José Ferreira da Cunha e Sousa, Memória de Aveiro no séc. XIX, Vol. VI, pp. 83-100.


Espécie de prefácioAdministração antiga, antigas autoridades, etc.Limites da Cidade, freguesia de N. S. da Glória, etc.Limites da Cidade, Freguesia da Vera Cruz, etc.Limites da Cidade a Nascente.Litoral e PescaEspírito SantoTorre e Igreja da Senhora da GlóriaCemitérioEncanamento de águas da freguesia da Glória. Casa do Visconde de Almeidinha. Governo CivilRecolhimento das BeatasAinda o Terreiro. Rua do Caneiro. AsilosRua da Palmeira, Largo da apresentação, Rua de José Estêvão. Outros melhoramentos. Caixa EconómicaPelourinhoCojo e Melhoramentos. Mercado. Rua da Vila Nova. Antigo HospitalAinda o Ilhote. Seixal. CemitériosRua da PalmeiraAntiga Guarnição Militar. Capitania-mor de OrdenançasBatalhão de Voluntários RealistasBispadoPraça Municipal, edifícios e ruas que a cercam, S. Miguel, Paço, Costeira, etc. Governo Civil, Paço e LiceuAradaLugar de SáEstrada e Caminhos de FerroQuartelO Senhor das BarrocasNotícia Resumida dos ConventosCapitania-Mor de Ordenanças


I

ESPÉCIE DE PREFÁCIO

POSTO que o meu intento seja dar à nova geração uma ideia do que era Aveiro no primeiro quartel do século passado, e até ao ano de 1834, e dos muitos "importantes melhoramentos materiais, tanto na cidade como nos seus subúrbios, efectuados na segunda metade do século passado, melhoramentos e transformações tais que, se fosse possível vir hoje aqui alguém que tivesse passado em Aveiro os seus primeiros anos e se conservasse ausente desde 1820, ou mesmo, desde 1830,"não reconheceria a cidade do seu tempo, parece-me contudo conveniente e até necessário, para poder fazer-se a confrontação, começar a dizer algumas coisas sobre o passado e a dizer depois o que se tem feito até hoje.

Aveiro, 9 de Novembro de 1908.

 

ADMINISTRAÇÃO ANTIGA, ANTIGAS AUTORIDADES, ETC.

A vila de Aveiro, elevada à categoria de cidade por carta régia de 25 de Julho de 1759, era cabeça de bispado, como foi até 1882, sede vacante, de correição e de provedoria. Tinha juiz de fora, que era presidente da Câmara, pois que no regímen antigo todas as câmaras municipais eram presididas pelos respectivos juízes, ou estes fossem territoriais, isto é, eleitos por um ano, dentre as pessoas que costumavam andar na governança, e destes era o maior número, quer fossem juízes letrados, / 84 / nomeados pelo governo, chamados vulgarmente juízes de fora, porque não podiam ser naturais do julgado em que serviam.

Limitadíssima era a área do concelho e julgado na, para assim dizer, respectiva metrópole, pois que findava pelo norte e poente na ria, ilhas e marinhas, que ainda hoje pertencem às freguesias da cidade, excluindo a costa de S. Jacinto, que era pertença da de Ovar, assim como todo o areal, além da barra, até ao marco de Mira.

Pelo nascente terminava a cidade e concelho ao Carmo, pois que já o convento de Sá, sobre cujas ruínas está edificado o quartel militar e todo o lugar daquele nome, até pouco além da capela do Senhor, das Barrocas, era uma ouvidoria pertencente ao concelho de Ílhavo. Estendia-se o concelho de Aveiro para sudeste, abrangendo os lugares da Presa, Quinta do Gato, Vilar, e S. Bernardo, até ao marco onde começava o concelho de Eixo. Para o sul, findava na Estrada Nova, um pouco além da Fonte dos Amores, confinando por aí, com o microscópico concelho de Arada, formado apenas da povoação deste nome, porque os lugares de Verdemilho, Bom Sucesso, e Quinta do Picado, embora pertencentes à freguesia de S. Pedro das Aradas, faziam parte do concelho de Ílhavo.

Mas, se a cidade não tinha, adjunto senão o território das suas quatro freguesias, o mesmo que hoje pertence às duas da Vera Cruz e Nossa Senhora da Glória, tinha, no entanto, catorze ouvidorias, formadas por diversas povoações intercaladas nos diferentes concelhos da respectiva comarca, constantes da relação que adiante se juntará. Estas ouvidorias eram as que davam alguma importância ao julgado, pois que nelas exercia jurisdição o juiz de fora da cidade, e serviam os seis escrivães do cível e crime, além do que era privativo dos órfãos.

O corregedor exercia jurisdição na comarca, que era composta de trinta e oito concelhos, advertindo, porém, que a vila de Mira, por ser pertencente à Casa das Rainhas, gozava do privilégio de formar por si uma comarca, sendo, porém, o seu corregedor o da comarca de Aveiro, por não poder, em razão da sua pequenez, manter pessoal privativo. Eram duas correições e uma só provedoria, pois que o provedor era-o também de Vila da Feira, tendo esta só corregedor privativo.

A comarca de Aveiro pertencia o concelho de Fermedo, situado no interior da comarca de Vila da Feira, e a esta, o de Macieira de Alcoba, encravado na comarca de Aveiro. Também se achavam encravados na comarca de Aveiro os concelhos de Eixo, Paus (pertencente à freguesia de Alquerubim), Ois da Ribeira, e Vilarinho do Bairro, concelhos reunidos para os efeitos da administração judicial, com um juiz de fora para todos que pertenciam à comarca de Barcelos.

