NA
chamada capela das Fundadoras no claustro do mosteiro de Jesus de Aveiro, há uma lápide encastrada
na parede que diz assim:
EM DIR.TO DO ALTAR JAZ EM H CAIXAÕ
DE CHUMBO OS OSSOS DAS VENERAVEIS
FVNDADORAS DESTE CONV.TO D. MARIA
DE ATAIDE D. MASiA PER.A D. ANT.A DE NORONHA
D. LEONOR DE MENEZES . D. IZABEL DE CASTRO
Ora as campas que formavam as paredes do ossuário a que esta inscrição se refere eram oito e haviam pertencido
às sepulturas das madres D. Maria de Ataíde, D. Mecia
Pereira, D. Leonor de Meneses, D. Isabel de Castro e D. Brites de
Meneses, D. Antónia de Noronha, D. Brites Ferraz, D. Guiomar Pinto, D.
Antónia de Sousa, e D. Inês de Noronha. Vê-se pois que estavam lá as campas, e é lícito supor
que também os ossos, de mais quatro religiosas do que as
mencionadas na inscrição: as das madres D. Brites Ferraz, D. Guiomar
Pinto, D. Antónia de Sousa e D. Inês de Noronha, não falando em D.
Brites de Meneses que estava junta com D. Leonor de Meneses e D. Isabel
de Castro.
Porque não figuram os nomes destas senhoras na
inscrição? Teriam trazido para o carneiro as suas campas abandonando os ossos? Não é crível. Não eram
fundadoras?
Mas as três últimas que ali figuram como tal, entraram para a clausura
muitos anos depois da fundação do mosteiro. D. Leonor de Meneses só
professou em 1472, e as outras duas senhoras em 1501 e 1504(1).
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O facto de lá se encontrarem as suas loisas sepulcrais só pode
então
explicar-se por serem precisas 8 lajes para com elas formar as paredes
do carneiro que a fantasia da madre
Prioresa tinha ideado em forma de cruz. Assim teriam ido buscar as 8
campas, talvez todas as que havia no mosteiro.
Das duas primeiras já me ocupei em artigo publicado anteriormente nas
páginas sempre acolhedoras deste «Arquivo»(2).
*
AQVIAZ HA MVITO
R.DA E VIRTVOSA MADRE
HA MADRE DONA AN
TONIA DE NORONHA
FEZ PROFISAÕ HERA DE
1504 VIVEO E FALECEO
MVI SANTAMENTE VES
PORA DE NOSA SNRA
DE MARCO DE.I.S.Z.J
Caracteres latinos, com algumas geminações e letras inclusas. Na data
do falecimento o algarismo 2 foi substituído por um Z, substituição
vulgar, como a do 5 pelo S.
D. Antónia de Noronha não foi Prioresa, nem a inscrição a menciona
como tal. Não encontro os seus registos, nem de profissão nem de
óbito. Em 1504 consta apenas que professou D. Antónia de Sousa, em
Setembro(3), e em 1521 não se registou nenhum óbito. De 1518 passa-se a
1525. Há aqui, evidentemente uma lacuna pois não é crível que nesses
oito anos não falecesse nenhuma freira.
Esta senhora, diz-nos a inscrição, professou em 1504, isto é: quarenta
anos depois da fundação do convento. Qual a razão porque é tida como
fundadora? E se não foi fundadora nem Prioresa, porque foram os seus
ossos levados para o carneiro? Apenas por ter uma campa que era preciso
aproveitar? Deve ser outra a razão.
1) AQVI: IAZẼ AS MVI ELVS
2) TRES RELIGIOSAS MADRES DONA LIANOR DE MENESES
E DONA ISABEL DE
3) CRASTRO: E: DONA BRITES
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4). DE MENESES: TODAS FORAM: PRIVLESAS NESTE MOSTEIRO : E O RE
5) GERÃO . E . GOVERNARÃO .
Ẽ . MVITA VERTVDE E AVSERVAMCIA
Caracteres latinos com algumas geminações e letras
inclusas. A 5.ª linha está escrita a meio da campa, correndo
do lado da cabeceira para o dos pés.
Estas três senhoras eram parentes próximas, e assim se
explica que fossem soterradas na mesma cova. Descendiam
todas do valoroso conde de Viana, D. Pedro de Meneses.
D. Leonor era filha do bravo Governador de
Ceuta D. Duarte de Meneses
e de sua segunda mulher D. Isabel
de Castro.
«Mũy acesa do amor de Deus e desejo de o servir, com
humildes rogos e suplicações» implorou de sua mãe e do
conde seu irmão, pois já os moiros lhe haviam ao tempo
morto o pai, que a deixassem recolher-se no mosteiro de
Jesus de Aveiro.
