TERMOS usados nesta
região pela gente do povo. É provável que alguns destes termos, embora incluídos em dicionários, tenham
um sentido diferente em outras regiões do país, e muitos não serão
conhecidos fora
das terras de Vouga, como também não são de uso em todas as localidades
da região.
Turgalho − diz-se de mulher desmazelada, suja ou rota, mal amanhada,
porca de língua. «O estafermo da mulher é
mesmo um turgalho»...
Estonado − estragado ou furtado
− emprega-se quando estragam ou furtam
espigas de milho, de arroz, ou de outro cereal. «Já me estonaram no
campo um rôr de espigas de milho».
Retanchar − quando o bacelo da vinha plantado, não vinga
e se substitui por outro.
Murraça − moliço e plantas aquáticas que apanhadas e carreadas para os campos servem de adubo para as sementeiras.
Escaço − sardinha, caranguejo e outros mariscos já apodrecidos que, em quantidade, servem para adubar os terrenos.
Gabela de lenha
− rachar um pouco de lenha, um braçado
de lenha. «Racha-me uma gabela de lenha depressa» . . .
Bagaço − o que sobra dos cachos das uvas depois de pisados;
os cardaços, a grainha e a pele dos bagos.
Cardaço − a parte do cacho onde estão presos os bagos das
uvas.
Grainha ou Baganha
− as sementes que se encontram nos bagos das uvas. «O
Joaquim que ponha a grainha a secar na eira» − Esta grainha serve depois
para alimento de animais caseiros.
/
265 /
Escapelar − separar as espigas de milho das palhas que as envolvem, e
que em outras partes do país se diz «descamisar» ou «desfolhadas» − «Rapazes, logo à noite toca a escapelar o
milho».
Esparrar − tirar a parra ou folhas da vinha para melhor o
sol amadurecer as uvas.
Carolos − comida que se usa cozinhar pelo Entrudo, com milho descascado
e partido (cangica) temperado com açúcar e pés de porco à mistura, tudo cozinhado em
conjunto.
Fleima −
aguardente inferior.
«Gaita» −
eufemismo − substituição de palavra feia: «que
grande gaita»!
Lagariça − quadrada ou redonda, construída de madeira,
coloca-se no carro das vacas pelo tempo das vindimas
para transportar as uvas ao lagar.
Amanhar a vinha
− substituir a madeira velha por outra nova, atá-la com
vimes aos corrimões ou latadas, abaixar as vides, tudo feito de maneira
a que a vinha aguente com o fruto da próxima colheita.
Serteleiro − ir à sertela... um
pau com minhocas enfiadas numa linha e
atadas à guisa de novelo numa das extremidades do pau, para pescar
enguias. «O Daniel que
vá às minhocas para os serteleiros e que tenha a bateira pronta prá
sertela, logo à noite».
Françar pinheiros
− «àmanhã vai-se françar o pinhal novo»; tirar os
ramos de baixo, deixando a crista, para melhor crescerem.
Engaboado − homem metido num gabão. «Na malhadela do ti António
apareceram dois engaboados». Quando se malha o milho, o trigo ou outro
cereal.
Bacorinho − leitão pequeno, de pouca idade.
Leitoa − porca. «Vou mandar
c~apar a leitôa pelo mestre
alveitar».
Sarrabulho − sangue, fígado e outros miúdos dos porcos, cortados aos pedacinhos e que, depois de tudo cozido
e bem estrugido, com temperos adequados, é um excelente petisco.
Rijões
(rojões) − nessa região diz-se rijões; carne do lombo, da
teixuga e outra, dos porcos, cortada aos pedaços e fritos
depois no lume farto da lareira em tachos de cobre, sempre mexidos até chegarem ao ponto de estarem rijões. Mexem-se com um
mexedor de pau, de rabo comprido, e cheiram que rescendem. Esplêndidos!