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Planta de Aveiro no fim do século XVIII (pág. 85) - Consultar Espólio M. Sarmento.

Além destes magistrados, havia o superintendente das obras da Barra, o dos tabacos, e o da décima. Havia também na cidade capitania-mor de ordenanças com quatro companhias / 86 / correspondentes às quatro freguesias da cidade, uma em S. João de Loure, outra em Albergaria-a-Velha, outra em Lamas do Vouga, havendo mais a anomalia de pertencer à companhia de S. Miguel de Aveiro o lugar da Taipa, freguesia de Requeixo. Ainda falta declarar, o que adiante se juntará, a relação de todos os concelhos que formavam as duas comarcas de Aveiro e Feira, com o nome das respectivas povoações, assim como os nomes das ouvidorias pertencentes ao julgado e concelho de Aveiro. Igualmente ainda falta juntar mapas elucidativos desta divisão territorial que vigorou até 1835. E, pois que temos falado, e continuamente teremos ainda de falar em comarcas, concelhos e julgados, com referência aos tempos anteriores a 1834, para esclarecimento de quem ignorar a diferença que existe entre as antigas e as actuais circunscrições territoriais com o nome de comarcas, achamos conveniente dizer o seguinte:

− Pelo antigo regime, estava o reino dividido em comarcas, que se compunham de diversos concelhos, julgados e ouvidorias. Cada comarca tinha ordinariamente um corregedor e um provedor, magistrados, cada um com diversas atribuições judiciais e administrativas; eram superiores aos juízes dos respectivos concelhos ou julgados.

Os concelhos tinham regularmente um juiz ou letrado, denominado juiz de fora, ou leigo, e em alguns destes, dois juízes leigos que se alternavam no serviço. As varas eram brancas para os juízes letrados, e vermelhas para os leigos, que eram chamados juízes ordinários.

Os juízes presidiam às Câmaras municipais. Havia concelhos reunidos, formando um só julgado, isto é, tendo um só juiz de fora para todos eles. Havia concelhos pertencentes a uma comarca, com a qual não confinavam, achando-se intercalados em comarcas diferentes, e assim, havia também povoações destacadas dos concelhos a que obedeciam, intercalados em outros: eram as ouvidorias ou vintenas, com um juiz pedane, de limitadíssima jurisdição. No distrito actual de Aveiro havia, pois, duas comarcas, a de Aveiro (outrora de Esgueira), e a da Feira, cada uma com seu corregedor, mas com um só provedor, o de Aveiro, como dito fica. Eram duas correições e uma só provedoria.

Os juízes julgavam no cível e crime e órfãos; no que tocava ao cível e crime, eram subordinados ao corregedor; quanto a órfãos, ao provedor. Todas estas autoridades tinham atribuições judiciais, administrativas, e de fazenda, mas no regímen constitucional foram estas atribuições separadas, ficando aos juízes de direito os negócios cíveis, de crime e orfanológicos; e os administrativos aos governadores civis, administradores de concelho, e regedores de paróquia, os quais ficaram substituindo desde 1835 os prefeitos, subprefeitos, e provedores, que administravam províncias em lugar de distritos, províncias que estavam / 87 / divididas, ou retalhadas, em subprefeituras e estas em concelhos. Em alguns concelhos havia antigamente juiz privativo dos órfãos.

Diz-se acima que o concelho de Aveiro confinava com o de Eixo, onde agora confina com a freguesia da Oliveirinha, e realmente assim era, porque esta freguesia foi criada posteriormente a... de……. (1). Como naquele tempo todas as terras tinham senhorios, fidalgos, conventos, bispos, cabidos, etc. A razão destas intercalações provinha de se juntarem em uma só jurisdição territórios que, embora separados da terra principal, pertenciam ao mesmo senhorio, sem se atender ao bem-estar dos povos.

 

LIMITES DA CIDADE, FREGUESIA DE N. S. DA GLÓRIA, ETC.

É notável o incremento da cidade realizado nos últimos quarenta anos do século passado. Conquanto de 1834 por diante fossem mudando e melhorando as condições dela, fazendo-se novas construções, desaparecendo muitos pardieiros, até nas suas ruas principais, que muito a desfeavam, fazendo-se enfim habitações em muitos sítios vagos, onde tinha havido casas das quais nem vestígios restavam, durante toda a metade do século XIX, pouco adiantou a cidade, e só depois da passagem da linha férrea é que os seus melhoramentos se foram desenvolvendo sucessivamente.

