Eduardo Cerqueira, Relance sobre a evolução da secular «Feira de Março», Vol. XIII, pp. 279-307.

CURIOSIDADES DO PASSADO AVEIRENSE

II

RELANCE SOBRE A EVOLUÇÃO

DA SECULAR «FEIRA DE MARÇO»


No desenfadado esmerilhar de velhos manuscritos em que, por vezes, entretenho algumas demasias do tempo, na indiscreta propensão de desaquietar e devassar menosprezados livros e registos burocráticos caídos em longa hibernação e ao comum desinteresse relegados, vão-se-me deparando as «curiosidades do passado aveirense», que o meu bairrismo se compraz em rebuscar e fazer transpor à letra de forma.

Pecado de egoísmo seria considerar exclusivo motivo de prazer pessoal as minhas intermitentes investidas por estes domínios de rememorativa exumação de algum caso mais ou menos recuado da vida de Aveiro que me suscite a atenção. Pelo gosto que experimento ao topar uma fortuita referência a qualquer acontecimento apenas emergente da chã banalidade quotidiana, simples facto menos trivial, mero incidente na provinciana rotina do burgo pacato de há umas quantas dezenas de anos, afoito-me a avaliar do interesse alheio. Ao meu aveirismo, cujas raízes procuram buscar cada vez mais fundo as seivas que lhe alimentam a devoção e mais se agarram e firmam nos tempos de antigamente para lograrem novos estímulos e fervores, não posso atribuir a singularidade presunçosa de não ter parceiros neste mesmo aspecto de inclinação saudosista pelas pequenas coisas sem decisiva repercussão no futuro da cidade, no seu desenvolvimento ou no seu prestígio, e ainda menos suponho exageros de craveira que qualquer não atinja ou sobreleve. / 280 /

Desta feita caberá a vez, num descontínuo bosquejo a que não pude preencher, por falta de elementos, estiradíssimas lacunas, mas contribuirá entretanto para apreender a sequência de uma tradição local, à velha «Feira de Março» − o secular mercado aveirense cuja perduração sobreexcedeu, ainda que à custa de transformações e modernizações, a de quaisquer costumes e usanças e a de quase todos os testemunhos do passado local.

Não encontramos referência à data em que foi instituída nem à sua primitiva organização. Feira medieval, incontestavelmente, e com as características peculiares às suas congéneres, ultrapassa, porém, o meio milénio. Uma prova nos assegura dessa certeza. D. Duarte, conforme repetidas vezes foi mencionado(1), conferiu à vila de então um revelador privilégio, concernente à feira − idêntico, aliás, ao de diversas outras feiras do país e que representavam uma estimuladora garantia de paz e segurança. Por ele se tornava defesa, nos nove dias da sua duração, a prisão de qualquer delinquente e a citação por dívidas de quem quer que à feira viesse como vendedor ou comprador, salvo se nela mesmo praticasse novo delito ou nova dívida contraísse.

Essa prerrogativa sobejamente lhe documenta a antiguidade e se, porventura, não constitui preceito do diploma régio que a houvesse criado − facto que não pudemos averiguar, por falta de referência elucidativa − equivaleria, então, provavelmente, à consagração oficial do desenvolvimento que tinha alcançado. Nada custa a admitir, aliás, que existisse no período de reedificação da vila pelo Infante D. Pedro − quem sabe se em resultado mesmo da iniciativa e do impulso renovador do esclarecido príncipe que vagamundeou as Sete Partidas, nas suas digressões atentas e proveitosas se afez a maior largueza de horizontes e tão grande desvelo dispensou à sua vila de Aveiro (2) − e veio, assim, a atravessar todo o período áureo da vila.

Pouco se assemelharia então ao que é em nossos dias. Eram diferentes os hábitos, as necessidades mais limitadas e / 281 / não havia surgido ainda o sistema de comunicações terrestres que só pelo século XIX adiante favoreceria a grande afluência de forasteiros. Aveiro, todavia, graças às magníficas vias de acesso que lhe ofereciam a laguna e o Vouga, não sofria tão cerrado isolamento como outros centros e até outros portos nacionais de média importância e desfrutava, por consequência, de uma situação privilegiada. Como elucidativamente notou o comandante ROCHA E CUNHA «a vila concentrara todo o seu esforço nos trabalhos e tráfico do mar; porém a actividade agrícola da região fornecendo as subsistências ao grande agrupamento urbano, e alargando assim a própria capacidade de compra, prestara sólida colaboração à actividade mercantil»(3). A via fluvial favorecia as trocas e as relações entre mareantes, pescadores, marnotos e artífices e os agricultores, num nível relativamente intensivo e com um carácter de estável regularidade. A feira anual deveria, pois, forçosamente, atrair as populações marinhoas e a gente do Baixo Vouga, logrando um movimento e uma importância pouco comuns. Ainda pelos começos da segunda
metade do século XV caberia à vila o apodo de «reffece» e em relação ao ano de 1472, dela se podia afirmar que «em aquelle tẽpo era esta uylla muy prove e desapoboada de gente e moradas»
(4). Mas o agregado urbano, em pleno período de enriquecimento e prosperidade, subiria em crescente aumento até uma população de cerca de 12.000 habitantes, entre os quais se contavam, estacionando em bairro próprio, numerosos comerciantes estrangeiros − «afora muita gente estrangeira que nella de continuo reside», dizia D. João Soares, bispo de Coimbra, na sua provisão de 10 de Julho de 1572. Deste modo, já por sua mesma sedução de burgo florescente e animado, já por quantas novidades da estranja recebesse pela barra, tentaria os povos da região, nesses nove dias que, além de toda a casta de bujiarias e utilidades de concreto interesse, lhes proporcionariam ainda as distracções peculiares aos grandes ajuntamentos.

Com outra que desobrigava os pescadores e mareantes de concederem aposentadoria em suas casas, anda citada(5) uma provisão de D. João II pela qual aos fidalgos era também vedado o acesso à feira durante o tempo em que aqueles, afastando-se para as suas fainas profissionais, na pesca ou nas marinhas, deixavam sós e desprotegidas suas mulheres e filhas. Essa prudente providência, que zelosamente acautelava a honra / 282 / da gente do povo de quaisquer funestas consequências resultantes de malévolas e calculadas 'liberalidades tentadoras − sempre foi imprevidência deixar a estopa ao pé do lume! − fornece-nos uma segunda prova da antiguidade da feira secular. E, simultaneamente, traz consigo a implícita revelação de que por essas alturas não faltavam já os artigos próprios para obsequiar e cativar as graças das moças namoradeiras ou mesmo alguma mulher casada de menor apego aos rectos deveres conjugais. Não se gastariam, de facto, muitos passos na sua procura. Quando mais não fosse, encontrar-se-iam nos ourives, e apenas nestes com segurança se poderá afirmar, já que não nos chegou notícia descriminada e positiva das mercadorias vendidas pela generalidade dos tendeiros e mercadores e não podemos, por conseguinte, particularizar as bugigangas e atavios que expunham aos femininos olhos cobiçosos.

Segundo parece poder presumir-se, a feira de Março abria, antigamente no dia 19, mais tarde reservado exclusivamente a peças e utensílios de madeira, com a «feira de S. José», hoje chegada à última decadência: Confundiam-se numa só as duas feiras de agora, embora o tempo destinado à venda das madeiras, pelo menos a partir de certa altura, fosse mais limitado? Assim o fazem crer, de certo modo, tanto o aranzel velho como o de 1854, pois ambos englobam com as madeiras todos os demais artigos, sem deixarem transparecer qualquer destrinça, e ainda com maior evidência o incidente que nesse último ano se verificou, e na altura própria será narrado. Não é, todavia, de rejeitar a hipótese de haver já uma só designação para uma feira que se desdobrava.

Também a área destinada ao importante mercado anual diferia consideravelmente, por essas alturas, da dos nossos tempos. O Rossio, com o seu velho pelourinho fronteiro à rua de Veneza (hoje de Trindade Coelho) e atravancado desde o princípio do século XVII com a sua capela de S. João, ainda se não havia alargado para a marinha Rossia, só expropriada em 1850 e bastantes anos mais tarde totalmente aterrada e terraplanada. Estendiam-se, pois, os feirantes, ao longo da rua do Cais, até à Praça; ocupavam os Arcos (Balcões, na designação da época, que perdurou até há poucas dezenas de anos); os merceeiros instalavam-se na própria ponte da Praça, sem grande transtorno do trânsito, apesar de ser a única existente e não exceder a largura da actual ponte das Almas; e os ourives iam assentar as suas tendas na ruela estreita que corresponde ao início da actual rua de Viana do Castelo. «Detras da fonte», prescreve o antigo aranzel, e deve observar-se que a fonte da Praça encostava então ao cais, obrigando a tomar pelos Arcos quem dessa acanhada rua pretendesse seguir para o Rossio. / 283 /

Um aspecto do centro da cidade durante a «Feira de Março», cerca de 1870.