Entaloados − rijões entaloados ou carne entaloada... que
não fica bem frita ou bem assada − a meio ponto.
Rejoar ou
Rijoar − «logo à noite vou rijoar» − «vou a uma
rijoada» − é ir comer rijões, com pessoas amigas.
/
266 /
Murcelas −
enchidos de fumeiro preparados com sangue dos porcos, farinha, alho e
bocados de toucinho. O preparo e o paladar são diferentes dos das
chouriças.
Desobriga − ir à desobriga é ir pela Quaresma confessar-se ao Sr. Prior,
para disso ficar desobrigado. «Tu já foste
à desobriga, Ó rapariga?. .» − «pensa na tua alminha»...
Bostoreira − insulto dirigido a mulher porca e ordinária.
Lambança − barulho que incomoda, falatório, zaragata, indiscrição, muita palra.
Palra − muita conversa
− gente que gosta de conversar.
Badalhoco ou
badalhoca − diz-se de homem ou mulher desmazelados, sujos, que se abandonam à porcaria. «O raio da mulher é mesmo
uma badalhoca).
Mantear a terra
− cavar fundo, às mantas, via de regra, para plantar bacelos de vinha. «(Quero a terra bem manteada».
Adibal − corda grande e forte com que o lavrador amarra e
segura no carro tudo que de utilidade transporta para casa. A corda maior dos seus serviços de lavoura.
Chavelha e
chavelhão − são dois pedaços de madeira que
ajudam a segurar a canga das vacas ao cabeçalho do
carro.
Cofinhos − feitos de arame ou de vime servem para se aplicar aos focinhos das vacas ou bois, evitando-se assim
que comam o que o lavrador não deseja.
Esturlicar − dar estalidos com os dedos, via de regra a
dançar.
Sebes − construídas de vimes grossos e adaptadas ao carro
servem para o lavrador transportar o que lhe é necessário. Pronuncia-se
no plural.
Fueiros − paus
maiores ou menores que, adaptados também
ao carro do lavrador, em vez das sebes, tem a sua utilidade, para maiores carradas e conforme o género do
carregamento.
Leitoada − uma leitoada; jantarada ou merendola que mete
leitão assado à moda da região − assado no forno. «Aquilo
é que foi uma leitoada»!
Varejar a azeitona
− ir com uma vara e deitar abaixo a azeitona das oliveiras, que deve cair em cima das cobertas
que de antemão se estenderam debaixo destas árvores.
Apanhar agulhas
− juntar a caruma ou folhas secas dos
pinheiros, caídas no solo do pinhal. «Ó Maria, é preciso ir às agulhas.
e leva os ancinhos».
Mondar − arrancar alguns pés das plantas ou árvores semeadas para a sementeira ficar mais rala e crescer melhor.
Engaço − é um objecto de ferro com três grandes dentes,
com um buraco ao alto onde se enfia um cabo de madeira − objecto que é muito útil para os serviços da agricultura.
/
267 /
Engacêta − com mais dentes que o engaço, presta-se a outros
serviços.
Cincho − grade de madeira com arcos de ferro, que se coloca
no lagar do vinho em volta do bagaço e sob a prensa,
para bem espremer todo o vinho do bagaço.
Lavanco − pato bravo.
Cerifôlho − um pássaro verde-claro, pequenino.
Pinta-cardeira
− chama o
povo ao pintassilgo; de linda plumagem.
Paspalhão − também chamam em algumas terras à codorniz.
Arbela − à alvéloa saltitante chamam arbela.
Pardal Mourisco
− chamam em algumas localidades ao verdelhão, pássaro verde.
Cóninha ou
Gaivina − gaivota pequena.
Nassa − nasso ou
naço − por esta região pronunciam nassa e nasso.
Artefacto de vimes, de forma cónica, que serve para pescar; e, menores,
servem para colocar à bica dos lagares ao deitar o vinho abaixo,
evitando assim, como coadores, que passe folhido e grainha.
