F. Ferreira Neves, Uma expedição marítima inglesa no porto de Aveiro em 1809, Vol. IX, pp. 283-285.

UMA EXPEDIÇÃO MARÍTIMA INGLESA NO

PORTO DE AVEIRO EM 1809

PUBLlCOU o sr. Coronel BELISÁRIO PIMENTA no volume VII do Arquivo do Distrito de Aveiro, págs. 161 e seguintes, uma Memória sobre a nova Barra de Aveiro aberta em 3 de Abril de 1808, da autoria do oficial da Marinha de Guerra, ISIDORO FRANCISCO GUIMARÃES, e escrita em 23 de Junho de 1809. Nesta «memória» este oficial descreve o estado da barra, e elogia as obras para a sua abertura, planeadas por REINALDO OUDINOT e seu genro LUÍS GOMES DE CARVALHO, e executadas por este.

O que determinou ISIDORO GUIMARÃES a escrever tal memória foi a sua vinda a Aveiro para dirigir a entrada no porto desta cidade de um comboio de navios britânicos com tropas destinadas a expulsar os franceses que tinham invadido Portugal em 1809. Eis como ele descreve a entrada dos navios no porto (em 13 de Maio deste ano): «confiado nas m.as observaçoens me resolvi tentar a entrada dos 40 Transportes Britanicos, e a conclui dentro de hua hora, sem o prejuizo ainda o mais insignificante; e tendo o comnde do Berg.m de S. M. B. todos os desejos de ser a prim.ra Embarcação de Guerra que entrasse naquelle Porto, me animei a faze-lo, sendo eu m.mo que entrei para dentro delle, trazendo-o ao ancoradoiro».(1).

Parece que ISIDORO GUIMARÃES, melhor que ninguém, nos pode contar os factos com rigor, visto que foi ele quem meteu os navios do comboio no ancoradoiro (S. Jacinto) do porto de Aveiro. Ora ele diz que deu entrada a quarenta navios / 284 / e conseguiu-a dentro de uma hora. Nota o sr. Coronel BELISÁRIO PIMENTA que há divergência no número destes navios no dizer de pessoas que trataram deste assunto.

Apenas uma carta publicada na Gazeta de Lisboa menciona o mesmo número de navios ingleses. Mas esta carta deve ter sido escrita pelo mesmo ISIDORO GUIMARÃES.

Diz, porém, ADOLFO LOUREIRO que o comboio tinha mais de quarenta velas com sete grandes galeras: o sr. Comandante ROCHA E CUNHA diz que o comboio tinha quarenta e oito navios; o sr. dr. ALBERTO SOUTO diz que eram trinta e oito navios de transporte e um brigue de guerra.

Entende o sr. Coronel BELlSÁRIO PIMENTA, em relação a estes vários números de navios, que é provável ser exacto o número quarenta dado por ISIDORO GUIMARÃES.

Nestes termos, parecia resolvido definitivamente a questão do número dos navios.

Não sucede, porém, assim.

Com efeito, num ofício do engenheiro LUÍS GOMES DE CARVALHO, director das obras da Barra, para o ministro da guerra D. Miguel Pereira Forjaz, diz que o total dos navios entrados era quarenta e um. Eis as suas próprias palavras:

«Já V. Ex.ª saberá que no dia 13 de Maio do Aniversário de S. A. entrarão em menos de hora e meia pella Nova Barra de Aveiro 39 navios de transportes lngleses e dous Brigues de Guerra da m.ma Nação, fazendo tudo 41 navios».

Esta notícia é mais desenvolvida do que a da «memória» do oficial da marinha ISIDORO GUIMARÃES. Indica a data da entrada dos navios, o que não sucedia na «memória», diz que a entrada durou menos de uma hora e meia, e descrimina a natureza dos navios: 39 de transporte e 2 brigues de guerra. Parece, pois, que o verdadeiro número de navios entrados foi de quarenta e um.