Até 1834 os limites da cidade eram propriamente os que vou referir. Entrando pela estrada nova, aquele primeiro lanço da estrada de Aveiro a Coimbra, mandado construir nos fins do século XVIlI pelo governo de D. Maria I, e que se estende desde S. Sebastião até ao princípio da vila de Arada, era em 1834 a única estrada propriamente dita que existia por estes sítios, larga, ladeada de frondosos álamos, cujos ramos, entrelaçando-se os de um com os de outro lado, faziam agradável sombra, sendo por isso o único passeio público da cidade, frequentado pelas pessoas mais gradas dela, assim seculares como eclesiásticos, tendo em todo o seu comprimento do lado do poente uns três ou quatro bancos de alvenaria com encosto, onde se sentavam os passeantes, gozando de bom ar e de boas vistas, e vendo passar continuamente gente de pé e de cavalo, porque era a única saída da cidade para as povoações do Sul e Sudoeste. Por ali vinham os carros de cal, de madeiras e lenha, os viajantes que de Coimbra preferiam esta estrada, para aproveitar as cinco léguas de barco, entre Aveiro e Ovar, as padeiras de Ílhavo e Vale de Ílhavo, as lavadeiras de roupa, / 88 / tudo o que ia ou vinha da cidade ou para a cidade. É verdade que a antiga saída dela para as povoações do sudoeste, Ílhavo, Sôza e Vagos, e mesmo para Mira e Figueira da Foz, era o caminho de Nossa Senhora da Ajuda, na direcção de Santiago, mas que, chegando à, casa da quinta dos Barbosas, e hoje do Sr. Arnaldo Augusto Alvares Fortuna, tomava por uma azinhaga à esquerda, que seguia até à fonte do Lila; aberta, porém, a estrada nova, o povo achou mais curto e mais agradável esta estrada até um ponto um pouco aquém da abertura da nova estrada de Aveiro à Figueira da Foz, atravessava as terras lavradas, ia dar à mesma fonte do Lila, daí, subindo a ladeira e passando o lamaçal da ponte de S. Pedro, subia a outra ladeira até Verdemilho, seguindo para Ílhavo, pelas Ribas os que se dirigiam àquela vila, ou continuando por Verdemilho e Bom Sucesso, e atravessando o sítio do Passadouro, próximo dos Moutinhos, iam até ao Vale de Ílhavo, donde havia caminho para Sôza e também para a Pedricosa, onde se passava a barca para Vagos, e pelo areal se fazia caminho até Mira. Também se fazia caminho por Arada e Borangal, até ao Outeirinho, onde se acha a igreja da freguesia. Chama-se ainda hoje a este caminho o caminho das padeiras, por ser o que diariamente seguem as mulheres que do Vale de Ílhavo vêm vender pão à cidade. E para notar-se que a estrada nova, até ao principio de Arada, era mais larga do que actualmente, pois para fora da linha dos álamos ainda havia terreno público, e tanto que do lado do poente havia por fora dos álamos em terreno hoje cultivado, um caminho para duas pessoas a par, que os viajantes preferiam, principalmente quando as chuvas faziam lama e poços de água no leito da estrada, sempre cortada das rodas dos carros, estragos a que não havia muito cuidado de atender.

Chegados à Fonte dos Amores, tínhamos o largo de S. Sebastião, que era triangular, sendo o vértice para a rua do mesmo nome, e a base uma linha que partia da fonte para nascente, até, ao Caminho de S. Bernardo, onde estava a capela de S. Sebastião. Este caminho era uma azinhaga ladeada de cômoros de silvas, que, passando ao lado de Vilar, lá ia dar a S. Bernardo.

A capela pertencia à Câmara, mas só se abria no dia em que a Câmara ali ia em procissão, que saía da igreja de S. Miguel, ouvir missa cantada no dia do Santo, e também em um dos dias, das ladainhas, em que a procissão delas ali ia cantar missa com a Câmara, e sendo obrigada a acompanhá-la uma pessoa de cada casa, sob pena de multa.

Outras duas procissões era a Câmara obrigada a fazer, a do Anjo Custódio no dia próprio e respectivo, e a da Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel. Estas, porém, saindo igualmente da igreja de São Miguel, dirigiam-se à igreja de S. Domingos, havendo aí missa cantada. / 89 /

A imagem de S. Sebastião, quando por ocasião da abertura da nova estrada de S. Bernardo foi demolida a sua capela, foi levada para o arquivo da Câmara, e daí, passados alguns anos, para a capela de S. João do Rossio, onde é venerada.

O largo de S. Sebastião era um pousio inculto, com covas e algumas depressões de nível, nas proximidades dos prédios cultivados, base do triângulo entre a fonte e a capela.

A cidade, isto é, as ruas com casas unidas, terminava a três ou quatro casas da rua de S. Sebastião, acima da travessa de S. Martinho; daí, até Arada e S. Bernardo, não havia casa alguma, além da casa da quinta dos Srs. Cunhas, próximo do passo de nível do caminho de ferro no caminho de S. Bernardo, e tinha havido uma outra casa pertencente aos antepassados dos Srs. Cristos, situada em frente da Fonte dos Amores, pouco mais ou menos no sítio onde abre a estrada vulgarmente chamada das Pombas, que vai entroncar na de Santiago.

A rua de S. Martinho, ainda hoje, conserva-se pouco mais ou menos como em 1834, com a diferença de se terem reformado alguns prédios e construído alguns novos, tanto na rua como na travessa que a une com a rua de S. Sebastião, travessa que naquele tempo era um pequeno largo, quase sempre um charco de água de lama.

Seguia-se o bairro chamado das Olarias, até à Fonte Nova, por onde se não nota outra diferença senão a construção de algumas casas novas, algumas em sítios onde já tinha havido prédios, mas sem que deles houvesse vestígios, e com a diferença de não haver, nesse tempo, o caminho que vai da Fonte Nova, dando passagem para a freguesia da Vera Cruz, e com a diferença, finalmente, de ter desaparecido uma rua desabitada que seguia da Fonte Nova até ao portão da entrada para o Cemitério, à Corredoura. A parte desta rua que fica ao nascente do Cemitério, do qual nos ocuparemos em especial, está hoje em grande parte ocupada pelos jazigos de família, ou capelas do Cemitério. Tudo era cerca do convento de S. Domingos, assim o Cemitério como a parte confinante com a Corredoura, que é hoje propriedade particular.

Seguia-se a Corredoura, que está melhorada, tendo-se construído algumas casas em terreno que então era baldio.