A ponte dos Arcos encostava ainda à fonte. As três casas seguintes à ponte foram demolidas; a primeira, após a concessão, em 1874, da licença para o caminho de ferro americano, que partiria da Praça do Comércio para a estação do caminho de ferro; e as outras duas em 1932. A edificação alta que se nota à direita era um antigo «torreão» da muralha, mais tarde incorporado na casa do barão de Almofala − a «casa do Leão» − e demolido depois de um incêndio que, em Maio de 1887, destruiu o prédio, então ocupado por uma hospedaria.

/ 284 / E muito provavelmente toda a feira se efectuaria da banda de Vila Nova, nos mencionados pontos, todos pertencentes à actual freguesia da Vera Cruz, porque a vila propriamente, cingida pelas muralhas, não deixava espaço para a exposição das madeiras, e extra muros parece que se não dispunha de recinto regularizado e suficientemente amplo.

Para ajuizar do que seria a feira nesses recuados tempos, não será desprovida de interesse a transcrição do aranzel pelo qual se regulou, com toda a verosimilhança, durante mais de três séculos. Encontra-se registado de folhas 166 a 168 v., do livro dos Termos de Vereação da Câmara dos anos de 1727 a 1730, num traslado do que teria sido o original e está exarado da forma seguinte:

TreSlado do Aranzel por onde Se deve Regullar a Cobrança dos ASentos da feira de Março

   
Taboado de Solho a duzia a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010 rs.
De forro a duzia a Sinco Reis  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
CouSeiras de Castanho de Sete palmos e para Sima desta a Sincuenta Reis a duzia . . . . 050
E de outto palmos para Sima a duzia a trinta e Sinco Reis  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 035
E de Seis palmos para bayxo a duzia a quinze Reis  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 015
E aSim o Taboado do mesmo Castanho na Forma aSima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  
Esteyras a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
Rodeyros a vinte e Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 025
Rodas a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
Eyxos cada hum a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
Arados a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
Grades a quinze Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 015
Carretas a trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 030
EnSinhos a duzia a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
Gamellas a duzia a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 020
TripeSas de Castanho a duzia a quinze Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 015
E de Pinho a duzia a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
Caixas grandes de Castanho cada huma ou tenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 080
E De Pinho cada huma SeSenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 060
De castanho mais piquenas cada huma Sincoenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 050
E De pinho mais piquenas cada huma trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 030
Tamboretes a duzia a SeSenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 060
O feixe de varas de Castanho a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
De lata o feixe a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
Gamellas grandes de amaSar cada huma a Sinco Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 005
ADoella a duzia a quarenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 040
Madeira de Castanho de Casca a maJor e mais groda a duzia a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . 020
E De Ripado a vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 020
E a mais piquena a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
Frichais a des Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 010
Arcos bastardos o feixe a Setenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 070
De Pipa a trinta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 030
Leytos armados cada hum a SeSenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 060
Sapateiros canastra grande a cem Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
E Das piquenas a SeSenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 060
Picheleiros por cada banca cento e Sincoenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
Saralheiros por cada banca cento e Sincoenta Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
Ferreyros por cada Esteyra onde poem a ferragem cento e Sincoenta Reis . . . . . . . . . 150
Marchantes ou quem vender couros cortados por cada pano quarenta Reis . . . . . . . . 040
EsPadeiros cada hum trezentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300
Latoeyros cada hum duzentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Os que vendem Sollas e couros nas Ruas cento e vinte Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
Sombrareiros por cada canastra duzentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Violeiros cada hum cento e vinte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
Ourives detras da fonte mil e duzentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.200
Os que occupão os LanSos de Taboado e de mercadores e
Tendeiros quatro centos Reis
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 

400

E os das Mezas Só duzentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
As Tendas de merSearias na ponte cada LanSo quatro centos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 400
As Tendas debaixo dos Balcoens cada huma mil e duzentos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.200
As que occupão LanSos de Taboado de mercadores e Tendeiros
quatrocentos Reis
 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
400
A caza da arrecadaSão pello que ajustar com as partes o Rendeiro.  
   

De que mandarão Fazer Este Aranzel que aSignarão os veriadores e Eu Andre Botelho Deça Telles Escrivão da Camara o Escrevy «Barata» «Varella» «Teyxeira». E não Se continha mais em o dito aranzel que aqui Foi Tresladado do proprio a que me Reporto Andre Botelho Deça Telles Escrivão da Camara o Escrevy.»


Posteríormente, no propósito evidente de lhe conferir mais sólidas garantias de autenticidade, fez a Câmara confirmar o traslado, com a seguinte declaração, aposta na sequência daquele assento, e devidamente assinada
(6):
«Como este Aranzel ainda que seja o Verdadeiro e o do costume immemorial, e por ele Sempre Se Regulou a Feira inda que houve o descuido da parte do Escrivaõ da Camara Andre Botelho de Essa Teles da Sobscriçaõ deste Treslado p.ª ficar Curial a Confirmaçaõ e Rateficaçaõ p.ª se continuar na Sua observancia; Aveiro Em Camara de Jan.º 13 de 1796.
Caiz (?), Mendez, Marcos, Sobral, Faria.»


Como nota para o conhecimento dos usos da época e até da data em que tomou, inteiramente, carácter público o passeio para o qual encontrámos já a designação, num documento do século passado, de «Adebaixo dos Arcos», acrescentaremos que até aos princípios do século XVIII os alugueres dos terrados dos feirantes que ali montavam as suas tendas eram cobrados pelos proprietários, dos prédios respectivos. Só a
/ 286 / partir de 1728 lhes foi recusado esse direito, como se infere do agravo levado, por esse facto, para a Relação do Porto, pelo Padre Dionísio da Roza da Fonseca, sacerdote do hábito de S. Pedro, como procurador de Maria Rosa, Teresa Lemos, João Simões, espadeiro, e Manuel Jorge, todos com casa nos Balcões. A Câmara toma notícia em 8 de Maio daquele ano do agravo formulado pelo aludido sacerdote(7)
I
. . . «em Rezam de que estando os seus constituintes com poSe quieta e paSifica per Si e Seus anteSecores com tempo imemorial de alugarem e Receberem os alugueres dos mercadores e tendeiros que armam na feira de Março de baixo de seus Balcões e terrados de Suas Cazas que este Senado fora servido este anno emandar e noteficar os ditos Mercadores e tendeiros que nam pagacem a elles aggravantes couza alguma que com elles tinham ajustado, mas sim Pagace e Se avieSem com o procurador do ConSelho a quem pagaram privando a elles aggravantes da Sua antiga poSe em que se conservavam»...

O secular mercado, com a melhoria das condições económicas da cidade a partir da fixação da «barra nova», não deixou, por certo, de ser influenciado pelo ressurgimento que em todas as actividades locais se esboçou, acusando na primeira metade do século XIX alguns sintomas de progresso.

Uma ou outra deliberação acudia a restabelecer regras caídas em desuso ou imprimia certas modificações na sua organização. Assim, em 1816(8), a Câmara, anuindo a uma sugestão do Corregedor da Comarca, acordou em que nos anos futuros se não vendessem na feira de Março madeiras de pinho ou de castanho antes do dia de S. José «e que só neste dia, e nos dias vinte e vinte e hum se venderia ao público, e nunca aos Revendoens, salvo ao Rematante da Feira, a quem se podia vender a necessaria para estabelecimento das Barracas». No ano de 1829, os correeiros foram transferidos da rua do Cais para o Rossio, a requerimento do influente cirurgião Manuel Martins de Almeida Coimbra. Para essa mudança se alegavam como mais ponderosas razões a estreiteza da rua, o embaraço que causavam ao desembarcadouro do cais e, além do grande aperto e rumor, resultante da muita concorrência, o prejuízo que os proprietários dos prédios fronteiros sofriam com as cordas que se costumavam amarrar às mesmas casas. Almeida Coimbra, que tanto se evidenciara na detracção do prestimoso e notável engenheiro Luís Gomes / 287 / de Carvalho e pelos serviços à causa legitimista, e por estes aliás não deixou de receber o prémio compensador − sugeria a mudança «para outro lado, no Citio que mais comodo parecer no Campo largo, afim de que fique livre e dezembaraçada aquella Rua que é a principal para a entrada da Feira, e que comunica com a Praça, assim como desembarcadouro do Cais»(9). Seria ocioso acrescentar que um pedido justo, patrocinado por tão qualificado vulto das hostes miguelistas, foi prontamente deferido. A Câmara levou mesmo o seu desejo de agradar ao ponto de responsabilizar-se por qualquer prejuízo do Rendeiro, no caso de algum dos correeiros não aceitar o local que fosse determinado para instalar a sua barraca.

