F. Ferreira Neves, D. Brites de Lara e Meneses, Vol. XVI, pp. 229-234.

D. BRITES DE LARA

E MENESES, FUNDADORA

E PADROEIRA DO CONVENTO

DE NOSSA SENHORA

DO CARMO, EM AVEIRO

D. Brites de Lara e Meneses é uma das figuras de maior relevo na sociedade aveirense, na primeira metade do século XVII. Apesar de não ser natural de Aveiro, aqui viveu grande parte da sua vida, e aqui faleceu e foi sepultada.

Pertencia à mais alta nobreza de Portugal. Era filha de D. Manuel de Noronha e Meneses, quinto marquês e primeiro duque de Vila Real, e de sua mulher D. Ana da Silva (1).

Nasceu cerca do ano de 1564 e faleceu no dia 4 de Junho de 1648 no seu paço de Aveiro.

D. Pedro de Médicis, filho de Cosme I de Médicis, grão duque da Toscana e príncipe de Florença, e irmão dos duques D. Francisco e D. Fernando de Médicis, casou em segundas núpcias com D. Brites de Lara e Meneses e ambos / 230 / foram residir em Madrid (2). Ela enviuvou em 1604 sem descendência, e veio então viver para a vila de Aveiro, cujos duques, D. Álvaro de Lencastre e D. Juliana de Lencastre, eram seus parentes.

No sítio do Terreiro desta vila comprou D. Brites de Lara umas casas, nas quais passou a residir na companhia de algumas senhoras de sua família. Passado algum tempo recolheu-se no mosteiro de Jesus, onde esteve dezoito anos, e entretanto, no local das suas casas mandou edificar um paço para sua residência, mas de construção já adequada a nele poder estabelecer um convento de religiosas carmelitas descalças. Não conseguiu, porém, durante a sua vida realizar este objectivo por não lhe terem sido dadas as necessárias autorizações. Só passados alguns anos após a sua morte é que o seu herdeiro e sobrinho D. Raimundo de Lencastre, duque de Aveiro, conseguiu a licença régia para a fundação do desejado convento.

Simultaneamente D. Brites de Lara e Meneses interessava-se pela fundação de um convento de religiosos carmelitas descalços em Aveiro. Vamos ver como ela colaborou na fundação deste convento.

Os frades carmelitas descalços tinham resolvido fundar em Aveiro um convento desta ordem, por sugestão do fidalgo Pedro Tavares, aqui residente, e para tal, trataram aqueles de conseguir as necessárias licenças. Em 22 de Julho de 1613 obtiveram-na da Câmara de Aveiro. O auto foi lavrado pelo respectivo escrivão, Sebastião da Rocha Pimenta, e assinado pelo juiz de fora Gaspar Corado e ainda por Miguel Afonso Migalhas, José Coelho; António de Almeida da Costa, Diogo Vieira Guedes, Tomás da Costa Corte-Real, Jerónimo Cardoso, José Barreto, António Coelho, Brás Pereira, Andrade Lançarote, Pedro de Araújo, e Miguel da Veiga.

O bispo de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco e o duque de Aveiro, D. Álvaro de Lencastre, deram também / 231 / licença para a fundação do convento, em 12 de Outubro do referido ano.

Os frades instalaram então o convento numa casa próximo da capela de S. Gonçalo, casa que tinha pertencido a Gil Homem da Costa e situada na rua hoje denominada das Salineiras. Esta casa ainda existe hoje, embora alterada em parte.

Os frades não obtiveram, porém, autorização do rei, então Filipe III de Espanha (1598-1621), e por isso, a Mesa do Desembargo do Paço mandou encerrar o convento passado um ano. A Câmara e a nobreza de Aveiro representaram então com muito interesse ao rei para que este autorizasse a fundação do convento, o que fez por provisão de 16 de Julho de 1615.

A casa do convento era. porém, pequena, e desabrigada e insalubre por estar na orla das salinas. Por isso, mandaram os frades construir outro edifício para o convento na rua de S. Paulo, hoje denominada rua do Carmo, próximo do lugar de Sá.

O paço que D. Brites de Lara tinha mandado construir para sua habitação e futuro convento já estava concluído, mas ela continuava recolhida no mosteiro de Jesus. Então ela permitiu que os ditos frades vivessem nele desde 18 de Março de 1618 até à conclusão do edifício da rua de S. Paulo. Mas como os recursos dos frades eram poucos e por isso demorava a construção do convento, D. Brites de Lara tomou a seu cargo a conclusão das obras.