A rua da Fábrica, nome que tem de uma de faiança, donde ele se deriva, fábrica que existia na casa de quinta do morgado de Vagos, não teve alteração alguma até ao presente, fechando aí a parte urbana da cidade, pelo lado do nascente, como agora; isto quanto à freguesia de Nossa Senhora da Glória. Pelo poente, porém, da rua de S. Sebastião, passava-se ao Campo de Santo António por uma azinhaga que hoje é pública, na qual está o edifício dos Asilos de infância desvalida.

Afora estas ruas, não havia para aqui mais casas das que hoje existem na rua do Passeio, em que findava a cidade, a não / 90 / se querer que ela fosse por um lado findar no convento de Santo António; apesar de este se achar isolado e haver entre ele e as últimas habitações da cidade o Campo, hoje jardim público, e então uma alameda de velhos freixos, já em parte substituídos por álamos e outras árvores menos importantes, e por outro lado nas três ou quatro casas que havia nas traseiras da capela de Nossa Senhora da Ajuda (2), apesar de estas casas estarem, como ainda hoje estão, separadas das da cidade propriamente dita.

O Campo de Santo António não era todo nivelado; para o lado do poente descaía em rampa, para um caminho de carro, por onde agora vai o muro de suporte, feito para deter os entulhos e terras necessárias para nivelar o terreno; este caminho findava em uma porta de carros, entrada para a quinta de Nossa Senhora da Ajuda, e em volta do Campo achavam-se as cruzes de pedra que ainda hoje se vêem no pequeno largo em frente das igrejas.

Serviam as cruzes para as vias-sacras que os terceiros faziam em certos dias, e também para quem tinha devoção de entregar-se a este piedoso exercício.

Do Campo de Santo António vinham os confins da cidade pela rua de Santo António, traseiras do edifício do Governo Civil; nesta rua não havia mais do que a casa fronteira do jardim, a última do povoado, no começo da mesma rua.

Esta casa pertencia a um morgado da serra, por apelido Soares de Albergaria, de quem se contavam muitas façanhas, como jogador de pau nas feiras e arraiais, que ele às vezes varria completamente; estava em parte desmoronada e desabitada, mostrando assim pertencer a um morgado rico. Foi afinal comprada pela viúva Barbosa, da Praça, que a reedificou e que pertence hoje, se não me engano, ao Sr. Dr. António Emílio de Almeida Azevedo.

Na segunda metade do século passado, fizeram-se nela mais duas casas, uma do Conselheiro Dr. Artur Ravara, e outra da família Rangel de Quadros, da Rua Direita.

A travessa entre o Governo Civil e a casa de D. Rosalina de Azevedo, cunhada de José Antunes de Azevedo, hoje viúva, foi aberta há uns poucos de anos, e ficou chamada recentemente travessa Artur Ravara.

A lápide onde estava escrito este nome partiu-se e não se substituiu.

Seguiam os limites da cidade pela rua das Arribas, até ao Campo dos Santos Mártires, e aí terminava o povoado da cidade nas traseiras e muros de quintais da rua das Barcas.

O largo onde hoje está o novo bairro, era um campo pouco nivelado, cortado quase a meio por um esteiro ou canal, que / 91 / vinha do esteiro dos Santos Mártires, até próximo daquelas traseiras; tinha guardas como as do Canal das Pirâmides, e por se ter tornado inútil, foi aterrado e desfeitas as paredes, isto já depois de 1834. Ficou o campo, pois, sendo só um, onde os varredores da cidade depositavam os detritos que juntavam pelas ruas da cidade, até terem carrada; não havia ali casa alguma, nem se prestava a passeio; era uma espécie de monturo.

Na quinta dos Santos Mártires, dentro já dela, e unida à capela, havia uma casa, que, apesar de térrea, era vasta, parecendo ter sido feita para habitação de família, tendo na frente um pequeno largo circuitado, que mostrava ter sido deixado para jardim.

Nesta casa reunia-se a Associação Secreta que em Aveiro havia, das que se formaram em vários pontos, e cooperaram para o glorioso movimento de 24 de Agosto de 1820; era por isso mal vista do povo e das pessoas afectas ao absolutismo, e o Sr. Alfredo Rangel, último administrador do vínculo, demoliu-a quando reedificou a capela e recolheu nos jazigos os ossos dos seus antepassados que andavam espalhados pelas proximidades da mesma capela. Acerca desta ocupar-nos-emos em especial.

Naquele sítio fazia-se, como hoje, descarga de moliço, parte do qual ia pela viela de D. Jerónima, para a estrada de Santiago, até onde a condução era mais breve do que indo do esteiro daquela povoação.

E, como não havia a estrada ou Caminho das Pombas, a que já nos referimos, o que era destinado para as terras da estrada nova de Vilar e S. Bernardo, ia pelas ruas da cidade a toda a hora do dia, assim como a toda a hora se fazia a limpeza de quinteiros e latrinas da cidade e o estrume que os varredores juntavam. Estes varredores não eram pagos pela Câmara; ao contrário, ela recebia deles certa quantia, a título de licença; eram filhos e criados dos lavradores residentes nas povoações circunvizinhas; não faziam a limpeza da cidade, mas, percorrendo as ruas, em uma das mãos a canastra e na outra a pá e a vassoura, só colhiam delas o que entendiam ser conveniente para as suas estrumeiras; também costumavam trazer palhas, sobre as quais lançavam lodo tirado à beira dos canais, onde não havia cortina.