O grande mercado anual merecia particulares atenções de edilidade, pois representava uma das suas primaciais fontes de receita. Em 1834, a vereação, reunida em sessão conjunta com a nobreza e povo estimava «o rendim.to da feira de Março o primeiro do interesse da Camara e sem o qual não podia saptisfazer as despezas ordin.as(10), resolvendo arrematar por um período de seis anos a respectiva renda, no intuito de animar os possíveis concorrentes a lançar mais avultada importância.

Por essas alturas, porque o movimento da cidade aumentasse, tornando inconveniente a instalação de feirantes quer nos Arcos e na Praça, quer na ponte − para não dizer nas pontes, pois eram já duas desde 1780, ou pouco depois − ou porque, com condições novas, se houvessem criado novos hábitos, começaria o Alboi a ser utilizado para a venda das madeiras. A primeira menção a este bairro, como local aproveitado para uma das secções do velho mercado, aparece apenas em 1836 nas actas camarárias. Na sessão de 3 de Fevereiro desse ano, com efeito, «demarcarão o terreno aonde hade ser feita a Feira de Março daqui em deante pela forma seguinte que a Feira de Madeira de Pinho Castanho e Carvalho seria no Cítio do Alboi pela parte detras do Palheiro da Mizericordia comprehendendo todo o espafso q vai do Cais que principia a ponte athe o outro Cais novo e a feira do Abaracamento madeira de Canal e todos os mais genoros principiaria do Pelourinho em diante estendendo-se em todo o largo do Rofsio athe a ponte q vai para as piradamas digo para as piramas»...(11)

Onde se levantava o palheiro da Misericórdia não podemos determiná-lo com exactidão. Ficava, porém, a poente da casa da Alfândega, pois a «praça da ortellice se achava demarcada da esquina da Ponte ao correr para o lado da Alfandega», conforme consta de um acórdão municipal em que, nessa época, se proibia a venda de géneros hortícolas em cima da mesma ponte.

Somos levados a crer que no ano seguinte uma novidade com foros de sensação assinalou a feira, José António de Resende «requereo em nome de Francisco Abrilom Director de huma companhia equestre face intimado o arematante da Feira de Março ou o Director do Abaracamento para demarcar no lárgo do Rofsio o sitio em que o mesmo aBrelom podera formar seu sercolo olimpio». É de presumir, repetimos, que se tratasse de um divertimento novo e de relevante interesse, tanto para a edilidade como para os munícipes, de um facto sem precedentes, pelo menos próximos. Na realidade, não estava previsto local para uma instalação desta natureza e com área tão considerável, e daí logicamente se infere que não fosse usual. Na ausência do arrematante e em resultado de se declarar o encarregado do abarracamento sem competência nem poderes para proceder à demarcação indicada, foi a própria municipalidade efectuá-la, interrompendo a sessão de 8 de Março de 1837 para, com esse fim, ir ao Rossio. Não fosse perder-se a oportunidade de desfrutar o atraente e apetecido espectáculo! O arrematante, Manuel António Loureiro de Mesquita, numa divergente atitude de desmancha prazeres testarudo, no estreito viso egoísta de acautelar suas receitas, garantidas por um contrato concebido sem previdência, pretendeu opor-se à montagem do reputado circo. A vereação, todavia, nem perante a ameaça de um recurso para as instâncias superiores e dos consequentes incómodos, arredou um passo da decisão
tomada. O renome do Circo Olímpico, demais, ainda mesmo quando outros já houvessem precedentemente visitado a cidade, deveria ter despertado entre os aveirenses uma ansiosa expectativa, uma geral e viva curiosidade. Artista e empresário com o sentido oportunista dos gostos e preferências populares, Avrilon, levando à cena, em heróico estilo, a figura de D. Pedro IV, soldado e símbolo da causa liberal, alcançara um clamoroso êxito. Chegara, decerto, o eco dos entusiasmos que provocou até Aveiro, tão ciosa e ufana de se haver assinalado como Berço da Liberdade, e imagina-se, assim, o ardente desejo da gente da cidade, o seu empenho de aproveitar mais esse pretexto para dar larga e vibrante expansão aos sentimentos políticos. E o benefício de um, foi logicamente preterido em favor do geral prazer.

O tempo de duração da feira não era acatado com inteiro rigor, por essas alturas. Assim o deixa depreender uma representação dos negociantes aveirenses à Câmara, então / 289 / presidida por Mendes Leite, solicitando que o demarcasse com precisão. Do auto de vereação de 23 de Março de 1839 consta que «se acordou e mandou afiquiçar a pustura pedida» para esse efeito, e cuja execução começaria no ano imediato. Não nos foi possível consultar essa postura, mas muito provavelmente não traria grandes alterações às datas tradicionais.

Acentua-se de cada vez mais o progresso do grande mercado anual. Novos artigos se apresentaram, com o decorrer dos tempos; maior afluência se registava de vendedores e compradores. Aveiro enveredava em nova fase de ressurgimento e começava a beneficiar de alguns melhoramentos. Soprava um vento de renovação, passado o largo período de lutas civis. Aligeira-se o ritmo das realizações, uma nova mentalidade começa a lançar raízes e, a par das obras materiais, surge a necessidade de actualizar, nos diversos domínios da administração municipal, as antiquadas posturas, de colocá-las em conformidade com as circunstâncias sobrevindas.

Na sessão camarária de 24 de Janeiro de 1854, pelo bisavô do signatário desta notícia, Francisco António do Vale Guimarães, então vereador-fiscal, «foi ponderado que o regulamento ou aranzel da Feira de Março pelo qual se costumava receber os preços dos lugares, e abaracamentos da dita feira era antigoisimo e despoporcionado não só entre si mesmo mas tão bem com os preços dos lugares e abaracamentos das feiras principais do reino como erão Vizeu, Coimbra e outras, pelo que entendia que o referido Regulamento devia ser reformado com orgência visto que o tempo da feira estava próximo e ainda ella se não tinha arrematado».

Foi, assim, por sua iniciativa, aprovado o novo regulamento. Estabeleceram-se preços mais elevados para a generalidade dos artigos mencionados, mas, porque houve a pretensão de adoptar um equilibrado critério de justiça, não se hesitou em depreciar os assentos para alguns outros. Nessas condições, se, por exemplo, o tabuado de solho subiu a taxa de 10 para 15 reis; as couceiras de castanho de 35 e 50 para 120 e 300, as gamelas de 5 para 40, os ancinhos de 10 para 20, os tamboretes de 60 para 120, e muitos mais em idênticas proporções; mantiveram-se os preços dos assentos para os espadeiros, os sapateiros, picheleiros, serralheiros e latoeiros; e certos artigos, como o ripado, beneficiaram de uma baixa de 20 para 15 reis, do mesmo modo que os ourives passaram a pagar apenas dez tostões. Foi este o preço máximo que se estabeleceu para as barracas com dez palmos de comprimento, sete de largo e dois e meio de largura e somente aplicado também aos negociantes de panos e caldeireiros. Aos livreiros, pela primeira vez mencionados neste regulamento, e ferrageiros, negociantes de cobertores, / 290 / chapeleiros e a toda a sorte dos demais feirantes atribui-se uma taxa de 600 reis, e aparece, também como novidade na tabela municipal, a citação de barcos e bateiras, aos quais se fixava o imposto da licença entre 480 e 240 reis.

Seria fastidioso e de todo nos parece desnecessário enumerar cada uma das rubricas do novo aranzel, tanto mais que a breve prazo sofreu alteração e ampliação e não incluía tantos novos títulos que afectasse de algum modo a feição da feira. Registe-se apenas o facto de ficar subsistindo o costume de os negociantes do concelho poderem montar barracas à sua custa, satisfazendo somente metade do assento o correspondente aos lanços ocupados, desde que nesse sentido requeressem até ao dia 1 de Março.

A quinze dias da abertura da feira desse ano, depois de aprovado um aditamento à relação «dos alugueis dos lugares dos objectos que se vendem na feira de março fora das barracas», que «ainda faltava taxar e impor», o mesmo Fiscal, Francisco António do Vale Guimarães, observando que não houvera concorrentes à construção das barracas com dez palmos de comprimento, propôs que este fosse reduzido a nove palmos, idêntico ao usado na Feira de Viseu e conforme com o tamanho corrente das tábuas que apareciam à venda. Estes acórdãos do município foram devidamente aprovados pelo Conselho de Distrito, como a lei exigia. Não está na índole do contribuinte, todavia, deixar-se afectar nos seus interesses sem reacção e protesto. E a reacção surgiu, com efeito. Os interessados interpuseram recurso para o citado Conselho de Distrito e este, com toda a descerimónia, mandou suspender o novo regulamento «e vigorar interinamente o antigo athe a revizão do recursso».

