Conde da Borralha, Águeda. Uma transcrição necessária, Vol. IV, pp. 309-313.

ÁGUEDA

(UMA TRANSCRIÇÃO NECESSÁRIA)

OS trabalhos que aqui temos publicado sob a designação de Águeda, abrangendo, por vezes, mais do que a região de Riba de Águeda − pois temos para nós, que as monografias desde que não tragam consigo as redes que as prendem à história geral não passam de curiosidades de almanaque − têm por objectivo fornecer elementos de estudo a quem queira fazer obra definitiva.

Antes de continuar a fornecer outros elementos e por acharmos vantajoso reuni-los todos nesta revista da especialidade, vamos para aqui transcrever do número único da Shell News o primeiro estudo que sobre Águeda publicámos e ao qual fizemos referência no número 1 do Arquivo do Distrito de Aveiro, pág. 49.

ÁGUEDA

SUBSÍDIOS PARA A SUA HISTÓRIA

Os pergaminhos de sucessora da cidade romana de Aeminium, que a imaginação dos clássicos quinhentistas emprestou a Águeda, desde 1888 que, pela descoberta da lápide do Colégio Novo, se sabe que pertencem a Coimbra, embora do alto da fachada dos paços do concelho se continue a bradar, heraldicamente, o contrário.

Há quem suponha, num arranco de fantasia bairrista, e como que para se agarrar à tábua do náufrago, que a lápide descoberta em Coimbra podia até ter sido levada de Águeda.

Tudo neste mundo se pode supor... mas a verdade, porém, é que em Coimbra há vestígios de existência duma povoação importante do tempo dos romanos e em Águeda, ou mesmo nas suas proximidades, não existe coisa alguma que nos leve a admitir essa existência. A lápide não apareceu num deserto, / 310 / mas enquadrada dentro do cenário de que ela não é mais do que a confirmação.

Além disso, outro argumento há para convencer os mais incrédulos e contra o qual não há poder de imaginação que resista. É sabido que, segundo a Carta do Estado Maior, a distância de Gaia a Coimbra são: 105.100 metros; pois, pelo Itinerário Romano, a distância que separa Aeminium de Cale corresponde a um certo numero de milhas cuja soma dá 105.151 metros. E devo dizer que a identidade destes números não foi procurada com o prévio fim de demonstrar que Aeminium e Coimbra eram a mesma povoação, mas exclusivamente para determinar a situação conjectural de Talábrica, em um interessante estudo de geografia proto-histórica de F. ALVES PEREIRA (Vide Arqueólogo Português, voI. XII, pág. 133), feito em Março de 1907.

Liquidado este assunto, entremos na verdade histórica que a documentação autoriza e cuja amplitude é suficiente para cabalmente nos elucidar sobre a gestação e desenvolvimento do fenómeno social, que Águeda representa; mas, considerando que dentro do curto limite que nos é dado, tanto de tempo como de espaço, não nos é permitido sequer enunciar a profusão de documentos dos Monumenta Histórica que directa ou indirectamente esclarecem a vida na região na época em que Águeda surgiu, circunscrever-nos-emos, sumariamente, apenas, a indicar as origens e o valor social de Águeda no século mais expressivo da nossa civilização.

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Desde a alta idade média (883) que Águeda nos aparece na documentação como um nome pelo qual se designa uma determinada região (ripa de Agata), fazendo-se o mais absoluto silêncio sobre a existência do lugar que entre os séculos XI a XIII se deveria ter formado, para nos primórdios deste ultimo século nos aparecer, nas inquirições de D. Afonso II e num fragmento dessa inquirição que JOÃO PEDRO RIBEIRO atribui ao ano de 1220, com aquele relativo desenvolvimento que nos deixa entrever o facto de figurarem 10 homens na Terra a depor, quando costumavam sempre ser menos os que apareciam nos outros povoados para esse fim. E diziam eles: que a igreja de Águeda era ainda de padroado real, e que o rei tinha na vila de Assequins 18 casais e meio, que trazia em préstimo Monio Garcias; na vila de Bolfiar, 7, que trazia Pedro Rodrigues; na Borralha, 5, que pertenciam à Chancelaria e, finalmente, em Paredes, 4, que trazia Domingos Egee, e que no Reguengo todo só havia sonegadas 3 leiras que estavam na mão dos cavaleiros (milites) da Borralha e, bem assim, que o rei havia dado a Martin Vivas as vilas da Castanheira, Alcafaz, Mendo, Joanino, e 2 Balsamias. (Belazaimas ). / 311 /

Para pagamento de tributos era indicado Ois, como regra.

O facto de se não designarem casais propriamente em Águeda, não quer dizer que ali já não houvesse ao tempo maior número de moradores do que nas outras povoações de cuja freguesia era sede. Examinando o inventário de PAIO GONÇALVES do ano de 1017, inserto num documento dos Diplomata et Chartae de 1077, vê-se que, corresponde a um único casal (casal de lausato) o sítio onde hoje assenta a vila de Águeda e onde, naquele tempo, já existia a igreja, ou pelo menos qualquer capela ou ermitério, o que nos é denunciado pela designação de porto de S. Eulália dada ao sítio próximo da foz do Ribeirinho (Chão do rio) que ainda na primeira metade do século XVII se chamava porto do Grajal, ou igrejal, segundo consta do Tombo da igreja desse tempo.

A igreja de Águeda estava, pois, erecta em cabeça do antigo casal de Lousado e era o único responsável, pelos foros , e rações que pagavam os habitantes de cujas casas era senhoria, o seu prior.