Opôs-se a nobre senhora, por D. Leonor ser a única
menina dos oito filhos de seu defunto esposo, e haver disposto casá-la com o duque de
Bragança D. Fernando − um
bom partido, em verdade − não podendo faltar «ao concerto
e contracto» que com ele fizera, e cuja efectivação apenas
dependia da chegada dos irmãos D. Garcia, Bispo de Évora,
o futuro prisioneiro de Palmela, que vinha em viagem de
Roma; e D. João, Prior do Crato, que voltava de Marrocos.
D. Leonor, porém, é que não se conformava com tais
projectos em que não fora ouvida, e apega-se com a Infante
Santa Joana que também já «andava ferida da mesma seta»,
no delicado dizer de frei LUÍS DE SOUSA(4),
e até lhe pedira
informações dos rigores e santidade de vida do mosteiro de Jesus(5);
mas, sobre tudo ao «poder de suas lágrimas» junto
da mãe.
E «tantas chorou», diz ainda o elegante cronista, «que
enfim a rendeu, e se poseram ambas a caminho para Aveiro»,
onde a madre Brites Leitoa lhe lançou o
hábito de noviça no
dia 6 de Dezembro de 1471
(6), professando passado o ano de «provaçô»(7).
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209 /
[Vol. XIV -
N.º 55 - 1948]
Sete anos andados,
sempre «persseverãdo e crecêtando ẽ suas virtudes»,
foi escolhida para o cargo de sub-prioresa(8), até que, por morte
da
madre Brites Leitoa, em Agosto de 1480, á colocaram à frente da
comunidade(9).
Mas «não eram as fôrças iguais ao espirito», e a sua «fraca e delicada cõpleysam» não pôde resistir aos trabalhos e vigílias do novo
ministério. Uma tuberculose apossara-se daquele organismo depauperado
por «tãta streyteza de vida». Então impetrou de Roma a
resignação, e dois anos depois
a 23 de Novembro de 1484, acabou seus dias(10) «ẽ muitas virtudes e perfeyçã que seria muy longo de contar».
D. Isabel de Castro, era filha de D. João de Noronha e de D. Joana de
Castro, a herdeira da grande casa dos condes de Monsanto.
Os genealogistas não lhes acusam esta filha, mas os registos das
profissões no mosteiro de Jesus revelam-nos a existência não só desta
senhora, como de uma sua irmã D. Maria de Meneses(11).
Professou em Agosto de 1501(12), e vinte e quatro anos
depois, por
morte de D. Maria de Ataíde, foi ocupar o mais alto cargo na comunidade(13).
Durante os nove anos do seu priorado dedicou-se com toda a diligência ao
governo e administração do mosteiro, mandando executar diversas obras.
Construiu o coro e os altares da igreja; e mandou pintar o retábulo da
capela-mor. Fez ainda a sacristia, e a capela de S. Simão, além de vários reparos e
benfeitorias nas casas e oficinas(14).
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210 /
Por fim, cançada «dos muytos serviços e trabalhos»,
pelas 10 horas da manhã de uma quarta-feira dia 18 do gélido
mês de Dezembro do ano de 1534, tendo recebido todos os Sacramentos
que
«afyncadamẽte» pedira, «acabou muyto santamẽte, como suas virtudes mereciã»(15).
Frei Luís DE SOUSA(16) confunde D. Brites de Meneses
com D. Brites de Noronha. A que «era irmã de D. Leão de Noronha» era a
filha de D. Henrique de Noronha e de D. Guiomar de Castro, que professou
em Aveiro a 26 de
Abril de 1517(17), e veio no ano seguinte com outras religiosas povoar o primeiro convento da Anunciada de Lisboa. Era sobrinha
da Prioresa D. Isabel de Castro, irmã de sua mãe.
A D. Brites de Meneses que
jazia na mesma cova com
as suas antecessoras e parentes D. Leonor de Meneses e D. Isabel de
Castro, deve ser a filha de um D. Henrique de Meneses, comendador-mor,
como reza o seu registo de
óbito(18). Faleceu em 1579 e fora duas vezes Prioresa.
De uma das eleições, em 1541, ficou-nos um registo no «Memoria!» do
mosteiro, que provavelmente se lhe refere(19).
Se esse D. Henrique era o segundo filho daquele D. João de Meneses que,
depois de enviuvar de D. Joana de Castro, foi Prior do Crato, e que se
não foi comendador-mor, título que por natural exagero da madre escrivã
ao redigir o registo de óbito da filha lhe foi atribuído, foi em verdade
comendador da Azinhaga, e da Idanha-a-Velha, na Ordem de Cristo; a
filha é mais uma senhora, esquecida pelos genealogistas,
desta família que tantas religiosas deu ao mosteiro de Jesus.
r) AQVI : IAZ : A MVITO VER
2) TVOSA MADRE BRITEZ : FERAZ : PEREIRA: PRIVLESA : QE FOI DESTE
/ 211 /
3) CÕVEMTO: FVMDADO
4) RA : DO MOSTEIRO : DE SAM IOAM DE SETVVEL :
FALECEO : CÕ MVITOS
5) SINAIS : DE ALCAMCAR : A GRORIA : A . X . 8 . DIAS DA . GOSTO. DE . I. S. 7. S.