Da parte da municipalidade, que achou não dever conformar-se com aquela deliberação, manifestou-se a contra-reacção imediata. Reunida em sessão no dia seguinte, fez sentir ao governador civil que não lhe parecia da competência daquele organismo, mormente sem prévia audiência da Câmara, suspender a tabela de preços que, aliás, não havia ainda dois meses aprovara. Demais, «a referida tabella fora publicada Editalmente e pela vós do Progueiro e contra elia se não reclamara ou recorrera» e, cumpridas estas formalidades, fora posta «em astea publica a arematação dos alugueis dos terados que por muitos dias andarão em praça e forão afinal entregues a Jerónimo Pereira Campos». Este, conforme era público, já, por seu turno, cobrara pela nova tabela uma grande parte dos alugueis e, como era de uso, se avençara com quase todos os restantes donos das madeiras expostas à venda na feira.

A inopinada suspensão causou compreensíveis perturbações, pois, no meio da confusão, uns feirantes exigiam o / 291 / reembolso da diferença entre o aranzel antigo e o moderno; negavam-se outros terminantemente a pagar preços superiores aos que aquele estipulava; e, aproveitando-se da propícia barafunda, uns tantos, menos presos a escrúpulos, procuravam eximir-se inteiramente ao pagamento que lhes competia.

Por todas estas pesadas razões, a edilidade entendia que fora menos considerada pelo Conselho de Distrito aquela suspensão e desde logo «protestava contra a responsabilidade moral ou qualquer outra das perdas e danos que della infalivelmente hiam resultar ao Município», aventando que um só meio restava para atalhar àqueles prejuízos − a revogação imediata da intempestiva suspensão do novo Regulamento.

Deliberou, por último, nessa sessão remeter ao Conselho a cópia do aranzel antigo, e sobre propostas alterações à nova tabela responder nos termos seguintes:

«Primo − que nesse aranzel feito a mais de trezentos annos faltavão mais de dous terços dos objectos de madeiras que hoje se vendião. Segundo − que devendo ser lancadas as contribuiçõins com rellação aos valores das mercadorias e sendo antigamente muito mais baratas as madeiras nestes citios do que são hoje porque o progrefso da agricultura tem deminoido as matas Pinhais e devezas herão hoje as madeiras muito mais caras e por ifso desperpesionados os preços dos terrados. Terceiro − que tanto isto era verdade que já pela pratica estava a muitos annos aumentados os preços do aranzel e fora para evitar os abusos dos arematantes que levavão aos donos das madeiras os preços que lhe parefsiam que esta Camara reconheceo a necefsidade de confecionar a tabella nova. Quarto − que a efsa confeção prefsederão minefsiosas informafsoins de pefsoas que esta Camara reconhefseo por mais entendidas nos valores e qualidades das madeiras da feira: E que finalmente não fora o anemo de vexar os povos ou restringir o comercio o que prezidira a formafsão da nova tabella mas sim a regularidade e legalidade della em armonia com os interefses do Município cujas rendas erão tão escafsas que mal chegavão para as suas despezas obrigatorias como todos sabião.»

De nada valeu o firme protesto da Câmara Municipal. O Conselho de Distrito estava renitente e não lograram os ponderosos argumentos invocados levá-lo a reconsiderar e transigir. A menosprezada edilidade sentiu-se logicamente ofendida nas suas prerrogativas e no seu brio. Melindrada e indignada, voltou a reunir, em sessão extraordinária, no / 292 / dia 20, e, por unanimidade, tomou a deliberação que integralmente extraíamos da acta respectiva:

«Considerando que os preços dos alugueis dos terrados onde se vendefsem madeiras na actual feira de Março forão arrematados sulenemente em astia publica por esta Camara em conformidade com a nova tabella dos mesmos preços que fora, confirmada pelo Conselho de Distrito e convenientemente promulgada. Considerando que na ocazião da feira quando já orrematante tinha feito parte da cobrança dos ditos alugueis e se tinha avancado com os restantes donos das madeiras o Conselho de Distrito suspendera a execufsão da nova tabella e mandara fazer a cobranfsa pelo antigo aranzel que era muito diverfso. Considerandó que daquella suspenção resultarão logo grandes perdas e danos a Camara por que trouxe ao arrematante a duvida sobre se devia cobrar pela nova tabella, e ao mesmo tempo colucou esta Camara na incerteza sobre se deveria directamente cobrar huma contribuição cujos direitos tinha transferido para o arrematante por hum contrato sulene que se o puder judicial podia ressindir. Considerando mais os outros malles que daquela suspensão rezultarão já ponderados na acta da sefsão anterior. Considerando mais que sempre a esta Camara competio e a mais ninguem mandar lanfsar o pregão para que as madeiras Exposts a venda na feira pudefsem levantar se o que sempre e sómente se fazia depois da cobrança, feita dos alugueis dos terrados. Considerando mais que tendo a Camara mandado lanfsar pregão no comefso da feira para que ninguem levantafse madeiras sem ordem da mesma Camara que facultafse levantalas o Administrador deste Conselho no dia dezanove do corrente mandou de seu moto proprio e sem se ter feito a cobranfsa da renda lanssar pregão por digo pregão na feira para se levantarem as referidas madeiras. Considerando mais que por efsa razão ellas se levantarão logo sem se cobrar arrenda do Municipio sendo transportadas em carros e barcos cujo trafico era prohibido nefse dia dezanove pelas posturas desta Camara por ser Domingo (12). E considerando finalmente que de tudo isto rezultara ao Municipio a perda de cento sete / 293 / [VoI. XIlI - N.º 52 - 1947] mil nove centos e sincoenta reis que era o preço por que a renda se arematara porifso declararão o mesmo Prezidente Fiscal e mais Vereadores que solemente (sic) protestavão contra todos aquelles que foram a cauza desta perda para o Concelho, afsim como protestavão haver em Nome do Municipio a sua reparação de quem houvefse direito.»...

Chegado a estes termos, não podia já sanar-se, sem quebra de prestígio de alguma das partes, o agudo e melindroso conflito. Quebraria, logicamente, a questão pelo mais fraco dos litigantes − e o Conselho apoiava a sua arbitrária perseverança num acordo, pelo menos tácito, do governador civil − mas a pundonorosa vereação era, positivamente, mais de quebrar que de torcer. E nem perante o facto consumado, nem por dispor de menor autoridade se conformou com a abusiva invasão de poderes. Não se decidiam a reconhecer as justas razões que lhe assistiam, a reparar os agravos à sua austera dignidade, a ressarcir a Câmara dos graves prejuízos sofridos, mas nada a levaria a pactuar com a arbitrariedade! Então, tomou uma denodada e decisiva atitude...

No dia 21, recalcando a veemente indignação, ocultando com hábil e polida elegância o pretexto real da sua inabalável resolução, reuniu de novo − quase se conservou em sessão permanente! − acordando em enviar a «Sua Magestade El-Rei Regente em nome do Rei» uma representação do seguinte teor:

«Senhor = O Prezidente e Vereadores da Camara Municipal de Aveiro abaixo afsinados, tendo servido no biennio que decorreo de mil oito centos e sincoenta e dous a mil oito centos e sincoenta e três forão reeleitos para o corrente biennio, em elleição que se fes no dia vinte e sinco de Dezembro do anno preterito. Pela Portaria de dous de Março de mil oito centos e trinta e nove não podião os suplicantes ser obrigados a servir segundo biennio, e fundados neste direito tinhão tenção de pedir a sua escuza, como porem se publicou o Decreto de trinta e hum de Dezembro de mil oito centos e sincoenta e tres que annexou o Concelho d'Eixo ao d'Aveiro, os suplicantes convencidos de que com brevidade se mandaria proceder a Elleição de uma nova Camara que reprezentasse todo o concelho, feita pelos Elleitores de Aveiro e Eixo, que começaram depois da promulgação do Decreto, a ser um só concelho, − e por outro lado não dezejando incomodar os povos com uma nova Elleição no concelho antigo d' Aveiro, cujo rezultado só poderia valler por alguns dias até á elleição da Camara feita pelos Elleitores / 294 / do novo concelho, por ifso continuarão a servir, esperando de dia para dia que se mandasse proceder a esta Elleição − Constou aos signatarios que pelo Governador Civil deste Distrito foi diversas vezes reprezentado a Vofsa Magestade a urgencia de nova elleição da Camara − os mesmos suplicantes já reprezentarão a Vofsa Magestade esta necefsidade, expondo a confuzão e anarquia, com que se achava a arrecadafsão dos impostos Municipais do Concelho de Aveiro, por ifso que sem este concelho perceber rendimento algum do antigo concelho d'Eixo, já os moradores deste se utilizavão das izempções, que competem aos habitantes do concelho d' Aveiro. Porem athe hoje nenhuma providencia foi dada sobre a Elleição da Camara do novo Concelho. E como deste modo os suplicantes tem estorvos insuperaveis na administração Municipal do Concelho de Aveiro − e por outro lado entendem que de direito não reprezentão nem podem reprezentar o novo Concelho composto de Aveiro e Eixo, porque os signatarios tendo servido um bieonio não podem ser obrigados a servir outro biennio, porifso muito submifsamente rogão a Vofsa Mágestade se digne aceitar lhes a sua escuza de Vereadores, e mandar proseder á elleição de Camara para o novo concelho de Aveiro e Eixo. E finalmente mui respeitosamente declarão a Vofsa Magestade que se athe o dia da festa do Futuro mes de Maio não houver Camara nova que tome conta da Administração Municipal do Concelho de Aveiro, os signatarios defse dia em deante não funcionarão mais. Por estas razões os suplicantes pedem que Vofsa Magestade Aceitando-lhe a sua escuza, se Digne Mandar dar as providencias que este objecto á longo tempo urgentemente demanda. E Recebem Mercê = O Prezidente, Bento José Rodrigues Xavier de Magalhães = Fiscal, Francisco António do Valle Guimarães =João José Fernandes = Francisco Alves de Almeida.»