A viela de D. Jerónima era o que agora é, a estrada, que, partindo da malhada dos Santos Mártires, vai até ao sítio de Nossa Senhora da Ajuda, mas então uma azinhaga estreita e assombrada pelas árvores e silvas dos valados laterais; sendo um dos sítios que o povo chama pesados, pelos aparecimentos de bruxas e lobisomens, onde os bandarristas acreditavam haver tesouros e mouras encantadas.

Um passadiço alto comunicava a quinta dos Santos Mártires com as terras do outro lado, onde hoje há um prédio importante, / 92 / pertencente à esposa do Sr. José Reinaldo de Quadros Oudinot, irmã do último administrador do vínculo.

Era, pois, completamente desabitado aquele lugar dos Santos Mártires, onde em 1870, pouco mais ou menos, se cingiu novo bairro, abrindo-se ruas e aforando-se terrenos para casas.

Passada a ponte, não havia casa alguma de habitação; apenas palheiros para recolher sal ou outros objectos pertencentes aos trabalhos da pesca ou salinagem. O Matadouro ali existente é obra de 1870, pouco mais ou menos, e o abatimento dos gados para os açougues fazia-se no armazém ao fundo da rua chamada da Fábrica, nome que esta deu à rua, e cuja laboração findou peta morte do último empresário, a viúva de Pedro António Marques, em 1907.

Direi ainda, que o caminho para Arada, antes da abertura da estrada nova, se fazia descendo por uma viela que ainda hoje se conserva, logo acima da última casa da rua de Ílhavo, seguindo da mesma viela uma azinhaga estreita e lamacenta, que ia findar ao princípio da vila.

O bairro das Olarias era aquela parte da cidade que, limitada pela Fonte Nova e pela rua do Rato, ia até à rua de S. Martinho; a parte mais povoada era a rua que partia da do Rato, ficando-lhe à esquerda onde está hoje o asilo do sexo feminino, que então pertencia ao desembargador Salazar, secretário da alçada que o governo de D. Miguel mandou ao Porto, para sentenciar e condenar os pronunciados nas devassas chamadas de rebelião, entre os quais, infelizmente para D. Miguel, a par de constitucionais convictos, havia um grande número de absolutistas que a feroz sanha das autoridades ou ódios pessoais levaram às cadeias, aumentando assim o número das vítimas daquele desgraçado período de 1828 a 1834.

No bairro das Olarias apenas conheci dois velhos que me diziam terem sido oleiros, mas que já não trabalhavam. Havia, porém, ainda, um depósito de louças fabricadas anteriormente, e que não tinham saída, assim como ornatos para os telhados, assim não só figuras de gatos e cães, como pucarinhos de água, que muita gente colocava nos cumes e beirais de suas casas. Também ali se fabricavam formas dos chamados pães de açúcar que iam para o Brasil e que deixaram de ir, desde o infelicíssimo tratado de 1810, sendo algumas dessas formas aplicadas à construção de muros de quintais, e bastantes vi eu no muro que fechava a quinta da Fábrica pelo lado da Corredoura.

Também nas Olarias houve bons oficiais de escultura, havendo ainda em algumas casas da cidade imagens de santos que na exposição artística do Distrito de Aveiro, em 1882, foram devidamente apreciadas.

Perspectiva de Aveiro no fim do século XVIII (pág. 93) - Consultar Espólio M. Sarmento.

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LIMITES DA CIDADE, FREGUESIA DA VERA CRUZ, ETC.

Passando à freguesia da Vera Cruz, e começando pelo Rossio, findava aí a cidade. Havia aí ao norte da capela uns quatro ou cinco palheiros que serviam para armazenar sal e que foram expropriados pela Câmara e demolidos depois em 18…. Aquele quarteirão de casas que parte com o Rossio, com a rua da Rainha e com a Praça do Peixe, e que era o último da cidade por aquele lado, não sofreu alteração alguma, além das reedificações, para melhor, da maior parte dos seus antigos e acanhados prédios e de algumas tentativas para melhor alinhamento.

Passando à Praça do Peixe, aí findava a cidade naquele ponto. A única casa que existia, a poente da Praça do Peixe, era a que ainda hoje existe, onde está a alquilaria de Martinho Girão, Sucessores; mais nenhuma; e todo o espaço hoje ocupado pelas casas a poente da Praça e bairro novo, até às proximidades da ponte, era uma pequena marinha, que a Câmara, depois de 1834, expropriou com o fim de aumentar o Campo do Rossio. Levou anos a aterrar; e, enquanto se ia aterrando, pela Repartição de Obras Públicas foi aterrada a parte do esteiro da mesma Praça, compreendida entre o ponto onde ele hoje finda e as proximidades da casa da alquilaria, que naquele tempo pertencia a um negociante por nome José Lourenço Pereira Branco, ao que me parece, natural de Águeda, ali estabelecido.

Cumpre notar que o esteiro da Praça do Peixe só tinha cortinas de pedra pelo lado do nascente, e que pelo lado do poente era ladeado por um muro de torrão e lama, que servia principalmente para fechar a marinha e que partia próximo da quina da sobredita casa, em direcção ao esteiro de S. Roque, seguindo depois até à ponte, de modo que quem quisesse ir da Praça do Peixe, à ponte, tinha de dar a volta pelo Rossio. Começado, porém, o aterro da marinha, e feito pelas Obras Públicas o muro do esteiro pelo lado do poente e o cais de desembarque no seu topo, como agora se acha, começou a fazer-se a rua que vai da Praça até à ponte, edificando-se aí os primeiros prédios, e sendo os primeiros que construíram casas os Srs. António Pereira Júnior um vasto armazém, e Francisco António do Vale Guimarães umas casas de habitação.

