A NOVA ARCÁDIA
UMA das maiores honras de
BINGRE é ser um dos fundadores da Academia
de Belas Letras, mais tarde conhecida
por Nova Arcádia. Esta agremiação literária foi instituída pelo Conde de Pombeiro, JOSÉ DE SOUSA VASCONCELOS, por sugestão de BINGRE, JOAQUIM SEVERINO e CURVO SEMEDO. A
Arcádia Lusitana, extinguindo-se em 1776, dera origem à Academia de
Humanidades, que, por iniciativa de BINGRE e dos outros indivíduos acima
citados, se converteu na Academia de Belas Letras ou Nova Arcádia, a que
pertenceram BOCAGE (Elmano
Sadino), J. A. DE MACEDO (Elmiro Tagideu), CURVO SEMEDO
(Belmiro Transtagano), PATO MONIZ (Oleno), TOMAZ ANTÓNIO DOS SANTOS
SILVA (Tomino), FERRAZ CAMPOS (Alcino), SEBASTIÃO XAVIER BOTELHO (Clario),
COSTA QUINTELA (Jacinto), etc. A páginas 47 e seguintes do Moribundo Cisne do Vouga há uma poesia de
BINGRE que se refere a todos estes poetas, seus companheiros
arcádicos.
PINA MANIQUE, o famoso lntendente, protegeu a Nova Arcádia, efémero
cenáculo literário, dando-lhe assistência oficial e arranjando-lhe sede no Castelo de S. Jorge. Pelo mesmo chefe político foi convidada a celebrar, em sessão solene, no Paço da
Ajuda, o nascimento da princesa D. Maria Teresa, primeira filha
de D. João VI. BINGRE tomou também parte nessa honrosa cerimonia, acompanhando os mais ilustres homens de letras da
época, como se vê desta passagem do próprio BINGRE: «.. foram
todos os nossos sócios em seges da Casa Real; e indo eu em
uma com o Padre JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO, me perguntou
BOCAGE − que obra levava ele. E dizendo-Ihe eu que nenhuma,
pois, como ele devia fazer a oração de fecho em prosa, desejava improvisá-la... Respondeu-me o BOCAGE:
− Como ele quer improvisar
em prosa, hei-de eu improvisar em verso, pois
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não trago nada escrito. E assim o fez, em verso heróico, com tanto
entusiasmo, que se ergueu do mocho em que estava assentado e se virou
para a porta onde estava o Príncipe entre cortinas, como encoberto, e
fez um genetlíaco, de repente, que assombrou toda a
cortesã assembleia(1)...»
As rivalidades entre JOSÉ
AGOSTINHO DE MACEDO e BOCAGE, e principalmente os versos satíricos deste
último, envolveram em guerra os sócios da Nova Arcádia. Uns seguiram o
partido do ex-frade, outros o de BOCAGE. Uns e outros se atacavam
mutuamente, com versos satíricos, mordentes. O soneto «Preside o neto da
Rainha Ginja», de Bocage, foi a primeira investida, a que outros
imediatamente responderam. A guerra estava no apogeu em 1794. O poeta
ALCINO (Ferraz de Campos) escreveu uma epístola a BOCAGE, com a seguinte
passagem:
.. Entre os tristes pastores,
Tudo são dissensões, guerras, furores.
Por estar ausente de Lisboa no período agudo das lutas, BINGRE
manteve-se alheio à contenda, não ganhando inimizades em qualquer dos
campos. Por isso ALCINO, na citada epístola, o convida a apaziguador. Os
esforços de BINGRE, se é que alguns tentou, não deram resultado. As
rivalidades continuaram, ferveram as odes satíricas, e só com a
aproximação da morte de BOCAGE cessaram as hostilidades.
Na morte de BOCAGE,
esqueceram-se despeitos e agravos, e todos foram
unânimes em consagrar o génio(2).
BOCAGE, no prefácio da
tradução das Plantas de Castel, inclui BINGRE no rol dos talentos
da sua época(3).
O poeta Elmano procura aí amesquinhar o valor literário de J. A. DE
MACEDO; e, no entanto, este escritor, admirável polígrafo, pondo de lado
os seus defeitos de carácter, está hoje mais vivo literariamente do que
muitos dos confrades que cita, alguns dos quais, como BINGRE, estão de
todo esquecidos.
O que é a glória e o que são
as pugnas literárias!... Mais uma vez se demonstrou que não é a crítica
que imortaliza ou faz esquecer um nome, mas o valor ou a nulidade da
obra.
No que diz respeito a BINGRE,
o esquecimento do seu nome tem a sua causa no ineditismo das suas
composições ou no seu geral desconhecimento.
BOCAGE e BINGRE, através de
todos os contratempos, mantiveram durante toda a vida uma comovente
camaradagem pessoal e poética. Admiraram-se e elogiaram-se mutuamente.
/ 291 /
Na morte de BOCAGE, o
Cisne do Vouga dedicou-lhe dois sonetos, um dos quais transcrevemos:
Depois de ter saltado o
pantanoso,
Turvo rio fatal do esquecimento,
Desceu Bocage ao reino do tormento
Sem sofrer o latir do Cão raivoso:
As duras leis de Minos rigoroso
Não foi ouvir, co'a turba, ao férreo acento...
Pisou sem custo o negro pavimento
Do longo, espesso, arco pavoroso...
Tudo gostou ali de ouvi-lo, e vê-lo...
Com a Lira imortal, que então pulsara,
Tudo encantou, ninguém ousou sustê-lo.
Só o monstro, que em vida o flagelara,
O Ciúme cruel, tentou prendê-lo,
Se tão depressa ao Éden não passara.
