I
ESPÉCIE DE PREFÁCIO
POSTO que o meu intento seja dar à nova geração uma ideia
do que era Aveiro no primeiro quartel do século passado, e até ao ano de
1834, e dos muitos "importantes melhoramentos materiais, tanto na cidade
como nos seus subúrbios, efectuados na segunda metade do século passado,
melhoramentos e transformações tais que, se fosse possível vir hoje aqui
alguém que tivesse passado em Aveiro os seus primeiros anos e se
conservasse ausente desde 1820, ou mesmo, desde 1830,"não reconheceria a
cidade do seu tempo, parece-me contudo conveniente e até necessário,
para poder fazer-se a confrontação, começar a dizer algumas coisas sobre
o passado e a dizer depois o que se tem feito até hoje.
Aveiro, 9 de Novembro de 1908.
ADMINISTRAÇÃO ANTIGA, ANTIGAS AUTORIDADES, ETC.
A vila de Aveiro, elevada à categoria de cidade por carta
régia de 25 de Julho de 1759, era cabeça de bispado, como foi até 1882,
sede vacante, de correição e de provedoria. Tinha juiz de fora, que era
presidente da Câmara, pois que no regímen antigo todas as câmaras
municipais eram presididas pelos respectivos juízes, ou estes fossem
territoriais, isto é, eleitos por um ano, dentre as pessoas que
costumavam andar na governança, e destes era o maior número, quer fossem
juízes letrados,
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nomeados pelo governo, chamados vulgarmente juízes de fora, porque não
podiam ser naturais do julgado em que serviam.
Limitadíssima era a área do concelho e julgado na, para
assim dizer, respectiva metrópole, pois que findava pelo norte e poente
na ria, ilhas e marinhas, que ainda hoje pertencem às freguesias da
cidade, excluindo a costa de S. Jacinto, que era pertença da de Ovar,
assim como todo o areal, além da barra, até ao marco de Mira.
Pelo nascente terminava a cidade e concelho ao Carmo,
pois que já o convento de Sá, sobre cujas ruínas está edificado o
quartel militar e todo o lugar daquele nome, até pouco além da capela do
Senhor, das Barrocas, era uma ouvidoria pertencente ao concelho de
Ílhavo. Estendia-se o concelho de Aveiro para sudeste, abrangendo os
lugares da Presa, Quinta do Gato, Vilar, e S. Bernardo, até ao marco
onde começava o concelho de Eixo. Para o sul, findava na Estrada Nova,
um pouco além da Fonte dos Amores, confinando por aí, com o microscópico
concelho de Arada, formado apenas da povoação deste nome, porque os
lugares de Verdemilho, Bom Sucesso, e Quinta do Picado, embora
pertencentes à freguesia de S. Pedro das Aradas, faziam parte do
concelho de Ílhavo.
Mas, se a cidade não tinha, adjunto senão o território
das suas quatro freguesias, o mesmo que hoje pertence às duas da Vera
Cruz e Nossa Senhora da Glória, tinha, no entanto, catorze ouvidorias,
formadas por diversas povoações intercaladas nos diferentes concelhos da
respectiva comarca, constantes da relação que adiante se juntará. Estas
ouvidorias eram as que davam alguma importância ao julgado, pois que
nelas exercia jurisdição o juiz de fora da cidade, e serviam os seis
escrivães do cível e crime, além do que era privativo dos órfãos.
O corregedor exercia jurisdição na comarca, que era
composta de trinta e oito concelhos, advertindo, porém, que a vila de
Mira, por ser pertencente à Casa das Rainhas, gozava do privilégio de
formar por si uma comarca, sendo, porém, o seu corregedor o da comarca
de Aveiro, por não poder, em razão da sua pequenez, manter pessoal
privativo. Eram duas correições e uma só provedoria, pois que o provedor
era-o também de Vila da Feira, tendo esta só corregedor privativo.
A comarca de Aveiro pertencia o concelho de Fermedo,
situado no interior da comarca de Vila da Feira, e a esta, o de Macieira
de Alcoba, encravado na comarca de Aveiro. Também se achavam encravados
na comarca de Aveiro os concelhos de Eixo, Paus (pertencente à freguesia
de Alquerubim), Ois da Ribeira, e Vilarinho do Bairro, concelhos
reunidos para os efeitos da administração judicial, com um juiz de fora
para todos que pertenciam à comarca de Barcelos.
Além destes magistrados, havia o superintendente das
obras da Barra, o dos tabacos, e o da décima. Havia também na cidade
capitania-mor de ordenanças com quatro companhias
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correspondentes às quatro freguesias da cidade, uma em S. João de Loure,
outra em Albergaria-a-Velha, outra em Lamas do Vouga, havendo mais a
anomalia de pertencer à companhia de S. Miguel de Aveiro o lugar da
Taipa, freguesia de Requeixo. Ainda falta declarar, o que adiante se
juntará, a relação de todos os concelhos que formavam as duas comarcas
de Aveiro e Feira, com o nome das respectivas povoações, assim como os
nomes das ouvidorias pertencentes ao julgado e concelho de Aveiro.
Igualmente ainda falta juntar mapas elucidativos desta divisão
territorial que vigorou até 1835. E, pois que temos falado, e
continuamente teremos ainda de falar em comarcas, concelhos e julgados,
com referência aos tempos anteriores a 1834, para esclarecimento de quem
ignorar a diferença que existe entre as antigas e as actuais
circunscrições territoriais com o nome de comarcas, achamos conveniente
dizer o seguinte:
− Pelo antigo regime, estava o reino dividido em
comarcas, que se compunham de diversos concelhos, julgados e ouvidorias.