Foram crescendo as casas para norte, até que em 1870, pouco mais ou menos, a Câmara Municipal, a que presidia Manuel Firmino de Almeida Maia, no terreno que tinha sido marinha, demarcou ruas e chãos para casas, e logo começou a construí-las, achando-se assim um novo e populoso bairro, / 95 / sendo só para sentir que às casas que fazem frente para o Rossio, não fosse dado um aspecto melhor do que aquele que tem a maior parte delas.

Ficou assim a Praça do Peixe internada na cidade, mais vasta e mais regular, com o chafariz que não tinha é que foi feito em 18… (3), e com um mercado coberto para a venda do peixe, começado pela Câmara a que presidia o Sr. Gustavo Ferreira Pinto Basto em 1906, e concluído pela do Sr. Dr. Jaime Duarte Silva em 1908.

Da Praça do Peixe para o norte, até à praia da Cruz, fechavam a povoação da cidade por aquele lado, as travessas da praia para S. Roque e as ruas que descem do largo da capela, também para a praia e não havendo mais alterações do que a  construção de casas novas sobre terrenos vagos, ou no lugar de pardieiros, que nesta rua de S. Roque, assim como na do Vento e na de S. Bartolomeu muitos existiam, ou abandonados ou servindo para escassos e depósitos de estrumes dos moradores.

Findava a povoação na praia da Cruz ou do junco, assim chamada por ser ali que aportavam as bateiras que o traziam à venda, tendo muito consumo, principalmente para as casas destas três ruas, todas baixas e térreas, que substituíam o soalho por camadas de junco, caprichando em o ter sempre muito limpo, as casas muito caiadas e tão bem arranjadas quanto o permitiam os seus meios.

Os despejos faziam-se para a praia ou esteiro de S. Roque, que então não tinham, como agora, os melhoramentos ultimamente efectuados, nem a estrada que vai entroncar com a de Esgueira ao passo de nível do caminho de ferro; a praia do junco ficava ao fundo da rua de S. Bartolomeu, e daí para nascente, não havia casa alguma até às primeiras da rua do Carril.

Agora já há casas sobradadas, não só naquele sítio, mas para nascente, com tendência para continuarem para o lado da fonte, assim como algumas há para o lado do sul, nos terrenos chamados da Granja, que naquele tempo eram havidos como pouco produtivos, porque lhes faltava o braço do homem.

A rua do Carril permanece hoje como no tempo a que me refiro já existia, quanto à sua extensão; fizeram, porém, depois algumas casas de novo, e foram melhoradas outras.

Passando à rua do Carmo, ou continuação da rua do Gravito, se assim o quiserem, que naquele tempo se chamava rua de S. Paulo, em virtude de uma capela desta invocação que ali existia, mas que eu já não conheci, aí terminava o povoado da cidade no convento dos frades do Carmo.

Do lado do mar, à esquina para a rua do Carril, havia um pardieiro de uma capela, cujo centro era um montão de silvas. A porta que saía para a rua do Carril tinha ao lado, embutida / 96 / na parede, uma pedra em que se lia que ali tinha sido sepultado um vigário da Vera-Cruz; não me lembro, porém, nem do nome nem da data do seu falecimento.

A este pardieiro seguia-se uma casa térrea, sobre a qual foi há poucos anos levantada uma casa sobradada pelo Sr. Domingos Mateus de Lima, natural de Esgueira e há pouco falecido; seguia-se um muro que fechava por aquele lado a quinta do Carril, pertencente a Pedro de Sousa, e depois a João Agostinho Barbosa Bacelar, cujos herdeiros a venderam ao pai do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima.

Este muro, sem mais casa alguma, ia ao pátio do convento das freiras de Sá, pátio por onde se entrava para a igreja, que ficava ao norte, assim como para o convento, que ficava a nascente.

Das janelas deste lado, que deitavam sobre o pátio, costumavam as freiras ver e venerar a imagem veneranda de Cristo, Nosso Senhor dos Passos, quando saía da igreja de Nossa Senhora do Carmo, em procissão, conservando-se o andor por alguns minutos com a frente voltada para o lado de Sá, até que a procissão seguisse.

O convento de Sá existia exactamente no local que hoje ocupa o quartel militar. Do lado oposto seguia-se à igreja do Carmo um pátio com porta de carro para a rua e casas térreas de um e outro lado, nas quais estava aquartelada uma companhia de veteranos, que então tinha em, Aveiro, o seu quartel permanente.

Poucas praças ali residiam, porque as que tinham casas próprias ou de parentes seus na cidade ou nas povoações vizinhas tinham licença para nelas residir, sem contudo faltarem aos deveres de serviços, pois que estes pobres homens velhos, quando em Aveiro não havia qualquer outro corpo de tropas, faziam guardas à cadeia e onde mais se tornasse necessário, tudo compatível com as suas forças, e nas festas nacionais, que eram frequentes depois de 24 de Agosto de 1820, conduziam para o Rossio uma ou duas peças que no quartel existiam e davam as salvas de artilharia, enquanto o Batalhão de Caçadores 10, de que falaremos oportunamente, e algumas vezes também o regimento de milícias, faziam evoluções e paradas.

Esta companhia, cujas repartições se acomodavam, como dito fica, na parte que foi demolida para se construir a casa do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima, deixou de existir por nova organização, já na segunda metade do século passado.

Pelo pátio mencionado se fazia o serviço mais pesado para a cerca e para o interior do convento, pois que este não tinha frente para a rua, sendo todo construído ao fundo da igreja, e ao lado do nascente dela, e todo o serviço de pé se fazia pela porta, ao lado da igreja, por onde ainda hoje ele se faz para as sacristias, porta travessa e coro.

