As
TERRAS DE PORTUGAL em que dominavam ou influíam os parciais de Afonso
Henriques começaram a rebelar-se nos princípios de 1127.
«A invasão de Afonso VII
veio então impedir ou antes adiar a guerra Civil. «A independência
portuguesa, que por tantos anos tendera a realizar-se, retrocedia mais
uma vez».
«Afonso Henriques, o moço
cavaleiro, chegara à idade de dezassete anos. «Tinha amigos próprios, e
a principal nobreza preferia vê-lo apossar-se do mando supremo a sofrer
que estranhos e os partidários destes governassem por intervenção de D.
Teresa.
«Parece, porém, que nos
primeiros meses de 1128 a guerra civil, encetada no ano antecedente, se
preparava de novo ou já porventura começara. «As principais personagens
que em Maio desse ano estavam ligadas com Afonso Henriques eram o
arcebispo D. Paio, seu irmão Sueiro Mendes, denominado o grosso,
Ermígio Monis, Sancho Nunes, marido que era ou depois foi de D. Sancha,
irmã do infante, e Garcia Soares.
«Ermígio Moniz, o célebre
conde ou senhor da terra da Feira, é o personagem talvez mais influente
na revolução de 1128.
«A tradição da idade média,
conservada pelas crónicas mais antigas, é que o infante antes da batalha
do campo de S. Mamede já andava levantado contra D. Teresa e que lhe
tinha «furtado» dois castelos, os de Neiva e da Feira.»
A gravidade do assunto
obrigou-me a apresentá-lo com as próprias palavras do supremo mestre da
nossa história. São todas de ALEXANDRE HERCULANO, copiadas do volume I
da História de Portugal a págs. 284, 285, 286, 495, e 496,
textualmente, substituindo só «do ano seguinte» por «de 1128» para fácil
sequência da leitura.
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Vejamos agora as crónicas
mais antigas, a que o mestre se refere, apresentadas por ele mesmo no
volume Scriptores da colecção Portugaliae Monumenta Historica.
«O códice 79 da
Biblioteca Pública do Porto, que pertenceu ao mosteiro de S. Cruz de
Coimbra, contém quase na sua íntegra pequenas composições históricas,
que evidentemente são anteriores ao século XVI, tanto pela matéria, como
pelos caracteres paleográficos do códice.»
«Termina o códice por
duas crónicas também dos fins do século XV, a primeira das quais,
escrita com certa extensão e dividida em capítulos, só contém uma rápida
notícia do conde Henrique e a história do reinado de Afonso Henriques.
Parece ter servido de fundamento a de DUARTE GALVÃO, e talvez seja
apenas a primeira tentativa daquele escritor, cujas estreitas relações
com o mosteiro de S. Cruz são conhecidas.»
Esta primeira crónica diz:
«E entom se foy elle pera
purtugal ca sua madre cassarasse com dom uermumy perez traua, mais
despois lha tomou o conde dom Fernando seu irmão e casou com ella. E
casou dom uermumym perez com huma sua filha e do conde dom anrrique que
auia nome tareija anrriquez. E por este pecado foy despois feito huum
moesteiro que chamam sobrado, O conde dom Fernando era aquella sazom o
milhor homem despanha que Rey nom fosse, e por esta razom alçousse toda
a terra a dom affomso anrriquez com sua madre. E elle quando esto vio
forçou dous castellos huum nenha, e outro castello da feira. E danbos
estes castellos fazia elle guerra mortal a seu padrasto entanto que
ouuerom a fazer treegoas que podessem fallar. E a esta sazom era já dom
affomso chamado ja princlpe.»
P. M. H. − Scriptores
− pág. 26
«A outra crónica, mais
resumida, e escrita por diversa letra, abranje todavia um período maior
desde o começo da monarquia até o reinado de D, Diniz, mas, como a
precedente, é dedicada particularmente aos sucessos de Afonso I».
Nesta outra crónica lê-se,
mais explicadamente, sobre o ponto visado aqui:
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«E a madre cassousse co o
conde dom Fernando de trastamara, que era em aquella sazom o milhor
homem despanha que Rey nom fosse. Affomso enrriquez tomou dous castellos
a sa madre, e huum foi nenha, e o outro ho castello da feira, que he em
terra de santa maria. E com aqueles dous quastellos guereou elle muy
rijamente seu padrasto.»
P. M. H. − Scriptores
− pág. 29
O Livro de linhagens do
Conde D. Pedro narra o caso, no texto preferido por ALEXANDRE
HERCULANO, assim:
«Affomsso Amrriquez furtou
dous castellos a ssa madre, huum foy Neuha e o outro o castello da Feyra
que he em terra de samta Maria. E com aquelles guerreou ell muy rryjo
com seu padrasto.»
P. M. H. − Scriptores
− pág. 255
Sendo Ermígio Moniz senhor
das Terras de Santa Maria e portanto do castelo da Feira, principal
fortaleza delas, não é crível ter deixado antecipar-se no pronunciamento
a favor do infante o castelo de Neiva, cujo alcaide era personagem
secundária na revolução em que HERCULANO lhe atribui primacial
influência. Deve, portanto, ter sido o castelo da Feira onde se levantou
antes de Maio de 1128 o primitivo grito do movimento de que resultou a
autonomia de Portugal.
Do castelo de Neiva resta
apenas o sítio, num penhasco sobranceiro ao mar, marcado pelos poucos
vestígios das ruínas dispersas e devastadas.
O castelo da Feira subsiste
imponente com o característico e belo perfil da sua reconstrução ogival
e são-lhe perfeitamente aplicáveis as palavras do doutor OLIVEIRA
SALAZAR na sua mensagem de 26 de Março de 1938:
«O castelo... deve ser a
acrópole sagrada, e lugar eleito das peregrinações patrióticas.»
Coevo do feito de Ermígio Moniz nada nele se conhecia; mas, em 8 de
Julho de 1938, tive a felicidade de ver a descoberto, no saliente norte
das muralhas do castelo da Feira, uma velha ameia, que pelas suas
estrutura e situação, pode afirmar-se ter feito parte dum castelejo
amoiriscado anterior à fundação
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de Portugal. Existe, pois, um pedaço da fortaleza onde Ermígio Moniz,
nos primeiros meses de 1128, arvorou a signa de Afonso Henriques; e esse
brado «Pelo infante» foi o primeiro vagido da autonomia
portuguesa nascente, da qual a batalha de Ourique seria o baptismo
solene.
De pé, no recanto
amoiriscado do adarve do castelo da Feira, com a mão apoiada na vetusta
ameia, posso dizer com verdade:
− AQUI NASCEU PORTUGAL.
Feira, 7 de Janeiro de 1939.
VAZ FERREIRA
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