Cada comarca tinha ordinariamente um corregedor e um provedor,
magistrados, cada um com diversas atribuições judiciais e
administrativas; eram superiores aos juízes dos respectivos concelhos ou
julgados.
Os concelhos tinham regularmente um juiz ou letrado,
denominado juiz de fora, ou leigo, e em alguns destes, dois juízes
leigos que se alternavam no serviço. As varas eram brancas para os
juízes letrados, e vermelhas para os leigos, que eram chamados juízes
ordinários.
Os juízes presidiam às Câmaras municipais. Havia
concelhos reunidos, formando um só julgado, isto é, tendo um só juiz de
fora para todos eles. Havia concelhos pertencentes a uma comarca, com a
qual não confinavam, achando-se intercalados em comarcas diferentes, e
assim, havia também povoações destacadas dos concelhos a que obedeciam,
intercalados em outros: eram as ouvidorias ou vintenas, com um juiz
pedane, de limitadíssima jurisdição. No distrito actual de Aveiro havia,
pois, duas comarcas, a de Aveiro (outrora de Esgueira), e a da Feira,
cada uma com seu corregedor, mas com um só provedor, o de Aveiro, como
dito fica. Eram duas correições e uma só provedoria.
Os juízes julgavam no cível e crime e órfãos; no que
tocava ao cível e crime, eram subordinados ao corregedor; quanto a
órfãos, ao provedor. Todas estas autoridades tinham atribuições
judiciais, administrativas, e de fazenda, mas no regímen constitucional
foram estas atribuições separadas, ficando aos juízes de direito os
negócios cíveis, de crime e orfanológicos; e os administrativos aos
governadores civis, administradores de concelho, e regedores de
paróquia, os quais ficaram substituindo desde 1835 os prefeitos,
subprefeitos, e provedores, que administravam províncias em lugar de
distritos, províncias que estavam
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divididas, ou retalhadas, em subprefeituras e estas em concelhos. Em
alguns concelhos havia antigamente juiz privativo dos órfãos.
Diz-se acima que o concelho de Aveiro confinava com o de
Eixo, onde agora confina com a freguesia da Oliveirinha, e
realmente
assim era, porque esta freguesia foi criada posteriormente a... de…….
(1). Como naquele tempo todas as terras tinham senhorios, fidalgos,
conventos, bispos, cabidos, etc. A razão destas intercalações provinha
de se juntarem em uma só jurisdição territórios que, embora separados da
terra principal, pertenciam ao mesmo senhorio, sem se atender ao
bem-estar dos povos.
LIMITES DA CIDADE, FREGUESIA DE N. S. DA GLÓRIA, ETC.
É notável o incremento da cidade realizado nos últimos
quarenta anos do século passado. Conquanto de 1834 por diante fossem
mudando e melhorando as condições dela, fazendo-se novas construções,
desaparecendo muitos pardieiros, até nas suas ruas principais, que muito
a desfeavam, fazendo-se enfim habitações em muitos sítios vagos, onde
tinha havido casas das quais nem vestígios restavam, durante toda a
metade do século XIX, pouco adiantou a cidade, e só depois da passagem
da linha férrea é que os seus melhoramentos se foram desenvolvendo
sucessivamente.
Até 1834 os limites da cidade eram propriamente os que
vou referir. Entrando pela estrada nova, aquele primeiro lanço da
estrada de Aveiro a Coimbra, mandado construir nos fins do século XVIlI
pelo governo de D. Maria I, e que se estende desde S. Sebastião até ao
princípio da vila de Arada, era em 1834 a única estrada propriamente
dita que existia por estes sítios, larga, ladeada de frondosos álamos,
cujos ramos, entrelaçando-se os de um com os de outro lado, faziam
agradável sombra, sendo por isso o único passeio público da cidade,
frequentado pelas pessoas mais gradas dela, assim seculares como
eclesiásticos, tendo em todo o seu comprimento do lado do poente uns
três ou quatro bancos de alvenaria com encosto, onde se sentavam os
passeantes, gozando de bom ar e de boas vistas, e vendo passar
continuamente gente de pé e de cavalo, porque era a única saída da
cidade para as povoações do Sul e Sudoeste. Por ali vinham os carros de
cal, de madeiras e lenha, os viajantes que de Coimbra preferiam esta
estrada, para aproveitar as cinco léguas de barco, entre Aveiro e Ovar,
as padeiras de Ílhavo e Vale de Ílhavo, as lavadeiras de roupa,
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tudo o que ia ou vinha da cidade ou para a cidade. É verdade que a
antiga saída dela para as povoações do sudoeste, Ílhavo, Sôza e Vagos, e
mesmo para Mira e Figueira da Foz, era o caminho de Nossa Senhora da
Ajuda, na direcção de Santiago, mas que, chegando à, casa da quinta dos
Barbosas, e hoje do Sr. Arnaldo Augusto Alvares Fortuna, tomava por uma
azinhaga à esquerda, que seguia até à fonte do Lila; aberta, porém, a
estrada nova, o povo achou mais curto e mais agradável esta estrada até
um ponto um pouco aquém da abertura da nova estrada de Aveiro à Figueira
da Foz, atravessava as terras lavradas, ia dar à mesma fonte do Lila,
daí, subindo a ladeira e passando o lamaçal da ponte de S. Pedro, subia
a outra ladeira até Verdemilho, seguindo para Ílhavo, pelas Ribas os que
se dirigiam àquela vila, ou continuando por Verdemilho e Bom Sucesso, e
atravessando o sítio do Passadouro, próximo dos Moutinhos, iam até ao
Vale de Ílhavo, donde havia caminho para Sôza e também para a Pedricosa,
onde se passava a barca para Vagos, e pelo areal se fazia caminho até
Mira. Também se fazia caminho por Arada e Borangal, até ao Outeirinho,
onde se acha a igreja da freguesia. Chama-se ainda hoje a este caminho o
caminho das padeiras, por ser o que diariamente seguem as mulheres que
do Vale de Ílhavo vêm vender pão à cidade. E para notar-se que a estrada
nova, até ao principio de Arada, era mais larga do que actualmente, pois
para fora da linha dos álamos ainda havia terreno público, e tanto que
do lado do poente havia por fora dos álamos em terreno hoje cultivado,
um caminho para duas pessoas a par, que os viajantes preferiam,
principalmente quando as chuvas faziam lama e poços de água no leito da
estrada, sempre cortada das rodas dos carros, estragos a que não havia
muito cuidado de atender.
