No
desenfadado esmerilhar de velhos manuscritos em que, por vezes,
entretenho algumas demasias do tempo, na indiscreta propensão de desaquietar e devassar menosprezados livros e registos burocráticos caídos em longa hibernação e ao comum desinteresse relegados,
vão-se-me deparando as «curiosidades do passado aveirense», que o meu
bairrismo se compraz em rebuscar e fazer transpor à letra de forma.
Pecado de egoísmo seria considerar exclusivo motivo de prazer pessoal
as minhas intermitentes investidas por estes domínios de rememorativa
exumação de algum caso mais ou menos recuado da vida de Aveiro que me
suscite a atenção. Pelo gosto que experimento ao topar uma fortuita
referência a qualquer acontecimento apenas emergente da chã banalidade
quotidiana, simples facto menos trivial, mero incidente na provinciana
rotina do burgo pacato de há umas quantas dezenas de anos, afoito-me a
avaliar do interesse alheio. Ao meu aveirismo, cujas raízes procuram
buscar cada vez mais fundo as seivas que lhe alimentam a devoção e mais
se agarram e firmam nos tempos de antigamente para lograrem novos
estímulos e fervores, não posso atribuir a singularidade presunçosa de
não ter parceiros neste mesmo aspecto de inclinação saudosista pelas
pequenas coisas sem decisiva repercussão no futuro da cidade, no seu
desenvolvimento ou no seu prestígio, e ainda menos suponho exageros de craveira que
qualquer não atinja ou sobreleve.
/
280 /
Desta feita caberá a vez, num descontínuo bosquejo a que não pude
preencher, por falta de elementos, estiradíssimas
lacunas, mas contribuirá entretanto para apreender a sequência de uma
tradição local, à velha «Feira de Março» − o secular mercado aveirense
cuja perduração sobreexcedeu, ainda que à custa de transformações e
modernizações, a de quaisquer costumes e usanças e a de quase todos os
testemunhos do passado local.
Não encontramos referência à data em que foi instituída nem à sua
primitiva organização. Feira medieval, incontestavelmente, e com as
características peculiares às suas congéneres, ultrapassa, porém, o
meio milénio. Uma prova nos assegura dessa certeza. D. Duarte, conforme
repetidas vezes foi mencionado(1), conferiu à vila de então um
revelador privilégio, concernente à feira − idêntico, aliás, ao de
diversas outras feiras do país e que representavam uma estimuladora
garantia de paz e segurança. Por ele se tornava defesa, nos
nove dias da sua duração, a prisão de qualquer delinquente e a citação
por dívidas de quem quer que à feira viesse como vendedor ou comprador,
salvo se nela mesmo praticasse novo delito ou nova dívida contraísse.
Essa prerrogativa sobejamente lhe documenta a antiguidade e se,
porventura, não constitui preceito do diploma
régio que a houvesse criado − facto que não pudemos averiguar, por falta
de referência elucidativa − equivaleria, então,
provavelmente, à consagração oficial do desenvolvimento que tinha
alcançado. Nada custa a admitir, aliás, que existisse no período de
reedificação da vila pelo Infante D. Pedro − quem sabe se em resultado mesmo da iniciativa e do
impulso renovador do esclarecido príncipe que vagamundeou as Sete
Partidas, nas suas digressões atentas e proveitosas se afez a maior
largueza de horizontes e tão grande desvelo dispensou à sua vila de
Aveiro
(2)
− e veio, assim,
a atravessar todo o período áureo da vila.
Pouco se assemelharia então ao que é em nossos dias.
Eram diferentes os hábitos, as necessidades mais limitadas e
/
281 / não havia surgido ainda o sistema de comunicações terrestres que
só pelo século XIX adiante favoreceria a grande
afluência de forasteiros. Aveiro, todavia, graças às magníficas vias de acesso que lhe ofereciam a laguna e
o Vouga,
não sofria tão cerrado isolamento como outros centros e até outros
portos nacionais de média importância e desfrutava,
por consequência, de uma situação privilegiada. Como elucidativamente notou o comandante ROCHA E CUNHA «a vila
concentrara todo o seu esforço nos trabalhos e tráfico do mar;
porém a actividade agrícola da região fornecendo as subsistências ao grande agrupamento urbano,
e alargando assim a
própria capacidade de compra, prestara sólida colaboração à actividade mercantil»(3). A via fluvial favorecia as trocas
e as relações entre mareantes, pescadores, marnotos e artífices e os agricultores, num nível relativamente intensivo
e com um carácter de estável regularidade. A feira anual
deveria, pois, forçosamente, atrair as populações marinhoas e a gente do Baixo Vouga, logrando um movimento e uma
importância pouco comuns. Ainda pelos começos da segunda
metade do século XV caberia à vila o apodo de «reffece» e em
relação ao ano de 1472, dela se podia afirmar que «em aquelle
tẽpo era esta uylla muy prove e desapoboada de gente e
moradas»(4). Mas o agregado urbano, em pleno período de enriquecimento e prosperidade, subiria em crescente
aumento até uma população de cerca de 12.000 habitantes,
entre os quais se contavam, estacionando em bairro próprio,
numerosos comerciantes estrangeiros − «afora muita gente
estrangeira que nella de continuo reside», dizia D. João
Soares, bispo de Coimbra, na sua provisão de 10 de Julho
de 1572. Deste modo, já por sua mesma sedução de burgo
florescente e animado, já por quantas novidades da estranja
recebesse pela barra, tentaria os povos da região, nesses
nove dias que, além de toda a casta de bujiarias e utilidades
de concreto interesse, lhes proporcionariam ainda as distracções peculiares aos grandes ajuntamentos.
Com outra que desobrigava os pescadores e mareantes
de concederem aposentadoria em suas casas, anda citada(5) uma provisão de D. João II pela qual aos fidalgos era também
vedado o acesso à feira durante o tempo em que aqueles,
afastando-se para as suas fainas profissionais, na pesca ou nas
marinhas, deixavam sós e desprotegidas suas mulheres e filhas.
Essa prudente providência, que zelosamente acautelava a honra
/ 282 /
da gente do povo de quaisquer funestas consequências resultantes de malévolas e calculadas 'liberalidades tentadoras
− sempre foi imprevidência deixar a estopa ao pé do lume! − fornece-nos uma segunda
prova da antiguidade da feira secular. E, simultaneamente, traz consigo
a implícita revelação de que por essas alturas não faltavam já os
artigos próprios para obsequiar e cativar as graças das moças
namoradeiras ou mesmo alguma mulher casada de menor apego aos rectos
deveres conjugais. Não se gastariam, de facto, muitos passos na sua
procura. Quando mais não fosse, encontrar-se-iam
nos ourives, e apenas nestes com segurança se poderá afirmar, já que não nos chegou notícia descriminada e positiva das
mercadorias vendidas pela generalidade dos tendeiros e mercadores e não
podemos, por conseguinte, particularizar
as bugigangas e atavios que expunham aos femininos olhos cobiçosos.
Segundo parece poder presumir-se, a feira de Março
abria, antigamente no dia 19, mais tarde reservado exclusivamente a
peças e utensílios de madeira, com a «feira de S. José»,
hoje chegada à última decadência: Confundiam-se numa só
as duas feiras de agora, embora o tempo destinado à venda das madeiras,
pelo menos a partir de certa altura, fosse mais limitado? Assim o fazem
crer, de certo modo, tanto o aranzel velho como o de 1854, pois ambos
englobam com as madeiras todos os demais artigos, sem deixarem
transparecer qualquer destrinça, e ainda com maior evidência o incidente
que nesse último ano se verificou, e na altura própria será narrado.
Não é, todavia, de rejeitar a hipótese de haver já uma só designação
para uma feira que se desdobrava.
Também a área destinada ao importante mercado anual diferia consideravelmente, por essas alturas, da dos nossos tempos. O Rossio,
com o seu velho pelourinho fronteiro à rua de Veneza (hoje de Trindade
Coelho) e atravancado desde o princípio do século XVII com a sua capela
de S. João,
ainda se não havia alargado para a marinha Rossia, só expropriada em
1850 e bastantes anos mais tarde totalmente aterrada e terraplanada.
Estendiam-se, pois, os feirantes, ao longo da rua do Cais, até à Praça;
ocupavam os Arcos (Balcões, na designação da época, que perdurou até há
poucas dezenas de anos); os merceeiros instalavam-se na própria ponte da Praça, sem grande transtorno do trânsito, apesar de ser a única
existente e não exceder a largura da actual ponte das Almas; e os
ourives iam assentar as suas tendas
na ruela estreita que corresponde ao início da actual rua de
Viana do Castelo. «Detras da fonte», prescreve o antigo aranzel, e deve
observar-se que a fonte da Praça encostava então ao cais, obrigando a
tomar pelos Arcos quem dessa acanhada rua pretendesse seguir para o
Rossio.
