nesses remotos tempos, eram para reduzir a farinha as bolotas ou glandes dos carvalhos, que era o pão do povo rude desse tempo, segundo STRABÃO. 

(3) − Anais do Município de Oliveira de Azeméis, pág. 315.

(4)Corografia Portuguesa do P.e ANT.º CARV.º DA COSTA, tomo segundo, pág. 168. 

(5)Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XIV, pág. 137 e vol. II, pág. 201.  

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