Chegados à Fonte dos Amores, tínhamos o largo de S.
Sebastião, que era triangular, sendo o vértice para a rua do mesmo nome,
e a base uma linha que partia da fonte para nascente, até, ao Caminho de
S. Bernardo, onde estava a capela de S. Sebastião. Este caminho era uma
azinhaga ladeada de cômoros de silvas, que, passando ao lado de Vilar,
lá ia dar a S. Bernardo.
A capela pertencia à Câmara, mas só se abria no dia em
que a Câmara ali ia em procissão, que saía da igreja de S. Miguel, ouvir
missa cantada no dia do Santo, e também em um dos dias, das ladainhas,
em que a procissão delas ali ia cantar missa com a Câmara, e sendo
obrigada a acompanhá-la uma pessoa de cada casa, sob pena de multa.
Outras duas procissões era a Câmara obrigada a fazer, a
do Anjo Custódio no dia próprio e respectivo, e a da Visitação de Nossa
Senhora a Santa Isabel. Estas, porém, saindo igualmente da igreja de São
Miguel, dirigiam-se à igreja de S. Domingos, havendo aí missa cantada.
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89 /
A imagem de S. Sebastião, quando por ocasião da abertura
da nova estrada de S. Bernardo foi demolida a sua capela, foi levada
para o arquivo da Câmara, e daí, passados alguns anos, para a capela de
S. João do Rossio, onde é venerada.
O largo de S. Sebastião era um pousio inculto, com covas
e algumas depressões de nível, nas proximidades dos prédios cultivados,
base do triângulo entre a fonte e a capela.
A cidade, isto é, as ruas com casas unidas, terminava a
três ou quatro casas da rua de S. Sebastião, acima da travessa de S.
Martinho; daí, até Arada e S. Bernardo, não havia casa alguma, além da
casa da quinta dos Srs. Cunhas, próximo do passo de nível do caminho de
ferro no caminho de S. Bernardo, e tinha havido uma outra casa
pertencente aos antepassados dos Srs. Cristos, situada em frente da
Fonte dos Amores, pouco mais ou menos no sítio onde abre a estrada
vulgarmente chamada das Pombas, que vai entroncar na de Santiago.
A rua de S. Martinho, ainda hoje, conserva-se pouco mais
ou menos como em 1834, com a diferença de se terem reformado alguns
prédios e construído alguns novos, tanto na rua como na travessa que a
une com a rua de S. Sebastião, travessa que naquele tempo era um pequeno
largo, quase sempre um charco de água de lama.
Seguia-se o bairro chamado das Olarias, até à Fonte Nova,
por onde se não nota outra diferença senão a construção de algumas casas
novas, algumas em sítios onde já tinha havido prédios, mas sem que deles
houvesse vestígios, e com a diferença de não haver, nesse tempo, o
caminho que vai da Fonte Nova, dando passagem para a freguesia da Vera
Cruz, e com a diferença, finalmente, de ter desaparecido uma rua
desabitada que seguia da Fonte Nova até ao portão da entrada para o
Cemitério, à Corredoura. A parte desta rua que fica ao nascente do
Cemitério, do qual nos ocuparemos em especial, está hoje em grande parte
ocupada pelos jazigos de família, ou capelas do Cemitério. Tudo era
cerca do convento de S. Domingos, assim o Cemitério como a parte
confinante com a Corredoura, que é hoje propriedade particular.
Seguia-se a Corredoura, que está melhorada, tendo-se
construído algumas casas em terreno que então era baldio.
A rua da Fábrica, nome que tem de uma de faiança, donde
ele se deriva, fábrica que existia na casa de quinta do morgado de
Vagos, não teve alteração alguma até ao presente, fechando aí a parte
urbana da cidade, pelo lado do nascente, como agora; isto quanto à
freguesia de Nossa Senhora da Glória. Pelo poente, porém, da rua de S.
Sebastião, passava-se ao Campo de Santo António por uma azinhaga que
hoje é pública, na qual está o edifício dos Asilos de infância
desvalida.
Afora estas ruas, não havia para aqui mais casas das que
hoje existem na rua do Passeio, em que findava a cidade, a não
/ 90 / se
querer que ela fosse por um lado findar no convento de Santo António;
apesar de este se achar isolado e haver entre ele e as últimas
habitações da cidade o Campo, hoje jardim público, e então uma alameda
de velhos freixos, já em parte substituídos por álamos e outras árvores
menos importantes, e por outro lado nas três ou quatro casas que havia
nas traseiras da capela de Nossa Senhora da Ajuda
(2), apesar de
estas casas estarem, como ainda hoje estão, separadas das da cidade
propriamente dita.
