Abade José Luciano Lobo, Restauração da diocese de Aveiro, Vol. IV, pp. 241-248.

N.º 16 − Dezembro, 1938

ARQVIVO

DO DISTRITO DE AVEIRO

Directores e proprietários

ANTÓNIO GOMES DA ROCHA MADAHIL

FRANCISCO FERREIRA NEVES

JOSÉ PEREIRA TAVARES

Editor

FRANCISCO FERREIRA NEVES

Administração

Estrada de Esgueira − AVEIRO


Composto e impresso na Tipografia da Gráfica de Coimbra − Largo da Feira, 38 − COIMBRA


A RESTAURAÇÃO

DA DIOCESE DE AVEIRO

É justo que ao «Arquivo» não passe despercebido este acontecimento notável, esta ressurreição da diocese.

Quando se fala em restauração do Bispado, compreende-se logo que o dito bispado foi outrora criado, depois extinto e ultimamente restaurado ou ressuscitado.

E na verdade assim aconteceu.

Foi criado pela bula de Clemente XIV = Militantibus Eclesiae Gubernacula; cento e sete anos depois foi extinto pela Bula Gravissimum de Leão XIII de 30 de Setembro de 1881 e agora restaurado com maior número de paróquias pela Bula de Pio XI Omnium Eclesiarum de 24 de Agosto do corrente ano.

Quando foi criado o Bispado em 1774 compunha-se este de 73 paróquias e 7 arciprestados; agora com a nova restauração ficou com 10 concelhos, 82 freguesias e com uma população de cento e noventa a duzentos mil habitantes.

Quando da criação da Diocese, reinava em Portugal D. José I, sendo o seu primeiro ministro o Marquês de Pombal − Sebastião José de Carvalho e Melo.

Os párocos da cidade e os beneficiados da Colegiada da Misericórdia supriam o Cabido da Diocese criada, assim como agora, por determinação de Sua Santidade o Papa, enquanto se não constituir Cabido serão escolhidos segundo as normas do direito, em vez de Cónegos, Consultores diocesanos.

 

 
 

Igreja da Misericórdia, antiga Sé do Bispado de Aveiro.
Gravura cedida pelo "Correio do Vouga"

 

Teve a primitiva Diocese de Aveiro a governá-la 3 Bispos e 10 Vigários Gerais, não falando já no Dr. Gonçalo António Tavares de Sousa que foi nomeado Governador do Bispado e cuja nomeação foi arguida de nulidade por ter sido feita pelo Dr. Inácio de Matos Sousa Cardoso que nessa data governava intrusamente o Arcebispado de Braga, nem no Fr. António / 243 / Egídio que em Fevereiro de 1840 foi apresentado pelo Governo, tomou posse da Diocese nesse mesmo ano, mas nunca foi confirmado nem sagrado por a Santa Sé se ter recusado a isso.

Chamavam-se os 3 Bispos de Aveiro D. António Freire Gameiro, D. António José Cordeiro e D. Manuel Pacheco de Resende.

O primeiro destes Bispos, natural de Lisboa, foi nomeado e sagrado em 1774, governando o Bispado até 1799.

O 2.º veio a ser eleito Bispo em 1800 e sagrado na catedral de Lamego em 1801. Fez a sua entrada em Aveiro em 1802, governando a Diocese até 1813.

O 3.º foi eleito em 1813, sagrado em 1815, fez a sua entrada na Diocese em 1816, vindo a falecer em 1837.

Todos estes Prelados foram sepultados na Sé, que era a Igreja da Misericórdia.

Tiveram o seu seminário que funcionou a princípio na Vista Alegre, depois em Requeixo e por último no Paço episcopal.

Depois destes Bispos vieram Vigários Gerais.

Já falei no Dr. Gonçalo de Sousa e no Fr. Egídio.

Este Fr. Egídio, que teve o título de Bispo eleito, foi nomeado Vigário Capitular em 1843, lugar a que ele resignou no ano seguinte.

Em 1842 a Santa Sé nomeou Vigário Geral de Aveiro, o Dr. Bilhano. Este Dr. Bilhano foi depois pároco de Oliveirinha e de Ílhavo, deputado, novamente Vigário Geral de Aveiro em 1860 e por último Arcebispo de Évora. Faleceu em Ílhavo em 1890 e é de saudosa memória ainda hoje em Aveiro por ter sido um grande defensor da conservação da Diocese.