Se bem o disse, a briosa vereação melhor o cumpriu. Mantendo, inflexível, a sua decisão, deixou, com efeito, de reunir desde 5 de Abril. Substituiu-a uma comissão administrativa da presidência do dr. João de Moura Coutinho, cuja posse se verificou em 6 de Junho.

O aranzel antigo estava, porém, flagrantemente desactualizado e não restavam dúvidas a ninguém − nem certamente ao próprio e teimoso Conselho de Distrito − de que carecia de reforma. Tratou-se, pois, de elaborar um novo regulamento que, ao mesmo tempo satisfizesse às circunstâncias e conciliasse as divergências suscitadas pelo de Janeiro. Segundo parece, interveio na sua organização o governador / 295 / civil do distrito, que em 31 de Outubro o sujeitou à apreciação do Município. Não conseguimos obtê-lo, para estabelecer confronto entre os dois, mas não deveria, decerto, acusar profundas alterações àquele que tanta celeuma provocou, pois «examinado meudamente; em seguida resolveu a Camara adoptar como seu o dito regulamento», apenas com ligeiras modificações de pormenor. E a Câmara, efectuadas entretanto as eleições, era nessa altura presidida por Pedro Augusto Rebocho Freire de Andrade e Albuquerque e tinha de novo a exercer as funções de fiscal Francisco António do Vale Guimarães, o autor da primeira remodelação do aranzel, que por ela galhardamente renunciara ao seu cargo na edilidade e não anuiria a concessões muito substanciais.

Entretanto, aconselhada pela experiência e porque o seguro, com suas cautelas e receios, morreu de velho, prevenia-se a vereação contra a possível repetição de qualquer incidente congénere do que ocorrera nesse ano. Com essa finalidade, fez incluir, entre outros aditamentos ao regulamento proposto, uma cláusula, segundo a qual «o baraqueiro não podera aramar os feirantes em suas lojas sem que estes primeiro lhe apresentem o bilhete de terem pago no cofre da Camara o preço dos lanços que pertenderem oucuparem».

O antigo costume de cobrar apenas metade da taxa correspondente ao terreno ocupado pelos comerciantes da cidade ou do concelho que instalassem barracas à sua custa mantinha-se ainda no impugnado regulamento de 24 de Janeiro. A Câmara entendeu levar mais longe, desta vez, a regalia concedida aos seus munícipes, desobrigando-os completamente de pagar o assento quer de barracas ou mesas, quer do simples lugar onde expusessem à venda os géneros ou mercadorias do seu ramo de negócio.

Pudera o velho aranzel subsistir ao longo de três estirados séculos, tão insignificantes haviam sido as transformações operadas nos costumes, na economia e no ritmo da apagada vida local, profundamente afectada, nesse extenso período durante o qual quase asfixiaram as actividades mercantis e estiolou a próspera urbe de quinhentos, em consequência das vicissitudes de uma barra errante e sempre precária. Outro tanto não sucederia com o novo regulamento. Entrara-se numa época rasgada ao progresso, menos rotineira e mais intensa, com uma natural instabilidade de conceitos, uma desenvoltura maior de reformar o que se tornara acanhado e sediço e de legiferar sobre as circunstâncias criadas pelo novo espírito renovador. As necessidades surgidas pelas novas condições de desenvolvimento impuseram revisões a curtos espaços. Volvida apenas uma dúzia de anos depara-se à Câmara um problema que a obriga, na defesa dos seus réditos e na dos interesses do arrematante / 296 / do abarracamento − ainda por essa altura, e por dilatados anos, o mesmo Manuel António Loureiro de Mesquita − a estatuir uma nova postura relativa à feira. Alguns comerciantes, rompendo com o velho costume, deixaram de estabelecer-se no recinto que desde há séculos era destinado àquela, preferindo ocupar algumas casas contíguas.

A municipalidade, precavendo-se dos prejuízos que lhe advinham de tal procedimento e apoiando-se na precedente atitude das suas congéneres de Coimbra e Viseu, onde idênticos factos se haviam verificado, proibiu, assim, a todo o comerciante, morador ou não no concelho, que abrisse «novos estabelecimentos nesta Cidade, ou nas casas vizinhas do campo da feira de Março, durante o tempo da mesma feira»(13). Em casos especiais concedia licença para a utilização das referidas casas, mas dificultava-a, onerando-a com taxas bastante superiores às das barracas.

Decorrida outra dúzia de anos, ao estabelecer novas posturas (14), o município regulou com maior minúcia as obrigações dos vendedores de madeira, dando maior generalidade às taxas, que passaram a ser de 200 reis para a madeira de pinho, 300 para a de canal e de 500 para a de nogueira, castanho e outras. Qualquer causa que ignoramos levou a reduzir as licenças para a venda de barcos e bateiras, respectivamente a 200 e 100 reis. Haveria diminuído a afluência à característica «feira dos barcos» e tentar-se-ia atraí-la, deste modo, ao pitoresco e singular mercado?

A tentativa da vereação de 1866 de evitar que os comerciantes preferissem as casas vizinhas da zona da feira aos incómodos abarracamentos não obteve o desejado resultado. Foram, por esse motivo, aprovadas as taxas de licença para todos os estabelecimentos abertos desde o Rossio até à Praça do Comércio, durante o antigo mercado anual. E por um critério que, para os costumes de hoje, parecerá despropositado, cobrar-se-ia menos por uma loja ao rés-do-chão do que por um primeiro andar − no primeiro caso 9.000 e no segundo 12.000 reis. Prever-se-iam as contingências das cheias, algumas vezes verificadas nos começos da primavera, ou consideraria a Câmara um motivo de preferente agrado, para a freguesia, subir uns lanços de escadas? Mas avançava-se ainda mais nas medidas proteccionistas, porque aos próprios negociantes estabelecidos naquele local com carácter de permanência, desde que continuassem a vender naquele período, se exigia o pagamento das mesmas taxas. Somente se exceptuavam «os estabelecimentos de mercearia, tabernas e lojas / 297 / para a venda de vinhos e bebidas alcoólicas e géneros de consumo». Nem ao menos uma botica, se alguém naquela área se lembrasse de a instalar...

Julgaríamos agora qualquer disposição desta natureza um clamoroso abuso de autoridade, um verdadeiro atentado contra os interesses e os direitos dos contribuintes do concelho. Entretanto o princípio não despertou resistências tenazes pois as reclamações parece terem incidido particularmente sobre as taxas fixadas. Alteraram-se estas em sessão de 25 de Janeiro de 1879, sob um critério mais equânime, dentro do qual se tomava como base o número de portas ou janelas, tanto em lojas como em primeiros andares, tabelando cada uma pelo preço único de 4.500 reis.

A um recurso de Miguel Ferreira de Araújo Soares para o Conselho de Distrito objectava a municipalidade, justificando a deliberação tomada (15):

«Foi esta modificação feita em virtude dum requerimento e muitas reclamações dos interessados que foram presentes à Câmara, nas quais se evidenciava a injustiça de fixar uma única taxa para todos os estabelecimentos.

A Câmara convenceu-se que efectivamente existia desigualdade relativa na primeira postura e resolveu a modificação, buscando a única base possível, que era a das portas ou janelas, à semelhança do que se adoptou no abarracamento, em que também a taxa de licença é regulada pelo número de lanços que mede cada barraca. A não estabelecer esta base a Câmara ainda hoje está convencida que não é possível achar outra mais aceitável, sendo de muito pouca importância para o caso, a circunstância que se alega do maior ou menor fundo dos estabelecimentos, porque o que deve atender-se é ao maior ou menor número de compradores que eles comportam (especioso, não é?, este argumento que despreza a extensão de uma das dimensões para o cômputo da lotação de um recinto!), sendo também esta a base que é igualmente adoptada para estes casos, em toda a parte, e até nos países estrangeiros (oh! a viajada e ilustrada vereação!) onde existem impostos semelhantes. Vexame não pode razoavelmente admitir-se que haja em obrigar-se à licença os estabelecimentos que durante a feira preferem as casas particulares ao abarracamento. Haveria, ao contrário, grave injustiça em isentar estes de qualquer imposto, sujeitando unicamente ao pagamento dos lanços os que armam na feira, em barracas, e das quais o município, / 298 / desde muitos anos, percebe uma das avultadas verbas das suas receitas.»