No começo do ano de 1620 estava concluído o convento, e no dia 15 de Março deste ano foi aqui rezada a primeira missa. Os frades ocuparam o novo convento e, passado algum tempo, D. Brites de Lara passou a viver no seu paço do Terreiro.

Faltava agora construir a igreja do convento, mas para tal também os frades não tinham recursos. A sua protectora D. Brites de Lara fez então um contrato com eles, em 25 de Agosto de 1626, em virtude do qual ela fazia a igreja à sua custa e a doaria a eles, com a condição de ser ela a padroeira do convento, e ficar senhora da capela-mor, das duas capelas no corpo da igreja, e dos dois altares colaterais do cruzeiro.

Estipulou-se também no contrato que, por sua morte, o padroado do convento passaria para o representante da Casa de Vila Real e que ela teria o seu jazigo na capela-mor.

A escritura do convento foi feita pelo tabelião Belchior Correia de Vasconcelos, sendo procurador de D. Brites de Lara e Meneses o seu veador João da Maia Araújo. O contrato foi aprovado em 30 de Setembro de 1626 pelo padre geral frei João do Espírito Santo. / 232 /

A primeira pedra da igreja foi lançada no dia 15 de Outubro de 1628, e a igreja ficou concluída no ano de 1643, ainda em vida de D. Brites de Lara, faltando apenas construir a sacristia. No cimo do arco cruzeiro foi colocado um brasão de pedra com as armas de D. Brites de Lara e Meneses e na frontaria da igreja foram colocados dois brasões com estas mesmas armas.

Do convento já nada resta presentemente. A igreja ainda existe hoje, tal como foi construída, e perfeitamente conservada. E espaçosa, de uma só nave, e de planta em forma de cruz latina. Desconhece-se o autor do seu traçado.

O muro que separa actualmente o adro da igreja da rua do Carmo foi construído em 1711, como se vê pela data existente sobre o portão de entrada para o adro. Este portão foi elevado há algumas dezenas de anos por motivo de serviço religioso externo.

Em 9 de Julho de 1635 fez D. Brites de Lara e Meneses doação da capela do lado do Evangelho, que veio a chamar-se da Senhora do Pilar, ao seu veador João da Maia Araújo, para si e seus sucessores, e pouco tempo depois, fez doação da capela do lado da Epístola, que veio a denominar-se de S. Sebastião e também do Santo Cristo, à sua camareira-mor, D. Inês da Silveira.

PINHO QUEIMADO, na sua Memória sobre Aveiro, de 1687, dá-nos a seguinte notícia acerca do convento:

«No extremo opposto da villa para a parte do norte, está o convento dos carmelitas descalços fundado em 1613 pela ex.ma D. Brites de Lara, mulher do ex.mo D. Pedro de Lara, digo, D. Pedro de Medicis irmão do gran-duque da Toscana, que como padroeira está sepultada em um alto e magnifico sepulchro de jaspe de várias cores na capella-mór da parte do evangelho; este convento é casa de professos, e moram nelle trinta e cinco religiosos.» (3)

O padre CARVALHO DA COSTA amplia esta notícia nos seguintes termos:

«No opposto extremo da Villa para a parte do Norte está o Convento de Carmelitas descalços, da invocação de nossa Senhora do Carmo, que he o sexto na preeminencia em a sua Provincia, & no edificio o mayor della: com apraziveis, & recatadas vistas, aceada, & fecunda horta, fonte, pomares, e largueza de officinas. Foy fundado no ano de 1613, pela excellentissima Dona Brites / 233 / de Lara, mulher do excellentissimo Dom Pedro de Medicis, irmão primeyro do Grão Duque da Toscana; que como Padroeyra, está sepultada em hum alto, & magnifico sepulcro de jaspes de várias cores, na Capella mor da parte do Evangelho. Dotou duzentos mil reis para quatro Capellanias, & outros duzentos para se despenderem em obras: & assim cada vez se aumenta, & aperfeiçoa o edificio do Convento, & Igreja; a qual he de architectura levantada, & sumptuosa, (mayor em proporção que as da planta commua) com excellentes retabolos, devotas imagens, & venerandas reliquias.» (4)

Frei MANUEL COELHO DE OLIVEIRA, vigário da freguesia da Vera Cruz de Aveiro, na sua informação paroquial de 1721, acerca desta freguesia, escreveu:

«Como tambem há nella hum convento de Religiozos Carmelitas Descalsos, por invocação de N.ª Sr.ª do Carmo; foy fundado pella Sr.ª D.ª Brites de Lara, e Menezes em o anno de 1613.» (5)

D. Brites de Lara e Meneses sempre foi, portanto, considerada fundadora do convento da Senhora do Carmo, de Aveiro.

D. Brites de tara e Meneses fez o seu testamento em 13 de Maio de 1647, o qual foi lançado no livro de notas do escrivão Baltasar Pais Coelho, da vila de Aveiro. A Casa de Vila Real tinha, porém, sido extinta em 1641 com a execução do marquês de Vila Real D. Luís de Noronha e Meneses e de seu filho D. Miguel, duque de Caminha, respectivamente irmão e sobrinho de D. Brites de Lara e Meneses, os quais tinham tomado parte na conspiração contra o rei D, João IV.

Prevendo, no entanto, esta senhora que depois do seu falecimento poderiam surgir demandas ou dúvidas acerca do seu testamento, padroado do convento ou doação das duas capelas laterais, exarou no testamento o seguinte:

«Mando que o que agenciar as tais demandas, e impugnar por execução deste meu testamento, escritura e provisões se lhe dê por dia tanto quanto parecer a meus testamenteiros o que efectivamente se pagará.»

Para mais segurança, D. Brites de Lara e Meneses fez ainda no dia 8 de Fevereiro de 1648, poucos meses antes de / 234 / falecer, uma escritura de declaração em que determinava que o padroado do convento não passasse para qualquer seu parente ou herdeiro, e que nele não existisse outra memória além da sua.

Com esta declaração os frades ficaram descansados; tinham nas suas mãos o padroado e a capela-mor da igreja do convento de Nossa Senhora do Carmo.

D. Brites de Lara e Meneses faleceu aos 4 dias do mês de Junho de 1648 com cerca de 84 anos de idade, e foi sepultada na referida capela-mor, no túmulo de mármore que ela mesmo tinha mandado fazer e que ainda existe hoje.

Aveiro, Outubro de 1950.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

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(1) Acerca da ligação dos Noronhas com os Meneses, lê-se na Crónica dos Reis de Portugal, por DUARTE NUNES DE LEÃO, 1677, foI. 80 v.º:
     «D. Afonso, conde de Gijon e senhor de Noronha, filho bastardo do rei D. Henrique de Castela, casou em 1375 ou pouco depois, com D. Isabel, filha natural do rei D. Fernando, de Portugal.
     Tiveram D. Pedro de Noronha que foi arcebispo de Lisboa, e deixou muita geração:
     D. João de Noronha; D. Fernando de Noronha que foi conde de Vila Real e segundo capitão de Ceuta, de que vem a Casa de Vila Real com o apelido de Menezes por ter casado com D. Beatriz de Menezes, filha herdeira de D. Pedro de Menezes, conde de Viana e primeiro capitão de Ceuta; D. Sancho de Noronha que foi conde de Odemira de que descendem os herdeiros daquela casa.»

(2) D. Pedro de Médicis, tinha vindo para Portugal a comandar a infantaria italiana que fazia parte da expedição portuguesa a Marrocos no ano de 1578, mas abandonou este comando por motivo de doença.
     O desastre militar de Alcácer Quibir em 4 de Agosto de 1578 teve como consequência perder Portugal a sua independência em 1580. D. Pedro de Médicis passou então ao serviço de Espanha. Em 1581 ainda se encontrava em Portugal como se prova com uma carta que escreveu em Lisboa, datada de 27 de Dezembro de 1581, para Giulio Veterani, secretário do duque de Urbino, a recomendar-lhe uma pretensão de Filipe Terzi, arquitecto e engenheiro militar italiano que desde 1577 ou princípios de 1578 estava ao serviço de Portugal, tendo tomado parte na batalha de Alcácer Quibir onde foi feito prisioneiro dos mouros.
     Veja-se a obra Filipo Terzi, architetto e ingegnere militare in Portugallo (1527-97). Firenze, MCMXXXV, pág. 86.
 

(3) − Arquivo do Distrito de Aveiro, voI. III, pág. 95.

(4) Corografia Portuguesa, tomo 11, pág. 69, 2.ª edição. 

(5) Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. II, pág. 153, e vol. IV, pág, 53.

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