/ 283 /
|
Um aspecto do centro da cidade durante
a «Feira de Março», cerca de
1870.
A ponte dos Arcos encostava ainda à fonte. As três casas seguintes à
ponte foram demolidas;
a primeira, após a concessão, em 1874, da licença para o caminho de
ferro americano, que partiria da
Praça do Comércio para a estação do caminho de ferro; e as outras duas
em 1932. A edificação alta
que se nota à direita era um antigo «torreão» da muralha, mais tarde
incorporado na casa do barão
de Almofala − a «casa do Leão» − e demolido depois de um incêndio
que, em Maio de 1887, destruiu o
prédio, então ocupado por uma hospedaria. |
/ 284 / E muito
provavelmente toda a feira se efectuaria da banda de Vila Nova, nos
mencionados pontos, todos pertencentes à actual
freguesia da Vera Cruz, porque a vila propriamente, cingida
pelas muralhas, não deixava espaço para a exposição das
madeiras, e extra muros parece que se não dispunha de recinto
regularizado e suficientemente amplo.
Para ajuizar do que seria a feira nesses recuados tempos,
não será desprovida de interesse a transcrição do aranzel pelo
qual se regulou, com toda a verosimilhança, durante mais de
três séculos. Encontra-se registado de folhas 166 a 168 v.,
do livro dos Termos de Vereação da Câmara dos anos de 1727
a 1730, num traslado do que teria sido o original e está exarado da forma seguinte:
TreSlado do Aranzel por onde
Se deve Regullar
a Cobrança dos ASentos da feira de Março
|
|
|
Taboado de Solho a duzia a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . |
010 rs. |
De forro a duzia a Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
CouSeiras de Castanho de Sete palmos e para Sima desta
a Sincuenta Reis a duzia . . . . |
050 |
E de outto palmos para Sima a duzia a trinta e Sinco Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
035 |
E de Seis
palmos para bayxo a duzia a quinze Reis . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
015 |
E
aSim o Taboado do mesmo
Castanho na Forma aSima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . |
|
Esteyras a Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
Rodeyros a vinte e Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
025 |
Rodas a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
010 |
Eyxos cada hum a Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
Arados a Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
Grades a quinze Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . |
015 |
Carretas a trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . |
030 |
EnSinhos a duzia a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
010 |
Gamellas a duzia
a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
020 |
TripeSas de Castanho a duzia
a quinze Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . |
015 |
E de Pinho a duzia a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
010 |
Caixas grandes de Castanho cada huma
ou tenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . |
080 |
E De Pinho cada huma SeSenta
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
060 |
De castanho mais piquenas cada huma Sincoenta
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
050 |
E De pinho mais piquenas cada huma
trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . |
030 |
Tamboretes a duzia
a SeSenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
060 |
O feixe de varas de Castanho a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . |
010 |
De lata
o feixe a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
Gamellas grandes de amaSar cada huma a Sinco
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
005 |
ADoella a duzia
a quarenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
040 |
Madeira de Castanho de Casca a maJor e mais groda a
duzia a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . |
020 |
E
De Ripado a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . |
020 |
E a mais piquena a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
010 |
Frichais a des
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
010 |
Arcos bastardos o feixe a Setenta Reis . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
070 |
De
Pipa a trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . |
030 |
Leytos
armados cada hum a SeSenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
060 |
Sapateiros canastra grande a cem Reis . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
100 |
E Das piquenas
a SeSenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
060 |
Picheleiros por cada banca cento e Sincoenta
Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . |
150 |
Saralheiros por cada banca cento e Sincoenta
Reis . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
150 |
Ferreyros
por cada Esteyra onde poem a ferragem cento
e Sincoenta Reis . . . . .
. . . . |
150 |
Marchantes ou quem vender couros cortados por cada
pano quarenta Reis . .
. . . . . . |
040 |
EsPadeiros
cada hum trezentos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . |
300 |
Latoeyros
cada hum duzentos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . |
200 |
Os que vendem Sollas
e couros nas Ruas cento e vinte Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
120 |
Sombrareiros
por cada canastra duzentos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . |
200 |
Violeiros
cada hum cento e vinte
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . |
120 |
Ourives detras da fonte mil e duzentos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . |
1.200 |
Os que occupão os LanSos de Taboado e de mercadores e
Tendeiros
quatro centos Reis . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . |
400 |
E os das Mezas
Só duzentos Reis . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . |
200 |
As Tendas de merSearias na ponte cada LanSo quatro centos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . |
400 |
As Tendas debaixo dos Balcoens cada huma mil e duzentos
Reis . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . |
1.200 |
As que occupão LanSos de Taboado de mercadores e
Tendeiros
quatrocentos Reis .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
400 |
A caza da arrecadaSão pello que ajustar com as partes
o Rendeiro. |
|
|
|
De que mandarão Fazer Este Aranzel que aSignarão os veriadores e Eu Andre Botelho Deça Telles Escrivão da Camara o Escrevy
«Barata» «Varella» «Teyxeira». E não Se continha mais em o dito
aranzel que aqui Foi Tresladado do proprio a que me Reporto Andre
Botelho Deça Telles Escrivão da Camara o Escrevy.»
Posteríormente, no propósito evidente de lhe conferir
mais sólidas garantias de autenticidade, fez a Câmara confirmar o traslado,
com a seguinte declaração, aposta na
sequência daquele assento, e devidamente assinada(6):
«Como este Aranzel ainda que seja o Verdadeiro e
o do costume immemorial, e por ele Sempre Se Regulou
a Feira inda que houve o descuido da parte do Escrivaõ
da Camara Andre Botelho de Essa Teles da Sobscriçaõ
deste Treslado p.ª ficar Curial a Confirmaçaõ e Rateficaçaõ p.ª se continuar na Sua observancia; Aveiro Em
Camara de Jan.º 13 de 1796.
Caiz (?), Mendez, Marcos, Sobral, Faria.»
Como nota para o conhecimento dos usos da época e até da data em que
tomou, inteiramente, carácter público o passeio para o qual encontrámos já a designação, num documento do século passado, de «Adebaixo dos Arcos», acrescentaremos que até aos princípios do século XVIII os alugueres dos
terrados dos feirantes que ali montavam as suas tendas eram cobrados
pelos proprietários, dos prédios respectivos. Só a
/
286 /
partir de 1728 lhes foi recusado esse direito, como se infere
do agravo levado, por esse facto, para a Relação do Porto,
pelo Padre Dionísio da Roza da Fonseca, sacerdote do hábito
de S. Pedro, como procurador de Maria Rosa, Teresa Lemos, João Simões,
espadeiro, e Manuel Jorge, todos com casa nos
Balcões. A Câmara toma notícia em 8 de Maio daquele ano
do agravo formulado pelo aludido sacerdote(7)
I
. . . «em Rezam de que estando os seus constituintes
com poSe quieta e paSifica per Si e Seus anteSecores
com tempo imemorial de alugarem e Receberem os alugueres dos mercadores e tendeiros que armam na feira
de Março de baixo de seus Balcões e terrados de Suas
Cazas que este Senado fora servido este anno emandar
e noteficar os ditos Mercadores e tendeiros que nam
pagacem a elles aggravantes couza alguma que com elles
tinham ajustado, mas sim Pagace e Se avieSem com o
procurador do ConSelho a quem pagaram privando a elles
aggravantes da Sua antiga poSe em que se conservavam»...
O secular mercado, com a melhoria das condições económicas da cidade a partir da fixação da «barra nova», não deixou, por certo, de ser influenciado pelo ressurgimento que
em todas as actividades locais se esboçou, acusando na primeira metade do século XIX alguns sintomas de progresso.
Uma ou outra deliberação acudia a restabelecer regras caídas
em desuso ou imprimia certas modificações na sua organização. Assim, em 1816(8), a Câmara, anuindo a uma
sugestão do Corregedor da Comarca, acordou em que nos anos
futuros se não vendessem na feira de Março madeiras de
pinho ou de castanho antes do dia de S. José «e que só neste
dia, e nos dias vinte e vinte e hum se venderia ao público,
e nunca aos Revendoens, salvo ao Rematante da Feira, a
quem se podia vender a necessaria para estabelecimento das
Barracas». No ano de 1829, os correeiros foram transferidos
da rua do Cais para o Rossio, a requerimento do influente
cirurgião Manuel Martins de Almeida Coimbra. Para essa
mudança se alegavam como mais ponderosas razões a estreiteza da rua, o embaraço que causavam ao desembarcadouro
do cais e, além do grande aperto e rumor, resultante da muita
concorrência, o prejuízo que os proprietários dos prédios fronteiros
sofriam com as cordas que se costumavam amarrar às
mesmas casas. Almeida Coimbra, que tanto se evidenciara
na detracção do prestimoso e notável engenheiro Luís Gomes
/
287 /
de Carvalho e pelos serviços à causa legitimista, e por estes
aliás não deixou de receber o prémio compensador − sugeria
a mudança «para outro lado, no Citio que mais comodo parecer no Campo largo, afim de que fique livre e dezembaraçada
aquella Rua que é a principal para a entrada da Feira, e que
comunica com a Praça, assim como desembarcadouro do
Cais»(9). Seria ocioso acrescentar que um pedido justo, patrocinado
por tão qualificado vulto das hostes miguelistas,
foi prontamente deferido. A Câmara levou mesmo o seu
desejo de agradar ao ponto de responsabilizar-se por qualquer prejuízo do Rendeiro, no caso de algum dos correeiros
não aceitar o local que fosse determinado para instalar a sua barraca.