É de notar agora que LUÍS GOMES DE CARVALHO não assistiu à entrada do comboio, e por isso é por informação de outrem que ele dá a citada notícia ao Príncipe Regente. Encontrava-se em Viseu, onde escreveu o ofício com data de 2 de Junho de 1809, portanto anterior à data da «memória», que é de 23 de Junho deste mesmo ano, e escrita já em Lisboa. LUÍS GOMES tinha chegado a Viseu de regresso da Galiza, onde tinha tomado parte na expulsão do exército francês. O ofício tinha como fim principal mostrar ao ministro da guerra que o estado da nova barra era bom.

Quem teria, então, informado LUÍS GOMES DE CARVALHO, director das obras da barra, do notável acontecimento da entrada da esquadra inglesa no porto de Aveiro? Oficialmente só uma pessoa o poderia ter feito, e esta seria o superintendente das obras da Barra, Luís António Verney. / 285 /

Ora este não se podia nem devia ter enganado na quantidade de navios entrados. A notícia pormenorizada que remeteu ao director das obras assim o prova. Mas também nào se pode admitir engano de ISIDORO GUIMARÃES que dirigiu a entrada dos navios na barra. Julgo, portanto, que a divergência resulta de uma defeituosa redacção da notícia dada por este, o qual naturalmente não incluiu no número dos transportes ingleses o bergantim de S. M. B., no qual ele entrou, e depois conduziu do mar para o ancoradouro de S. Jacinto na ria, um pouco ao norte da barra.

Ficariam assim harmonizadas as informações dadas por ISIDORO GUIMARÃES e LUÍS GOMES DE CARVALHO; os navios seriam, portanto, quarenta e um no total, como diz o director das obras da barra.

Compreende-se também nestas circunstâncias a divergência nas durações da entrada, indicadas por estes. O primeiro diz que fez entrar os quarenta transportes em uma hora; o segundo diz que os quarenta e um navios demoraram quase uma hora e meia para entrarem no ancoradouro. Esta meia hora de diferença corresponderia à entrada isolada do bergantim de S. M. B. depois da qual é que ISIDORO GUIMARÃES veio dirigir a entrada dos quarenta restantes navios, naturalmente com o auxílio do Piloto-mor da barra.

Segue o documento acima referido:

            Ill.mo e Ex.mo Senhor

Tenho a honra de partecipar a V. Ex.ia, que chegando a esta Cidade de volta da Galiza de acossar os Francezes na sua vergonhoza e percipitada fuga, achei a agradavel noticia do melhoramento que a Barra de Aveiro vai fazendo com os trabalhos novos q. neste Inverno e Primavera tenho mandado fazer, sendo entre elles hum Regulador ao Norte do Canal perpendicular ao Dique: Já V. Ex.ia saberá que no dia 13 de Maio do Aniversario de S. A. entrarão em menos de hora e meia pella Nova Barra de Aveiro 39 navios de transportes Inglezes e dous Brigues de Guerra da m.ma Nação, fazendo tudo 41 navios.

V. Ex.ia estimará ouvir estas noticias com tanto mais prazer que esta Obra Concorre a reparar as perdas q. os Vandallos Modernos cauzarão no Norte de Portugal até ás vizinhanças d'Aveiro. Apesar da auzencia q. fasso a Aveiro pode V. Ex.ia estar certo que daqui mesmo lhe presto q.to he possivel fazer de longe, e q. tudo vai muito bem.

Sou com o maior respeito.

                                                  De V. Ex.ia

Ill.mo e Ex.mo Snr. D. Miguel                                   Subdito respeituoso e obediente
             Pereira Forjaz

                                                     Luiz Gomes de Carvalho

             Vizeu, 2 de Junho de 1809.

F. FERREIRA NEVES

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(1) Este ofício existe no Arquivo Histórico Militar de Lisboa, e a sua cópia foi-me gentilmente fornecida, há alguns anos, pelo seu ilustre director Ex.mo Sr. Coronel HENRIQUE FERREIRA LIMA, a quem aqui renovo os meus agradecimentos.

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