I
A
estátua que Aveiro levantou ao seu mais dilecto filho, alimentando um
culto que já vinha de longe e ainda hoje perdura, foi solenemente
inaugurada no dia 12 de Agosto de 1889, ou seja, passados vinte e sete
anos sobre a morte do grande orador liberal, que tanto honrou o país e
tanto honrou e beneficiou a terra que lhe serviu de berço(1).
Completando-se em breve o 50.º ano da inauguração, não podia o Arquivo
deixar de comemorar essa data, dando aos seus leitores, a par dalguns
documentos iconógrafos, uma ideia das principais fases dos trabalhos da
Comissão que, através das maiores dificuldades e arcando por vezes com
grandes dissabores, teve por fim a dita de ver realizada essa velha
aspiração dos aveirenses.
Este artigo funda-se na documentação
que o secretário da
Comissão da estátua, Domingos José dos Santos Leite, entregou à guarda
do Liceu, cerca dum ano antes do seu falecimento (ocorrido em 16 de
Dezembro de 1919). Consta ela do seguinte: a) − Maço de documentos de
receita e despesa; b) − Dois copiadores da correspondência expedida,
um que vai de 7 de Abril de 1881 a 12 de Março de 1886, outro que vai
deste mesmo dia e ano até 22 de Julho de 1890; c) − Maço
da correspondência recebida (Maio de 1880 a 31 de Março de 1890), num
total de 132 cartas e ofícios; d) − Caderno com a «relação dos
indivíduos que subscreveram para o monumento» e respectiva contribuição
de cada um, o qual, todavia, não
/ 128 / compreende todos os subscritores; e, finalmente, e)
− Livro de
despesa e receita (15 de Setembro de 1880 a 31 de Dezembro
de 1889)(2). Forneceu-nos alguns esclarecimentos e tirou-nos algumas
dúvidas o único vogal da Comissão ainda vivo − o Sr. Manuel Homem de
Carvalho Cristo. Muitos ensinamentos
nos facultaria a consultados jornais da época, mas resolvemos
prescindir dessa consulta, aliás difícil, porque ainda é cedo para
historiar as questões e incidentes, alguns bem desagradáveis,
que à volta da construção da estátua se levantaram.
A Comissão da estátua nasceu duma «reunião dalguns
indivíduos, quase todos da classe artista, realizada (em 25
de Abril de 1880) em casa de Pedro António Marques, fabricante de louça vermelha, morador na Rua da Fabrica, desta
cidade. Os eleitos foram: − presidente, João da Maia Romão,
professor do Liceu; − tesoureiro, Pedro António Marques; − secretário, Domingos José dos Santos Leite;
− vogais,
Manuel da Rocha, proprietário; Anselmo Ferreira, negociante;
Manuel Homem de Carvalho Cristo, mestre de obras; Francisco
Rodrigues da Graça, mestre de obras; José Joaquim Gonçalves
da Caetana, negociante; António de Sousa, mestre de obras; e
José Maria de Carvalho Branco, proprietário. Este último,
porém deixou de acompanhar os trabalhos desde Outubro de 1880»(3).
Logo começou a longa série de canseiras. Para a angariação de receitas, promoveram-se touradas, bazares, espectáculos
no Teatro, e abriram-se subscrições em Aveiro, Lisboa, Brasil, etc.
Em Abril de 1881, já a Comissão tratava de arranjar quem
se encarregasse de fazer o modelo da estátua, e dos livros consta que em
12 desse mês já estavam lançados os fundamentos do pedestal.
A 8 de Maio do mesmo ano, houve reunião para abertura
das propostas para a execução dos trabalhos do pedestal.
A Comissão optou pela proposta de José Moreira Rato & Filhos,
de Lisboa, que se encarregaram, pela quantia de novecentos e
noventa mil reis, do «fornecimento de toda a cantaria, completamente aparelhada com as faces brunidas, encaixotada e entregue na
estação de Aveiro». A escritura do respectivo contrato foi feita nas
notas do tabelião substituto, Francisco Nicolau de
Figueiredo, desta cidade, em 22 de Maio de 1881.
A cerimónia da colocação da primeira pedra realizou-se no
/ 129 /
[Vol.
V - N.º 18 - 1939]
dia 8 de Maio do ano seguinte, «dia do centenário do Marquês de Pombal».