O Campo de Santo António não era todo nivelado; para o
lado do poente descaía em rampa, para um caminho de carro, por onde
agora vai o muro de suporte, feito para deter os entulhos e terras
necessárias para nivelar o terreno; este caminho findava em uma porta de
carros, entrada para a quinta de Nossa Senhora da Ajuda, e em volta do
Campo achavam-se as cruzes de pedra que ainda hoje se vêem no pequeno
largo em frente das igrejas.
Serviam as cruzes para as vias-sacras que os terceiros
faziam em certos dias, e também para quem tinha devoção de entregar-se a
este piedoso exercício.
Do Campo de Santo António vinham os confins da cidade
pela rua de Santo António, traseiras do edifício do Governo Civil; nesta
rua não havia mais do que a casa fronteira do jardim, a última do
povoado, no começo da mesma rua.
Esta casa pertencia a um morgado da serra, por apelido
Soares de Albergaria, de quem se contavam muitas façanhas, como jogador
de pau nas feiras e arraiais, que ele às vezes varria completamente;
estava em parte desmoronada e desabitada, mostrando assim pertencer a um
morgado rico. Foi afinal comprada pela viúva Barbosa, da Praça, que a
reedificou e que pertence hoje, se não me engano, ao Sr. Dr. António
Emílio de Almeida Azevedo.
Na segunda metade do século passado, fizeram-se nela mais
duas casas, uma do Conselheiro Dr. Artur Ravara, e outra da família
Rangel de Quadros, da Rua Direita.
A travessa entre o Governo Civil e a casa de D. Rosalina
de Azevedo, cunhada de José Antunes de Azevedo, hoje viúva, foi aberta
há uns poucos de anos, e ficou chamada recentemente travessa Artur
Ravara.
A lápide onde estava escrito este nome partiu-se e não se
substituiu.
Seguiam os limites da cidade pela rua das Arribas, até ao
Campo dos Santos Mártires, e aí terminava o povoado da cidade nas
traseiras e muros de quintais da rua das Barcas.
O largo onde hoje está o novo bairro, era um campo pouco
nivelado, cortado quase a meio por um esteiro ou canal, que
/ 91 / vinha
do esteiro dos Santos Mártires, até próximo daquelas traseiras; tinha
guardas como as do Canal das Pirâmides, e por se ter tornado inútil, foi
aterrado e desfeitas as paredes, isto já depois de 1834. Ficou o campo,
pois, sendo só um, onde os varredores da cidade depositavam os detritos
que juntavam pelas ruas da cidade, até terem carrada; não havia ali casa
alguma, nem se prestava a passeio; era uma espécie de monturo.
Na quinta dos Santos Mártires, dentro já dela, e unida à
capela, havia uma casa, que, apesar de térrea, era vasta, parecendo ter
sido feita para habitação de família, tendo na frente um pequeno largo
circuitado, que mostrava ter sido deixado para jardim.
Nesta casa reunia-se a Associação Secreta que em Aveiro
havia, das que se formaram em vários pontos, e cooperaram para o
glorioso movimento de 24 de Agosto de 1820; era por isso mal vista do
povo e das pessoas afectas ao absolutismo, e o Sr. Alfredo Rangel,
último administrador do vínculo, demoliu-a quando reedificou a capela e
recolheu nos jazigos os ossos dos seus antepassados que andavam
espalhados pelas proximidades da mesma capela. Acerca desta
ocupar-nos-emos em especial.
Naquele sítio fazia-se, como hoje, descarga de moliço,
parte do qual ia pela viela de D. Jerónima, para a estrada de Santiago,
até onde a condução era mais breve do que indo do esteiro daquela
povoação.
E, como não havia a estrada ou Caminho das Pombas, a que
já nos referimos, o que era destinado para as terras da estrada nova de
Vilar e S. Bernardo, ia pelas ruas da cidade a toda a hora do dia, assim
como a toda a hora se fazia a limpeza de quinteiros e latrinas da cidade
e o estrume que os varredores juntavam. Estes varredores não eram pagos
pela Câmara; ao contrário, ela recebia deles certa quantia, a título de
licença; eram filhos e criados dos lavradores residentes nas povoações
circunvizinhas; não faziam a limpeza da cidade, mas, percorrendo as
ruas, em uma das mãos a canastra e na outra a pá e a vassoura, só
colhiam delas o que entendiam ser conveniente para as suas estrumeiras;
também costumavam trazer palhas, sobre as quais lançavam lodo tirado à
beira dos canais, onde não havia cortina.
A viela de D. Jerónima era o que agora é, a estrada, que,
partindo da malhada dos Santos Mártires, vai até ao sítio de Nossa
Senhora da Ajuda, mas então uma azinhaga estreita e assombrada pelas
árvores e silvas dos valados laterais; sendo um dos sítios que o povo
chama pesados, pelos aparecimentos de bruxas e lobisomens, onde os
bandarristas acreditavam haver tesouros e mouras encantadas.
Um passadiço alto comunicava a quinta dos Santos Mártires
com as terras do outro lado, onde hoje há um prédio importante,
/ 92 /
pertencente à esposa do Sr. José Reinaldo de Quadros Oudinot, irmã do
último administrador do vínculo.
Era, pois, completamente desabitado aquele lugar dos
Santos Mártires, onde em 1870, pouco mais ou menos, se cingiu novo
bairro, abrindo-se ruas e aforando-se terrenos para casas.
