F. Ferreira Neves, A marinha mercante de Aveiro no século XVI, Vol. V, pp. 213-222.

A MARINHA MERCANTE DE

AVEIRO NO SÉCULO XVI

Os descobrimentos e conquistas dos portugueses trouxeram a Portugal a inveja e ódio de muitas nações.

O século XVI não é para nós só uma época de esplendor e grandeza; é também um século de dissabores e de ruína.

Passado o reinado áureo de D. Manuel I, o de D. João III marca o começo da nossa decadência e o dos ataques à nossa soberania nos territórios descobertos ou conquistados.

A rivalidade entre a França e a Espanha, respectivamente governadas por Francisco I e Carlos V, agrava a nossa situação.

D. João III, cunhado de Carlos V, seguia a política da Espanha, e daí o ataque violento dos franceses ao Brasil e aos nossos navios de comércio.

A luta tomou aspectos graves. Em 1521 rebenta a guerra entre a França e a Espanha, que termina em 1525 pela derrota de Francisco I em Pavia.

Os navios portugueses eram frequentemente vítimas dos corsários e piratas franceses que infestavam os mares com o nome de defensores da pátria. D. João III, para desafrontar a dignidade nacional, ordena a Cristóvão Jacques que persiga a ferro e fogo no Brasil os franceses. Francisco I reclama por isso.

Reacesa de novo a guerra entre a França e a Espanha, continuou Portugal a ser vítima do banditismo dos corsários, tanto mais que não era permitido aos navios estrangeiros navegar para as colónias portuguesas.

Chegou contudo a celebrar-se um tratado entre Portugal e a França, em 1547, para a constituição de um tribunal arbitral que julgasse os danos praticados nos navios por ataques de franceses ou portugueses. Este tribunal acabou em 1558 sem ter satisfeito aos fins para que fora criado. Os franceses pouco se importavam com o tribunal, e os navios portugueses iam sendo apresados e saqueados pelos piratas e corsários franceses.

Assim sucedeu a alguns navios de Aveiro, por exemplo ao da viúva de João Afonso, de 80 tonéis, «roubado de toda a sua / 214 / fazenda e aparelhos e roupa dos marinheiros», e à nau de Manuel Gil, de 130 toneladas, e à de Miguel Ribeiro, aprisionadas estas duas num porto de Inglaterra pelos franceses.

A audácia e poder dos corsários era tal, que para a defesa da nossa costa os Conselheiros de Estado e Guerra propuseram em 1552 a D. João III que mandasse armar vinte navios latinos de 25 a 30 toneladas cada um, para andarem sempre à vista de terra, três em Cascais, quatro na Atouguia, quatro em Caminha, quatro em Lagos, dois em Vila Nova de Portimão, e três em Sesimbra ou Sines.

Estes eram os lugares onde os navios armados dos corsários costumavam vir.

Deveriam ainda quatro galeões percorrer a costa, mais ao largo.

Todos estes navios se juntariam quando fosse preciso.

Na costa do Algarve deveriam andar quatro navios de remo, um navio grosso, e três caravelas.

Em 1547 faleceu Francisco I e sucedeu-lhe Henrique lI. Nesta ocasião empenhava-se Carlos V no grande empreendimento político de unificar a Alemanha, transformando em monarquia hereditária o império electivo, mas a França faz uma campanha implacável contra este plano.

Em 1552 há novamente ameaças de guerra, e em 1553 esta rebenta de facto, sem que aliás Carlos V tivesse conseguido realizar o seu desejo. Entretanto, a marinha mercante portuguesa continuava a ser rudemente atacada pelos corsários franceses.

D. João III, tentando acautelá-la, publicou uma provisão datada de 10 de Fevereiro de 1552 e dirigida aos corregedores ou juízes de fora das localidades em que existiam os portos, na qual ordenava que fossem avisados os donos de navios de que estes não navegassem para poente, a fim de evitarem os ataques dos franceses, e que se fizesse o recenseamento dos navios mercantes do país.