Prosseguindo, com toda a tenacidade, a Comissão conseguiu que o
Conselheiro José Dias Ferreira apresentasse ao Parlamento um projecto
de lei que autorizava o governo a fornecer o bronze necessário para a
estátua. O decreto respectivo é de 3 de Junho de 1882.
|
A COMISSÃO DO MONUMENTO
(Da esquerda para a direita; sentados:
PEDRO ANTÓNIO MARQUES, JOÃO ROMÃO DOMINGOS JOSÉ DOS SANTOS LEITE; de pé: FRANCISCO RODRIGUES DA
GRAÇA, ANSELMO FERREIRA, MANUEL HOMEM CRISTO, MANUEL DA ROCHA,
ANTÓNIO DE SOUSA, JOSÉ JOAQUIM GONÇALVES DA CAETANA (Foto pertencente ao Dr. Assis Maia) |
Cerca de dois anos decorrem. Em Março de 1884, já o pedestal estava
erguido, e a Comissão consultava o grande
escultor Soares dos Reis sobre as dimensões que deveria ter a estátua.
É de 29 de Agosto desse ano o convite dirigido ao escultor
José Simões de Almeida Júnior, de Lisboa, para que ele dissesse por
quanto executaria o modelo da estátua; mas, por motivo de doença do
artista, só em 9 de Fevereiro de 1886 é apresentada a proposta do
aludido escultor. O contrato celebra-se a 17 desse mês, nas notas do
tabelião Arnaldo Augusto Álvares Fortuna, de Aveiro, e nele se
compromete Simões de Almeida a executar o modelo pela quantia de
1.100:000 reis.
/ 130 /
Embora devagar, a obra vai avançando. Em Março de 1886, estava o
pedestal devidamente gradeado.
Não tendo dinheiro para as despesas da fundição da estátua, orçadas em
2.500:000 reis, novamente se dirigiu a Comissão ao Conselheiro José
Dias Ferreira, em 12 de Março de 1886, para que ele apresentasse ao
Parlamento um projecto de lei relativo à fundição, por conta do Estado,
no Arsenal do Exército, «sob as vistas do escultor Simões de Almeida».
O respectivo decreto tem a data de 4 de Maio do mesmo ano.
O tempo vai passando. Em Janeiro de 1888, corriam com regularidade os
trabalhos da fundição e previa-se para Maio a sua conclusão. Na ânsia de
ver realizado o seu sonho, a Comissão marca, em 1 de Março desse ano,
para data da inauguração da estátua, o dia 24 de Julho.
Em 28 de Abril, já se achava fundida a estátua e em 7 de Maio sabia-se
que já fora autorizada, por conta do Estado, a fundição das letras no
Arsenal. Pouco depois, foi marcada para 12 de Agosto do mesmo ano a
inauguração, mas esta foi prejudicada pela questão que se levantou, a
propósito da vinda, para o hospital de Aveiro, de irmãs de caridade.
Em 30 de Julho de 1888, autorizou a Comissão que a estátua, já pronta,
figurasse na Exposição Industrial Portuguesa, em Lisboa.
No ano seguinte, conseguiu-se que o transporte da estátua para Aveiro
fosse feita por conta do Estado e obteve-se, da C. P., que o desembarque
se fizesse na passagem de nível de S. Bernardo (Março de 1889).
Em 17 de Abril desse ano, já se achava a estátua em Aveiro, a qual foi
descarregada, com a carreta que a acompanhava − num peso total de cerca de
quatro mil quilos −, e transportada para o Largo Municipal, em 21 de
Abril de 1889.
A posição em que a estátua devia ficar foi motivo de acesa discussão na
cidade. O presidente, o secretário e o tesoureiro da Comissão entendiam
que ela deveria ficar voltada para a Costeira; os restantes membros
votavam pela posição que afinal veio a dar-se-lhe, ponto de vista
sustentado, com grande veemência, pel'O Povo de Aveiro. Quem dirimiu a
questão foi o autor do modelo, José Simões de Almeida Júnior.
A estátua foi colocada no pedestal no dia 20 de Julho, às quatro horas
da madrugada, e sem qualquer assistência de curiosos, pelos operários do
vogal Manuel Homem de Carvalho Cristo, e sob a direcção dele.
Finalmente, a inauguração fez-se, como ficou dito, no dia 12 de Agosto
de 1889. Houve três dias de festas − 11, 12 e 13 −, e o principal número
foi um luzido cortejo cívico, no dia 12, em que figuraram vários carros alegóricos.
Vejamos agora quais os principais indivíduos a cuja colaboração se deve o monumento. Para isso, transcrevemos parte
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do ofício enviado pela Comissão a O Ocidente, em 27 de Dezembro de
1888, a pedido do respectivo director. Diz o seguinte:
|
Aspecto do cortejo da inauguração da estátua, em 12 de Agosto de
1889, na rua que hoje vai dar à estação do caminho de ferro (Rua
Almirante Reis) − Atrás da fanfarra a Câmara Municipal.