Escoado − É o prato preferido para a ceia dos habitantes desta região, e
muito saudável; em alguns lares até lhe chamam o 365, mesmo que o ano
seja bissexto. Compõe-se de hortaliça cozida com batatas, bacalhau e sardinhas, e tudo
tirado da panela para uma travessa, escoa-se a água que veio com a
verdura, temperando-se com azeite, vinagre, e um «dentinho» de alho,
para cheirar e dar paladar.
Tânas − Ora tânas! Ora bolas!
É um desabafo que substitui um termo mais feio − eufemismo.
Diachos te comam ou
raios te comam também são desabafos que equivalem a diabos te levem e a outras expressões
similares. Também eufemismos.
Anda lá que eu coso-te ou
anda lá que eu trabalho-te; vai-te coser ou
vai-te trabalhar são expressões que
nesta região equivalem a termos feios − obscenos.
Esfervêlho − diz-se de pessoa irrequieta que incomoda outros.
Lambisgoia − rapariga esperta de língua, espevitada e indiscreta. «O estafermo da rapariga é mesmo uma lambisgoia».
Delambida − rapariga humilde, vestida e penteada de maneira
a querer parecer alguém, mas mal apresentada... a lembrar gatinhos
lambidos pelas mães, «Ora a delambida».
Paspalho − o
mesmo que paspalhão.
Metediço ou
metediça − intrometido, que mete o nariz
em
tudo, bisbilhoteiro, intruso.
Broaça − criatura grosseira,
Estafermo − pessoa que nos incomoda.
Mijarrela − coisa fraca.
/ 268 /
Atazanar − aborrecer, importunar. «Andas-me a atazanar
os miolos».
Vira-casaca − homem que muda de ideias com
facilidade
em politica.
Cara de feijão frade
− homem ou mulher de duas caras,
falsos.
Chibo e Chiba
− O bode e a cabra; chibinho, o cabrito.
Tição − pau meio queimado, de duas caras, ou insulto a
alguém. «És um tição homem, é o que tu és».
Espantalho − boneco para enxotar pardais, mas que também
se emprega como insulto, e esta é a razão de aqui o enfeixarmos.
Caraças − imprecação dita em substituição a palavra obscena
− também eufemismo.
Tinhôso, canhôto, demónio, diacho, dianho, barbas de
chibo, mafarrico,
inimigo, enredador, estafermo, alma danada, porco sujo, coisa má,
desinquietador das almas, «ele» que anda a meter o rabo... tudo isto
são expressões que por esta região servem para designar Sua excelência o
Diabo.
«Cruzes, canhôto! T'arrenego, porco sujo! T'esconjuro, alma danada!
Tinhoso! Desinquietador das almas! Vai pr'ós cafundós do inferno.
Valha-me a Mãe Santíssima e todos os santos da corte do céu. Ora uma
destas! Credo, abrenúncio! O Senhor dos Passos me acuda! Seja tudo pelas
cinco chagas de Cristo! Ave-Maria e Salve-rainha!
− Ó mulher, benze-te três vezes com á canhota e
faz o responso, que talvez a galinha apareça...
− Ai, ai, urna destas! Pois se ela ainda ontem à
noite estava no chôco, ti Ana, que bem na vi eu, com estes olhos, quando lhe fui deitar água no caco pra não
me dar cabo dos ovos... e assim mesmo já me comeu
dois, o grande estafermo!...
− Faz o responso, mulher, faz o responso, que há-de
aparecer... (insistia a ti Ana).
− Sume-te, coisa má! Ora uma destas!... Ninguém diga que está bem...
Mas aonde se teria metido a galinha»?
É esta a linguagem vulgar das mulheres desta região
quando esgrimem contra o Príncipe das Trevas, que a tradição
convencionou chamar-se Diabo, Senhor do Inferno, que define um princípio
− o Mal.
LAUDELINO DE MIRANDA MELO |