Na provisão enviada para a cidade do Porto ordenava-se ao corregedor que com muita diligência avisasse no Porto e em Matosínhos e em Leça os donos de navios de que não navegassem para poente até nova ordem, e soubesse deles as localidades para onde desejavam enviar os navios, o número destes e sua «grandura», os nomes dos senhorios dos navios pertencentes às referidas localidades, o número destes navios e como estavam aparelhados, quer de artilharia, quer de outra coisa, e de tudo isto faria um rol com especificação por portos.

Assim terminava a provisão:

«E tudo o que vos mando que façaaes per esta carta nos lugares a çima dito ffaçaez per esta carta nos luguares açima ditos ffareis tambem no lugar de Zurara, etc. = Para o corregedor do Porto.»

Os autos das notificações foram lavrados no mesmo ano e  / 215 / nas seguintes datas: os do Porto e Massarelos, em 19 de Fevereiro; os de Vila do Conde e Zurara, Esposende e Darque, em 23 de Fevereiro; os de Leça e Matosinhos, em 24 de Fevereiro; o de Aveiro, em 18 de Fevereiro; o de Sesimbra, em 2 de Março.

Estes documentos encontram-se no Arquivo Nacional, Corpo Cronológico.

Os do Porto, Massarelos, Leça, Matosinhos, Vila do Conde, Zurara e Aveiro, na parte I, Março 87.

Os de Darque, Esposende e Fão, na parte II, Março 143.

O de Sesimbra, na parte II, Março 243.


No Arquivo Histórico Português, voI. II, publicou o ilustre investigador PEDRO DE AZEVEDO os documentos relativos ao Porto, Massarelos, Vila do Conde, Zurara, Matosinhos, Leça e Aveiro; no voI. VI publicou os de Esposende, Fão e Sesimbra.

Interessando-nos particularmente o Porto de Aveiro, elaboramos em face dos documentos publicados a seguinte estatística dos navios pertencentes a este Porto em 1552:

Número de navios

Tonelagem de cada em tonéis

Tonelagem total

  1 160 160
  2 150 300
  2 140 280
  5 130 650
  5 120 600
  5 100 500
  6   80 480
  4   70 280
  5   60 300
16   50 800
18   40 720
  1   30   30
-----------   -----------
79   5.100

A vila de Aveiro tinha, portanto, 70 navios utilizáveis, com uma arqueação total de 5.100 tonéis. Havia mais dois navios sem importância. Dos portos acima mencionados, era o de Aveiro o que possuía maior tonelagem, não por ter maiores navios, mas por ter muitos navios pequenos (caravelas).

Os portos que tinham maiores navios eram Zurara e Vila do Conde. Zurara tinha: 1 de 220 tonéis; 1 de 200; 2 de 180; 1 de 160; 1 de 150; 2 de 120 e 1 de 100. − Vila do Conde tinha: 6 de 180; 5 de 160; 6 de 150; 2 de 140; 1 de 130; e 3 de 120.  / 216 /

O seguinte quadro completa este assunto:

Portos

Número de navios

Tonelagem

Aveiro
Vila do Conde
Leça Matosinhos
Porto e Massarelos
Zurara
Esposende
Fão

70
41
45
27
22
13
27
'3

5.100
4.555
3.590
2.305
1.810
1.670
1.580
    370

Darque tinha apenas um navio velho, e de Viana não se conhece o relatório.

Pela extraordinária importância que tem para a história do comércio marítimo de Aveiro no século XVI, vamos transcrever a resposta que deu a el-rei o juiz de fora da vila de Aveiro.

                            Senhor

Pela carta de V. A. a que cõ este rol vai a resposta me mãda que lhe mande o rol de todas as naos e nauios que nesta uila ha o qual eu fiz cõ toda a diligécia e breujdade nesesaria e são as naos e nauios e carauelas as segítes:

Item Fernão Gonçaluez e sua may e Matheus Fernandez seu filho húa não de duas cubertas que pode arquear C.to e R toneis de que he mestre Matheus Fernandez, e tem mais o dito Fernão Gonçaluez húa carauella cõ seu jemrro Francisco Anes e he de L.ta tonelladas e sera de deus annos e a nao de tres annos.