Além destes, outros Vigários Gerais da nomeação do Metropolita de Braga governaram a Diocese até à sua extinção, e foram eles: Dr. Manuel de Araújo Taborda nomeado em 1845, Dr. Joaquim de Sequeira, nomeado em 1857, José de Carvalho Góis, nomeado em 1868, João da Silva Valente, nomeado em 1869, Dr. Manuel Pires de Lima, nomeado em Dezembro de 1869, Dr. Jacinto Fragoso, nomeado em 1870, Dr. Manuel A. de Lima, nomeado em 1871, D. Manuel Batista da Cunha, nomeado em 1879, D. António Mendes Belo, nomeado em 1880.

Foi este o último, porque em Setembro de 1881 Sua Santidade Leão XIII, atendendo ao pedido do rei de Portugal, D. Luís I, extinguiu cinco Dioceses e entre elas a de Aveiro.

E porque foi extinta a Diocese?

Desde 1833 que o governo tinha desejos de extinguir algumas Dioceses.

Em 1840 chegou o governo de então a pedir a extinção da Diocese de Aveiro melindrado com a Santa Sé por ela não querer confirmar o Frei Santo Egídio.

Em 1869, o então Ministro da Justiça determinou que se não nomeasse Bispo para Aveiro mas apenas para determinadas / 244 / Dioceses. Em 1876 foi o governo autorizado a modificar a área e a reduzir o número das Dioceses até que em 1881 se deu a a extinção da de Aveiro após 107 anos de existência.

Esteve esta Diocese no seu leito de morte 57 anos, mas passados eles conseguiu a sua ressurreição: resurrexit.

É que pouco tempo depois da sua extinção apareceram defensores da restauração da Diocese.

Foi pelos anos fora tomando vulto essa ideia, até que ultimamente o venerando Arcebispo de Ossirinco − Sr. D. João Evangelista de Lima Vidal − auxiliado pelos dois Núncios Beda e Ciriaci e pela Comissão Pro-restauração do Bispado da qual fazia parte como presidente o Sr. Dr. Querubim do Vale Guimarães, conseguiu de Sua Santidade Pio XI, depois de muitos trabalhos e canseiras, a restauração da Diocese pela Bula Omnium Ecclesiarum de 24 de Agosto de 1938.

Foi restaurada e aumentada pela Bula de 24 de Agosto a Diocese de Aveiro que fica constituída pelas freguesias dos seguintes concelhos: Águeda, Anadia, Aveiro, Albergaria-a-Velha, Ílhavo, Estarreja, Oliveira do Bairro, Murtosa, Vagos e Sever do Vouga, concelhos estes vindos das Dioceses de Coimbra, Porto e Viseu.

Pela mesma Bula ou Carta Apostólica de restauração da Diocese foi nomeado seu «Administrador Apostólico», até ser provida de Bispo próprio, o Ex.mo e Rev.mo Sr. D. João de Lima Vida!.

Quis a Providência que ficasse Administrador Apostólico da Diocese aquele que mais trabalhou pela sua restauração.

*

*         *

Está, pois, de parabéns a cidade de Aveiro exultando de alegria todos os seus habitantes pela restauração da Diocese e pela nomeação do Sr. Arcebispo de Ossirinco para seu administrador.

Mas não é só Aveiro que sente alegria, é também a Igreja Católica, porque a criação ou restauração dum Bispado, contribuindo para o robustecimento da fé e progresso da religião, acarreta maior glória para Deus.

O próprio Pontífice romano, ao assinar a Bula Omnium Eclesiarum, exultou de alegria, como se deduz das suas palavras:

«Entre a solicitude de todas as Igrejas temos sempre grande alegria quando por mudança propícia das circunstâncias se pode restaurar qualquer Diocese que a Santa Sé outrora por justos motivos julgou oportuno extinguir.»