Passada a ponte, não havia casa alguma de habitação;
apenas palheiros para recolher sal ou outros objectos pertencentes aos
trabalhos da pesca ou salinagem. O Matadouro ali existente é obra de
1870, pouco mais ou menos, e o abatimento dos gados para os açougues
fazia-se no armazém ao fundo da rua chamada da Fábrica, nome que esta
deu à rua, e cuja laboração findou peta morte do último empresário, a
viúva de Pedro António Marques, em 1907.
Direi ainda, que o caminho para Arada, antes da abertura
da estrada nova, se fazia descendo por uma viela que ainda hoje se
conserva, logo acima da última casa da rua de Ílhavo, seguindo da mesma
viela uma azinhaga estreita e lamacenta, que ia findar ao princípio da
vila.
O bairro das Olarias era aquela parte da cidade que,
limitada pela Fonte Nova e pela rua do Rato, ia até à rua de S.
Martinho; a parte mais povoada era a rua que partia da do Rato,
ficando-lhe à esquerda onde está hoje o asilo do sexo feminino, que
então pertencia ao desembargador Salazar, secretário da alçada que o
governo de D. Miguel mandou ao Porto, para sentenciar e condenar os
pronunciados nas devassas chamadas de rebelião, entre os quais,
infelizmente para D. Miguel, a par de constitucionais convictos, havia
um grande número de absolutistas que a feroz sanha das autoridades ou
ódios pessoais levaram às cadeias, aumentando assim o número das vítimas
daquele desgraçado período de 1828 a 1834.
No bairro das Olarias apenas conheci dois velhos que me
diziam terem sido oleiros, mas que já não trabalhavam. Havia, porém,
ainda, um depósito de louças fabricadas anteriormente, e que não tinham
saída, assim como ornatos para os telhados, assim não só figuras de
gatos e cães, como pucarinhos de água, que muita gente colocava nos
cumes e beirais de suas casas. Também ali se fabricavam formas dos
chamados pães de açúcar que iam para o Brasil e que deixaram de ir,
desde o infelicíssimo tratado de 1810, sendo algumas dessas formas
aplicadas à construção de muros de quintais, e bastantes vi eu no muro
que fechava a quinta da Fábrica pelo lado da Corredoura.
Também nas Olarias houve bons oficiais de escultura,
havendo ainda em algumas casas da cidade imagens de santos que na
exposição artística do Distrito de Aveiro, em 1882, foram devidamente
apreciadas.
/ 94 /
LIMITES DA CIDADE, FREGUESIA DA VERA CRUZ, ETC.
Passando à freguesia da Vera Cruz, e começando pelo
Rossio, findava aí a cidade. Havia aí ao norte da capela uns quatro ou
cinco palheiros que serviam para armazenar sal e que foram expropriados
pela Câmara e demolidos depois em 18…. Aquele quarteirão de casas que
parte com o Rossio, com a rua da Rainha e com a Praça do Peixe, e que
era o último da cidade por aquele lado, não sofreu alteração alguma,
além das reedificações, para melhor, da maior parte dos seus antigos e
acanhados prédios e de algumas tentativas para melhor alinhamento.
Passando à Praça do Peixe, aí findava a cidade naquele
ponto. A única casa que existia, a poente da Praça do Peixe, era a que
ainda hoje existe, onde está a alquilaria de Martinho Girão, Sucessores;
mais nenhuma; e todo o espaço hoje ocupado pelas casas a poente da Praça
e bairro novo, até às proximidades da ponte, era uma pequena marinha,
que a Câmara, depois de 1834, expropriou com o fim de aumentar o Campo
do Rossio. Levou anos a aterrar; e, enquanto se ia aterrando, pela
Repartição de Obras Públicas foi aterrada a parte do esteiro da mesma
Praça, compreendida entre o ponto onde ele hoje finda e as proximidades
da casa da alquilaria, que naquele tempo pertencia a um negociante por
nome José Lourenço Pereira Branco, ao que me parece, natural de Águeda,
ali estabelecido.
Cumpre notar que o esteiro da Praça do Peixe só tinha
cortinas de pedra pelo lado do nascente, e que pelo lado do poente era
ladeado por um muro de torrão e lama, que servia principalmente para
fechar a marinha e que partia próximo da quina da sobredita casa, em
direcção ao esteiro de S. Roque, seguindo depois até à ponte, de modo
que quem quisesse ir da Praça do Peixe, à ponte, tinha de dar a volta
pelo Rossio. Começado, porém, o aterro da marinha, e feito pelas Obras
Públicas o muro do esteiro pelo lado do poente e o cais de desembarque
no seu topo, como agora se acha, começou a fazer-se a rua que vai da
Praça até à ponte, edificando-se aí os primeiros prédios, e sendo os
primeiros que construíram casas os Srs. António Pereira Júnior um vasto
armazém, e Francisco António do Vale Guimarães umas casas de habitação.
Foram crescendo as casas para norte, até que em 1870,
pouco mais ou menos, a Câmara Municipal, a que presidia Manuel Firmino
de Almeida Maia, no terreno que tinha sido marinha, demarcou ruas e
chãos para casas, e logo começou a construí-las, achando-se assim um
novo e populoso bairro,
/ 95 /
sendo só para sentir que às casas que fazem frente para o Rossio, não
fosse dado um aspecto melhor do que aquele que tem a maior parte delas.
Ficou assim a Praça do Peixe internada na cidade,
mais
vasta e mais regular, com o chafariz que não tinha é que foi feito em
18…
(3), e com um mercado coberto para a venda do peixe, começado
pela Câmara a que presidia o Sr. Gustavo Ferreira Pinto Basto em 1906, e
concluído pela do Sr. Dr. Jaime Duarte Silva em 1908.