O grande mercado anual
merecia particulares atenções
de edilidade, pois representava uma das suas primaciais fontes
de receita. Em 1834, a vereação, reunida em sessão conjunta
com a nobreza e povo estimava «o rendim.to da feira de Março
o primeiro do interesse da Camara e sem o qual não podia
saptisfazer as despezas ordin.as'»(10), resolvendo arrematar por
um período de seis anos a respectiva renda, no intuito de animar os
possíveis concorrentes a lançar mais avultada
importância.
Por essas alturas, porque o movimento da cidade aumentasse, tornando inconveniente a instalação de feirantes quer
nos Arcos e na Praça, quer na ponte − para não dizer nas
pontes, pois eram já duas desde 1780, ou pouco depois − ou
porque, com condições novas, se houvessem criado novos
hábitos, começaria o Alboi a ser utilizado para a venda das madeiras. A
primeira menção a este bairro, como local
aproveitado para uma das secções do velho mercado, aparece apenas em 1836 nas actas camarárias. Na sessão de 3 de
Fevereiro desse ano, com efeito, «demarcarão o terreno aonde hade ser
feita a Feira de Março daqui em deante pela forma
seguinte que a Feira de Madeira de Pinho Castanho e Carvalho seria no Cítio do Alboi pela parte detras do Palheiro
da Mizericordia comprehendendo todo o espafso q vai do
Cais que principia a ponte athe o outro Cais novo e a feira
do Abaracamento madeira de Canal e todos os mais genoros
principiaria do Pelourinho em diante estendendo-se em todo
o largo do Rofsio athe a ponte q vai para as piradamas digo
para as piramas»...(11)
Onde se levantava o palheiro da Misericórdia não podemos
determiná-lo com exactidão. Ficava, porém, a poente da casa da Alfândega, pois a «praça da ortellice se achava
demarcada da esquina da Ponte ao correr para o lado da
Alfandega», conforme consta de um acórdão municipal em que, nessa época, se proibia a venda de géneros hortícolas em cima da mesma ponte.
Somos levados a crer que no ano seguinte uma novidade
com foros de sensação assinalou a feira, José António de
Resende «requereo em nome de Francisco Abrilom Director
de huma companhia equestre face intimado o arematante da
Feira de Março ou o Director do Abaracamento para demarcar no lárgo do Rofsio o sitio em que o mesmo aBrelom
podera formar seu sercolo olimpio». É de presumir, repetimos, que se tratasse de um divertimento novo e de relevante interesse, tanto para a edilidade como para os munícipes, de um facto sem precedentes, pelo menos próximos. Na realidade, não
estava previsto local para uma instalação desta
natureza e com área tão considerável, e daí logicamente se
infere que não fosse usual. Na ausência do arrematante e
em resultado de se declarar o encarregado do abarracamento sem competência nem poderes para proceder à demarcação
indicada, foi a própria municipalidade efectuá-la, interrompendo a sessão de 8 de Março de 1837 para, com esse fim,
ir ao Rossio. Não fosse perder-se a oportunidade de desfrutar o atraente
e apetecido espectáculo! O arrematante,
Manuel António Loureiro de Mesquita, numa divergente atitude de
desmancha prazeres testarudo, no estreito viso
egoísta de acautelar suas receitas, garantidas por um contrato
concebido sem previdência, pretendeu opor-se à montagem do reputado circo. A vereação, todavia, nem perante a
ameaça de um recurso para as instâncias superiores e dos
consequentes incómodos, arredou um passo da decisão
tomada. O renome do Circo Olímpico, demais, ainda
mesmo quando outros já houvessem precedentemente visitado a cidade, deveria ter despertado entre os aveirenses
uma ansiosa expectativa, uma geral e viva curiosidade.
Artista e empresário com o sentido oportunista dos gostos
e preferências populares, Avrilon, levando à cena, em heróico estilo, a figura de D. Pedro IV, soldado e símbolo da causa
liberal, alcançara um clamoroso êxito. Chegara, decerto, o eco dos entusiasmos que provocou até Aveiro, tão ciosa
e ufana de se haver assinalado como Berço da Liberdade, e imagina-se, assim, o ardente desejo da gente da cidade, o seu empenho
de aproveitar mais esse pretexto para dar larga e
vibrante expansão aos sentimentos políticos. E o benefício de um, foi logicamente preterido em favor do geral prazer.
O tempo de duração da feira não era acatado com inteiro
rigor, por essas alturas. Assim o deixa depreender uma representação dos negociantes aveirenses à Câmara, então
/
289 /
presidida por Mendes Leite, solicitando que o demarcasse
com precisão. Do auto de vereação de 23 de Março de 1839
consta que «se acordou e mandou afiquiçar a pustura pedida» para esse
efeito, e cuja execução começaria no ano imediato.
Não nos foi possível consultar essa postura, mas muito provavelmente não
traria grandes alterações às datas tradicionais.
Acentua-se de cada vez mais o progresso do grande mercado anual. Novos
artigos se apresentaram, com o decorrer
dos tempos; maior afluência se registava de vendedores e compradores.
Aveiro enveredava em nova fase de ressurgimento e começava a
beneficiar de alguns melhoramentos.
Soprava um vento de renovação, passado o largo período de
lutas civis. Aligeira-se o ritmo das realizações, uma nova mentalidade
começa a lançar raízes e, a par das obras materiais, surge a necessidade de
actualizar, nos diversos domínios da administração municipal, as antiquadas posturas, de
colocá-las em conformidade com as circunstâncias sobrevindas.
Na sessão camarária de 24 de
Janeiro de 1854, pelo bisavô
do signatário desta notícia, Francisco António do Vale Guimarães, então vereador-fiscal, «foi ponderado que o regulamento ou
aranzel da Feira de Março pelo qual se costumava
receber os preços dos lugares, e abaracamentos da dita feira
era antigoisimo e despoporcionado não só entre si mesmo mas tão bem com
os preços dos lugares e abaracamentos das feiras principais do reino
como erão Vizeu, Coimbra e outras,
pelo que entendia que o referido Regulamento devia ser
reformado com orgência visto que o tempo da feira estava próximo e ainda
ella se não tinha arrematado».
Foi, assim, por sua iniciativa, aprovado o novo
regulamento. Estabeleceram-se preços mais elevados para a generalidade dos
artigos mencionados, mas, porque houve a
pretensão de adoptar um equilibrado critério de justiça, não
se hesitou em depreciar os assentos para alguns outros. Nessas
condições, se, por exemplo, o tabuado de solho subiu
a taxa de 10 para 15 reis; as couceiras de castanho de 35 e 50
para 120 e 300, as gamelas de 5 para 40, os ancinhos de 10
para 20, os tamboretes de 60 para 120, e muitos mais em
idênticas proporções; mantiveram-se os preços dos assentos para os
espadeiros, os sapateiros, picheleiros, serralheiros e
latoeiros; e certos artigos, como o ripado, beneficiaram de uma baixa de
20 para 15 reis, do mesmo modo que os ourives passaram a pagar apenas
dez tostões. Foi este o preço
máximo que se estabeleceu para as barracas com dez palmos
de comprimento, sete de largo e dois e meio de largura e
somente aplicado também aos negociantes de panos e caldeireiros. Aos livreiros, pela primeira vez mencionados
neste regulamento, e ferrageiros, negociantes de cobertores,
/
290 / chapeleiros e a toda a sorte dos demais feirantes atribui-se
uma taxa de 600 reis, e aparece, também como novidade na tabela municipal, a citação de barcos e bateiras, aos quais se fixava o imposto da licença entre 480 e 240 reis.
Seria fastidioso e de todo nos parece desnecessário enumerar cada uma das rubricas do novo aranzel, tanto mais que a breve prazo sofreu alteração e ampliação e não incluía
tantos novos títulos que afectasse de algum modo a feição da feira. Registe-se apenas o facto de ficar subsistindo o costume de os negociantes do concelho poderem montar barracas à sua custa, satisfazendo somente metade do assento
o correspondente aos lanços ocupados, desde que nesse sentido
requeressem até ao dia 1 de Março.