D. João Evangelista de Lima Vidal
Arcebispo de Ossirinco e Administrador Apostólico da Diocese restaurada de Aveiro.

*

*         *

Quiseram todos os aveirenses sem distinção de classes patentear o seu regozijo recebendo galhardamente no dia 11 do corrente o Ex.mo Administrador Apostólico, que nessa data/ 246 / fez  a sua entrada solene na cidade a dar execução à Bula da restauração.

Sua Excelência, vindo do Couto de Cucujães, era esperado nas alturas da Branca (extremo da Diocese) pelos representantes de todos os valores sociais da Diocese: eclesiásticos, civis e militares, não faltando também o povo paciente e ordeiro, o povo que trabalha na fábrica e na oficina e que dia a dia, hora a hora, moureja para extrair das entranhas da terra a riqueza pública.

MAPA DAS FREGUESIAS DA NOVA DIOCESE DE AVEIRO

Gravura obsequiosamente cedida pelo "Correio do Vouga"

(1) Lá, na Branca, foi Sua Ex.ª vitoriado e cumprimentado pelos presentes, pondo-se seguidamente em marcha o cortejo de muitos automóveis em direcção a Aveiro onde Sua Ex.ª na Câmara Municipal recebeu em nome da cidade cumprimentos de boas vindas que lhe foram dados pelo Sr. Presidente do Município e ao qual Sua Ex.ª Rev.ma comovidamente agradeceu.

Dali dirigiu-se a comitiva para a Igreja da Vera-Cruz, onde Sua Ex.ª se paramentou a fim de seguir no imponente cortejo, não para a igreja da Misericórdia que foi a primeira Sé quando da criação do bispado, mas sim para a igreja paroquial de Nossa Senhora da Glória, elevada a catedral pela mesma Bula que restaurou a Diocese.

Ali houve um solene Te-Deum, proferindo a oração gratulatória o Rev.º P.e Donaciano Abreu Freire, Reitor de Beduído e distinto orador sagrado.

Findas estas cerimónias organizou-se de novo um cortejo de automóveis que acompanhou o Sr. D. João Vidal à sua residência, um bom prédio próximo da estação do caminho de ferro e que Sua Ex.ª cedeu gratuitamente para Paço Episcopal.

Igreja de Nossa Senhora da Glória,
escolhida para Sé de Aveiro.

Pelas 21 horas, em honra do Ex.mo Administrador Apostólico, realizou-se no Arcada-Hotel um banquete que decorreu na melhor ordem e no meio de grande alegria, sendo S. Ex.ª aclamado, bem como o Sumo Pontífice, a nova Diocese e a cidade de Aveiro.

O povo acorreu em grande número a tomar parte nas manifestações ao Prelado; as ruas e diferentes prédios estavam ornamentados.

Houve fogos, música, iluminações, flores, vivas, enfim, em todos os rostos transparecia grande júbilo e contentamento, semelhante para alguns ao da viúva de Naim quando Jesus lhe fez cair vivo nos braços o filho querido que ela chorava.

Era uma ressurreição!

*

*         *

E agora, como remate, apenas isto:

Aveiro, que melhorou sob todos os pontos de vista, contraiu para com o actual Prelado uma grande dívida.

Essa dívida deverão todos pagá-la. Como? / 248 /

Com o seu respeito, com a sua obediência, com a sua dedicação e amizade e mormente com o seu acatamento às determinações e conselhos de Sua Ex.ª, evitando-lhe desta forma insónias e dissabores e tornando-lhe mais suave o caminho da vida e mais leve a nova cruz que agora tomou sobre seus ombros.

Paço Episcopal de Aveiro
Gravura obsequiosamente cedida pelo Correio do Vouga

O Arquivo do Distrito de Aveiro, prestando homenagem a Sua Ex.ª o Sr. Arcebispo de Ossirinco, também se associa ao júbilo da nova Diocese.

Pessegueiro do Vouga − Dezembro − 1938.

ABADE JOSÉ LUCIANO LOBO

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(1) − O mapa das freguesias da nova Diocese está errado: falta-lhe a freguesia de Macinhata do Vouga e tem a mais: Boa-Hora, Boco, Salgueiro, Ouca, Parada de Cima, Fonte de Angião, Vista Alegre, Andia, Choca do Mar, Lombomeão e Vagueira, que não são freguesias. (Nota de JOSÉ FERREIRA DE SOUSA)

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