BINGR8 foi dos raros poetas da época que escaparam às ferroadas da
sátira impiedosa, honrando-se com a admiração de todos os seus
contemporâneos, incluindo os príncipes das letras desse tempo − BOCAGE e
J. A. DE MACEDO. A própria Marquesa de Alorna, D. LEONOR DE ALMEIDA (a
Alcipe, da Arcádia), poetisa e senhora cultíssima, o
receberia nos seus salões e lhe tributaria veneração − ela que
caprichava em conviver com as maiores celebridades do tempo. Nunca lemos
nem temos à mão a obra poética desta poetisa, onde é possível que se
encontre qualquer referência ao estro de BINGRE − tal a fama excepcional
de que gozava.
Na ode natalícia escrita aos
80 anos de idade, em 1843, o poeta refere-se aos seus triunfos
literários na capital:
Em tempos mais felizes, nas
praias lusas,
Salitrosas, da fúlgida Ulisseia,
Teve a
estima das Musas ;
Da
cítara Febeia
Alguns sons aprendeu; teve louvores
D'afamados cantores.
Em seu sábio Ateneu − ali − com eles
Em tarefas poéticas cantava.
Francélio era um daquelles
Que as
asas despregava,
Seguindo o rasto dos seus grandes sócios,
Alvos
cisnes beócios.
AVESSO À PUBLICIDADE
O poeta BINGRE (ou o
Cisne do Vouga, por que é mais conhecido). embora reconhecesse, como
confessa em várias poesias, o seu mérito poético, nunca se preocupou com
a publicação
/
292 / dos seus versos. Parece que nunca aspirou a que o seu
nome se perpetuasse na imortalidade. À hora da morte, teve,
como BOCAGE, a sua contrição, e ele próprio abjurou dos seus versos da
mocidade − mundanos e alguns deles, talvez, licenciosos. Inutilizaria,
sem custo algum, toda a sua obra poética,
só para que pudesse entrar de fronte levantada, de coração
puro, na presença de Deus. Como BOCAGE, exclamaria também:
«Rasga meus versos, crê na Eternidade.»
Numa epístola em verso, o poeta JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
dirige-se a BINGRE (nobre cantor que ao pátrio Vouga dás ufania,
dás brasão, das honra...), censurando-o pelo desleixo em não
cuidar da publicação da sua obra poética:
... não estranhes
Que eu, em nome de Febo e das Camenas,
Te censure o descuido, com que negas
Teus versos publicar. Longos estudos,
Trabalhos longos − ficarão perdidos?...
Reclama a Pátria do teu estro os frutos...
Na mesma epístola, COSTA E SILVA duvida que os herdeiros
de BINGRE dêem à publicidade a sua obra, se o poeta o não fizer em vida:
Dos herdeiros e amigos, tu confias
Que teus versos á luz darão? Não provam
Tantos exemplos que te iludes
nessa
Lisonjeira, fantástica esperança?
Onde os versos de Tirse? Onde os de Alfeno?
E aconselha-o, por fim:
Não sacrifiques do teu estro a glória
A temor infundado, a vão capricho.
Teus poemas publica, e verás como
Critica imparcial, co'a recta vara
Dos ruins os extrema; e tos consagra
Ao público louvor, pública estima.
BINGRE respondeu com outra epístola, também em verso
e, por sinal, uma das suas melhores composições. O Cisne do
Vouga descreve nela as amarguras da sua idade octogenária e
quanto à publicação dos seus versos, diz:
Perdi o gosto à vida: o
sentimento
De uma fama floral além da morte,
Não me ocupa um instante o pensamento!
Queixa-se amargamente de não haver tirado partido das
suas qualidades poéticas e intelectuais:
De que serviu a pouca inteligência;
Que o Céu me deu de harmónica Poesia?
Pode ela − hoje − livrar-me, da indigência?...
/
293 /
Humildemente, afirma dispensar todas as
glórias terrenas:
Já não quero louvores, nem desejo
As capelas de mirto e de amaranto
Que em outros tempos me ofertara o Tejo.
E, por fim, deseja que os seus versos fiquem perdidos no
inédito, esquecidos para sempre:
Devem ficar no Letes submergidos,
Os versos, que lhes dei: esses cantares
Pouco importa que fiquem esquecidos.
Porém, se não lhe interessa a publicação dos seus carmes
da mocidade, confessa que muito desejaria ver publicados os
seus versos dos últimos anos, aqueles em que fez a sua contrição e em que prestou as suas homenagens a Deus. Os salmos,
os hinos religiosos que compôs nos últimos tempos da sua
longa vida, mostra desejos de os ver impressos, antes de lhe
soar a hora final. A essas composições se refere na aludida
epístola a COSTA E SILVA:
Estes sim, desejara eu sem vaidade
Impressos inda ver em minha vida,
Como emendas da louca mocidade.
Mas ah! que esta vontade apetecida
Não posso conseguir, douto Josino,
Porque estou muito perto da partida.
Meu estado morboso, assaz mofino,
Me priva deste gosto derradeiro,
De
dar ao prelo o Cântico Divino.
Estes versos foram escritos em 1848; e BINGRE teve a felicidade de ver o seu desejo satisfeito, pois em 1850, graças, aos
seus amigos e admiradores, foi dado à estampa o Moribundo
Cisne do Vouga − de que já tratámos −, onde os principais
frutos da sua lira religiosa foram recolhidos.
Como nos demonstram os seus versos, a alma de
BlNGRE
era profundamente religiosa, o que não admira, pois, sendo a
inspiração graça de Deus, não cremos existir um único poeta
que não seja religioso. «Religioso por que poeta» − disse
simplesmente HERCULANO, falando de EURlCO, o visionário do
Calpe. Passou a idade dos profetas, Deus continua a falar aos
homens por intermédio dos seus grandes líricos. O poeta é quase sempre um vidente e um médium: visiona e transmite.