A quinze dias da abertura da feira desse ano, depois de
aprovado um aditamento à relação «dos alugueis dos lugares dos objectos que se vendem na feira de março fora das barracas», que
«ainda faltava taxar e impor», o mesmo Fiscal,
Francisco António do Vale Guimarães, observando que não houvera
concorrentes à construção das barracas com dez palmos de comprimento, propôs que este fosse reduzido a nove
palmos, idêntico ao usado na Feira de Viseu e conforme com o tamanho corrente das tábuas que apareciam à venda. Estes
acórdãos do município foram devidamente aprovados pelo Conselho de Distrito, como a lei exigia. Não está na índole
do contribuinte, todavia, deixar-se afectar nos seus interesses
sem reacção e protesto. E a reacção surgiu, com efeito. Os
interessados interpuseram recurso para o citado Conselho de
Distrito e este, com toda a descerimónia, mandou suspender o novo
regulamento «e vigorar interinamente o antigo athe
a revizão do recursso».
Da parte da municipalidade, que achou não dever conformar-se com aquela deliberação, manifestou-se a contra-reacção imediata. Reunida em sessão no dia seguinte, fez
sentir ao governador civil que não lhe parecia da competência daquele organismo, mormente sem prévia audiência da Câmara,
suspender a tabela de preços que, aliás, não havia
ainda dois meses aprovara. Demais, «a referida tabella fora
publicada Editalmente e pela vós do Progueiro e contra elia
se não reclamara ou recorrera» e, cumpridas estas formalidades, fora posta «em astea publica a arematação dos alugueis
dos terados que por muitos dias andarão em praça e forão afinal entregues a Jerónimo Pereira Campos». Este, conforme era público, já, por seu turno, cobrara pela nova tabela
uma grande parte dos alugueis e, como era de uso, se avençara com quase todos os restantes donos das madeiras expostas à venda na feira.
A inopinada suspensão causou compreensíveis perturbações, pois, no meio da confusão, uns
feirantes exigiam o
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291 /
reembolso da diferença entre o aranzel antigo e o moderno;
negavam-se outros terminantemente a pagar preços superiores aos que aquele estipulava; e, aproveitando-se da propícia barafunda, uns tantos, menos presos a escrúpulos,
procuravam eximir-se inteiramente ao pagamento que lhes competia.
Por todas estas pesadas razões, a edilidade entendia que
fora menos considerada pelo Conselho de Distrito aquela
suspensão e desde logo «protestava contra a responsabilidade moral ou
qualquer outra das perdas e danos que della infalivelmente hiam resultar ao Município», aventando que um
só meio restava para atalhar àqueles prejuízos − a revogação
imediata da intempestiva suspensão do novo Regulamento.
Deliberou, por último, nessa sessão remeter
ao Conselho a cópia do aranzel antigo, e sobre propostas alterações à nova
tabela responder nos termos seguintes:
«Primo − que nesse aranzel feito a mais de trezentos annos faltavão mais
de dous terços dos objectos de madeiras que hoje se vendião. Segundo − que devendo ser
lancadas as contribuiçõins com rellação aos valores das
mercadorias e sendo antigamente muito mais baratas as madeiras nestes
citios do que são hoje porque o progrefso da agricultura tem deminoido as matas Pinhais
e devezas herão hoje as madeiras muito mais caras e por
ifso desperpesionados os preços dos terrados. Terceiro − que tanto isto
era verdade que já pela pratica estava
a muitos annos aumentados os preços do aranzel e fora
para evitar os abusos dos arematantes que levavão aos
donos das madeiras os preços que lhe parefsiam que esta Camara
reconheceo a necefsidade de confecionar a tabella
nova. Quarto − que a efsa confeção prefsederão minefsiosas informafsoins de pefsoas que esta Camara reconhefseo por mais entendidas nos valores e qualidades
das madeiras da feira: E que finalmente não fora o anemo de vexar os
povos ou restringir o comercio o que prezidira a formafsão
da nova tabella mas sim a regularidade e legalidade della em armonia com os interefses do
Município cujas rendas erão tão escafsas que mal chegavão para as suas despezas obrigatorias como todos
sabião.»
De nada valeu o firme protesto da Câmara Municipal.
O Conselho de Distrito estava renitente e não lograram os
ponderosos argumentos invocados levá-lo a reconsiderar e transigir. A
menosprezada edilidade sentiu-se logicamente
ofendida nas suas prerrogativas e no seu brio. Melindrada
e indignada, voltou a reunir, em sessão extraordinária, no
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292 /
dia 20, e, por unanimidade, tomou a deliberação que integralmente extraíamos da acta respectiva:
«Considerando que os preços dos alugueis dos
terrados onde se vendefsem madeiras na actual feira de
Março forão arrematados sulenemente em astia publica
por esta Camara em conformidade com a nova tabella dos mesmos preços que
fora, confirmada pelo Conselho
de Distrito e convenientemente promulgada. Considerando que na ocazião da feira quando já orrematante
tinha feito parte da cobrança dos ditos alugueis e se tinha avancado
com os restantes donos das madeiras o
Conselho de Distrito suspendera a execufsão da nova
tabella e mandara fazer a cobranfsa pelo antigo aranzel
que era muito diverfso. Considerandó que daquella suspenção resultarão
logo grandes perdas e danos a Camara
por que trouxe ao arrematante a duvida sobre se devia
cobrar pela nova tabella, e ao mesmo tempo colucou esta
Camara na incerteza sobre se deveria directamente cobrar
huma contribuição cujos direitos tinha transferido para o
arrematante por hum contrato sulene que se o puder
judicial podia ressindir. Considerando mais os outros malles que daquela suspensão rezultarão já ponderados
na acta da sefsão anterior. Considerando mais que sempre a esta Camara competio e a mais ninguem mandar
lanfsar o pregão para que as madeiras Exposts a venda
na feira pudefsem levantar se o que sempre e sómente
se fazia depois da cobrança, feita dos alugueis dos terrados. Considerando mais que tendo a Camara mandado
lanfsar pregão no comefso da feira para que ninguem
levantafse madeiras sem ordem da mesma Camara que
facultafse levantalas o Administrador deste Conselho no dia dezanove do
corrente mandou de seu moto proprio
e sem se ter feito a cobranfsa da renda lanssar pregão
por digo pregão na feira para se levantarem as referidas
madeiras. Considerando mais que por efsa razão ellas
se levantarão logo sem se cobrar arrenda do Municipio
sendo transportadas em carros e barcos cujo trafico era
prohibido nefse dia dezanove pelas posturas desta Camara
por ser Domingo
(12). E considerando finalmente que de
tudo isto rezultara ao Municipio a perda de cento sete
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[VoI. XIlI - N.º 52 - 1947]
mil nove centos e sincoenta reis que era o preço por que
a renda se arematara porifso declararão o mesmo Prezidente Fiscal e mais Vereadores que solemente (sic) protestavão contra todos aquelles que foram a cauza desta
perda para o Concelho, afsim como protestavão haver
em Nome do Municipio a sua reparação de quem houvefse direito.»...
Chegado a estes termos, não podia já sanar-se, sem
quebra de prestígio de alguma das partes, o agudo e melindroso conflito. Quebraria, logicamente, a questão pelo mais
fraco dos litigantes − e o Conselho apoiava a sua arbitrária
perseverança num acordo, pelo menos tácito, do governador civil − mas a pundonorosa vereação era, positivamente, mais
de quebrar que de torcer. E nem perante o facto consumado,
nem por dispor de menor autoridade se conformou com a
abusiva invasão de poderes. Não se decidiam a reconhecer
as justas razões que lhe assistiam, a reparar os agravos à sua
austera dignidade, a ressarcir a Câmara dos graves prejuízos sofridos,
mas nada a levaria a pactuar com a arbitrariedade!
Então, tomou uma denodada e decisiva atitude...