Item tem Pero Andre húa naao de duas cubertas cõ seu filho Thome Andre que he mestre della e a deus annos que he feita e leuara c.to e LX tonelladas.

Item mais o mesmo Pero Andre outra naao com seu jrmão Thome Andre de que he mestre Antonio Afonso e auera xij annos que he feita e sera de c.to xx toneis.

Item o mesmo Fero Andre cõ a molher que foy de Pero Diaz hum nauio sem gauea que he de L.ta toneis e sera de xb annos.

Item o mesmo Pero Andre outro nauio cõ Pero Anes e Matheus Andre que he mestre delle sera de R toneis e de seis annos.

Item Thome Andre e o Licenceado Manuel Ferram e Diogo Gonçaluez hum nauio de duas cubertas nouo de húa ujagem de que he mestre o dito Diogo Gonçaluez e sera de çem toneis.

Item Bastião Jorge tem cõ Gaspar Rõiz húa nao a duas cubertas da qual he mestre o dito Bastião Jorge e sera de c.to 1.ta toneis e de 4.º annos. / 217 /

item Andre Jorge tem húa naao de duas cubertas cõ sua may de que ele he mestre e sera de c.to XXX toneis e de 4.º annos.

Item mestre Diogo hum nauio de duas cobertas sera de LXXX toneis e de tres annos.

Item Migel Luis hum nauio de duas cobertas de que ele he mestre e senhorios Diogo Thomas e Filipe Diaz e Pantalião Pires he de cem toneis e de cimquo annos.

Item Matheus Fernandez o Rapete hum nauio de que he mestre e senhorios Amdre Fernandez seu jrmão e Diogo Thomas he de LXX toneis e de X annos.

Item Pero Ribeiro hum nauio de que elle he mestre e senhorio he de LXX toneis e de 7 annos.

Item Migel Diaz hum nauio de que elle he mestre e senhorio e Antonia Cardosa dona viuua he de LXX toneis e de cimquo annos.

Item Joam Diaz húa nao de que elle he mestre e senhorio e sua may e Antonia Cardosa dona viuua e Catharina Gonçaluez viuuas he de duas cobertas feyta de hum anno e leuara c.to R toneis.

Item Andre Afonso húa naao sua e de sua may de que he mestre hum seu filho por nome Thome solteiro he de c.to XX toneis e de biij annos.

Item Gomez de Paiua e Catharina Giraldez viuua hum nauio de que he mestre Gaspar Gonçaluez he de LXX tonéis e de noue annos.

Item Gaspar Diaz hum nauio de que elle he mestre e senhorios Amrrique Gomez e Gonçalo Annes e sera de LXXX toneis e de tres annos.

Item Joam Pirez Barril hum nauio de que ele era mestre e esta cativo em França com a mercadoria que lhe tomarão cõ o nauio e he senhorio delle Maria Francisca viuua e sera de 1.ta toneis e de biij annos.

Item Pero Andre filho de Andre Luis hum nauio de que elle he mestre e senhorio Pero de Mello e he de 1.ta toneis e de 7 annos.

Item Antonio Gonçaluez hum nauio de que elle he mestre e senhorio sera de LXXX toneis de oito annos.

Item o mesmo Antonio Gonçaluez tem outro nauio de R toneis de que he mestre hum seu filho.

Item tem Pero Anes huã nao no estaleiro pera botar de duas cobertas toda sua de que he mestre seu filho Migel Pirez e sera de c.to XXX toneis.

Item Joam Migel hum nauio de duas cobertas no estaleiro meio carafetado cõ seu jrmão Migel Fernandez que leuara cem toneis.

Item Antonia Cardosa dona viuua huã naao de duas cubertas no estaleiro de que he mestre Francisco Pirez o gauião sera de C.to XXX toneis. / 218 /


Item Antonio Cardoso e sua sogra Catharina Fernandez huã naao de que he mestre Pero Gonçaluez Beltrão e sera de c.to XX toneis e de seis annos.

Item Fero Thome huã nao de que he mestre e senhorio e Maria Francisca viuua e sera de cem toneis e de dous annos.