Ver sequência de imagens relativas a este evento no
Espólio FMS.
|
− «Colaboraram no monumento os indivíduos seguintes; José
Simões d'Almeida Júnior, distinto escultor lisbonense, autor do
modelo em gesso da estátua; Leandro Augusto Roque Pedreira,
capitão d'artilharia, servindo de subchefe da Fundição de
Canhões do Arsenal do Exército, que dirigiu os trabalhos da
fundição da estátua com não vulgar zelo e inteligência; João
Batista e Francisco da Costa, fundidores, e Manuel Augusto
da Piedade e António José Brandão, serralheiros, operários do Arsenal;
João da Maia Romão, autor do projecto do pedestal; Manuel Homem de
Carvalho Christo, que dirigiu a construção
do pedestal; José Moreira Rato & Filhos, de Lisboa, fornecedores da cantaria de mármore aparelhada, para o mesmo
pedestal. Merecem também ser mencionados como colaboradores, e dos mais prestimosos, os Ex.mos Conselheiro José Dias
Ferreira e desembargador Francisco de Castro Matoso da Silva Corte
Real, deputados da Nação. O primeiro, alem doutros serviços que nos
prestou, foi quem apresentou em côrtes o
projecto de lei para a concessão do bronze; e o segundo, além
também de muitas finezas que nos tem dispensado, foi quem
/ 132 /
apresentou, de acordo com o deputado deste circulo, o projecto
de lei para a fundição ser feita por conta do Estado»(4).
|
O
cortejo à passagem pela rua do Cais e Alboi. |
Quem, porém, mais trabalhou foi o secretário da Comissão. Assim o reconheceu Homem Cristo, no número comemorativo de
O Povo
de Aveiro, saído no dia da inauguração da
estátua (Ano VIII, n.º 339), na qual ficou escrito o seguinte: −
«Domingos Leite. É o verdadeiro herói da festa. Sem ele
nada se teria feito. Ao seu trabalho extraordinário, à sua dedicação sem limites,
à sua actividade febril, ao seu patriotismo
pouco vulgar se deve tudo. Ele sozinho vale a comissão. Há
de se dizer esta verdade, ou os invejosos e os nulos, que tudo
é a mesma coisa, queiram ou não queiram. Trabalhador incansável,
/ 133 / sobre ele caíram todas as missões difíceis da comissão. Para
tudo chegava, a tudo satisfazia, e todos os encargos aceitou, com a
alegria de quem tem a consciência que cumpre um grande dever. Enfim,
outra vez o repetimos, sem ele nada se teria feito. É esse
o grande mérito e o grande serviço deste filho do povo.»
Quando das festas liberais de Maio de 1928, comemorativas do
primeiro centenário da revolta de Aveiro contra o perjúrio e despotismo
de D. Miguel, entendeu a «Sociedade do Recreio Artístico» que devia colaborar nos festejos mandando colocar, junto do
pedestal da estátua do grande aveirense, uma lápide com os nomes dos
nove aveirenses a cuja iniciativa e esforço se ficou devendo o belo
monumento que se ergue na Praça da República. Consagração justíssima foi
ela, porque sem a
fé e tenacidade desses cidadãos não se perpetuaria, tão vincadamente, a
memória do homem a quem
Aveiro deve muito das suas prosperidades materiais; daquele que é para a
cidade o eterno símbolo do seu ancestral amor à liberdade. |
|
O
monumento a José Estêvão em 1939, sem as grades que o cercavam. |
JOSÉ PEREIRA TAVARES
( Seguem documentos)
/ 134 /
DOCUMENTOS
I
AUTO DA INAUGURAÇÃO DA ESTÁTUA(5)
Auto da inauguração do Monumento erigido á memoria
de José Estevam Coelho de Magalhães
Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos
oitenta e nove aos doze dias do mez d'Agosto, no Largo Municipal da
cidade d'Aveiro, na, presença do General de Divisão, Malaquias de Lemos,
representante de Sua Magestade Fidelissima, EI Rei, o Senhor Dom Luiz
Primeiro; do Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Eeclesiasticos
e
de Justiça, Francisco Antonio da Veiga Beirão, representante do Governo;
das deputações das Camaras dos dignos Pares do Reino e dos Senhores
Deputados da Nação portugueza; do Governador Civil do districto, Conselheiro João Affonso d'Espergueira; da Familia de José Estevam, representada pela sua viuva, Dona Rita de Moura Miranda Magalhães, por seu filho
Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, por sua nora, Dona Maria da Conceição
de Lemos Pereira de Lacerda, por sua irmã Dona Maria Dorothéa Coelho
de Magalhães, por sua cunhada, Dona Camilla Augusta d'Oliveira
Magalhães,
e por suas sobrinhas Dona Maria José de Magalhães Freitas e Oliveira,
Dona Eugenia de Freitas e Oliveira e Dona Maria Antonia de Freitas
Oliveira; de representantes da Junta geral do districto, Camara
Municipal
d'Aveiro e Camaras Municipaes do districto; de muitas authoridades e
funccionarios civis e militares; de diversas corporações, associações
e estabelecimentos do districto; de representantes da imprensa; do
esculptor
José Simões d'Almeida Junior, modelador da estátua; de grande numero
de pessoas das diversas classes; e da Commissão do Monumento; achando-se o referido Largo Municipal devidamente adornado, e a estatua
velada:
se procedeuá ceremonia, da inauguração,com as solemnidades seguintes:
Sendo
(6) horas da tarde, o presidente da Commissão do Monumento, João
da Maia Romão, offereceu o cordão da bandeira nacional, que velava a
estatua, ao Coronel reformado Jeronimo de Morais Sarmento e, logo que
esta se patenteou, uma girandola de foguetes e o hymno de José Estevam,
executado por varias bandas de muzica, annunciaram que estava inaugurada
a estatua do grande e glorioso tribuno, JOSÉ ESTEVAM COELHO DE
MAGALHÃES,
havendo nessa occasião enthusiasticas acclamações da multidão que
enchia
o Largo Municipal. Em seguida o presidente João da Maia Romão leu uma
allocução propria a pôr em relevo as sublimes qualidade do eminente
orador, e agradeceu, em nome da Commissão, o importante auxilio que
geralmente lhe foi dispensado para levar acabo a realisação da sua idêa
erigir um singelo monumento ao filho d'Aveiro, JOSÉ ESTEVAM COELHO DE
MAGALHÃES. Por ultimo foi lido este auto para ser assinado. Domingos
José
/ 135 /
dos Santos Leite, secretario da Commissão do
monumento, o subscrevi e
assigno.
|
Malaquias de Lemos(7)
Francisco António da Veiga Beirão
V. d'Almeidinha
Conde da Borralha
Antonio d'Oliveira Monteiro
José Dias Ferreira
António Cândido Ribeiro da Costa
Albano de Mello Ribeiro Pinto
António Simôes dos Reis
Francisco Maria de S.za Brandão
Joaquim Heliodoro da Veiga
João Affonso d'Espregueira
Rita de Moura Miranda Magalhães
Luiz Cypriano Coelho de Magalhães
Maria da Conceição de Lemos Pereira de Lacerda
Maria Dorothea Coelho de Magalhães
Camilla Augusta d'Oliveira Magalhães
Maria José de Magalhães Freitas Oliveira
Eugenia de Freitas Oliveira
Maria Antonia Freitas Oliveira
José Elias Garcia
Luiz Filippe da Matta
Antonio Augusto Pinto d'Almeida Chaves
Eduardo Ferreira Pinto Basto (Câmara de Lisboa)
José Simões d'Almeida Junior
José Maria de Moura B. Feio Terenas (Democracia Portugueza)
Visconde da Gandara (Camara do Porto)
Alfredo Ferreira Reis Guimarães (Gremio Honra e Dever)
Gualdemiro Pereira Cardoso (Gremio Honra e Dever)
J. J. Sanselim, (?) de Lima (Volunt. da Liberdade)
Victoriano Franco Braga (Gremio Lusitano)
Anselmo de Sousa (Camara Constituinte do Partido Rep.no Portuguez)
Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real
Manuel Nunes da Silva
Domingos Luiz Coelho da Silva (Club 15 de set.º de 1820)
José Gonçalves Vieira Malaquias
Manuel Gualdino da Cunha
Olympio Joaquim de Oliveira
Regina Tavares Maia
Manuel Tavares d'Almeida Maia
José João Ferreira
Antonio Joaquim Leite Ribeiro
João Maria Garcia
Thomas José Garcia
− A Comissão do Monumento −
João da Maya Romão
Pedro Antonio Marques
Francisco Rodrigues da Graça
Anselmo Ferreira
Manoel Homem de C. Christo
Manuel da Rocha
Joze JoaquIm Gonçalves da Caetana
Antonio de Souza
Domingos José dos Santos Leite |
/ 136 /
II
RESUMO DA CONTA GERAL DA COMMISSÃO PROMOTORA
DO MONUMENTO A JOSÉ ESTEVAM
DOCUMENTO EM
FORMATO PDF
JOSÉ PEREIRA TAVARES
Continua na pág. 227 −
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