/ 97 / Além do pátio e casas que ficavam ao nascente da igreja, em cujo local se acha a casa edificada em 1858 pelo pai do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima, não havia mais casas, a não ser a que hoje serve de residência ao prelado da Diocese, quando vem de Coimbra a esta cidade.

A nascente dela, estava o lugar de Sá, pertencente ao concelho de Ílhavo; não sei por onde partia a linha divisória entre este lugar e o da cidade; parece, porém, que não erraremos muito se a colocarmos na estrada ou caminho que segue para Arnelas, pois se por um lado não havia mais do que um muro da cerca do Carmo, como ainda hoje se vê, do outro lado já tudo pertencia a Sá. A respeito deste lugar, diremos mais alguma coisa oportunamente.

A casa de residência episcopal que está na esquina que faz esse caminho, era antigamente a hospedaria das freiras, residindo nela o frade da Ordem, vigário ou capelão das mesmas freiras, e delas confessor.

Podem considerar-se como pertenças da cidade a cerca dos frades e a do Seixal, até ao Ilhote, visto serem pertenças de casas que estão nas ruas da cidade. Entre elas passa a rua do Seixal, que pode dizer-se achar-se sem população, ao que era naquele tempo, porque, se agora tem de mais os prédios há pouco construídos nas traseiras da quinta da casa dos Rangeis, tem de menos as pequenas casas que seguiam desde a casa de António Nuno Cabral Montês, hoje dos herdeiros de Manuel José Mendes Leite, até à casa de Manuel José de Almeida, hoje incorporada no edifício do Colégio Aveirense.

A parte da estrada para a estação, que parte de Arnelas, não existia, e quem de Arnelas queria ir para o Senhor das Barrocas, sem passar à estrada, seguia por uma viela ou esgueiro, que partia por entre a casa da quinta dos Cunhas, hoje dos herdeiros de José Rodrigues, de Sá, e a outra casa construída por José Justino Cerqueira de Alpoim Borges CabraI, e que ia dar à capela de Nossa Senhora da Alegria, descendo para a estrada por uma escadinha que ainda hoje existe nas traseiras da capela. Ainda se vê hoje, na Avenida do Quartel à Estação, uma travessa para nascente, que era continuação do esgueiro, vindo de Arnelas. Ora, na estrada chamada do Americano, aquela parte que desce desde a boca da rua do Seixal até ao Ilhote, era muito mais baixa, estreita, sombria, correndo por ela sempre água nas nascentes que por aí brotam, principalmente na quinta da D. Margarida, ficando-lhe a qualquer altura com cômoro que tinha árvores altas; e a quinta do Seixal, em lugar do muro que agora a cerca, era limitada desde a casa da habitação em toda a volta por um valado de loureiros que Manuel José Mendes Leite mandou cortar e substituir por muros; mas na parte que confina, com o Ilhote, a quinta não tinha nesse tempo o terreno baixo que agora tem, o valado seguia pela linha em que o terreno [Vol. VI – Nº 22-1940] / 98 / alteia, de maneira que, chegando à extremidade do muro do quintal do Colégio Aveirense, seguia em linha com este e com os mais muros dos quintais da rua que então se chamava Vila Nova, com o das Sr.as Mesquitas, o do Sr. Francisco de Moura e os mais que se seguem até que findava nas traseiras da casa do Visconde de Valdemouro.

Os terrenos acrescentados à quinta de Manuel José Mendes Leite foram-lhe dados em troca dos que ele cedeu do Ilhote, de que também era proprietário, para a factura da estrada, vulgarmente chamada do Americano. Naquele tempo, a água vinda para a fonte da Praça, seguia da caixa no caminho da Forca por um encanamento sobre um muro de pouca altura, e, chegando ao caminho que ia para Arnelas, como o terreno começava aí a ser muito mais baixo, existia a Arcada do Cojo, por sobre a qual continuava o encanamento, seguindo paralelo ao valado de loureiros, e depois aos muros dos quintais, e dando volta nas traseiras das casas do Visconde de Valdemouro, tomava a direcção do Sul, até à rua do Cais, seguindo por ela até às traseiras da casa que foi de Alexandre Ferreira da Cunha, contígua à que é hoje dos herdeiros de José Eduardo de Almeida Vilhena, na rua Entre Pontes.

Deve dizer-se que a parte da estrada que decorre desde a ponte de leste até à casa dos moinhos, onde hoje está a Escola Industrial, foi há poucos anos alargada e mudando-se a cortina do Cais o necessário para dar à estrada a conveniente largura.

Descendo a água, como dissemos, até às traseiras da casa que foi de Alexandre Ferreira da Cunha, seguia essa rua por encanamento subterrâneo até à fonte. Os arcos eram de tosca alvenaria, já muito arruinados, em diversos pontos, faltando as capas aqui e ali; assim como também nas quintas por onde passava, os caseiros abriam o cano, davam de beber a gado, lavavam as mãos, etc., etc.

Por entre os muros e a vedação dos prédios, corria um caminho estreito, e pela parte de fora outro, entre a arcada e o esteiro que então existia à beira do Ilhote. Este esteiro era continuação do canal que atravessa a cidade e que tinha guardas de pedra até ao ponto, pouco mais ou menos, onde hoje abre a Avenida Bento de Moura. Dali por diante não tinha guardas, e o caminho que ia entre ele e os arcos era onde se descarregava o moliço, o que muito concorreu para o arruinamento da arcada, porque os lavradores iam levando também a terra que o moliço humedecia, e até o lodo do próprio esteiro, vendo-se até covas em vários pontos.