Com vexame ou sem ele, com maior ou menor relutância dos interessados, a medida entrou em vigor. E a feira continuou a singrar, sem sintomas de decrepitude na sua crescente longevidade, antes com tendências de remoçado vigor e expansão.

O incremento tomado nesse período impôs uma nova actualização do regulamento. Tomou essa iniciativa o vice-presidente do município, dr. Elias Fernandes Pereira − professor que por muitos traços de um marcado e singular temperamento ficou gravado na memória de sucessivas gerações de estudantes do liceu e que na sua passagem pelas cadeiras da vereação deixou assinalada uma inteligência preclara, quer, para não citar outros exemplos, revendo e modernizando as posturas, quer criando uma escola industrial, embora de efémera duração, ou, antecipando-se a ulteriores empreendimentos de idêntica natureza, estabelecendo pensões para os bombeiros voluntários, temporária ou permanentemente incapacitados para o trabalho, em acidentes ocasionados na sua humanitária missão. Em 1887, exactamente a 2 de Junho, propôs à atenção da Câmara, a necessidade de, dada a confusão e caos em que se encontrava «a legislação municipal a respeito do importante mercado anual, denominado Feira de Março, se regulamentar com a conveniente meticulosidade o referido mercado, reunindo num só corpo de doutrina tudo o que deva adoptar-se a tal respeito». Por essa sua proposta foram aprovadas as posturas que, para esse fim, cuidadosa e sistematizadamente elaborara.

No extenso diploma, que compreende 42 artigos e 5 tabelas anexas, pela primeira vez se fixam expressamente datas e prazos e se atribuem distintas designações às duas feiras, que desde início coexistiam ou, pelo menos, vinham sendo englobadas numa única denominação. «A feira que anualmente tem lugar na cidade de Aveiro, conhecida pela denominação de «Feira de Março» − estipulava o minudente regulamento − compreende dois períodos: um que vai de 13 a 19 de Março, e outro que, começando a 25 desse mês, não poderá estender-se além do dia 8 de Abril seguinte. O primeiro daqueles dois períodos tem o nome de «Feira de S. José», e o segundo é conhecido pelo nome de «Feira de Nossa Senhora de Março».

Define cada um dos dois mercados parcelares e determina com rigor os locais que lhes são destinados. O primeiro abrangia, na freguesia da Glória, todo o terreno compreendido entre o cais e as casas fronteiras, desde a ponte da Praça à ponte da Dobadoura, com excepção da parte macadamizada / 299 / da estrada, e ainda a rua das Barcas, até à travessa do mesmo nome; e, na freguesia da Vera Cruz, toda a área da praça do Comércio, bem como do terreno que se achava entre o cais e as casas fronteiras, até ao largo do Rossio, a intestar no bairro João Afonso, ficando contudo exceptuada uma faixa de terreno adjacente às mesmas casas, suficiente para o cruzamento de dois carros.

A Feira de Nossa Senhora de Março ficava reservada a área da freguesia da Vera Cruz delimitada para a Feira de S. José. Por este facto se infere, com evidente nitidez, a amplitude e importância que esta última atingiu nessa época, e não pode deixar de impressionar que, mercê das serrações mecânicas e outras facilidades da técnica moderna, ela quase de todo tenha perdido a função e se restrinja à ocupação de meia largura da entrada da rua das Barcas − hoje com o nome do abnegado «lobo do mar» José Rabumba, o heróico «Aveiro» − e apenas ao dia 19.

Repetidas vezes, sempre afinal que o dia 25 de Março coincidia com Quinta ou Sexta-feira Santas, o município, a solicitação dos feirantes, adiara a abertura da feira − em geral para o domingo de Páscoa, mas algumas vezes para data posterior, pois chegou, por exemplo em 1875, a inaugurar-se em 5 de Abril. Com as novas posturas ficou este assunto por uma vez regulado, ficando previsto o adiamento da inauguração sempre para o dia de Páscoa e a consequente prorrogação da data do encerramento, nessa hipótese transferido para o segundo domingo seguinte. Não se prevenia apenas algum fortuito caso de força maior. E já, senão noutros, uma vez surgira, no ano de 1886, em consequência «das muitas chuvas e continuadas tempestades que tem havido e cheias no Rossio». O arrematante do abarracamento viu-se dessa feita impossibilitado de concluir os seus trabalhos na data convencionada e só no dia 1 de Abril pôde iniciar-se o popular mercado, Casos desses, então como hoje, constituíam uma raridade. Não valia a pena considerá-los e por si mesmos representavam uma imperativa necessidade de adiamento.

Não nos alongaremos com a escusada citação de pormenores do longo regulamento, apesar de por ele ainda hoje se reger, nas linhas gerais, o velho mercado. Não deixaremos, porém, de apontar que fixa para o primeiro dia da Feira de Nossa Senhora de Março a data, ainda hoje mantida, para a venda de barcos e bateiras, para cujas taxas de licença conservou as importâncias de 200 e 100 reis, determinando para o local da venda «a parte da ria que se estende das Pirâmides e malhada dos Santos Mártires até à extremidade da ria, no Cojo e malhada da Fonte Nova». Nos dois dias anteriores nenhuma embarcação poderia entrar nos canais abrangidos / 300 / no quadro acima delimitado, sem o prévio pagamento da taxa de licença, salvo os saleiros que reconhecidamente o escolhessem para simples ancoradouro.

Os preços, embora actualizados, não sofreram agravamento considerável, mas mencionam-se artigos que não apareciam nos regulamentos anteriores, tais como carrinhos para conduzir crianças, canastras burriqueiras, objectos de cristofle, etc. A taxa de cada lanço de barraca oscilava entre 1.300 reis para picheleiros, violeiros, chapeleiros, correeiros, 6sapateiros, tamanqueiros e caldeireiros, e 1.800 para os negociantes de panos, subindo já a 1.700 reis para as quinquilharias, estampas ou livros, rouparia branca e bordados, ourives e relojoeiros. Os vendedores que ocupavam terreno não abarracado beneficiavam de uma tabela mais baixa, com um máximo de 1.000 reis por metro quadrado para «dentistas, vendedores de águas medicinais ou de toucador, com ou sem folhetos de receituário». A imposturice dos exploradores da ingenuidade popular, mascarada com enganadora verborreia e arteiras pantominas, e a concorrência ao afreguesado Pamporrilhas, o tira-dentes local de mais confiança, pagavam a deslavada charlatanaria com o tributo mais oneroso.

Entre os vendedores ambulantes estão referidos «os de bazares, rifas ou jogos em que haja de sair à sorte um objecto de pouco valor, tal como copo, garrafa, boneco e em geral objecto de valor inferior a 120 reis» − os percursores das tômbolas com jogos de panelas e das colchas, dos últimos anos − e «os expositores de cosmoramas ou de quaisquer outras máquinas ou aparelhos chamados de vistas». Para «taberna, botequim, casa de pasto ou de espectáculos públicos, já com simples exposição de figuras, ou animais de qualquer ordem, já com representação dramática, já com cavalinhos, fantoches, pim-pam-pum, etc.», a taxa era de 60 reis o metro quadrado, tendo as barracas as dimensões consideradas necessárias. Pode afirmar-se que nenhuma particularidade escapava. Tudo estava devidamente previsto e localizado e tinha uma taxa determinada, quer fossem artigos para venda quer diversões. A mera leitura do regulamento proporcionava uma descrição da feira, com a aridez de uma enumeração, mas bastante esclarecedora.

Durante os seguintes quarenta anos, embora com crescentes sintomas de decadência, o importante mercado anual nem na sua função nem no seu aspecto sofreu alterações de vulto. A demolição da capela de S. João, em 1912, permitiu o estabelecimento de mais uma rua de barracas. Os restantes abarracamentos continuavam a estender-se numa fila mais longa pela rua do Cais até próximo da praça do Comércio e, no «campo largo» − para utilizarmos uma expressão usada outrora − alinhavam-se por vários arruamentos paralelos as / 301 / diversas especialidades. Na área correspondente à antiga marinha Rossia, então como hoje, ficava o recinto destinado aos divertimentos.