Da Praça do Peixe para o norte, até à praia da Cruz,
fechavam a povoação da cidade por aquele lado, as travessas da praia
para S. Roque e as ruas que descem do largo da capela, também para a
praia e não havendo mais alterações do que a construção de casas novas
sobre terrenos vagos, ou no lugar de pardieiros, que nesta rua de S.
Roque, assim como na do Vento e na de S. Bartolomeu muitos existiam, ou
abandonados ou servindo para escassos e depósitos de estrumes dos
moradores.
Findava a povoação na praia da Cruz ou do junco, assim
chamada por ser ali que aportavam as bateiras que o traziam à venda,
tendo muito consumo, principalmente para as casas destas três ruas,
todas baixas e térreas, que substituíam o soalho por camadas de junco,
caprichando em o ter sempre muito limpo, as casas muito caiadas e tão
bem arranjadas quanto o permitiam os seus meios.
Os despejos faziam-se para a praia ou esteiro de S.
Roque, que então não tinham, como agora, os melhoramentos ultimamente
efectuados, nem a estrada que vai entroncar com a de Esgueira ao passo
de nível do caminho de ferro; a praia do junco ficava ao fundo da rua de
S. Bartolomeu, e daí para nascente, não havia casa alguma até às
primeiras da rua do Carril.
Agora já há casas sobradadas, não só naquele sítio, mas
para nascente, com tendência para continuarem para o lado da fonte,
assim como algumas há para o lado do sul, nos terrenos chamados da
Granja, que naquele tempo eram havidos como pouco produtivos, porque
lhes faltava o braço do homem.
A rua do Carril permanece hoje como no tempo a que me
refiro já existia, quanto à sua extensão; fizeram, porém, depois algumas
casas de novo, e foram melhoradas outras.
Passando à rua do Carmo, ou continuação da rua do
Gravito, se assim o quiserem, que naquele tempo se chamava rua de S.
Paulo, em virtude de uma capela desta invocação que ali existia, mas que
eu já não conheci, aí terminava o povoado da cidade no convento dos
frades do Carmo.
Do lado do mar, à esquina para a rua do Carril, havia um
pardieiro de uma capela, cujo centro era um montão de silvas. A porta
que saía para a rua do Carril tinha ao lado, embutida
/ 96 / na parede,
uma pedra em que se lia que ali tinha sido sepultado um vigário da Vera-Cruz; não me lembro, porém, nem do nome nem da data do seu
falecimento.
A este pardieiro seguia-se uma casa térrea, sobre a qual
foi há poucos anos levantada uma casa sobradada pelo Sr. Domingos Mateus
de Lima, natural de Esgueira e há pouco falecido; seguia-se um muro que
fechava por aquele lado a quinta do Carril, pertencente a Pedro de
Sousa, e depois a João Agostinho Barbosa Bacelar, cujos herdeiros a
venderam ao pai do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima.
Este muro, sem mais casa alguma, ia ao pátio do convento
das freiras de Sá, pátio por onde se entrava para a igreja, que ficava
ao norte, assim como para o convento, que ficava a nascente.
Das janelas deste lado, que deitavam sobre o pátio,
costumavam as freiras ver e venerar a imagem veneranda de Cristo, Nosso
Senhor dos Passos, quando saía da igreja de Nossa Senhora do Carmo, em
procissão, conservando-se o andor por alguns minutos com a frente
voltada para o lado de Sá, até que a procissão seguisse.
O convento de Sá existia exactamente no local que hoje
ocupa o quartel militar. Do lado oposto seguia-se à igreja do Carmo um
pátio com porta de carro para a rua e casas térreas de um e outro lado,
nas quais estava aquartelada uma companhia de veteranos, que então tinha
em, Aveiro, o seu quartel permanente.
Poucas praças ali residiam, porque as que tinham casas
próprias ou de parentes seus na cidade ou nas povoações vizinhas tinham
licença para nelas residir, sem contudo faltarem aos deveres de
serviços, pois que estes pobres homens velhos, quando em Aveiro não
havia qualquer outro corpo de tropas, faziam guardas à cadeia e onde
mais se tornasse necessário, tudo compatível com as suas forças, e nas
festas nacionais, que eram frequentes depois de 24 de Agosto de 1820,
conduziam para o Rossio uma ou duas peças que no quartel existiam e
davam as salvas de artilharia, enquanto o Batalhão de Caçadores 10, de
que falaremos oportunamente, e algumas vezes também o regimento de
milícias, faziam evoluções e paradas.
Esta companhia, cujas repartições se acomodavam, como
dito fica, na parte que foi demolida para se construir a casa do Sr. Dr.
Jaime de Magalhães Lima, deixou de existir por nova organização, já na
segunda metade do século passado.
Pelo pátio mencionado se fazia o serviço mais pesado para
a cerca e para o interior do convento, pois que este não tinha frente
para a rua, sendo todo construído ao fundo da igreja, e ao lado do
nascente dela, e todo o serviço de pé se fazia pela porta, ao lado da
igreja, por onde ainda hoje ele se faz para as sacristias, porta
travessa e coro.
/ 97 / Além do pátio e casas que ficavam ao nascente da igreja,
em cujo local se acha a casa edificada em 1858 pelo pai do Sr. Dr. Jaime
de Magalhães Lima, não havia mais casas, a não ser a que hoje serve de
residência ao prelado da Diocese, quando vem de Coimbra a esta cidade.
