QUANDO
das invasões francesas, nesta parte do território
português que hoje constitui o distrito de Aveiro,
deram-se alguns acontecimentos dignos de memória.
A todos sobreleva a batalha do Buçaco e a retirada, célebre, de Massena, com o exército do seu comando,
pelos desfiladeiros de Boialvo e caminhos de Avelãs de Cima
em direcção a Mealhada, Coimbra e Lisboa.
O massacre de Arrifana da Feira e o combate da Branca
(Albergaria-a-Velha) são outros episódios passados entre nós e dignos de menção.
A entrada na barra de Aveiro em 1809 de um comboio
marítimo inglês composto por trinta e oito navios de transporte e um brigue de guerra com mantimentos e munições para o
exército anglo-Iuso que investiu o Porto, é facto pouco conhecido
e pouco falado. Não deixa de ser curioso, porém, tanto mais
que demonstra o magnífico estado da barra após a sua fixação
no sítio actual, pelas obras de Oudinot e Luís Gomes de
Carvalho e a importância dos portos secundários nas lutas militares,
como as do princípio do século passado em que se viu toda a Europa em
armas para abater o poderio de Napoleão.
Wellington que, antes, aproveitara a costa de Lavos, ao sul
da Figueira, para desembarcar o exército que foi bater os franceses na Roliça e no Vimeiro e expulsar Junot de Lisboa, soube
tirar partido do porto de Aveiro, em 1809, para abastecer o exército
que lançou contra o Porto, então na posse do marechal
Soult, e que impeliu este, pela fronteira de Montalegre, para os
confins da Galiza.
/
40 /
MARQUES GOMES, ADOLFO LOUREIRO e outros escritores referiram-se ao facto.
No arquivo da Alfândega, hoje também a bom recato e
patente aos estudiosos, na Biblioteca Municipal, existe, porém,
um interessante registo da carta que o juiz da mesma Alfândega
dirigiu ao Conselho da Real Fazenda sobre o assunto.
Esse registo encontra-se a
fl. 24 do Livro Terceiro de Registos, continuação do livro de receitas dos Portos Secos da
cidade de Aveiro para os anos de 1738, 1739 e 1740 e reza assim:
«Senhor no dia de hontem entrarão nesta Alfandega,
digo entrarão neste Porto de Aveiro trinta e outo Navios
Inglezes de Transportes, escoltados pelo Brigue Port Mahon,
com Viveres e forragens para o Exercito Ingles que por
aqui mesmo se derigio destinado a Restauração do Porto:
A qualidade de destino de huma tal frota exige de nós todo
o benigno acolhimento e bom serviço e prevendo nós que
seria da Intenção e consideração a huns tão dignos Aliados
e Protetores se lhe derão todos os Socorros, sem exezir,
Despachos, Direitos nem outras algumas formalidades do
Regimento; Como porem esta conducta insolita, e não prevenida, não he authorizada, e os meus Superiores
ou ........................
requererão sobre ele declaraçoens Rogo a Vossa Altheza
Real, a graça de me aprovar com sua Detreminação
Aveiro quatorze de Mayo de Mil outocentos e nove.
O Juiz da Alfandega Joze Antonio de Leão».
A este ofício foi dada resposta pela seguinte
Provisão:
«Dom João por Graça de Deos Princepe Regente de
Portugal e dos Algarves daquem e dalem Mar em Africa
e de Guiné etc. Faço saber a vos Juiz da Alfandega da
cidade de Aveiro que sendo me prezente, em Consulta do
Conselho de Minha Fazenda o Vosso Oficio de quatorze
de Mayo do corrente anno a respeito dos trinta e outo
Navios Inglezes de transportes com Viveres e forragens
para o exercito Ingles a quem destes todos os socorros
sem exezir Despachos, Direitos, nem outras algumas formallidades do Regimento: Fui servido por Minha Real
ResolIozão de vinte e seis do corrente mes e anno detreminar que ficacem izentos de Direitos os Viveres e forragens de que se trata; e que por este Conselho se vos
advertice que concedestes izenção contra as Leys pelIo
vosso arbitrio sem dar conta e esperar a resoloção. O que
se vos partecipa para que assim o fiqueis intendendo.
/
41 / O Princepe Nosso Senhor o Mandou pelos Ministros
abaixo assinados do seu Conselho e de sua Real Fazenda
Jose Alberto Lourenço de Andrade o fes em Lisboa aos
vinte e nove de Mayo de mil outocentos e nove. Antonio
Xavier da Gama Lobo o fes escrever. D. João Vellasques
Sarmento. Joaquim Jose de Sousa. Registado a folhas
cento e outenta e sete. Passado por Resoloção de vinte
e seis de Mayo de mil outocentos e nove. E não se continha mais na dita Carta e Provizão do Conselho da Real
Fazenda que bem fielmente registei das próprias a que me
reporto Aveiro outo de Junho de mil outocentos e nove
annos e eu Jose Ignacio Stocler escrivão que escrevi e
assinei
Jose Ignacio Stocler.»
Deve notar-se que, embora passada em nome de D. João,
príncipe regente, a provisão acima transcrita, estando datada
de 29 de Maio de 1809, não podia ter sido ordenada directamente pelo futuro D. João VI, porque nesta data estava
ele
com a família real no Brasil para onde transferira a corte em
frente da primeira invasão.
ALBERTO SOUTO |