Nos princípios do novo século dispôs a feira de um motivo de excepcional interesse e sensação para a gente de Aveiro. Anos sucessivos trouxe-lhe a sua participação a cpmpanhia Dalot, um conjunto teatral de apreciável qualidade que contagiou nos entusiasmos pela arte dramática a generalidade da população e cuja memória ainda perdura em saudosas evocações, servindo aos que dobraram o meio século como prova eloquente para o elogio dos seus tempos moços e o detrimento das ulteriores gerações. Permanecia a aplaudida companhia, instalada no Rossio, aos três meses em cada ano, com êxitos sucessivos, com enchentes Ininterruptas, exibindo um reportório variado, em que alternavam as mágicas com as comédias, as tragédias com as operetas, os dramas com as revistas do ano.

Os artistas popularizaram-se, tornaram-se figuras familiares na terra, e as peças, repostas com indecrescido agrado ano após ano, conheciam-se quase de cor. Alguns espectadores atrever-se-iam a pontar sem auxílio do texto a «Porteira da Fábrica», «Os dois garotos» ou «As duas órfãs» e poderiam contar-se aqueles que antes das cenas de culminante sentimentalismo não houvessem já sacado o lenço, da algibeira para enxugar as irreprimíveis lágrimas doloridas. Com o ouvido musical peculiar aos aveirenses, representaria uma excepção quem não reproduzisse, da entrada à última nota, a partitura dos «Sinos de Corneville», da «Maseotte», do «Processo do Rasga» ou do «Moleiro de Alcalá». E se alguma contrariedade da última hora impedisse o contra-regra de desempenhar a sua missão coordenadora, remover-se-ia a dificuldade sem embaraço de maior, pois entre os amadores mais assíduos não deixaria de aparecer algum que, com infalível exactidão, se encarregasse mesmo de dirigir e concatenar a movimentação sumamente intrincada de algumas mágicas espectaculosas, como o «Castelo de Fogo», a «Pera de Satanás» ou «O Raminho de Oiro».

Recordam-se ainda os artistas nos seus tiques pessoais, nos pequenos incidentes das suas relações particulares, no seu aspecto físico e nas extravagâncias destituídas de preconceitos, nas intimidades mal acobertadas e nas intrigazinhas nascidas da emulação de camaradas. A pacatez fastienta de um burgo onde todos eram vizinhos e quase procediam por comum modelo, e o picante do fortuito escândalo rareava, deparava com fácil alimento para o anseio pela novidadezinha borbulhante e variado conduto para a mordacidade do comentário. Ficaram na tradição o actor Domingos − actor, cenógrafo; algumas vezes autor da revista do ano, sucessor do / 302 / velho Dalot na direcção da «troupe»−; o Santos e a Lola, sua mulher e «partenaire» − pais de Ricardo Santos Carvalho, então estreante em episódicos papéis de criança −; José Vítor e seu irmão Henrique Tainha, que, além de comediante, substituiria o maestro Simaria na regência da orquestra − e pai de Ausenda de Oliveira, futura estrela de opereta a tentar os primeiros passos de uma brilhante carreira −; a bela Maricotas e o seu aventuroso rapto; o Joaquim Tainha, que viria a acabar os seus dias, apagadamente, em Aveiro.

Em 1910, o abarracamento da feira de Março, à esquerda; e a Feira de S. José, à direita.

Nunca tão forte e tão largo vibrou o gosto pelos espectáculos teatrais na população da cidade e nunca também a Caixa Económica de Aveiro contou com clientela mais numerosa e
dissipadora na sua secção prestamista. Entre as classes populares penhorava-se o supérfluo e o necessário para não faltar ao Dalot, numa febre alta, num inconsiderado delírio que acabou por perturbar a economia de muitos lares de morigerados hábitos, onde, até aí, os gastos haviam sido rigorosamente condicionados aos parcos ganhos. A feira, passado este acontecimento mais saliente e de mais funda repercussão no calmo ambiente local, que nem o famoso Circo Olímpico, de Avrilon, lograra abalar com tamanha intensidade, regressou ao seu ritmo normal, e uma ou outra nova atracção, mal satisfeita a curiosidade dos primeiros dias, decaia a curto trecho no nível da banalidade conhecida.

Em 1910, três semanas após a implantação da República, vários cidadãos − nesse período de ardoroso e ingénuo idealismo as preocupações igualitárias impunham que, expressamente, / 303 /  assim se designassem todas as pessoas mencionadas nas actas das sessões camarárias − ou mais exactamente, «vários cidadãos concorrentes à Feira de Março» requereram à edilidade que a feira passasse a abrir no dia 19 e terminasse no primeiro domingo de Abril. A Câmara anuiu, voltando, segundo o que nos julgamos habilitado a concluir, à data, dos primeiros tempos, mas, logo no ano imediato, reconheceu os inconvenientes da alteração, e revogou a deliberação tomada (16), ainda a feira estava no começo. A primitiva tradição extinguira-se, enquanto outra se inveterava nos hábitos de algumas gerações. As intenções da primeira vereação republicana, talvez com pretensões de inovação mas afinal caídas na mera ressurreição de um costume mais remoto ainda, malograram-se, e o dia 25 continuou a vigorar para a inauguração.

E depois foi a feira da minha infância − a feira dos meus encantos e da minha saudade. Lá namorei, com extasiados olhos cobiçosos, o triciclo com que um dia corresponderam à mais exigente das minhas aspirações e me proporcionou alguns momentos de pleno triunfo nos torcicolos audazes que, incitado pelo aplauso carinhoso do dr. Joaquim de Melo Freitas ou de algum outro respeitável cavalheiro habitué da Arcada, descrevia em torno dos canteiros da Praça do Comércio. Lá comprei um desnorteante brinquedo, conhecido pelo esdrúxulo nome de bússola, que foi o meu espanto de muitos dias na sua inconcebível obstinação de apontar irremissivelmente a mesma direcção; e também a espada de lata que me hierarquizou nas eminências do comando de uns tantos garotos traquinas da vizinhança, soldados rasos, com sabres de ripa, da batalhoa desinquieta que causava o desassossego, e o destempero do plácido largo, à sombra da complacência de uns cívicos benignos e bonacheirões. Por lá entretive as minhas irreverentes gaiatices a arremedar o Zé Manhanhas, o das bichas de rabiar e dos toscos berços para bonecas − bercos, anunciava o desafortunado velho na tabuleta de letras desajeitadas − a mais risível caricatura de homem que algum dia o Criador concebeu para albergar a alma de um pobre diabo. Oh! O sádico, o cruel prazer com que assolávamos os irados desmandos do cómico velho, valetudinário e curto de vista, a demandar-lhe a irritação, com capciosa ingenuidade, infindáveis vezes, numa cega-rega sarnenta, sempre a repetir a mesma impertinente e atormentadora pergunta: − Tem bercos?!

E pasmei com o arrojo e as habilidades, para mim inéditas, dos saltimbancos pelintras do exuberante Zé das Mentiras; / 304 / estoirei de riso com as suas facécias grossas. Por uns magros cobres admirei as vistas das grandes capitais europeias, por um óculo... E só não vi o Papa às janelas do Vaticano, também eu, porque Sua Santidade, segunda asse'verava na sua parlapatice especuladora a empresária da barraca... acabara de retirar-se. Aprendi de cor os diálogos fanhosos dos façanhudos «robertos»; mirei em respeito a soberba juba e os caninos afiados, de um sonolento leão enjaulado, o primeiro que os meus olhos miraram em carne e osso e, daí para sempre, o mais impressionante e majestoso. Lembro, com rigor fotográfico, o «Bazar Turco», sei já com quantas maravilhosas bugigangas, de muito dúbio gosto, porventura, para as minhas exigências de agora; o «Bazar dos três vinténs», com uma mole inesgotável de brinquedos para todas as inclinações, ao preço único estipulado, acessível a qualquer, que recobriam longas prate'leiras, mas não saciariam a minha desmesurada ambição.

Fixei, com indelével nitidez o «Silva 5», antonomásia que ganhara, com a reputação da sua marca, cuteleiro que era já um atributo da feira e − sei lá bem! pelos dentes maciços e raros, um bigode obsoleto, um todo de homem voluntarioso e aberto, um jeito de falar destoante da pronúncia de Aveiro − personificou na minha imaginação infantil os veteranos das guerras civis, a que alguma vez ouvira aludir nos serões burgueses da botica do meu, avô Ala. Quantas remeniscências inesquecíveis! O infalível oculista que experimentava o alcance da vista dos clientes fiéis no circunspecto «Comércio do Porto»; a tranquila mulher das flores de papel, tão garridas e tão frescas, tão ornamentais no enfeite dos oratórios modestos, e tão pretendidas, que se esgotavam inevitavelmente antes do encerramento da feira. Os grandes
tachos de cobre reluzente; os queijos da serra sobre os listrados cobertores de papa; os algibebes com as mirabolantes e eternas artes de provar que um mesmo fato assentaria como uma luva a qualquer pau de virar tripas ou ao mais pantafaçudo latagão; os correeiros de Penafiel; os homens dos barquilhos e dos caramelos; a barraca das feras, com o ramerrão fatigante do realejo e a nauseabunda pestilência que espalhava em torno; uns farroupilhas com coragem de heróis que engoliam espadas e tochas acesas. A feira de Março! Posso considerá-la inútil porque desmereceu em utilidade prática? Não sei eu que outras crianças estão colhendo agora, e receberão amanhã, idênticas impressões, com outros motivos embora, mas tão sedutoras e perduráveis como as da minha infância?