A nascente dela, estava o lugar de Sá, pertencente ao
concelho de Ílhavo; não sei por onde partia a linha divisória entre este
lugar e o da cidade; parece, porém, que não erraremos muito se a
colocarmos na estrada ou caminho que segue para Arnelas, pois se por um
lado não havia mais do que um muro da cerca do Carmo, como ainda hoje se
vê, do outro lado já tudo pertencia a Sá. A respeito deste lugar,
diremos mais alguma coisa oportunamente.
A casa de residência episcopal que está na esquina que
faz esse caminho, era antigamente a hospedaria das freiras, residindo
nela o frade da Ordem, vigário ou capelão das mesmas freiras, e delas
confessor.
Podem considerar-se como pertenças da cidade a cerca dos
frades e a do Seixal, até ao Ilhote, visto serem pertenças de casas que
estão nas ruas da cidade. Entre elas passa a rua do Seixal, que pode
dizer-se achar-se sem população, ao que era naquele tempo, porque, se
agora tem de mais os prédios há pouco construídos nas traseiras da
quinta da casa dos Rangeis, tem de menos as pequenas casas que seguiam
desde a casa de António Nuno Cabral Montês, hoje dos herdeiros de Manuel
José Mendes Leite, até à casa de Manuel José de Almeida, hoje
incorporada no edifício do Colégio Aveirense.
A parte da estrada para a estação, que parte de Arnelas,
não existia, e quem de Arnelas queria ir para o Senhor das Barrocas, sem
passar à estrada, seguia por uma viela ou esgueiro, que partia por entre
a casa da quinta dos Cunhas, hoje dos herdeiros de José Rodrigues, de
Sá, e a outra casa construída por José Justino Cerqueira de Alpoim
Borges CabraI, e que ia dar à capela de Nossa Senhora da Alegria,
descendo para a estrada por uma escadinha que ainda hoje existe nas
traseiras da capela. Ainda se vê hoje, na Avenida do Quartel à Estação,
uma travessa para nascente, que era continuação do esgueiro, vindo de
Arnelas. Ora, na estrada chamada do Americano, aquela parte que desce
desde a boca da rua do Seixal até ao Ilhote, era muito mais baixa,
estreita, sombria, correndo por ela sempre água nas nascentes que por aí
brotam, principalmente na quinta da D. Margarida, ficando-lhe a qualquer
altura com cômoro que tinha árvores altas; e a quinta do Seixal, em
lugar do muro que agora a cerca, era limitada desde a casa da habitação
em toda a volta por um valado de loureiros que Manuel José Mendes Leite
mandou cortar e substituir por muros; mas na parte que confina, com o
Ilhote, a quinta não tinha nesse tempo o terreno baixo que agora tem, o
valado seguia pela linha em que o terreno
[Vol. VI – Nº 22-1940]
/ 98 /
alteia, de maneira que, chegando à extremidade do muro do quintal do
Colégio Aveirense, seguia em linha com este e com os mais muros dos
quintais da rua que então se chamava Vila Nova, com o das Sr.as
Mesquitas, o do Sr. Francisco de Moura e os mais que se seguem até que
findava nas traseiras da casa do Visconde de Valdemouro.
Os terrenos acrescentados à quinta de Manuel José Mendes
Leite foram-lhe dados em troca dos que ele cedeu do Ilhote, de que
também era proprietário, para a factura da estrada, vulgarmente chamada
do Americano. Naquele tempo, a água vinda para a fonte da Praça, seguia
da caixa no caminho da Forca por um encanamento sobre um muro de pouca
altura, e, chegando ao caminho que ia para Arnelas, como o terreno
começava aí a ser muito mais baixo, existia a Arcada do Cojo, por sobre
a qual continuava o encanamento, seguindo paralelo ao valado de
loureiros, e depois aos muros dos quintais, e dando volta nas traseiras
das casas do Visconde de Valdemouro, tomava a direcção do Sul, até à rua
do Cais, seguindo por ela até às traseiras da casa que foi de Alexandre
Ferreira da Cunha, contígua à que é hoje dos herdeiros de José Eduardo
de Almeida Vilhena, na rua Entre Pontes.
Deve dizer-se que a parte da estrada que decorre desde a
ponte de leste até à casa dos moinhos, onde hoje está a Escola
Industrial, foi há poucos anos alargada e mudando-se a cortina do Cais o
necessário para dar à estrada a conveniente largura.
Descendo a água, como dissemos, até às traseiras da casa
que foi de Alexandre Ferreira da Cunha, seguia essa rua por encanamento
subterrâneo até à fonte. Os arcos eram de tosca alvenaria, já muito
arruinados, em diversos pontos, faltando as capas aqui e ali; assim como
também nas quintas por onde passava, os caseiros abriam o cano, davam de
beber a gado, lavavam as mãos, etc., etc.
Por entre os muros e a vedação dos prédios, corria um
caminho estreito, e pela parte de fora outro, entre a arcada e o esteiro
que então existia à beira do Ilhote. Este esteiro era continuação do
canal que atravessa a cidade e que tinha guardas de pedra até ao ponto,
pouco mais ou menos, onde hoje abre a Avenida Bento de Moura. Dali por
diante não tinha guardas, e o caminho que ia entre ele e os arcos era
onde se descarregava o moliço, o que muito concorreu para o arruinamento
da arcada, porque os lavradores iam levando também a terra que o moliço
humedecia, e até o lodo do próprio esteiro, vendo-se até covas em vários
pontos.