No dia 21, recalcando a veemente indignação, ocultando
com hábil e polida elegância o pretexto real da sua inabalável resolução, reuniu de novo
− quase se conservou em sessão
permanente! − acordando em enviar a «Sua Magestade El-Rei
Regente em nome do Rei» uma representação do seguinte
teor:
«Senhor = O Prezidente e Vereadores da Camara
Municipal de Aveiro abaixo afsinados, tendo servido no
biennio que decorreo de mil oito centos e sincoenta e dous a mil oito centos e sincoenta e três forão reeleitos
para o corrente biennio, em elleição que se fes no dia
vinte e sinco de Dezembro do anno preterito. Pela Portaria de dous de Março de mil oito centos e trinta e nove
não podião os suplicantes ser obrigados a servir segundo
biennio, e fundados neste direito tinhão tenção de pedir
a sua escuza, como porem se publicou o Decreto de trinta
e hum de Dezembro de mil oito centos e sincoenta e tres
que annexou o Concelho d'Eixo ao d'Aveiro, os suplicantes convencidos de que com brevidade se mandaria
proceder a Elleição de uma nova Camara que reprezentasse todo o concelho, feita pelos Elleitores de Aveiro
e Eixo, que começaram depois da promulgação do Decreto,
a ser um só concelho, − e por outro lado não dezejando
incomodar os povos com uma nova Elleição no concelho
antigo d' Aveiro, cujo rezultado só poderia valler por
alguns dias até á elleição da Camara feita pelos Elleitores
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294 /
do novo concelho, por ifso continuarão a servir, esperando de dia para dia que se mandasse proceder a esta
Elleição − Constou aos signatarios que pelo Governador
Civil deste Distrito foi diversas vezes reprezentado a
Vofsa Magestade a urgencia de nova elleição da Camara − os mesmos suplicantes já reprezentarão a Vofsa Magestade esta necefsidade, expondo a confuzão e anarquia, com que se achava a arrecadafsão dos impostos Municipais do Concelho de Aveiro, por ifso que sem este concelho perceber rendimento algum do antigo concelho
d'Eixo, já os moradores deste se utilizavão das izempções, que competem aos habitantes do concelho d' Aveiro.
Porem athe hoje nenhuma providencia foi dada sobre a
Elleição da Camara do novo Concelho. E como deste
modo os suplicantes tem estorvos insuperaveis na administração Municipal do Concelho de Aveiro
− e por outro lado entendem
que de direito não reprezentão nem podem
reprezentar o novo Concelho composto de Aveiro e Eixo,
porque os signatarios tendo servido um bieonio não
podem ser obrigados a servir outro biennio, porifso
muito submifsamente rogão a Vofsa Mágestade se digne
aceitar lhes a sua escuza de Vereadores, e mandar proseder á elleição de Camara para o novo concelho de
Aveiro e Eixo. E finalmente mui respeitosamente declarão a Vofsa
Magestade que se athe o dia da festa do
Futuro mes de Maio não houver Camara nova que tome
conta da Administração Municipal do Concelho de Aveiro,
os signatarios defse dia em deante não funcionarão mais.
Por estas razões os suplicantes pedem que Vofsa Magestade Aceitando-lhe a sua escuza, se Digne Mandar dar
as providencias que este objecto á longo tempo urgentemente demanda. E Recebem Mercê = O Prezidente,
Bento José Rodrigues Xavier de Magalhães = Fiscal,
Francisco António do Valle Guimarães =João José Fernandes = Francisco
Alves de Almeida.»
Se bem o disse, a briosa vereação melhor o cumpriu.
Mantendo, inflexível, a sua decisão, deixou, com efeito, de
reunir desde 5 de Abril. Substituiu-a uma comissão administrativa da presidência do dr. João de Moura Coutinho,
cuja posse se verificou em 6 de Junho.
O aranzel antigo estava, porém, flagrantemente desactualizado e não restavam dúvidas a ninguém
− nem certamente ao próprio e teimoso Conselho de Distrito − de que
carecia de reforma. Tratou-se, pois, de elaborar um novo
regulamento que, ao mesmo tempo satisfizesse às circunstâncias e conciliasse as divergências suscitadas pelo de Janeiro.
Segundo parece, interveio na sua organização o governador
/
295 / civil do distrito, que em 31 de Outubro o sujeitou à apreciação do Município. Não conseguimos obtê-lo, para estabelecer confronto entre os dois, mas não deveria, decerto,
acusar profundas alterações àquele que tanta celeuma provocou, pois «examinado meudamente; em seguida resolveu
a Camara adoptar como seu o dito regulamento», apenas com ligeiras modificações de pormenor. E a Câmara, efectuadas entretanto as eleições, era nessa altura presidida por Pedro
Augusto Rebocho Freire de Andrade e Albuquerque e tinha de novo a exercer as funções de fiscal Francisco António do
Vale Guimarães, o autor da primeira remodelação do aranzel, que por ela galhardamente renunciara ao seu cargo na edilidade e não anuiria a concessões muito substanciais.
Entretanto, aconselhada pela experiência e porque o
seguro, com suas cautelas e receios, morreu de velho, prevenia-se a vereação contra a possível repetição de qualquer
incidente congénere do que ocorrera nesse ano. Com essa
finalidade, fez incluir, entre outros aditamentos ao regulamento proposto, uma cláusula, segundo a qual «o baraqueiro
não podera aramar os feirantes em suas lojas sem que estes
primeiro lhe apresentem o bilhete de terem pago no cofre da Camara o preço dos lanços que pertenderem oucuparem».
O antigo costume de cobrar apenas metade da taxa correspondente ao terreno ocupado pelos comerciantes da cidade
ou do concelho que instalassem barracas à sua custa mantinha-se ainda no impugnado regulamento de 24 de Janeiro. A Câmara
entendeu levar mais longe, desta vez, a regalia
concedida aos seus munícipes, desobrigando-os completamente de pagar o assento quer de barracas ou mesas, quer do simples lugar onde expusessem à venda os géneros ou mercadorias do seu ramo de negócio.
Pudera o velho aranzel subsistir ao longo
de três estirados séculos, tão insignificantes haviam sido as transformações operadas nos
costumes, na economia e no ritmo da
apagada vida local, profundamente afectada, nesse extenso
período durante o qual quase asfixiaram as actividades mercantis e estiolou a próspera urbe de quinhentos, em consequência das vicissitudes de uma barra errante e sempre
precária. Outro tanto não sucederia com o novo regulamento. Entrara-se numa época rasgada ao progresso, menos
rotineira e mais intensa, com uma natural instabilidade de conceitos, uma desenvoltura maior de reformar o que se tornara acanhado e sediço e de legiferar sobre as circunstâncias
criadas pelo novo espírito renovador. As necessidades surgidas pelas novas condições de desenvolvimento impuseram
revisões a curtos espaços. Volvida apenas uma dúzia de
anos depara-se à Câmara um problema que a obriga, na defesa dos seus réditos e na dos interesses do arrematante
/
296 /
do abarracamento − ainda por essa altura, e por dilatados
anos, o mesmo Manuel António Loureiro de Mesquita − a
estatuir uma nova postura relativa à feira. Alguns comerciantes, rompendo com o velho costume, deixaram de estabelecer-se
no recinto que desde há séculos era destinado àquela, preferindo ocupar
algumas casas contíguas.
A municipalidade, precavendo-se dos prejuízos que lhe
advinham de tal procedimento e apoiando-se na precedente
atitude das suas congéneres de Coimbra e Viseu, onde idênticos factos se haviam verificado, proibiu, assim, a todo o comerciante,
morador ou não no concelho, que abrisse «novos estabelecimentos nesta
Cidade, ou nas casas vizinhas
do campo da feira de Março, durante o tempo da mesma
feira»(13). Em casos especiais concedia licença para a utilização das referidas casas, mas dificultava-a, onerando-a com
taxas bastante superiores às das barracas.
Decorrida outra dúzia de anos, ao estabelecer novas posturas
(14), o município regulou com maior minúcia as obrigações dos vendedores de madeira, dando maior generalidade
às taxas, que passaram a ser de 200 reis para a madeira de
pinho, 300 para a de canal e de 500 para a de nogueira, castanho e outras. Qualquer causa que ignoramos levou a reduzir
as licenças para a venda de barcos e bateiras, respectivamente
a 200 e 100 reis. Haveria diminuído a afluência à característica «feira
dos barcos» e tentar-se-ia atraí-la, deste modo, ao pitoresco e
singular mercado?
A tentativa da vereação de 1866 de evitar que os comerciantes preferissem as casas vizinhas da zona da feira aos
incómodos abarracamentos não obteve o desejado resultado.
Foram, por esse motivo, aprovadas as taxas de licença para
todos os estabelecimentos abertos desde o Rossio até à Praça
do Comércio, durante o antigo mercado anual. E por um
critério que, para os costumes de hoje, parecerá despropositado, cobrar-se-ia menos por uma loja ao rés-do-chão do que
por um primeiro andar − no primeiro caso 9.000 e no segundo
12.000 reis. Prever-se-iam as contingências das cheias, algumas vezes
verificadas nos começos da primavera, ou consideraria a Câmara um motivo
de preferente agrado, para a
freguesia, subir uns lanços de escadas? Mas avançava-se
ainda mais nas medidas proteccionistas, porque aos próprios
negociantes estabelecidos naquele local com carácter de permanência, desde que continuassem a vender naquele período, se exigia o
pagamento das mesmas taxas. Somente se exceptuavam «os estabelecimentos de mercearia, tabernas e lojas
/
297 /
para a venda de vinhos e bebidas alcoólicas e géneros de consumo». Nem ao menos uma botica, se alguém naquela
área se lembrasse de a instalar...