Um ano, em 1919, − oh! decepção! − já as barracas estavam montadas, não houve feira. O tifo exantemático, que estava ceifando centos de vidas na Porto, alarmou as autoridades / 305 / e os rapazes da minha idade, alheios às prudentes razões sanitárias e ignorantes do perigo de que algum feirante poderia tornar-se veículo, foram privados dessa ansiada alegria.

 

 
 

Aspecto nocturno do pórtico-fachada da feira em 1947.

 

Dois anos depois registou-se um acontecimento de grande realce e apreço. Iluminou-se a feira com luz eléctrica, que pela primeira vez aparecia na cidade ao ar livre e para regalo público. Instalou-a graciosamente, montando um pequeno gerador numa das barracas, a Empresa Auto-Metalúrgica, pouco antes fundada pelo tenente Francisco António Soares. A iluminação eléctrica da cidade só se inauguraria cerca de meio ano depois. / 306 /

A partir de 1936, graças à arejada iniciativa de Carlos Aleluia e â coadjuvação que dedicadamente lhe prestou o chefe da secretaria municipal, Cipriano Neto, a câmara do Dr. Lourenço Peixinho transformou a feira, que então apresentava alarmantes sinais de senilidade, imprimindo-lhe um ar mais civilizado, moldando-a numa fisionomia mais consentânea com a época e com a função que hoje lhe está mais indicada. Evolucionou na disposição topográfica, formando um recinto praticamente fechado, com um pórtico-fachada de amplas proporções voltado ao centro da cidade. Instalou serviços de informações turísticas e de propaganda sonora, com altos-falantes potentes − excessivamente potentes, por vezes − a entremear música gravada com reclamos comerciais; abriu um pavilhão de «chá». Encheu-se de luzes, renovou uma grande parcela do abarracamento, dispôs de alguns «stands» para exposição de produtos da indústria distrital, proporcionou festivais de diversa natureza. Reanimou-se e chamou nova e maior afluência de forasteiros, tornando-se um vivo cartaz das actividades regionais e do turismo local.

E, naturalmente, para em todos os aspectos ficar actualizada, subiram também as tabelas do abarracamento. O novo está hoje taxado em 130$00 o lanço, e o antigo, comprado naquela ocasião aos arrematantes dos quinze anos anteriores, Domingos João dos Reis e seu filho Artur dos Reis, e relegado às ruas mais escusas, em 110$00. Por seu turno, para as tendas e barracas de diversões foi estabelecida a taxa genérica de 1800 por metro quadrado. Produz, assim, a feira uma receita próxima de trinta contos. Como está longe este rendimento dos 107.950 reis de 1854! E, todavia, como está longe também de constituir «o primeiro interesse da Câmara», conforme o classificava a vereação de 1834! Regulará agora pela centésima parte apenas dos réditos da municipalidade, e é, em certos anos, totalmente investido nas despesas com a própria feira.

O famoso mercado fora uma necessidade para a população da cidade e seu alfoz, e a sua organização visara o fim utilitário de ocorrer a toda a sorte de precisões e aos gostos dispares dos frequentadores. Deixando de corresponder a essa necessidade, houve de modernizar-se para não se extinguir por carência de função. Instituído com o propósito de uma simples feira para comércio de utilidades, para tirar proveito dos hodiernos hábitos e facilidades de comunicação e conquistar a atenção dos estranhos, teve de acrescentar, paralelamente, o aspecto de certame e centro de atracções. Tornou-se, por conseguinte, um pretexto para visitar Aveiro. Não que cessassem as transacções dos artigos tradicionais. O negócio continua a ser compensador e a atestá-lo está o / 307 / facto de os feirantes não desanimarem nem desertarem. Comprar, porém, para os forasteiros de mais longe, cifra-se num mero acidente de jornada ou numa enganadora justificação para sair de casa. O que principalmente importa é participar no bulício do compacto aglomerado de numerosas e diversas gentes, não desperdiçar os ensejos de distracção, mudar de ambiente nos dias santos ou nos fins de semana, vir de longada à capital do distrito ou à cidade da ria celebrada.

A feira, popular, alacre e movimentada, é, sobretudo, da gente nova, suscitada pela tentação dos divertimentos, e é uma parada de belezas femininas nos dias de mais intensa animação. Por isso não interessa somente à gente das redondezas, mas chama visitantes longínquos. Se o tempo incerto da quadra não decorre com feição de carrancudo empecilho, o Rossio é o centro de reunião obrigatório durante quase o mês de duração do longevo mercado − de 25 de Março a 15 de Abril se prolonga, segundo a colectânea de posturas municipais de 1945, e pode exceder esse prazo quando a Câmara o julgue conveniente. Em nenhuma época do ano se passeia tanto em Aveiro, nem tanto se estreita a convivência. Há uma comunicabilidade mais espontânea, uma trégua nos resistentes hábitos provincianos de retraimento, e um primaveril bafejo de optimismo traz à rua as recatadas famílias .aveirenses, para uma vida social mais desempoeirada.

O sugestivo carácter de feira-exposição introduzido há uma década e que presentemente, passadas as dificuldades resultantes da última guerra, a vereação presidida pelo dr. Álvaro Sampaio está em animadoras vias de restaurar, fez remoçar e revigorar a secular «feira de Março». Se esse carácter se fixar, como tudo aconselha e permite crer, e se com ele se conjugarem empreendimentos de extensa projecção como o do memorável cortejo folclórico de 1939 − uma audaciosa aventura que o espírito multifacetado do dr. Alberto Souto concebeu, efectivou e pôde impor como a mais bela parada etnográfica até hoje realizada em terras de província − ela prosseguirá, certamente, sobrevivendo a novas gerações, semeando saudades, apertando elos de dedicação bairrista, contribuindo para intensificar e enriquecer a vida de Aveiro. E porventura topará pena menos rombuda e frouxa para alinhar os novos elementos relevantes e os contar a leitores mais afortunados.

EDUARDO CERQUEIRA

_________________________________________

(1)MARQUES GOMES, in Memórias de Aveiro, pág. 84, e O Distrito de Aveiro, pág. 112, e na sua esteira outros autores mencionam com a data de 1430 o privilégio citado. Deve haver confusão, pois D. Duarte começou a reinar em 15-8-1433.

(2)A Senhora Doutora D. VIRGÍNIA RAU, nos seus Subsídios para o estudo das Feiras Medievais Portuguesas, obra muito completa e prestimosa, dá noticia de que o Infante D. Pedro foi autorizado por seu pai, D. João I, a fazer uma feira franca anual na sua vila de Montemor, em 1426, obtendo idêntica concessão de D. Duarte para a vila de Penela (1433). Seria também a feira de Aveiro mercê de D. João I ou de D. Duarte ao infante, e a rogo dele criada? Fica a pergunta em suspenso, aguardando investigações ulteriores. 

(3) − ROCHA E CUNHA, Relance da História Económica de Aveiro, pág. 16.

(4)Crónica do Mosteiro de Jesus, de Aveiro, e Memorial da lnfanta Santa Joana, pág. 107 da leitura de ROCHA MADAHIL.

(5)ROCHA E CUNHA, ob. cit., pag. 17.  

(6)Livro dos Termos de Vereação da Câmara, de 1727 a 1730, fi. 168 v.

(7)Livro de Termos citado, fl. 105.

(8)Termo de Vereação de 30-3-1816. 

(9) Termo de Vereação, de 7-3-1829.  

(10)Termo de Vereação, de 12-X1-1834.

(11)Auto de vereação de 3-2-1836.

(12)Uma das «Posturas para regular a polícia e bom regimen da Cidade e Concelho de Aveiro», de 13 de Maio de 1843, aprovadas por acórdão do Conselho de Distrito n.º 472, de 11-1-1844, era, com efeito, redigida nos seguintes termos: «He prohibido nos Domingos e dias Santos, carregar nos barcos, ou descarregar d'elles quaesquer generos, ou mercadorias sob pena de 1.200 reis.».

(13)Sessão de 5-1-1866.

(14)Sessão de 5-12-1878.

(15)Acta da sessão de 9-3-1880.

(16)Sessão camarária de 23-3-1911.  

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