Era por isto que quem por ali passava, tinha de ir pela
parte interior da arcada, a par do vale dos loureiros, por onde em
muitos sítios só cabia uma pessoa. Foi, pois, uma obra importante, a da
Câmara de 18..., na presidência de …………. a demolição da arcada, o
aterramento do esteiro, a abertura
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da estrada e o encanamento subterrâneo da água, assim como as pesquisas
para se encontrar novas nascentes, podendo não só abastecer a fonte da
Praça do Comércio, mas as novamente construídas no largo da Vera Cruz e
no largo da Praça do Peixe, indo ainda abastecer a do bairro dos Santos
Mártires, posto que esta mais o devesse ser pelas águas que vão à do
largo do Espírito Santo, na freguesia de Nossa Senhora da Glória.
Tratando-se ainda do Rossio e da Praça do Peixe, diremos
ainda, que uma Câmara entendeu que devia aumentar a área do Rossio,
outra que devia obstrui-lo com a antiga praça de touros, hoje demolida,
mas ocupada por outra de madeira que se arma e desarma com facilidade,
outra enfim, que devia aforar uma grande parte deste largo para
edificações e ruas. Efectivamente, a população tem aumentado, e carecia
de dar-se-lhe onde pudesse construir habitações; por outra parte, tendo
desaparecido este largo e o dos Santos Mártires, ficou a cidade sem um
campo [onde] com vantagem e com desafogo pudesse instalar-se o mercado
dos dias 28 de cada mês, e no qual um corpo de tropas faça exercícios,
de forma que o regimento de cavalaria 10 carecia de ir fazê-los na
Gândara da Costa, a mais de cinco quilómetros de distância.
Seria melhor ter-se pensado bem no modo de conciliar
estas duas necessidades, embora a Câmara não auferisse os foros que
percebe dessas construções nos três largos, parecendo que o intuito de
aumentar por esta forma os réditos municipais foi o principal que se
teve em vista ao decretar estes aforamentos.
No entanto, é certo que a Praça do Peixe ficou em muito
melhores condições, com uma rua que se presta à descarga de barcos,
desde ali até à ponte, e o esteiro, guarnecido de cais por esse lado,
ficou muito mais largo, e com a fonte ali mui necessária e útil.
Resta ao menos desafrontar, e para sempre, o largo do
Rossio da deselegante construção da praça de touros, que nunca ali devia
ser construída, e melhor será que o não seja em outra qualquer parte, e
de nenhum modo dentro da cidade. Outro tanto diria da capela de S. João,
se não ofendesse com isso a devoção, de muitos que o levariam a mal,
como acto de impiedade. É, porém, certo que esta capela, não se
recomendando como monumento de arquitectura, nem pelas suas belezas
externas ou internas, servindo apenas para umas festividades que ali se
fazem anualmente, à custa de devotos, já foi causa de que o canal que
vem da Ria para o centro da cidade, não viesse em recta desde as
Pirâmides, até ao ponto em que, deixando a linha do norte-sul, segue
para o nascente, obrigando a fazer-se nele um ângulo obtuso que lhe
diminui a beleza, para que a capela pudesse ser conservada. E também é
certo que bem podia ser colocada a um lado, desafrontando-se o largo, ou
ao menos guarnecida
/ 100 /
e posta em condições de mostrar aos estranhos que há mais devoção e mais
bom gosto da parte dos que pretendem conservá-la. Naquele estado, é
triste que se conserve, pois que desfeia a cidade, principalmente a quem
vem do mar, e sem inspirar a devoção a que tem jus, não tem coisa alguma
que a recomende.
Era altamente conveniente que, a não ser demolida,
atendessem para ela aqueles que desejam conservá-la
(4).
LIMITES DA CIDADE A NASCENTE, ETC.
Expostos e ditos os limites da cidade, quais os limites
do Concelho, enquanto aos terrenos e povoações a ela contíguos,
relativamente ao poente e norte, e dito já que em direcção a Esgueira, a
cidade e o concelho findavam ao convento de Nossa Senhora do Carmo,
resta dizer que os limites do Concelho para nascente, iam até à Quinta
do Gato, pela estrada de Arnelas e Forca, e até ao marco de S. Bernardo
pelo caminho que do lado de S. Sebastião se dirige a este povo. O que
hoje pertence às freguesias da cidade é o que então pertencia ao
Concelho, por este lado, apertado a norte pela freguesia e concelho de
Esgueira, e mais próximo da cidade pelo lugar de Sá, e pelo lado do sul,
pela freguesia e concelho de Arada. Pertencia mais ao concelho da cidade
o lugar de Santiago, limitando-se por este lado o termo da cidade pela
mesma linha que hoje divide as freguesias de Nossa Senhora da Glória e
S. Pedro das Aradas.
Cumpre, finalmente, notar que o lugar de Sá, de que mais
tarde nos ocuparemos mais detidamente, conquanto do concelho de Ílhavo,
pertencia eclesiasticamente à freguesia da Vera Cruz.
Continua na página 177
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►►►
JOSÉ FERREIRA DA CUNHA E SOUSA
______________________________________________________
(1)
− A freguesia da Oliveirinha, por desmembração da de S. Isidoro de Eixo,
foi erecta em 12 de Agosto de 1849. FERREIRA NEVES.
(2)
− Esta capela foi demolida há alguns anos. FERRElRA NEVES.
(3)
– Segundo informação recolhida, o chafariz da Praça do Peixe foi mandado
construir pela Câmara de
Aveiro em 1876. Todavia, a data gravada na
fonte, que pode ser lida em 2017, é a
de 1814. HJCO
(4)
− Esta capela começou a ser demolida em 3-11-1910. Ver Calendário
Histórico de Aveiro. (HJCO)
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