No termo da sua vida, BINGRE abjurava dos versos que
escrevera na mocidade, exclamando:
...quero se esqueçam
Os cantos da mentira:
Quero que ali feneçam
Com ela os versos loucos, fabulosos,
Que hoje − neste Natal − me são odiosos.
/
294 /
E suplicava humildemente:
Se o meu nome cantar quiser
a Fama,
Se o Vouguense Cantor de alguém lembrado
For com amante chama
De um coração louvado;
Não se lembre dos cânticos profanos,
Lembre-se dos chorosos desenganos.
Na mesma canção natalícia donde extraímos estes excertos, o poeta
refere-se «ao grande dom da poesia atrevida» e, dirigindo-se a Deus, exclama algures:
Só deviam a Ti ser consagrados
Os versos que cantei na mocidade...
ONDE SE ENCONTRAM OS SEUS ORIGINAIS?
A tantos anos da sua morte, onde se encontram neste momento os originais
do poeta arcádico? A obra de BINGRE, do Cisne do Vouga, estará intacta,
completa, ou encontra-se mutilada ou perdida?
Como se chama, e onde mora, o actual possuidor de tão preciosas
relíquias − os seus originais − se é que o tempo, ou um descuido
condenável, as não aniquilou?
Não empregámos esforços para saber
do seu paradeiro, mas desta tribuna fazemos a
interrogação, esperançados em que
alguém nos responderá(4).
Por morte de BINGRE, os seus 'inéditos foram recolhidos por Calixto
Luís de Abreu, natural de Eixo, professor de latim no liceu de Aveiro e
um grande amigo do poeta, como já foi dito.
Houve várias tentativas para
serem dados à publicidade, mas baldadamente. Em 1857, Sebastião de Carvalho e Lima,
− pai
do grande espírito que foi JAIME DE MAGALHÃES LIMA − encarregou o
referido Calixto de compilar, e mandar imprimir na tipografia do
«Campeão do Vouga», os inéditos do poeta, com o título Estro do Bingre,
em quatro tomos. A morte do grande amigo do poeta impediu que se
realizasse esse projecto.
E assim ficaram inéditos, na maioria, até hoje, os originais
de BINGRE.
Estava o nosso humilde trabalho concluído e ignorávamos ainda o destino
dessas composições, quando do Arquivo do Distrito de Aveiro nos
informam que, na Biblioteca da Universidade de Coimbra, se encontram numerosas cópias de inéditos de BINGRE, feitas e oferecidas pelo sr.
Manuel Abreu, de Eixo.
/
295 /
Igualmente o nosso obsequioso informador nos diz que o
jornal de Ílhavo O Nauta publicou, há muitos anos já, alguns
inéditos de BINGRE. Ignorávamo-lo. Mas, mesmo que os originais tenham sido todos publicados, são desconhecidos como se
fossem inéditos. A leitura dos jornais, como se sabe, é efémera
e restrita.
Ainda bem que se encontram livres de extravio, mercê das
cópias entregues à Biblioteca da Universidade, os inéditos do
grande vate de Canelas.
IMAGEM |
Casa, em
Mira, onde viveu e faleceu o poeta BiNGRE |
Falta, porém, saber do paradeiro dos seus originais, pois
na Universidade de Coimbra apenas existem cópias, e deste
século.
Estarão ali todos os inéditos do poeta? E serão essas
cópias reprodução fiel dos originais?
Eis o que convinha averiguar.
Encontrados, assim, todos os inéditos, para que
BINGRE,
como Lázaro, ressurja do sepulcro, é uma necessidade − e um
dever − estudá-los e lançá-los à publicidade. O Cisne do Vouga
é merecedor de ser lido e conhecido. Os seus versos têm verdadeiro fogo poético, e em alguns deles há chispas de
génio.
Não há o direito de o
deixarmos morrer inédito.
/
296 /
Quando não seja possível, por deficiências monetárias, publicar a obra
integralmente, que alguém a joeire e publique em antologia as melhores
composições. A cidade de Aveiro deve essa homenagem ao Cisne do Vouga,
ao maior cantor das suas glórias e das suas belezas.
INOCÊNCIO chamava à publicação das obras de BINGRE «empresa altamente
patriótica» e «valioso presente feito às letras portuguesas». Em tal
conceito tinha o valor do estro do poeta, não obstante ter lidado com
milhares de autores.
Embora tarde − mais vale tarde do que nunca
−, que as obras de BINGRE
sejam agora publicadas, podendo encarregar-se dessa missão os distintos
directores do Arquivo do Distrito de Aveiro, designadamente o ilustre
professor sr. dr. JOSÉ TAVARES,
que iniciou o estudo dos Literatos do Distrito. Antes que a fatalidade
aniquile o trabalho extenuante e precioso do poeta...
Que o distrito de Aveiro, para sua própria glória, avive a memória de BINGRE, do inspirado e desventuroso Cisne do Vouga, fazendo publicar as
suas obras.
O QUE ESCREVEU
BINGRE foi duma fecundidade assombrosa, concorrendo para
isso a sua longa existência e a sua vida de ostracismo durante largos
anos. Não incluindo as impublicáveis, as suas obras dariam mais de nove
tomos. Escreveu mais de mil sonetos,
odes em todos os géneros, salmos, ditirambos, canções, epístolas,
elegias, madrigais, sátiras, metamorfoses, apólogos, epigramas, contos, aventuras, fantasias, cartas sentimentais, dramas
heróicos e alegóricos, farsas, entremeses, epitalâmios, fábulas,
vilancicos, chacotas, etc. Diz o Districto de Aveiro que escrevera mais
de sete mil sonetos, mas achamos o número exagerado, devendo ter havido
lapso tipográfico.(5)
Entre os seus inéditos contam-se os seguintes trabalhos:
O Momo, poema herói-cómico; As Mulheres, poema encomiástico em três cantos;
As
Sombras, passeio fantástico ao cemitério
dos Prazeres, e o Democrito Mirense Rindo com a sua Lira.