Julgaríamos agora qualquer disposição desta natureza
um clamoroso abuso de autoridade, um verdadeiro atentado contra os
interesses e os direitos dos contribuintes do concelho. Entretanto o
princípio não despertou resistências
tenazes pois as reclamações parece terem incidido particularmente sobre as taxas fixadas. Alteraram-se estas em
sessão de 25 de Janeiro de 1879, sob um critério mais equânime, dentro do qual se tomava como base o número de
portas ou janelas, tanto em lojas como em primeiros andares,
tabelando cada uma pelo preço único de 4.500 reis.
A um recurso de Miguel Ferreira de Araújo Soares para
o Conselho de Distrito objectava a municipalidade, justificando a deliberação tomada
(15):
«Foi esta modificação feita em virtude dum requerimento e muitas reclamações dos interessados que foram
presentes à Câmara, nas quais se evidenciava a injustiça
de fixar uma única taxa para todos os estabelecimentos.
A Câmara convenceu-se que efectivamente existia desigualdade relativa na
primeira postura e resolveu a modificação, buscando a única base possível, que era a das
portas ou janelas, à semelhança do que se adoptou no
abarracamento, em que também a taxa de licença é regulada pelo número de lanços que mede cada barraca.
A não estabelecer esta base a Câmara ainda hoje está
convencida que não é possível achar outra mais aceitável, sendo de muito
pouca importância para o caso, a circunstância que se alega do maior ou
menor fundo dos estabelecimentos, porque o que deve atender-se é ao maior ou menor número de compradores que eles comportam (especioso,
não é?, este argumento que despreza a extensão de uma das dimensões para
o cômputo da
lotação de um recinto!), sendo também esta a base que
é igualmente adoptada para estes casos, em toda a parte,
e até nos países estrangeiros (oh! a viajada e ilustrada
vereação!) onde existem impostos semelhantes. Vexame não pode
razoavelmente admitir-se que haja em obrigar-se
à licença os estabelecimentos que durante a feira preferem as casas particulares ao abarracamento. Haveria,
ao contrário, grave injustiça em isentar estes de qualquer
imposto, sujeitando unicamente ao pagamento dos lanços
os que armam na feira, em barracas, e das quais o município,
/
298 / desde muitos
anos, percebe uma das avultadas
verbas das suas receitas.»
Com vexame ou sem ele, com maior ou menor relutância
dos interessados, a medida entrou em vigor. E a feira
continuou a singrar, sem sintomas de decrepitude na sua crescente
longevidade, antes com tendências de remoçado
vigor e expansão.
O incremento tomado nesse período impôs uma nova
actualização do regulamento. Tomou essa iniciativa o vice-presidente do município, dr.
Elias Fernandes Pereira − professor que por muitos traços de um marcado e singular temperamento ficou
gravado na memória de sucessivas gerações de estudantes do liceu e que na sua passagem pelas
cadeiras da vereação deixou assinalada uma inteligência preclara, quer, para não citar outros exemplos, revendo e modernizando as posturas, quer criando uma escola industrial,
embora de efémera duração, ou, antecipando-se a ulteriores
empreendimentos de idêntica natureza, estabelecendo pensões
para os bombeiros voluntários, temporária ou permanentemente
incapacitados para o trabalho, em acidentes ocasionados na sua humanitária missão. Em 1887, exactamente
a 2 de Junho, propôs à atenção da Câmara, a necessidade de, dada a
confusão e caos em que se encontrava «a legislação municipal a respeito do importante mercado anual, denominado Feira de
Março, se regulamentar com a conveniente
meticulosidade o referido mercado, reunindo num só corpo
de doutrina tudo o que deva adoptar-se a tal respeito». Por
essa sua proposta foram aprovadas as posturas que, para esse fim,
cuidadosa e sistematizadamente elaborara.
No extenso diploma, que compreende 42 artigos e 5 tabelas anexas, pela primeira vez se fixam expressamente datas
e prazos e se atribuem distintas designações às duas feiras, que desde
início coexistiam ou, pelo menos, vinham sendo
englobadas numa única denominação. «A feira que anualmente tem lugar na cidade de
Aveiro, conhecida pela denominação de «Feira de Março» − estipulava o minudente
regulamento − compreende dois períodos: um que vai de 13
a 19 de Março, e outro que, começando a 25 desse mês, não
poderá estender-se além do dia 8 de Abril seguinte. O primeiro daqueles dois períodos tem o nome
de «Feira de
S. José», e o segundo é conhecido pelo nome de «Feira de
Nossa Senhora de Março».
Define cada um dos dois mercados parcelares e determina com rigor os locais que lhes são destinados. O primeiro
abrangia, na freguesia da Glória, todo o terreno compreendido entre o
cais e as casas fronteiras, desde a ponte da Praça à ponte da Dobadoura, com excepção da parte macadamizada
/
299 /
da estrada, e ainda a rua das Barcas, até à travessa do mesmo nome; e,
na freguesia da Vera Cruz, toda a área da praça do Comércio, bem como do
terreno que se achava entre o cais e as casas fronteiras, até ao largo
do Rossio, a intestar no bairro João Afonso, ficando contudo exceptuada
uma faixa de terreno adjacente às mesmas casas, suficiente para o
cruzamento de dois carros.
A
Feira de Nossa Senhora de Março ficava reservada a área da freguesia
da Vera Cruz delimitada para a Feira de S. José. Por este facto se
infere, com evidente nitidez, a amplitude e importância que esta última
atingiu nessa época, e não pode deixar de impressionar que, mercê das
serrações mecânicas e outras facilidades da técnica moderna, ela quase
de todo tenha perdido a função e se restrinja à ocupação de meia largura
da entrada da rua das Barcas − hoje com o nome do abnegado «lobo do mar»
José Rabumba, o heróico «Aveiro» − e apenas ao dia 19.
Repetidas vezes, sempre afinal que o dia 25 de Março coincidia com
Quinta ou Sexta-feira Santas, o município,
a solicitação dos feirantes, adiara a abertura da feira − em
geral para o domingo de Páscoa, mas algumas vezes para data posterior,
pois chegou, por exemplo em 1875, a inaugurar-se em 5 de Abril. Com as
novas posturas ficou este assunto por uma vez regulado, ficando previsto
o adiamento da inauguração sempre para o dia de Páscoa e a consequente
prorrogação da data do encerramento, nessa hipótese transferido para o
segundo domingo seguinte. Não se prevenia apenas algum fortuito caso de
força maior. E já, senão noutros, uma vez surgira, no ano de 1886, em
consequência «das muitas chuvas e continuadas tempestades que tem
havido e cheias no Rossio». O arrematante do abarracamento viu-se dessa
feita impossibilitado de concluir os seus trabalhos na data
convencionada e só no dia 1 de Abril pôde iniciar-se o popular mercado,
Casos desses, então como hoje, constituíam uma raridade. Não valia a
pena considerá-los e por si mesmos representavam uma imperativa
necessidade de adiamento.
Não nos alongaremos com a escusada citação de pormenores do longo
regulamento, apesar de por ele ainda hoje se reger, nas linhas gerais, o
velho mercado. Não deixaremos,
porém, de apontar que fixa para o primeiro dia da Feira de Nossa Senhora
de Março a data, ainda hoje mantida, para a venda de barcos e bateiras,
para cujas taxas de licença conservou as importâncias de 200 e 100 reis,
determinando para o local da venda «a parte da ria que se estende das
Pirâmides
e malhada dos Santos Mártires até à extremidade da ria, no Cojo e
malhada da Fonte Nova». Nos dois dias anteriores nenhuma embarcação
poderia entrar nos canais abrangidos
/
300 /
no quadro acima delimitado, sem o prévio pagamento da taxa de licença,
salvo os saleiros que reconhecidamente o escolhessem para simples
ancoradouro.
Os preços, embora actualizados, não sofreram agravamento considerável,
mas mencionam-se artigos que não apareciam nos regulamentos anteriores,
tais como carrinhos para conduzir crianças, canastras burriqueiras,
objectos de cristofle, etc. A taxa de cada lanço de barraca oscilava
entre 1.300 reis para picheleiros, violeiros, chapeleiros, correeiros,
6sapateiros, tamanqueiros e caldeireiros, e 1.800 para os negociantes de
panos, subindo já a 1.700 reis para as quinquilharias, estampas ou
livros, rouparia branca e bordados, ourives e relojoeiros. Os vendedores
que ocupavam terreno não abarracado beneficiavam de uma tabela mais
baixa, com um máximo de 1.000 reis por metro quadrado para «dentistas,
vendedores de águas medicinais ou de toucador, com ou sem folhetos de
receituário». A imposturice dos exploradores da
ingenuidade popular, mascarada com enganadora verborreia
e arteiras pantominas, e a concorrência ao afreguesado Pamporrilhas, o
tira-dentes local de mais confiança, pagavam a deslavada charlatanaria
com o tributo mais oneroso.