Caracteres latinos com algumas geminações e letras inclusas. A data do
dia da morte encontra-se expressa por forma pouco vulgar: as dezenas
representadas pelo X romano e as unidades pelo algarismo arábico.
Corria o ano de 1519 e num domingo, 13 dias do mês de Fevereiro, D.
Brites Ferraz professa no mosteiro de Jesus(20),
recebendo o véu das
mãos da madre D. Maria de Ataíde(21) já nossa conhecida(22), e tomando o
nome de Soror Beatriz das Chagas de Cristo.
Pelos anos de 1525 resolvera D. Jorge de Lencastre fundar na sua vila de
Setúbal um mosteiro onde, como medida de boa administração, fizesse
recolher suas três filhas D. Helena, D. Maria, e D. Isabel,
entregando-as à guarda do Patriarca S. Domingos, para o que lhes
destinou certa casa «entre o chão do Sapal e a estrada que corre de
Évora»,
onde antes pensara em fundar um convento de frades. E porque o
mosteiro de Jesus de Aveiro tinha fama de vida austera e piedosa,
pediu que dali lhe mandassem sete religiosas de bons costumes para entrarem nele como fundadoras.
Para lá foram em 18 de Maio de 1529 as madres D. Maria de Noronha, D.
Margarida Pinheiro, D. Isabel Sodré, D. Isabel de Quadros,
D. Brites
Pereira, D. Mecia Juzarte, e a nossa D. Brites Ferraz(23), dando
entrada na nova casa claustral no dia de S. João «com grande alegria do
Mestre» e da Duquesa sua mulher.
Ao fim de três anos, porém, porque não se advertira
«ao tempo que se comesou o edificio que era lugar baixo e apaulado»(24), voltou D.
Brites doente para o seu convento de Aveiro onde, dezasseis anos
passados, foi eleita Prioresa(25).
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212 /
Depois, em 1575,
morria «com muitos sinais de alcançar a gloria», como
nos diz a inscrição sepulcral(26).
|
SA
DA MVITO RELEGI
E
OZA M GIOMAR PI
MTA QVAL VIVEO ES
TE MOSTRO DE IESV S7
ANOS COMTA VIRTV
DE ACABOV SVA VID
A IS. DE MAIO DE . 1602
ANOS |
Caracteres latinos. Algumas geminações e abreviaturas. O q da palavra
qual na 4.ª linha, e o b da palavra acabou
na 7.ª linha, são minúsculos.
Outra religiosa que nem foi fundadora, pois entrou para o mosteiro 81
anos após a fundação
(27), nem o seu epitáfio nos diz que tenha sido
Prioresa, e no entanto a sua campa, fora levada para o caneiro das
Fundadoras.
|
|
|
A
E
A
S . DA M . DONA ANT D
o
SOvSA . QVE FALES . PRIO
RESA . DESTE COMVEN
o
TO . O PR DAGOSTO
D 608 |
Caracteres latinos com geminações.
Não sei quem fosse esta freira. Recordo-me de um
Manuel de Sousa, senhor de Miranda, que teve 4 filhas professas: D.
Maria, D. Leonor, D. Catarina, e D. Antónia, mas nada me autoriza a
supor que se trate desta última.
Os registos de óbito do mosteiro apenas acusam em 1608 o falecimento de
soror Ana da Coluna. No ano anterior faleceu a madre Antónia de S.
Francisco, que havia três anos e dois meses era Prioresa. Seria esta
senhora? É possível,
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213 /
visto a inscrição dizer-nos que morreu nesse cargo, a ter-se enganado a
madre escrivã ao assentar a data, ou, o que é mais natural, o canteiro ao insculpir a loisa(28).
Entre os registos das profissões deparo com um no ano de 1569 que pode referir-se-lhe(29).
|
A
S . DA MADRE . DONA
INES DE NORONHA
PRIORESA . QVE FOI
DESTE MOSTEIRO
FALECEO . A ONZE .
DE MAIO. DE MIL .
1 . 6 . 1 . 9 |
Caracteres latinos. Todos os
de são geminados. Apesar do apelido de uma
das mais nobres famílias do
Reino, sou obrigado a confessar que não sei quem tenha sido esta
senhora, e que os anos me levaram já a paciência para rebuscar entre os
inumeráveis rebentos da frondosa árvore genealógica de Henrique II de
Castela, qual tenha vindo emurchecer à sombra acolhedora das grossas
paredes de Jesus de Aveiro. Apenas me dizem os assentos da Casa que
professara em Outubro de 1557(30). Viveu portanto 62 anos por detrás das rexas conventuais.
Nos assentos de óbito há
um que creio ser o desta freira(31).
Lumiar, casa de Nossa Senhora do Carmo, Setembro de 1948.
J. M. CORDEIRO DE SOUSA |