INOCÊNCIO tinha comprado em 1865 uma cópia do poema
inédito As Mulheres, em três cantos: Das Graças = Das Armas =
Das Letras. Foi escrito aos oitenta anos de idade, em 1843.
Tem ao todo noventa oitavas
rimadas.
A maior parte da obra de BINGRE está inédita. Vamos dar a lista das
composições que sabemos terem sido publicadas, em folhetos ou
publicações periódicas:
/ 297 /
Os Lagareiros, idílio «Almanach das Musas», parte 3.ª,
pág. 35 a 49;
Cançoneta dithyrambica, idem, pág. 52;
Soneto ao Amor, idem, parte IV, pag. 29;
Ode aos Plausíveis alunos do Ex.mo Conde de Pombeiro, idem,
pag. 70;
Epístola «A vós, Augusto Principe sob'rano», na «Colecção
de poesias do nascimento do Príncipe da Beira»;
Epístola a Joaquim Severino Ferraz Campos, em resposta a
outra sua, nas «Rimas» de JOAQUIM SEVERINO, pág. 193;
Drama alegórico
representado no teatro do Salitre, no
dia 13 de Novembro de 1801... na plausível publicação da paz.
Lisboa, na Officina de Simão Thaddeu Ferreira 1082. 8.º de 14 págs.;
Epístola a Sua Alteza Real o Príncipe
Regente, etc. − Saiu
no folheto «Tributo de Gratidão que a Pátria consagra»,etc.;
Elegia à Morte do Marquez de Ponte de Lima, na «Livraria
Clássica de Castilho», tomo XIII, pág. 99;
Cahio Memphis (soneto), no «Telegrapho Português» de
16-3-1809, com as iniciais A. R. Q., reproduzido no «Jornal de
Coimbra», v.e 2, n.º 300;
Soneto a Lord Wellington, no mesmo jornal, a pag. 378;
Nenias, ou sentimentos paternais no sepulcro de Perpetua,
em tres noutes. Lisboa, 1818, folheto de 24 págs.;
Décima, glosando o mote «Para amar não tenho tempo»; na
«Mnemosine Luzitana», tomo I, n.º 7, sem nome;
Proclamação do Douro aos Portuenses...
1820 − Anunciada
no «Portuguez Constitucional» de 1-10-1820;
Elegia na sentida morte do senhor doutor Manuel Joaquim
Borges de Paiva, insigne poeta trágico. Porto, 1824. 4.º de 8 págs.;
Elegia na sentidíssima morte de
S. M. I. R. o senhor
D. João VI, etc. Porto, Imprensa de Gandra, 1826. 4.º de 11 págs.;
Odes de Sapho a Phaon.
− No «Ramalhete», jornal de
instrução e recreio, 1839, v.e II, a págs. 104, 128, 144, 175, 183, 192,
200 e 208. − Sobre este trabalho diz INOCÊNCIO: «São oito
odes que formam uma espécie de poema erótico, mui semelhante ao que sobre o mesmo assunto e no mesmo metro escreveu o medico-poeta J. B. Imperiali, ao qual não fica inferior o
poema português, quer pelas ideias, quer pelo estilo e versificação.»;
Odes anacreônticas a
Marsia, (ao todo 11 ), no «Ramalhete»,
a págs. 112, 152, 160, 168, 175, 184. 192 e 200;
Epigramas sobre diversos assuntos. No mesmo jornal;
Soneto ao Senhor José Maria da Costa e Silva, idem, v.e
1, 1838, a pag. 359;
Sonetos de Saudade, idem, v.e I, pág. 402; e v.e 2, pag. 24;
/
298 /
Sonetos, á morte de M M Barbosa du
Bocage na «Livraria
Clássica Portuguesa», tomo XXIII, pág. 99 e segs.;
Ode no seu dia natalício, no «Panorama» de 14-10-1843;
Ode «A grande Barca da Romana Igreja», na «Revista
Universal Lisbonense», tomo III da 1.ª série, pág. 290;
Ode aos seus beneficentes amigos que formam a Comissão
caritativa de Aveiro, Eixo, Ílhavo e Vagos, para socorro do autor, no «Periódico dos Pobres», do Porto,
n.º 106, de 5-5-1884;
O Moribundo Cisne do Vouga (Colecção dalgumas peças
mais importantes, extraída das obras poéticas do Snr. Francisco
Joaquim Bingre, nos últimos momentos da sua vida. Porto,
Typographia Commercial, 1850. Editor, Calisto Luiz d'Abreu).
De encontro ao que está escrito no próprio livro, diz INOCÊNCIO
que o editor desta obra fora o dr. FRANCISCO ANTÓNIO DE RESENDE;
O cidadão liberal rindo
com a sua sanfona dos Corcundas
portugueses. Porto, Imp. da Gandra, 1822, 8.º de 58 págs., em
quadras octossílabas.
A esta lista, extraída do Dicionário Bibliográfico de INOCÊNCIO,
há a acrescentar, pelo menos, o belo soneto póstumo publicado
na Antologia do «Guia Histórico do Viajante no Bussaco», o
qual vamos reproduzir:
MOTE
Nos braços de Jesus crucificado
GLOSA
Montanha divinal, santo deserto,
Asilo de virtude penitente,
Onde da contrição o fogo ardente
Acha consolação, abrigo certo!
