MOVIDA
tão somente pelo instinto, procurou a vida animal (e porque não também a vegetal?), desde seu
aparecimento na Terra, libertar-se dos nefastos efeitos do intemperismo, e daí a grande variedade de
actos praticados pelos representantes de suas numerosíssimas
espécies − quer impressionados por fenómenos quase vizinhos, quer por
aqueles que largamente antecedem as mudanças do tempo −, cuja finalidade
se molda na busca de seguro abrigo
onde acolher-se antes que surja o temporal, o nevão ou a
borrasca. Todavia, se ainda assim é com os seres inferiores,
no homem, com o fortalecer da inteligência, o acto instintivo
cedeu caminho às conquistas da observação, tesouro acrescido
ano a ano com os esclarecimentos recolhidos pelas inumeráveis
gerações que passaram no Mundo e hoje concretizados em
modo de expressivos rifões que ao agricultor marcam a melhor
directriz à sua actividade nos amanhos do solo, para maior
produtividade das plantas de seus cuidados, e colheita e guarda
dos respectivos frutos. E à pesquisa de novos sinais que lhe permitam
melhor alicerçar a previsão do tempo, o homem da
terra, sobretudo pelas horas do aparecer e mergulhar do sol, continuamente volve sua atenção.
É certo que a Ciência meteorológica nega
toda a possibilidade da
predição dos fenómenos atmosféricos a largo termo.
De tal parecer não partilha, entretanto, o camponês, que teima
em dar à colheita da observação o valor que a frequência das
realidades impõe. E dia virá, talvez, em que a mesma Ciência
encontrará o fundamento por que alguns daqueles fenómenos,
ocorridos em determinados dias, vêm a repetir-se com certo método
durante definido período.
Como é natural, cada região conta ditados meteorológicos
que são produto das particularidades do seu clima, e com estes
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e os de maior generalização se constituiu, pelo andar dos anos,
o quadro dos mais vulgarizados na respectiva área. Entre os
comuns, por esta aba serrana em que habitamos, mais amiúde se ouvem os seguintes:
Vento que à meia-noite do Natal soprar
em todo o ano no tempo virá a
mandar.
É crença arreigada em muitos lavradores que o vento
fluente à meia-noite do Natal fortemente virá a preponderar na
meteorologia durante o ano que vai suceder-lhe. Assim, se
correr vento do quadrante Sul, é para eles certo que será o ano
chuvoso; e seco e frio, se do quadrante Norte. Com o primeiro,
não haverá grandes geadas, e, por isso mesmo, mal correrá ao
trigo; com o segundo, castigarão estas e podem as vinhas queimar-se, mas àquele cereal ensejarão as melhores possibilidades.
Não admira, em tal maneira, que haja lavrador cuidadoso
que ao passar da referida meia-noite se levante para observar
de que lado fica o vento.
Afigura-se-nos aqui manifesta a influência do solstício decembral, não sendo de menos valiosa consideração a passagem do
estival. E, senão, recordemos um pouco coisas bem recentes:
Bastante choveu pelo S. João do ano transacto e farto foi o ano em milho
de sequeiro, porque a este não faltaram umas chuvazitas de quando em
quando; e o míldio trabalhou à vontade... Pelo Natal também fortemente choveu, seguindo-se-lhe
três dias de nordeste; ora, no decorrer do primeiro semestre
do ano andante, bem pouco mais tivemos que a invernia e o maléfico
soprar daquele. E, com o chuvoso Natal, miserável
colheita de trigo e a fortuna dos fabricantes de sulfato...
Se chover em dia de Santa
Inês,
choverá todo o mês.
Passa o dia desta Santa a 21 de Janeiro, e diz o adágio
que chovendo neste dia, em todos os meses do ano alguma
chuva haverá, sendo, pois, de bom prognóstico para a lavoura.
Ruivas para Viseu,
aviso teu...
Estamos na região da Ribeira do Vouga, e a leste nos
demora a cidade de Viseu. Semelhantes ruivas são, de tal
sorte, mais caracterizadamente vistas ao nascer do sol. Ora,
ruivas matinais fortemente coloridas representam sempre acentuado pronúncia de que a chuva não tardará. Daí, o aviso
que valem para o lavrador e o necessitado de viajar.
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Se vires ruivas para o
mar,
sela o cavalo e põe-te a andar.
Denotam estas ruivas o inverso daquelas. Significam firmeza de tempo,
que ao viandante − pedestre ou cavaleiro − permite fazer caminho sem os
percalços da invernia, e ao
lavrador incute ânimo e tranquilidade espiritual para prosseguir
em sua fama.
Com lua nova trovejada,
trinta dias será molhada.
O povo o acredita, porque, salvas bem poucas excepções, assim acontece.
Na verdade, se troveja pela lua nova, mais ou menos o fenómeno se
repetirá, acompanhado por maior ou menor precipitação pluvial, até que
volte o nosso satélite àquela fase.
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* *
Os ditados a que vimos de referir-nos, raramente se ouvem
como foram grafados, cada pessoa que os repete o fazendo a seu modo,
principalmente quanto ao primeiro. Reunindo partes e excluindo
repetições, parece-nos com fidelidade havermos posto em relevo os
conceitos respectivos.
JOAQUIM SOARES DE SOUSA BAPTISTA
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