Item a molher que foy de Joam Afonso hum nauio todo seu e veio roubado de toda sua fazenda e aparelhos e roupa dos marinheiros he mestre hum seu filho sera de LXXX toneis e tres annos.

Item Manuel Gil huã naao de que elle he mestre e senhorio e Manuel Pirez esta nao esta tomada em Tanabim porto de Inglaterra de françesses nao e mercadoria e o mestre e marinheiros catiuos dos propios françeses e tem mãdado hum jmgres a Londres sobre isto esta he de c.to XXX toneis e de dous annos e os frãceses mostrã carta delrey de Frãça pera os poderé catiuar e todo cõsta per cartas dos mesmos que ha nesta uilla.

Item Migel Ribeiro hua naao sua cõ seu jemrro Antonio Afonso que he mestre e senhorio sera de c.to XX toneis e de biij annos esta outro si tomada dos françesses em Tanabim cõ toda a jente juntamente cõ a de Manuel Gil.

Item Migel Fernandez hua naao toda sua de que he mestre Gonçalo Anes que he em Imglaterra ou Frãdes sera de c.to 1.ta toneis e de cimquo annos.

Item Nicolao Delgado huã naao de que elle he mestre e senhorio e Andre pachequo e Felipe Diaz dizem que em Bristol de Imglaterra sera de c.to XXX toneis e de hum anno.

Item Andre Pirez huã na ao de que elle he mestre e senhorio e sua sogra e Catharina Gonçaluez viuua he em Inglaterra sera de c.to e XX toneis e de tres annos.

Item Antonio Diaz hum nauio de que elle he mestre e senhorio e Bastião Pirez esta em Galiza carregado de vinhos pera Irlanda sera de LXXX toneis e de 6 annos.

Item Andre Fernandez hum nauio de que he mestre e senhorio e seu cunhado Andre Gonçaluez e sua sogra he em Inglaterra sera de LXXX toneis e de biij annos.

Item Antonio Diaz hum nauio que he em Ingaterra de que elle he mestre e senhorio e sua may e Francisco Jorge seu cunhado sera de çem toneis e de tres annos.

Item Andre Diaz hum nauio de que he mestre e senhorio e Joam Pardo sera de LX toneis e he nouo deste anno.

Todos estes nauios andão bem aparelhados cõforme a terra mas não tem artilharia.


TITULO DAS CARAUELLAS QUE HA NESTA UILLA.

Item Andre Diaz Penteado huã carauella de que he mestre e senhorio e Andre Afonso e Gaspar Rõiz he de l.ta toneis e noua deste anno. / 219 /

Item Bastião Pirez húa carauella de que he mestre e senhorio Andre Afonso e o Licenceado Manuel Ferrã e sera de l.ta toneis noua deste anno.

Item Antonio Vaaz outra carauella de que he mestre e senhorio e Andre Afonso e Gaspar Rõiz senhorios sera de R toneis e he noua.

Item Fero Fernandes o Matoso huã carauella de que elle he mestre e senhorio e Pãtalião Pirez e Joam Roiz he de l.ta toneis e dous annos.

Item Joao Roiz huã carauella de que he mestre e senhorio e Pero Fernandes Matoso he de R. toneis e de cinquo annos.

Item Francisco Marques huã carauella de que he mestre e senhorio e seu pay Marquos Pirez e de R. toneis e de tres annos.

Item Gomez Afonso (?) tem huã carauella de que he mestre e senhorio e Joam Gomez seu sogro e o doutor Francisquo Amrriquez he de R toneis e de seis annos.

Item Gonçale anes huã carauella de que elle he mestre e senhorio e Joam Gomez e o doutor Francisquo Amrriques e Gomez Afonso he de R. toneis e de noue annos.

Item Andre Afonso huã carauella de que he mestre e senhorio e Joam Gomez e o doutor Francisco Amrriques he de l.ta toneis e he noua.

Item Joam Gomez huã carauella de que he mestre hum seu enteado filho de sua molher he de R. toneis e de dous annos.

Item Matheus Gomez huã carauella de que he mestre e senhorio e Andre Pachequo de l.ta toneis e de tres annos.