A sagrada Sião daqui é perto,
Daqui já se divisa o sol ridente!
Ah! ditoso o mortal, feliz o ente
Que abre os olhos aqui, ao bem desperto!
Amável solidão, prazer jucundo,
Têm teus monges aqui lugar sagrado;
Livres da corrupção do Iodo imundo.
Ah! Quem pudera aqui desenganado
Pousar, fugindo ás tramas vis do mundo,
Nos braços de Jesus crucificado.
Admirável composição, que bem revela o engenho poético
de BINGRE, a sua religiosidade, e bem traduz o encanto místico do ermo
do Buçaco!...
/
299 /
PALAVRAS DE TEÓFILO BRAGA
Já depois de concluído o nosso humilde trabalho, tivemos
ocasião de compulsar o volume Bocage (sua vida e época literária), 1876, de TEÓFILO BRAGA, fecundo publicista que nos deixou vasto arsenal de memórias literárias, com algum joio,
segundo os críticos, mas onde há muito trigo a recolher. Por virem
confirmar algumas das nossas afirmações e esclarecer
alguns pontos obscuros da biografia de BINGRE, transcrevemos, a
seguir, as curiosas e apreciáveis referências do grande mestre da história da nossa literatura:
«BINGRE foi o poeta que sobreviveu a toda esta geração
de árcades, morrendo da mais provecta idade. A vida de BINGRE
desde o seu nascimento em 1763 até 1856, decorreu acompanhando todos os
grandes sucessos da historia moderna que
transformaram a face do mundo. Nas obras de BINGRE, que
existem na quase totalidade manuscritas e que compulsámos,
acham-se gloriosas memórias dos factos mais importantes de
que teve noticia, mas conservou-se sempre alheio á actividade
do seu século. Aos noventa e três anos(6) achou-se só em
uma extrema miséria; a vida obstinava-se a fazê-lo assistir á
agonia de cinco netos gemendo com fome em volta dele. Tanto
BOCAGE como MACEDO e FERRAZ DE CAMPOS renderam homenagem
ao seu talento e á brandura do seu carácter; nas Considerações
Mansas, chamava-lhe MACEDO «bom poeta e judicioso homem»
e BOCAGE na tradução do poema das Plantas:
Ferve no audaz Francelio, e rompe os astros
Sacro delírio, destemida insânia.
Pela sua extraordinária longevidade,
BINGRE era a tradição
viva dos tempos da ultima Arcádia, e o tesouro de todas as anedotas
literárias dos poetas seus contemporâneos. A sua
existência retirada em Mira, fora de toda a comunicação, falta
de interesse que havia pelos estudos de historia literária, foram
causa de se não coligirem excelentes quadros da nossa vida intelectual
do século XVIII. Em 1847, o snr. José Feliciano de
Castilho lembrou-se de o interrogar acerca do carácter, génio,
e obras inéditas de BOCAGE; ao que ele respondeu em uma
carta de 5 de Julho desse ano, contando a constante amizade
de José de Seabra da Silva pelo poeta e a vontade que o
Ministro tinha de o colocar na Biblioteca publica; o seu carácter bondoso e o seu sentimento caritativo; os serões políticos
/ 300 /
em casa das filhas do Marechal Werne, e os improvisos no paço por
ocasião da primeira filha de D. João VI. Se BINGRE fosse interrogado
oralmente, ou se alguém coligisse por conversas, as suas recordações
casuais, muito maior pecúlio de tradições se aproveitaria. A sua carta
traz estes belos traços que lhe dizem respeito: «Acantonado há
quarenta e seis annos n'estes areais de Mira; na longa decrepitude de
outenta e quatro, e sobretudo flagellado com agudissimas dôres de
gota, mal posso satisfazer ao que V. me incumbe sobre a biographia de
BOCAGE. Fomos intimos amigos, e socios de uma particular
Arcadia, de cujos alumnos julgo que só eu resto, segundo uma carta que me
escreveu JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO proximo á sua morte; pois me
asseverava que só eu, elle, e LARA, restavamos da nossa sociedade». As
obras de BINGRE são apenas conhecidas pelos diminutos escritos
publicados no Almanach das Musas, no Jornal de Coimbra, Mnemosine
Lusitana, Ramilhete, e outras publicações periódicas. CALIXTO LUIZ DE
ABREU,
grande amigo de BINGRE, que formara e publicara uma pequena colecção com
o titulo de O Moribundo Cisne do Vouga, começou em 1858 a coordenar
todas as poesias de BINGRE com o titulo de Estro de Bingre, precedido de
uma extensa biografia, que consultámos. A morte deste amigo do poeta
obstou a que as suas obras viessem à publicidade; debalde ainda
em, 1869, o proprietário da Imprensa Portuguesa, que era natural de
Aveiro, tentou publicá-las, mas não foi possível alcançar subscritores
que auxiliassem uma tão benemérita empresa».
BENEFÍCIO NO TEATRO DE S. JOÃO
Na sessão pública realizada no teatro de S. João, do Porto,
na noite de 14-12-1852, em benefício de BINGRE, recitaram poesias
originais e alusivas ao acto os principais homens de letras e
poetas desse tempo: CAMILO, FAUSTlNO XAVIER DE NOVAlS, AUGUSTO LUSO, FERREIRA
RANGEL, ALEXANDRE MONTEIRO e ANTÓNIO PINHEIRO CALDAS. A poesia de CAMILO encontra-se no seu livro «Duas épocas de vida».
