«Apostos miragres faz
todavia
por nos, et fremosos, Santa Maria.»
Afonso X, o Sábio
Na minha aldeia não se reza essa oração.
Ouvi-a, ainda menino, a vez primeira,
Na pequena cidade prazenteira
De Frei Pantaleão:
O vento já despira os parques e os quintais
E caía uma chuva persistente,
Enchendo de água as ruas e os canais
Da chamada Veneza do Ocidente...
Saíam das escolas revoadas
De criancinhas, de pezitos nus,
A rir, a chapinhar, deliciadas,
Nas poças da Vera-Cruz.
E foi então
Que no tom arrastado do pregão
Com que, na gare, a eterna vendedeira
Apregoava numa voz dolente
− Quer comprar ovos moles, ó mexilhão!
Ouvi cantar a vez primeira,
Sem devoção,
A ingénua prece, à miudagem inocente:
− Senhora da Conceição,
Manda sol, e chuva não!
... ... ... ... ...
... ... ...
Esta manhã, ao despertar,
Ouvindo a chuva fustigar,
Puxada a vento, os vidros da janela,
Entristecido, sem pensar,
Ergui as mãos, pus-me a rezar
Não sei porquê − mas talvez Ela
Saiba melhor
Uma ansiosa Ave-Maria
Que por estranha fantasia
Do coração pecador,
Me fez cantar na memória
A velha jaculatória
E concluir com fervor:
− Senhora da Conceição,
Manda sol, e chuva não!
E logo um sol de Verão de S. Martinho
Varreu, secou os céus,
devagarinho...
Assim Nossa Senhora
− A Única que o é −
Exalça quem lhe implora
Um milagre, com fé.
19-XI-1950
ALEXANDRE DO AMARAL |
(1)
− Honra-nos com este
delicioso inédito, inspirado em reminiscências
de quando, menino e moço, frequentava o Liceu de Aveiro, o nosso prezado
Colega e Amigo Dr. Alexandre do Amaral, que também durante anos exerceu
o ensino em o nosso Liceu. J. T.
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