Item Diogo Aluarez huã carauella de que elle he mestre e senhorio he de R. toneis e xb annos.

Item Migel Ribeiro duas carauellas todas suas e são de R toneis cada huã e de X annos cada huã.

Item A filha de Migel Ribeiro viuua e Antonio Afomso e seu pay Mygel Ribeiro huã carauella de que he mestre o Magalhaõ he de l.ta toneis e de tres annos.

Item Andre Fernandez tem huã carauella de que elle he mestre e senhorio e Amrrique Gomez e sera de R. toneis e de tres annos.

Item Migel Pirez huã carauella de que elle he mestre e senhorio e seu sogro Bastiaõ Martinz he de R. toneis e de 4.º annos.

Item Bertholomeu Fernandez huã carauella de que elle he mestre e senhorio e Andre Ribeiro he de R. toneis e de dous annos.

Item Andre Ribeiro huã carauella de que elle he mestre e senhorio e de l.ta toneis e de tres annos.

Item Joam Pirez huã carauella de que elle he mestre e senhorio e Silvestre Afomso he de R. toneis e de X annos.

Item André Diaz huã carauella de que he mestre e senhorio e Francisca Ribeira e seu jrmão Fernaõ Gonçaluez he de R. toneis e de xij annos. / 220 /

Item Afomso Martinez huã carauelIa de que elIe he mestre e senhorio e Aluaro Gomez he de R. toneis e de xij annos.

Item Francisquo Gonçaluez huã carauelIa de que elIe he mestre e senhorio e Joam Martinez carafate e se chama Amexeriqueira muyto velha.

Item a matosa velha viuua huã carauelIa e asi hum filho de pouqua roupa, outro si cõ elIa senhorio he de l.ta toneis e de seis annos.

Item Antonio Cardoso hum nauio Redondo que foi carauelIa cõ seu pay de que he mestre Lourenço Anes he de l.ta toneis e de seis annos.

Item Fernão Gonçaluez filho de Fero Gonçaluez carafate um nauio pequeno e muito velho.

Item Joam Pirez Mõtenegro huã carauelIa de que elIe he mestre e senhorio e seu sogro Afonso Pirez he de R. toneis e de seis annos.

Item Andre Afomso filho de Maria Aires huã carauelIa de que he mestre e senhorio o dito Andre Afomso e Afomso Pirez cordoeiro he de l.ta toneis e de X annos.

Item a molher de Joam Afomso viuua huã carauelIa no estaleiro ia tauoada de LX toneis.

Item Fernão de Pinho e Andre Pinto tem dous nauios cada hum delles he de LX toneis e são velhos.

Item Bastião Fernàndez e Antonio Vaaz o chouriço tem huã carauella em que foy o genrro do negreiro por mestre a Valença de Minho omde agora he leuara XXX toneladas.

Item Joam Gonçaluez jemrro de villa lobos huã carauelIa cõ Andre Martinz que he de l.ta tonelIadas e sera de oito annos.

Item mais Matheus Gomez mestre e senhorio de huã carauella de que tambem he senhorio Amdre Pachequo e Grauiel Fernandez e leuara l.ta tonelladas e sera de 7 annos.

Item Manuel Migel hum nauio de que he mestre e senhorio e Diogo Thomas leuara LX tonelladas e esta em Lixboa.

Estas são as naos e nauios e carauelIas que nesta uilla ha e nenhuã nao destas ne nauio ne carauella traz artilharia alguã ne armas né as té pera iso por que todo o seu negoçio destes homés senhorios e mestres he rrotar pera as partes a saber pera terra noua muytas ao bacalhao e pera Irlamda e Inglaterra e frãdes e Ilhas outras e outras pouqas pera Galiza e esta he toda a soma e a verdade do que v. a quer saber cuja uida a santissima trIndade acrecéte per lomgos anos, oje dezoito dias de feuereiro de 1552 anos. = Jorge Afonso.

No sobrescripto: Do Juiz de fora da villa daveiro com o rol das naos nauios e carauelIas que ha na dita vila. = Pera elrej noso senhor.