É uma extensa
composição lírica, sem nada de notável a recomendá-la (o poeta CAMILO
não estava à altura do prosador), apenas coma particularidade de ser, ao
que parece, sincera e haver sido escrita pelo mais prodigioso romancista
português do século XIX. Nessa poesia, o torturado de Ceide, verdadeiro
forçado das letras, presta as suas homenagens
a BINGRE:
Eu li teus versos, e nos seios d'alma
Senti consolação...
/ 301 /
E, referindo-se ao signo poético do
Cisne do Vouga, à sua
precocidade lírica, exclama:
A luz dum raio divino
Te aqueceu no berço a fronte...
Na penúltima estrofe, dirigindo-se
aos assistentes do benefício (que eram muitos e escolhidos), exalta em ternas palavras
o humilde e inspirado lírico do Vouga:
Não penseis que dais a esmola
Que qualquer pobre consola
Quando a fome o angustia...
Fazeis nobre a vossa história,
Pois que o Bingre é nossa glória
Nos anais da poesia!
Referindo-se a essa sessão beneficente, que tanto honra os
homens de letras desse tempo, CAMILO escreveu no «Portuense», n.º 260, de 1854: «...São poetas que vêm ali mendigar á caridade pública
esmola para o homem de coração, relíquia das
caducas glórias da literatura arcádica, herdeiro da indigência de
Quita e Bocage, contraste doloroso e, ao mesmo tempo, irrisório,
comparado às cabeças de pedra, que por aí se engrinaldam de
coroas cívicas, tão caras ao orçamento, que nem para o decrépito Bingre sobejam umas sopas!... Nem por honra desta
terra!. .. A honra!... é velho santo sem mordomo − dizia o bom
Mathurin Régnier, que sabia tirar da sociedade o proveito que
o Cisne do Vouga desperdiçou em cânticos aos nascimentos e
casamentos e óbitos da família real».
PINHEIRO CALDAS, que tomou parte, como poeta, na referida
sessão, escreveu nas suas memórias:
«O teatro apresentava um aspecto brilhante! Era majestoso e grande o ver um povo inteiro rendendo preito
à realeza
do génio no seu trono de desgraça! Soberbos eram aqueles
aplausos espontâneos, aquelas ovações entusiásticas com que
os espectadores abafavam as últimas notas de um canto arrebatado! »(7).
BINGRE, apesar dos seus noventa anos de idade, ainda agradeceu aos seus amigos portuenses com várias poesias que podem
ser lidas no «Eco Popular» de 1853.
Na noite escura da sua miséria e infortúnio, a amizade, a
caridade e o aplauso foram estrelas que iluminaram o poeta,
dando alento à sua alma. Génio e desgraça, companheiros inseparáveis de todos os predestinados para a glória, foram também
os companheiros do miserando e glorioso Cisne do Vouga!...
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302 /
AS CINZAS DE BlNGRE
Por ironia do Destino,
BINGRE, mal aventurado em vida, foi-o também na
morte: no local, no adro de Mira, onde o seu
corpo foi dado à terra, ergueu-se mais tarde uma retrete! Singular profanação!... MAIA
ALCOFORADO, publicista, conhecedor
do sacrilégio, tomou a iniciativa de o reparar; e, assim, graças aos
seus esforços, após uma pequena campanha na imprensa local, no dia 26 de
Março de 1933, foram removidas solenemente as ossadas do poeta para o
jazigo de família pertencente ao
sr. Augusto Bingre de Sá, no cemitério da vila de Mira. Procedeu-se nessa altura ao descerramento duma lápide na casa
onde o poeta viveu inúmeros anos, entre a desilusão e a miséria, e onde
faleceu. A essa consagração póstuma, grandiosa manifestação popular, assistiram centenas de pessoas de Mira,
Ílhavo,
Cantanhede e Canelas, naturalidade do poeta. Enaltecendo as
qualidades poéticas de BINGRE, no cemitério, sessão solene e
descerramento da lápide, falaram vários oradores − os srs.
Dr. JOÃO CALIXTO, MAIA ALCOFORAD0, José Trindade, Eduardo
Faria, P.e António Domingues de Andrade (prior de Canelas), P.e António da Fonseca (prior de Frossos) e Raul Bingre de
Sá. Tomaram parte na homenagem os Bombeiros Voluntários
de Ílhavo e Cantanhede, a Banda de Mira e a Banda Bingre Canelense.
Comemorando a trasladação das cinzas de BINGRE, o jornal
«A Razão», de Mira, publicou um número especial dedicado
ao poeta, com a colaboração de Visconde de S. Bartolomeu de
Messines, MAlA ALCOFORADO, Rodrigues Gomes, Dr. João Calixto,
Dr. Simões Ratola, J. M. Carlos Moreira da Silva, João Paulo
Freire, João Grave, Raul Bingre de Sá, etc.
Também o n.º 2334, de 16-4-1933, do «Jornal de Estarreja»,
dirigido pelo sr. Carlos Alberto da Costa, é inteiramente consagrado ao poeta, havendo colaborado nele D. Ludovina Frias de
Matos, José Caldas Amorim de Carvalho, P. Vieira, J. Duarte
Costa, Ayres, A. M. Arrais, e muitos outros.
O sr. MAIA ALCOFORADO é merecedor dos mais rasgados
elogios, por haver arrancado ao opróbrio as cinzas respeitáveis
de BINGRE. Graças ao seu gesto altruísta, que bem traduz uma
alma, jazem agora sossegados, em lugar condigno, os restos
mortais do desventurado cantor, que, em 1933, teve as honras duma
consagração, duma significativa apoteose.
Do extinto jornal de Mira, «A Razão», transcrevemos a
certidão de óbito do poeta, publicada aquando da remoção das
suas cinzas.