Entre os vendedores ambulantes estão referidos «os de bazares, rifas ou
jogos em que haja de sair à sorte um objecto
de pouco valor, tal como copo, garrafa, boneco e em geral objecto de
valor inferior a 120 reis» − os percursores das
tômbolas com jogos de panelas e das colchas, dos últimos
anos − e «os expositores de cosmoramas ou de quaisquer outras máquinas
ou aparelhos chamados de vistas». Para
«taberna, botequim, casa de pasto ou de espectáculos públicos,
já com simples exposição de figuras, ou animais de qualquer ordem, já
com representação dramática, já com cavalinhos, fantoches, pim-pam-pum,
etc.», a taxa era de 60 reis o metro quadrado, tendo as barracas as
dimensões consideradas necessárias. Pode afirmar-se que nenhuma
particularidade escapava. Tudo estava devidamente previsto e localizado
e tinha uma taxa determinada, quer fossem artigos para venda quer
diversões. A mera leitura do regulamento proporcionava uma descrição da
feira, com a aridez de uma enumeração, mas bastante esclarecedora.
Durante os seguintes quarenta anos, embora com crescentes sintomas de
decadência, o importante mercado anual nem na sua função nem no seu
aspecto sofreu alterações de vulto. A demolição da capela de S. João, em
1912, permitiu o estabelecimento de mais uma rua de barracas. Os
restantes abarracamentos continuavam a estender-se numa fila mais longa
pela rua do Cais até próximo da praça do Comércio e, no «campo largo» −
para utilizarmos uma expressão usada
outrora − alinhavam-se por vários arruamentos paralelos as
/
301 / diversas especialidades. Na área correspondente à antiga marinha Rossia, então como hoje, ficava o recinto destinado
aos divertimentos.
Nos princípios do novo século dispôs a feira de um
motivo de excepcional interesse e sensação para a gente de Aveiro. Anos
sucessivos trouxe-lhe a sua participação a cpmpanhia Dalot,
um conjunto teatral de apreciável qualidade que contagiou nos
entusiasmos pela arte dramática a
generalidade da população e cuja memória ainda perdura em saudosas
evocações, servindo aos que dobraram o meio século como prova eloquente para o elogio dos seus tempos moços e o detrimento das
ulteriores gerações. Permanecia a aplaudida companhia, instalada no
Rossio, aos três meses em cada ano, com êxitos sucessivos, com enchentes
Ininterruptas, exibindo um reportório variado, em que alternavam as
mágicas com as comédias, as tragédias com as operetas, os dramas com
as revistas do ano.
Os artistas popularizaram-se, tornaram-se figuras familiares na terra, e
as peças, repostas com indecrescido agrado ano após ano, conheciam-se
quase de cor. Alguns espectadores atrever-se-iam a pontar sem auxílio do texto a
«Porteira da
Fábrica», «Os dois garotos» ou «As duas órfãs» e poderiam contar-se
aqueles que antes das cenas de culminante sentimentalismo não houvessem
já sacado o lenço, da algibeira para enxugar as irreprimíveis lágrimas
doloridas. Com o ouvido musical peculiar aos aveirenses, representaria
uma excepção quem não reproduzisse, da entrada à última nota, a
partitura dos «Sinos de Corneville», da «Maseotte», do «Processo do Rasga» ou do «Moleiro de Alcalá».
E se alguma contrariedade da última hora impedisse o contra-regra de
desempenhar a sua missão coordenadora, remover-se-ia a dificuldade sem
embaraço de maior, pois entre os amadores mais assíduos não deixaria de
aparecer algum que, com infalível exactidão, se encarregasse mesmo de
dirigir e concatenar a movimentação sumamente intrincada de algumas
mágicas espectaculosas, como o «Castelo de Fogo», a «Pera de Satanás»
ou «O Raminho de Oiro».
Recordam-se ainda os artistas nos seus tiques pessoais,
nos pequenos incidentes das suas relações particulares, no seu aspecto
físico e nas extravagâncias destituídas de preconceitos, nas
intimidades mal acobertadas e nas intrigazinhas nascidas da emulação de
camaradas. A pacatez fastienta de um burgo onde todos eram vizinhos e
quase procediam por comum modelo, e o picante do fortuito escândalo
rareava, deparava com fácil alimento para o anseio pela novidadezinha
borbulhante e variado conduto para a mordacidade do comentário. Ficaram
na tradição o actor Domingos − actor, cenógrafo; algumas vezes autor da revista do ano, sucessor do
/
302 /
velho Dalot na direcção da «troupe»−; o Santos e a Lola, sua mulher e «partenaire»
− pais de Ricardo Santos Carvalho, então estreante em episódicos papéis
de criança −; José Vítor e seu irmão Henrique Tainha, que, além de
comediante, substituiria o maestro Simaria na regência da orquestra − e
pai de Ausenda de Oliveira, futura estrela de opereta a tentar os
primeiros passos de uma brilhante carreira −; a bela Maricotas e o seu
aventuroso rapto; o Joaquim Tainha, que viria a acabar os seus dias,
apagadamente, em Aveiro.
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Em
1910, o abarracamento da feira de Março, à esquerda; e a Feira de S.
José, à direita. |
Nunca
tão forte e tão largo vibrou o gosto pelos espectáculos teatrais na
população da cidade e nunca também a Caixa Económica de Aveiro contou
com clientela mais numerosa e
dissipadora na sua secção prestamista. Entre as classes populares
penhorava-se o supérfluo e o necessário para não faltar ao Dalot, numa
febre alta, num inconsiderado delírio que acabou por perturbar a
economia de muitos lares de morigerados hábitos, onde, até aí, os gastos
haviam sido
rigorosamente condicionados aos parcos ganhos. A feira, passado este
acontecimento mais saliente e de mais funda repercussão no calmo
ambiente local, que nem o famoso Circo Olímpico, de Avrilon, lograra
abalar com tamanha intensidade, regressou ao seu ritmo normal, e uma ou
outra nova atracção, mal satisfeita a curiosidade dos primeiros dias,
decaia a curto trecho no nível da banalidade conhecida.
Em 1910, três semanas após a implantação da República, vários cidadãos
−
nesse período de ardoroso e ingénuo idealismo as preocupações
igualitárias impunham que, expressamente,
/
303 / assim se designassem todas as pessoas mencionadas
nas actas das sessões camarárias − ou mais exactamente,
«vários cidadãos concorrentes à Feira de Março» requereram
à edilidade que a feira passasse a abrir no dia 19 e terminasse
no primeiro domingo de Abril. A Câmara anuiu, voltando,
segundo o que nos julgamos habilitado a concluir, à data,
dos primeiros tempos, mas, logo no ano imediato, reconheceu
os inconvenientes da alteração, e revogou a deliberação
tomada
(16), ainda a feira estava no começo. A primitiva
tradição extinguira-se, enquanto outra se inveterava nos hábitos de
algumas gerações. As intenções da primeira vereação republicana, talvez
com pretensões de inovação
mas afinal caídas na mera ressurreição de um costume mais
remoto ainda, malograram-se, e o dia 25 continuou a vigorar
para a inauguração.
E depois foi a feira da minha infância
− a feira dos meus
encantos e da minha saudade. Lá namorei, com extasiados
olhos cobiçosos, o triciclo com que um dia corresponderam à mais
exigente das minhas aspirações e me proporcionou alguns momentos de
pleno triunfo nos torcicolos audazes
que, incitado pelo aplauso carinhoso do dr. Joaquim de Melo
Freitas ou de algum outro respeitável cavalheiro habitué da Arcada,
descrevia em torno dos canteiros da Praça do Comércio. Lá comprei um desnorteante brinquedo, conhecido pelo
esdrúxulo nome de bússola, que foi o meu espanto de muitos
dias na sua inconcebível obstinação de apontar irremissivelmente a mesma direcção; e também a espada de lata que
me hierarquizou nas eminências do comando de uns tantos
garotos traquinas da vizinhança, soldados rasos, com sabres
de ripa, da batalhoa desinquieta que causava o desassossego,
e o destempero do plácido largo, à sombra da complacência
de uns cívicos benignos e bonacheirões. Por lá entretive as
minhas irreverentes gaiatices a arremedar o Zé Manhanhas,
o das bichas de rabiar e dos toscos berços para bonecas − bercos, anunciava o desafortunado velho na tabuleta de
letras desajeitadas − a mais risível caricatura de homem que
algum dia o Criador concebeu para albergar a alma de um
pobre diabo. Oh! O sádico, o cruel prazer com que assolávamos os irados desmandos do cómico velho, valetudinário e curto de
vista, a demandar-lhe a irritação, com capciosa
ingenuidade, infindáveis vezes, numa cega-rega sarnenta,
sempre a repetir a mesma impertinente e atormentadora
pergunta: − Tem bercos?!