(Corpo cronológico, parte 1.ª, Março 87, doc. 115).

(Obs.: Nas palavras onde se se encontra um acento agudo deverá considerar-se um til)

/ 221 /

Este documento esclarece-nos profundamente sobre a vida marítima e comercial de Aveiro no século XVI, o século de maior prosperidade para esta localidade e mesmo para Portugal.

Escassas são as notícias que até nós chegaram sobre o movimento do Porto de Aveiro naquele século, e por isso é precioso o documento em referência.

Foi o descobrimento dos Bancos da Terra Nova e consequente pesca do bacalhau que no século XVI provocou o desenvolvimento comercial de Aveiro e aumento da população. Os seus navios comerciavam com a Inglaterra, Irlanda, Flandres e Ilhas, mas uma grande parte deles destinava-se à pesca do bacalhau na Terra Nova, iniciada cerca do ano de 1500. Ignora-se o número de navios que de princípio se dedicaram a esta empresa; é de crer, porém, que fosse diminuto, mas que fosse depois aumentando até ao ano de 1580, diminuindo a seguir extraordinariamente pela perda da independência de Portugal e por outros motivos.

Vejamos as poucas notícias sobre a pesca na Terra Nova transmitidas até nós.

Diz CARVALHO DA COSTA, na sua Corografia Portuguesa, que ele escreveu próximo do ano 1700:

«Por esta comodidade se fabricavão outro tempo em Aveyro tantas embarcaçoens, que sahião (como diremos) sessenta naos para a pescaria da Terra nova; & mais de cem carregadas de sal para diversas partes. Depois, ficando a barra com pouco fundo se foy diminuindo a navegação, & commercio: com que ategora se fabricavão aqui poucos navios; & entravão só alguns Portuguezes, Inglezes, & Galegos; mas como Aveyro está já porto seguro, se espera que brevemente torne a ser porto rico.»

Este passo da Corografia Portuguesa, erradamente interpretado por vários autores, levou-os a dizer que o Porto de Aveiro tinha 160 navios no século XVI. Isto não é verdade, e CARVALHO DA COSTA na mesma página o confirma, dizendo ao referir-se ao sal:

«Para lá o conduzião antes as embarcaçoens desta Villa, que eram mais de cem no anno de 1552, como consta do livro do Registo da Camera.»

As embarcações eram mais de cem, lê-se, mas isto não deve ser exacto, em face da lista dos navios de 1552, que contém 72, embora apenas 70 utilizáveis.

Também é certo que o Porto de Aveiro nunca armou mais de cinquenta navios para a pesca do bacalhau no século XVI, e que este número depois desta época reduziu-se extraordinariamente.

Na Memória dos capítulos que Sebastião Soares da Fonseca ha-de propor a Sua Magestade El-Rei que Deus Guarde, escrita / 222 / em 1648 e que existiu no Arquivo da Câmara Municipal de Aveiro, lia-se:

«Que nesta vila, quando antigamente tinha 46 ou 50 navios que iam à pescaria do bacalhau...»

Note-se agora que, em 1578, o capitão inglês Barkurst só encontrou cinquenta navios portugueses a pescar na Terra Nova, com uma tonelagem de três mil toneladas. Estes cinquenta navios não seriam todos de Aveiro, visto que outros portos enviavam também navios à Terra Nova.

A partir do último quartel do século XVI, a navegação aveirense arruína-se totalmente.

Para se ajuizar do que teria sido o movimento marítimo do Porto de Aveiro antes e depois do ano de 1552, elaboramos o seguinte mapa dos navios e sua provável data de construção em face das indicações que nos fornece o rol enviado a D. João III pelo juiz de fora. Há que atender ainda aos navios que em cada ano se inutilizavam.

NAVIOS DO PORTO DE AVEIRO EM 1552

 

Data da construção

Navios construídos

1552
1551
1550
1549
1548
1547
1546
1545
1544
1543
1542
1541
1540
1539
1538
1537
1536

4
8
7
11
3
4
--
7
3

2
5
--
3
--
--
2

Data incerta

5

Total

70

 

FRANCISCO FERREIRA NEVES

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