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CERTIDÃO DE ÓBITO
Elias Rosado Gordilho, Bacharel formado em direito pela
Universidade de Coimbra, e Conservador do Registo Civil do
concelho de Mira.
Certifico que dos livros de registo de óbitos do ano de mil
oitocentos e cinquenta e seis, arquivados na Repartição do
Registo Civil a meu cargo, a folhas cinco e notas folhas quinze,
constam uns assentos do teor seguinte:
À margem: Egreja para Baixo
− Francisco Joaquim Bingre.
No texto: «Aos vinte e seis dias do mês de março de mil
oitocentos e cincoenta e seis, falleceu com todos os sacramentos
o ultimo poeta da Arcadia − Francisco Joaquim Bingre, viuvo,
e foi sepultado em lugar distinto no Adro desta Igreja de
São Tomé de Mira, Bispado de Aveiro. Para constar fiz este
assento. Era est supra. Vejà-se a nota a folha quinze. O Vigario João Ferraz de Abreu.
− A folhas quinze consta:
N. B. O lugar distinto em que foi sepultado Francisco
Joaquim Bingre, é a casa vulgarmente chamada dos Ossos que
se acha colocada no fim do Adro. A sua sepultura fica designada por enquanto por quatro pequenas estacas, duas
à cabeceira e duas aos pés, demarcando a largura e comprimento de todo o
terreno que o cobre. Mira sete de outubro de mil oito
centos e cincoenta e seis. O Paroco João Ferraz de Abreu.
E por ser verdade e me ser pedida pelo escritor
publicista
Maia Alcoforado, passo esta certidão que conferi e assino.
Mira e Repartição do Registo Civil em 15 de Março de 1933
O Conservador do Registo Civil
− (a) Elias Rosado
Gordilho.»
SONETOS INÉDITOS
Ao sr. Raul Bingre de Sá, bisneto do Cisne do Vouga, morador em Mira, devemos a cedência de dois sonetos
inéditos.
Temo-los na nossa frente, escritos pelo punho trémulo do poeta
num quarto de papel almaço liso, esmaecido pelo tempo − um
soneto em cada face. A caligrafia é pouco firme e algumas
palavras não têm a ortografia própria. Eis os sonetos, que foram
escritos para comemorar a data de 17 de Julho de 1852
em que o poeta, confundindo, como dissemos, o nascimento com
o baptismo, diz completar 89 anos:
I
Oitenta e nove Julhos me numera
Do tempo voador hoje a ampulheta...
Tenho vivido assaz para um poeta;
É dilatado o giro, é longa a era.
Eu não posso chamar à Morte fera,
Curvado c'uma carga tão provecta;
Vendo-me junto à derradeira meta,
Pois lhe devo o primor da grande espera.
Nenhum cantor da Arcádia portuguesa
Neste mundo gozou tamanha idade,
Nem teve tão madrasta a natureza!...
Mas salvado da vil necessidade,
Coberto c'os andrajos da pobreza,
Tentarei ter em vida a Eternidade!!...
II
No mesmo dia retro, a meus filhos e netos
Filhos! Netos!... Cheguei ao meu ocaso
Nestas grandes balizas do ocidente;
A carreira parou do meu oriente,
Pois aqui finda o vitalício prazo.
Daqui, os olhos lanço inda ao Parnaso,
Onde em moço subi com génio
ardente;
Hoje, caduco já, nem mesmo a mente
Pode voar ao cimo do céu
raso.
Minha longa existência amargurada
Já não pode fazer-vos companhia,
Porque a máquina está desmoronada.
Chamando está por mim a terra fria...
Adeus!... Vou habitar nessa
morada,
Onde vós morareis também um dia!...
DESCENDÊNCIA DE BINGRE
Já depois de escrita − e impressa em parte
− esta nossa
humilde evocação, recebemos do sr. Raul Bingre do Amaral,
trineto do poeta, algumas notas sobre a vida de Bingre e a sua
descendência, cuja relação, todavia, fica ainda muito incompleta.
Ele nos diz:
«Os filhos do poeta foram seis:
O Nuno Maria, que se ausentou para o Brasil, onde viveu
muitos anos na cidade da Baía e onde conseguiu fortuna.
O Poeta julgou-o morto, causando-lhe grande alegria quando soube, por
carta do próprio filho, que este não só era vivo,
como tinha conseguido haveres. Finou-se. no Brasil, solteiro.
O António Francisco de Assis, que se dedicou à agricultura
e que casou com uma mulher de nome Matilde.
O Bartolomeu Maria Bingre, que morreu solteiro, formado
em Leis pela Universidade de Coimbra, como consta da carta de formatura
ainda hoje em poder do bisneto do Poeta − Raul
Bingre de Sá. As dúvidas que têm havido sobre qual dos dois
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[Vol. V - N.º 20 - 1939]
filhos do Poeta foi formado, se o Nuno, se o Bartolomeu, ficam esclarecidas pelo documento irrecusável que é a carta de formatura datada de 3 de Agosto
de 1826.
O Francisco Lourenço de Assis Bingre, que possuía
alguns estudos e era
algo inteligente, exercendo, durante muitos anos, o magistério
particular na vila de Mira.
E, finalmente, duas filhas: a Perpétua Clara, que morreu
de tenra idade e a Raimunda Mariana, que foi, durante a velhice do pai, a enfermeira desvelada e lhe assistiu aos últimos
momentos.
Todos os filhos morreram e foram sepultados na vila de
Mira; excepção feita ao Nuno, como em outra altura explicámos.