E pasmei com o arrojo e as habilidades, para mim inéditas, dos saltimbancos pelintras do exuberante Zé das Mentiras;
/
304 / estoirei de riso com as suas facécias grossas. Por uns magros cobres admirei as vistas das grandes capitais
europeias, por um óculo... E só não vi o Papa às janelas do
Vaticano, também eu, porque Sua Santidade, segunda asse'verava na sua parlapatice especuladora a empresária da barraca... acabara de retirar-se. Aprendi
de cor os diálogos
fanhosos dos façanhudos «robertos»; mirei em respeito a soberba juba e os caninos afiados, de um sonolento leão enjaulado, o primeiro que os meus
olhos miraram em carne e osso e, daí para sempre, o mais impressionante e majestoso. Lembro, com rigor fotográfico,
o «Bazar Turco», sei já com quantas
maravilhosas bugigangas, de muito dúbio gosto, porventura, para as
minhas exigências de agora; o «Bazar dos três vinténs», com uma mole inesgotável de
brinquedos para todas as inclinações, ao preço único estipulado,
acessível a qualquer, que recobriam longas prate'leiras, mas não saciariam a minha desmesurada ambição.
Fixei, com indelével nitidez o «Silva 5», antonomásia que ganhara, com a reputação da sua marca,
cuteleiro que era
já um atributo da feira e − sei lá bem! pelos dentes maciços
e raros, um bigode obsoleto, um todo de homem voluntarioso e aberto, um jeito de falar destoante da pronúncia de
Aveiro − personificou na minha imaginação infantil os veteranos das guerras civis, a que
alguma vez ouvira aludir nos serões burgueses da botica do meu, avô Ala. Quantas remeniscências inesquecíveis! O infalível
oculista que experimentava o alcance da vista dos clientes fiéis no circunspecto «Comércio do Porto»; a tranquila mulher das flores de papel,
tão garridas e tão frescas, tão ornamentais no enfeite dos oratórios modestos, e tão pretendidas, que se esgotavam inevitavelmente antes do encerramento da feira. Os grandes
tachos de cobre reluzente; os queijos da serra sobre os listrados
cobertores de papa; os algibebes com as mirabolantes e eternas artes de
provar que um mesmo fato assentaria como uma luva a qualquer pau de
virar tripas ou ao mais
pantafaçudo latagão; os correeiros de Penafiel; os homens
dos barquilhos e dos caramelos; a barraca das feras, com o ramerrão fatigante do realejo e a nauseabunda pestilência que espalhava
em torno; uns farroupilhas com coragem de heróis que engoliam espadas e
tochas acesas. A feira de
Março! Posso considerá-la inútil porque desmereceu em
utilidade prática? Não sei eu que outras crianças estão
colhendo agora, e receberão amanhã, idênticas impressões,
com outros motivos embora, mas tão sedutoras e perduráveis como as da minha infância?
Um ano, em 1919, − oh! decepção!
− já as barracas estavam montadas, não houve feira. O tifo exantemático, que
estava ceifando centos de vidas na Porto, alarmou as autoridades
/
305 / e os rapazes da minha idade, alheios às prudentes razões
sanitárias e ignorantes do perigo de que algum feirante poderia
tornar-se veículo, foram privados dessa ansiada alegria.
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Aspecto nocturno do pórtico-fachada da feira em 1947. |
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Dois anos depois registou-se um acontecimento de grande realce e apreço.
Iluminou-se a feira com luz eléctrica, que
pela primeira vez aparecia na cidade ao ar livre e para regalo público.
Instalou-a graciosamente, montando um pequeno
gerador numa das barracas, a Empresa Auto-Metalúrgica, pouco antes
fundada pelo tenente Francisco António Soares. A iluminação eléctrica da
cidade só se inauguraria cerca de meio ano depois.
/ 306 /
A partir de 1936, graças à arejada iniciativa de Carlos Aleluia e â coadjuvação que dedicadamente lhe prestou o chefe da
secretaria municipal, Cipriano Neto, a câmara do Dr. Lourenço Peixinho transformou a feira, que então apresentava
alarmantes sinais de senilidade, imprimindo-lhe um ar mais civilizado,
moldando-a numa fisionomia mais consentânea com a época e com a função
que hoje lhe está mais indicada. Evolucionou na disposição topográfica,
formando um recinto praticamente fechado, com um pórtico-fachada de
amplas proporções voltado ao centro da cidade. Instalou serviços de
informações turísticas e de propaganda sonora, com altos-falantes potentes
− excessivamente potentes, por vezes − a
entremear música gravada com reclamos comerciais; abriu um pavilhão de
«chá». Encheu-se de luzes, renovou uma grande parcela do abarracamento,
dispôs de alguns «stands» para exposição de produtos da indústria
distrital, proporcionou festivais de diversa natureza. Reanimou-se e
chamou nova e maior afluência de forasteiros, tornando-se um vivo cartaz
das actividades regionais e do turismo local.
E, naturalmente, para em todos os aspectos ficar actualizada, subiram
também as tabelas do abarracamento. O novo está hoje taxado em 130$00 o lanço, e o antigo, comprado naquela
ocasião aos arrematantes dos quinze anos anteriores, Domingos João dos
Reis e seu filho Artur dos Reis, e relegado às ruas mais escusas, em
110$00. Por seu turno, para as tendas e barracas de diversões foi
estabelecida a taxa genérica de 1800 por metro quadrado. Produz, assim,
a feira uma receita próxima de trinta contos. Como está longe este
rendimento dos 107.950 reis de 1854! E, todavia, como está longe também
de constituir «o primeiro interesse da Câmara», conforme o classificava
a vereação de 1834! Regulará agora pela centésima parte apenas dos
réditos da municipalidade, e é, em certos anos, totalmente investido nas despesas com
a própria feira.
O famoso mercado fora uma necessidade para a população da cidade e seu alfoz, e a sua organização visara o fim
utilitário de ocorrer a toda a sorte de precisões e aos gostos
dispares dos frequentadores. Deixando de corresponder a essa
necessidade, houve de modernizar-se para não se extinguir por carência de função. Instituído com o propósito de
uma simples feira para comércio de utilidades, para tirar proveito dos hodiernos hábitos e facilidades de comunicação e conquistar a atenção dos estranhos, teve de acrescentar,
paralelamente, o aspecto de certame e centro de atracções. Tornou-se,
por conseguinte, um pretexto para visitar Aveiro. Não que cessassem as
transacções dos artigos tradicionais. O negócio continua a ser compensador e a atestá-lo está o
/
307 /
facto de os feirantes não desanimarem nem desertarem. Comprar, porém,
para os forasteiros de mais longe, cifra-se num
mero acidente de jornada ou numa enganadora justificação para sair de
casa. O que principalmente importa é participar no bulício do compacto
aglomerado de numerosas e diversas gentes, não desperdiçar os ensejos
de distracção, mudar de ambiente nos dias santos ou nos fins de semana,
vir de longada à capital do distrito ou à cidade da ria celebrada.
A feira, popular, alacre e movimentada, é, sobretudo, da gente nova,
suscitada pela tentação dos divertimentos, e é uma parada de belezas
femininas nos dias de mais intensa animação. Por isso não interessa somente à gente das redondezas, mas chama visitantes longínquos. Se o
tempo incerto da quadra não decorre com feição de carrancudo empecilho,
o Rossio é o centro de reunião obrigatório durante quase o mês de
duração do longevo mercado − de 25 de Março a 15 de Abril se prolonga,
segundo a colectânea de posturas municipais de 1945, e pode exceder esse
prazo quando a Câmara o julgue conveniente. Em nenhuma época do ano se
passeia tanto em Aveiro, nem tanto se estreita a convivência. Há uma comunicabilidade mais espontânea, uma trégua nos
resistentes hábitos
provincianos de retraimento, e um primaveril bafejo de optimismo traz à
rua as recatadas famílias .aveirenses, para uma vida social mais
desempoeirada.
O sugestivo carácter de feira-exposição introduzido há
uma década e que presentemente, passadas as dificuldades resultantes
da última guerra, a vereação presidida pelo dr. Álvaro Sampaio está em
animadoras vias de restaurar, fez remoçar e revigorar a secular «feira
de Março». Se esse carácter se fixar, como tudo aconselha e permite
crer, e se com ele se conjugarem empreendimentos de extensa projecção
como o do memorável cortejo folclórico de 1939 − uma audaciosa aventura
que o espírito multifacetado do dr. Alberto Souto concebeu, efectivou e
pôde impor como a mais bela parada
etnográfica até hoje realizada em terras de província − ela
prosseguirá, certamente, sobrevivendo a novas gerações,
semeando saudades, apertando elos de dedicação bairrista, contribuindo
para intensificar e enriquecer a vida de Aveiro. E porventura topará
pena menos rombuda e frouxa para alinhar os novos elementos relevantes e
os contar a leitores mais afortunados.
EDUARDO CERQUEIRA |