Ao pequeno lugar que à roda da igreja se iria formando, a princípio com o nome de S. Eulália, em breve se começou chamando S. Eulália de Ágada, para o distinguir doutros lugares do mesmo nome, entre os quais o da vila de S. Eulália (Aguada de Cima) de cuja existência já temos conhecimento no ano de 957, e lhe ficava perto.

Assim se começou, ou, mais rigorosamente, se deve ter começado, a concretizar numa povoação o nome que do rio adviera à região.

A circunstância de Águeda ainda aparecer denominada como burgo em mais do que um documento de origem diferente (Arquivo da T. T. e no meu Arquivo) da primeira metade do século XV, e a existência, para o caso preciosa, dos Tombos da igreja e do hospital de Águeda já por si nos dão uma visão retrospectiva que autoriza a supor que a origem de Águeda era aquela que lhe assegura o inventário de Paio Gonçalves.

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No. século XV, o mais brilhante e criador da nossa história, Águeda, que acompanhava as vicissitudes de Aveiro (empório comercial e grande vila com 894 fogos) de que era termo, e dada a sua posição geográfica, marcava o seu lugar como centro do tráfego entre as Beiras e a Costa e como praça largamente frequentada.

A sua população, pelo recenseamento de 1527, (Vide A. H. P, vol. VI, pág. 278) juntamente com a do Cazainho, era de 80 fogos, o que, atendendo ao excedente da população flutuante, representava sensivelmente mais do que o mesmo número de fogos em outro lugar, e era constituída por mesteirais, mercadores, / 312 / industriais, e funcionários dos lugares vizinhos que ali residiam, em cuja classe as próprias famílias nobres da terra dos séculos subsequentes encontraram a sua origem.

Estranho poderá parecer que, nesta altura, e cercada de terras insignificantes com foral privativo, Águeda, onde todas essas terras se abasteciam, não o tivesse também? Mas não é.

O foral do município não era mais que um conjunto de disposições, sancionadas pelo rei, que regulavam a conduta entre o senhorio e o foraleiro e resultava da necessidade que a humildade do colono tinha de se defender da tirania do donatário.

Dentro do actual concelho de Águeda os vizinhos lugares de Casal de Álvaro e Bolfiar podem fornecer-nos um claro exemplo do que isso era.

Nos fins do século XV era senhor destes lugares João Álvares da Cunha, senhor de Pombeiro, descendente de João Lourenço da Cunha e de D. Leonor Teles, a que foi rainha. Era um grande e poderoso fidalgo, portador de toda a altivez e dureza dos temperamentos medievos. Aqueles povos, pela boca de Braz de Ferreira, (Corpo Cronológico, parte II, maço VIII, doc. 80 da T. T.) seu procurador, diziam que João Alvares «levava portagem e passagem dos moradores dos ditos concelhos e dos mercadores e estrangeiros que passavam pelos ditos concelhos ora vendam e comprem ora nam sem teer forall» e, além disso, cobrava «maiores comthias em trez dobros do que se levava nos lugares honde avia forall» e «lhes tomava as roupas e palhas e ervas» e «os fazia servir com os corpos e bestas e carros e os fazia a elles e as mulheres e filhos tusquinhar e maçar os seus linhos sem lhes pagar dinheiro algum e se lhes nam faziam os ditos serviços os prendia e penhorava e lhes levava aquelas penas que queria e lhes fazia acarretar e levar os foros e rendas que lhe aviam de pagar ao paço onde morava...» e mais que «deviam pagar quatro alqueires de trigo de fogasa cada lavrador pela medida velha e o dito reu lhe os levava... pela medida nova que eram cinco alqueires e meio» que os moradores de Bolfiar «tinham seus casais patrimoniais com seus soutos e salgueirais que êle Ihes tomara os ditos soutos e salgueirais e lhe tornara a aforar»; que deviam pagar 16 reis por uma espádua de porco e agora pagavam 50; que, pelos forais dos lugares próximos, em caso de haver cheias que levassem as sementeiras se não pagavam fogaças e êle os obrigava a pagar. E por essas e outras razões, os possuidores de 9 casais de Casal de Álvaro e mais 7 no seu limite que era BoIfiar, alcançaram, apesar da defesa apresentada pelo donatário, sentença favorável de D. Manuel, em Lisboa, a 11 de Julho de 1503, que havia de servir de base ao futuro foral.

Se o pequeno Casal de Álvaro assim procedia, Águeda não / 313 / podia fazer o mesmo se, porventura, não se sentisse comodamente instalada dentro do seu papel de termo da vila de Aveiro?

Certamente que sim.

Mas Águeda não devia a sua prosperidade à agricultura, mas sim ao comércio e à indústria, como atrás se vê e ressalta da qualidade dos seus moradores, que, por isso, desprezavam a condição de munícipes, que os não isentava de pagar a tinta e dos outros encargos do concelho, para se acostarem ao privilégio real, que lhes oferecia essa garantia com tal facilidade e abundância, que se tornava impossível encontrar em Águeda quem servisse cargos públicos, como consta das queixas feitas nos capítulos de Aveiro, nas cortes de Évora em 1451. (História da Sociedade em Portugal no século XV, por A. S. S; COSTA LOBO, pág. 560 e 164 a 166). E eis a razão porque Águeda, desde tão remota data a mais importante e populosa terra da sua região, nunca foi concelho enquanto os valores sociais se não mudaram.

Novembro de 1932.

CONDE DA BORRALHA

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