Destes nomes, alguns casaram e houveram filhos, como:
o António, que casou com a Matilde e teve os seguintes filhos: a Josefa, o Francisco Adelino, o José e o Augusto, que morreu
pouco tempo depois de formado; a Raimunda, casada com
Francisco Cardoso Sotomaior e que teve os seguintes filhos:
o P.e Francisco Cardoso Bingre, − que, com a esmola da sua
missa, sustentava a mãe e o avô, e a quem o poeta ditou os últimos lampejos do seu estro,
− o Bartolomeu, a Maria, a Anita
e o António, dos quais não há descendência; e, por último, o
Francisco Lourenço de Assis Bingre, que tomou relações com
Raimunda Távora, filha ilegítima de João Morais Sarmento da
Cruz e sobrinha do sargento Clemente José de Morais, que,
sendo acusado de «malhado», foi enforcado, decapitado e a
cabeça arvorada em frente da casa materna.
Lembrando este nome, ainda hoje há em Aveiro uma rua
chamada do sargento Clemente José de Morais.
Esta Raimunda, que era afilhada do Poeta e de sua filha
Raimunda, vivia juntamente com os padrinhos e, dos seus amores com o Francisco Lourenço de Assis Bingre, nasceram a
Maria, a Ana, a Venância, a Alexandrina e o Bartolomeu.
Todos estes netos do Poeta têm descendência, excepto a
Emília, ainda viva, e a Maria, falecida há já muitos anos.
São em número de 10 os bisnetos do Poeta, assim distribuídos: 4 filhos da Ana, dos quais 3 falecidos; 2 filhos da Venância,
ausentes no Brasil; 2 filhos da Alexandrina, um dos
quais ausente no Brasil. Todos estes bisnetos se dedicam às
artes e à agricultura.
Há ainda, por último, dois bisnetos, filhos do Bartolomeu
de Morais Bingre, que foi professor primário, na vila de Mira
durante muitos anos, o Augusto, que morreu há poucos anos
secretário de Finanças em Mira e o Raul, antigo aluno de
Seminário de Coimbra e actualmente escriturário da Câmara Municipal do concelho de Mira.
Conhecidos, há 16 trinetos do Poeta, dos quais 4 filhos de Augusto e cujos nomes são: Altino, médico em Serpins, Lousã; Sidónio,
Maria Altina, e Carlos Alberto; e seis filhos do Raul e
/
306 /
cujos nomes são: Maria de Lourdes, Bartolomeu, Raul, Alírio, Licínio e
Honória, já falecida.
*
A mulher do Poeta morreu em Mira
e está sepultada na
igreja paroquial.
*
Foi devido à protecção que lhe dispensou o
Dr. Francisco António de Resende que o Poeta publicou o primeiro opúsculo de poesias.
*
O Poeta viveu sempre constrangido em Mira,
como se depreende de
muitos dos seus sonetos.
*
Em tradição de família, atribui-se ao Poeta a paternidade dum grande
jornalista conimbricense, há muito falecido, cujo nome omitimos, por
melindres facilmente compreensíveis.
Não há documentos que tal provem, mas os traços fisionómicos existentes
entre ambos parecem confirmar a tradição.
*
O retrato do Poeta em poder do bisneto Raul Bingre de Sá é o mais
exacto dos retratos até agora conhecidos, como foi confirmado, há, já
bastantes anos, pela Raimunda, afilhada e nora do Poeta.
NOTA FINAL
Este ligeiro estudo, alinhavado à pressa, tem apenas em vista evocar o
nome glorioso de BINGRE, tão injustamente esquecido. Motivou-o, como
dissemos, a aquisição do livrinho O Moribundo Cisne do Vouga, raridade
da nossa bibliografia.
O nosso desejo é que se descubra o paradeiro dos originais do poeta, que
se confrontem com as cópias, e. que alguém de gosto e de dinheiro se
abalance à publicação das obras completas do lírico. As próprias poesias
insertas no Moribundo Cisne do Vouga merecem reimpressão, pois são
desconhecidas da maioria.
Enquanto a sua obra jazer inédita em grande parte, não poderá
escrever-se o juízo crítico definitivo sobre o valor literário do Cisne do Vouga. Ainda assim, pelas pequenas amostras
que conhecemos, não será temerário apresentá-lo aos leitores como o
maior poeta do nosso distrito e um dos grandes poetas da nossa terra,
que, em vida, cingiu na sua fronte os louros
da glória.
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Como o poeta viveu bastantes anos dentro do período do
romantismo, alguns dos seus versos apresentam, muito ao de
leve, influências românticas, verificadas principalmente na naturalidade
da expressão, que não é tão afectada nem tão retorcida
como a de alguns clássicos.
BINGRE, se não foi erudito como muitos, foi inspirado como
poucos, conservando até à hora da morte − aos noventa e dois
anos de idade! − o sagrado fogo da poesia. Deixou-nos versos
simples, mas fluentes, rítmicos, conceituosos, bem medidos e
rimados.
Neste humilde florilégio quisemos apenas ressuscitar o
outrora famoso nome do Cisne do Vouga, o inspirado vate de
Canelas, que soltou o último canto, entre penúrias, na «areenta»
vila de Mira.
O mais humilde poeta do distrito de Aveiro presta as suas
homenagens muito sinceras ao príncipe dos poetas aveirenses...
ÁLVARO FERNANDES
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BIBLIOGRAFIA
O Districto de Aveiro, de MARQUES GOMES.
Diccionario Bibliographico, de
INOCÊNCIO FRANCISCO DA SILVA, t.
II, pág. 396
a 399 e t. IX, pág. 310.
Arquivo Pitoresco, t. IV (1861), pág. 129,143 e 150 (Artigos de
INOCÊNCIO FRANCISCO DA SILVA, com retrato do poeta).
Bocage, de ERNANI CIDADE.
Bocage, de TEÓFlLO BRAGA.
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