Era por isto que quem por ali passava, tinha de ir pela parte interior da arcada, a par do vale dos loureiros, por onde em muitos sítios só cabia uma pessoa. Foi, pois, uma obra importante, a da Câmara de 18..., na presidência de …………. a demolição da arcada, o aterramento do esteiro, a abertura / 99 / da estrada e o encanamento subterrâneo da água, assim como as pesquisas para se encontrar novas nascentes, podendo não só abastecer a fonte da Praça do Comércio, mas as novamente construídas no largo da Vera Cruz e no largo da Praça do Peixe, indo ainda abastecer a do bairro dos Santos Mártires, posto que esta mais o devesse ser pelas águas que vão à do largo do Espírito Santo, na freguesia de Nossa Senhora da Glória.

Tratando-se ainda do Rossio e da Praça do Peixe, diremos ainda, que uma Câmara entendeu que devia aumentar a área do Rossio, outra que devia obstrui-lo com a antiga praça de touros, hoje demolida, mas ocupada por outra de madeira que se arma e desarma com facilidade, outra enfim, que devia aforar uma grande parte deste largo para edificações e ruas. Efectivamente, a população tem aumentado, e carecia de dar-se-lhe onde pudesse construir habitações; por outra parte, tendo desaparecido este largo e o dos Santos Mártires, ficou a cidade sem um campo [onde] com vantagem e com desafogo pudesse instalar-se o mercado dos dias 28 de cada mês, e no qual um corpo de tropas faça exercícios, de forma que o regimento de cavalaria 10 carecia de ir fazê-los na Gândara da Costa, a mais de cinco quilómetros de distância.

Seria melhor ter-se pensado bem no modo de conciliar estas duas necessidades, embora a Câmara não auferisse os foros que percebe dessas construções nos três largos, parecendo que o intuito de aumentar por esta forma os réditos municipais foi o principal que se teve em vista ao decretar estes aforamentos.

No entanto, é certo que a Praça do Peixe ficou em muito melhores condições, com uma rua que se presta à descarga de barcos, desde ali até à ponte, e o esteiro, guarnecido de cais por esse lado, ficou muito mais largo, e com a fonte ali mui necessária e útil.

Resta ao menos desafrontar, e para sempre, o largo do Rossio da deselegante construção da praça de touros, que nunca ali devia ser construída, e melhor será que o não seja em outra qualquer parte, e de nenhum modo dentro da cidade. Outro tanto diria da capela de S. João, se não ofendesse com isso a devoção, de muitos que o levariam a mal, como acto de impiedade. É, porém, certo que esta capela, não se recomendando como monumento de arquitectura, nem pelas suas belezas externas ou internas, servindo apenas para umas festividades que ali se fazem anualmente, à custa de devotos, já foi causa de que o canal que vem da Ria para o centro da cidade, não viesse em recta desde as Pirâmides, até ao ponto em que, deixando a linha do norte-sul, segue para o nascente, obrigando a fazer-se nele um ângulo obtuso que lhe diminui a beleza, para que a capela pudesse ser conservada. E também é certo que bem podia ser colocada a um lado, desafrontando-se o largo, ou ao menos guarnecida / 100 / e posta em condições de mostrar aos estranhos que há mais devoção e mais bom gosto da parte dos que pretendem conservá-la. Naquele estado, é triste que se conserve, pois que desfeia a cidade, principalmente a quem vem do mar, e sem inspirar a devoção a que tem jus, não tem coisa alguma que a recomende.

Era altamente conveniente que, a não ser demolida, atendessem para ela aqueles que desejam conservá-la (4).

 

LIMITES DA CIDADE A NASCENTE, ETC.

Expostos e ditos os limites da cidade, quais os limites do Concelho, enquanto aos terrenos e povoações a ela contíguos, relativamente ao poente e norte, e dito já que em direcção a Esgueira, a cidade e o concelho findavam ao convento de Nossa Senhora do Carmo, resta dizer que os limites do Concelho para nascente, iam até à Quinta do Gato, pela estrada de Arnelas e Forca, e até ao marco de S. Bernardo pelo caminho que do lado de S. Sebastião se dirige a este povo. O que hoje pertence às freguesias da cidade é o que então pertencia ao Concelho, por este lado, apertado a norte pela freguesia e concelho de Esgueira, e mais próximo da cidade pelo lugar de Sá, e pelo lado do sul, pela freguesia e concelho de Arada. Pertencia mais ao concelho da cidade o lugar de Santiago, limitando-se por este lado o termo da cidade pela mesma linha que hoje divide as freguesias de Nossa Senhora da Glória e S. Pedro das Aradas.

Cumpre, finalmente, notar que o lugar de Sá, de que mais tarde nos ocuparemos mais detidamente, conquanto do concelho de Ílhavo, pertencia eclesiasticamente à freguesia da Vera Cruz.

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         JOSÉ  FERREIRA DA CUNHA E SOUSA

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(1)A freguesia da Oliveirinha, por desmembração da de S. Isidoro de Eixo, foi erecta em 12 de Agosto de 1849. FERREIRA NEVES.

(2)Esta capela foi demolida há alguns anos. FERRElRA NEVES.

(3)Segundo informação recolhida, o chafariz da Praça do Peixe foi mandado construir pela Câmara de Aveiro em 1876. Todavia, a data gravada na fonte, que pode ser lida em 2017, é a de 1814. HJCO

(4)Esta capela começou a ser demolida em 3-11-1910. Ver Calendário Histórico de Aveiro. (HJCO)

 

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