É justo que ao «Arquivo»
não passe despercebido este acontecimento notável, esta ressurreição da
diocese.
Quando se fala em restauração do Bispado, compreende-se logo que o dito bispado foi outrora criado,
depois extinto e ultimamente restaurado ou ressuscitado.
E na verdade assim aconteceu.
Foi criado pela bula de Clemente XIV =
Militantibus Eclesiae Gubernacula;
cento e sete anos depois foi extinto pela
Bula Gravissimum de Leão XIII de 30 de Setembro de 1881 e
agora restaurado com maior número de paróquias pela Bula de Pio XI Omnium Eclesiarum de 24 de
Agosto do corrente ano.
Quando foi criado o Bispado em 1774 compunha-se
este de 73 paróquias e 7
arciprestados; agora com a nova restauração ficou com 10 concelhos, 82
freguesias e com uma população de cento e noventa a duzentos mil
habitantes.
Quando da criação da
Diocese, reinava em Portugal D. José I, sendo o seu primeiro ministro o
Marquês de Pombal − Sebastião José de Carvalho e Melo.
Os párocos da cidade e os beneficiados da Colegiada da
Misericórdia supriam o Cabido da Diocese criada, assim como agora, por
determinação de Sua Santidade o Papa, enquanto se não constituir Cabido
serão escolhidos segundo as normas do direito, em vez de Cónegos,
Consultores diocesanos.
|
|
|
|
Igreja da Misericórdia,
antiga Sé do Bispado de Aveiro.
Gravura cedida pelo "Correio
do Vouga" |
|
Teve a primitiva Diocese de Aveiro a governá-la 3 Bispos e 10 Vigários
Gerais, não falando já no Dr. Gonçalo António Tavares de Sousa que foi
nomeado Governador do Bispado e cuja nomeação foi arguida de nulidade
por ter sido feita pelo Dr. Inácio de Matos Sousa Cardoso que nessa
data governava intrusamente o Arcebispado de Braga, nem no Fr. António
/ 243 /
Egídio que em Fevereiro de 1840 foi apresentado pelo Governo, tomou
posse da Diocese nesse mesmo ano, mas nunca foi confirmado nem sagrado
por a Santa Sé se ter recusado a isso.
Chamavam-se os 3 Bispos de
Aveiro D. António Freire Gameiro, D. António José Cordeiro e D. Manuel
Pacheco de Resende.
O primeiro destes Bispos, natural de Lisboa, foi nomeado e
sagrado em 1774, governando o Bispado até 1799.
O 2.º veio a ser eleito Bispo em 1800 e sagrado na catedral de Lamego em
1801. Fez a sua entrada em Aveiro em 1802, governando a Diocese até
1813.
O 3.º foi eleito em 1813, sagrado em 1815, fez a sua entrada
na Diocese em 1816, vindo a falecer em 1837.
Todos estes Prelados foram sepultados na Sé, que era a
Igreja da Misericórdia.
Tiveram o seu seminário que funcionou a princípio na Vista Alegre, depois em Requeixo e por último no Paço episcopal.
Depois destes Bispos vieram Vigários Gerais.
Já falei no Dr. Gonçalo de Sousa e no Fr. Egídio.
Este Fr. Egídio, que teve o título de Bispo eleito, foi nomeado
Vigário Capitular em 1843, lugar a que ele resignou no ano seguinte.
Em 1842 a Santa Sé nomeou Vigário Geral de Aveiro, o
Dr. Bilhano. Este Dr. Bilhano foi depois pároco de Oliveirinha e de
Ílhavo, deputado, novamente Vigário Geral de Aveiro em 1860 e por último Arcebispo de
Évora. Faleceu em Ílhavo em 1890 e é de saudosa
memória ainda hoje em Aveiro por ter sido um grande defensor da
conservação da Diocese.
Além destes, outros Vigários Gerais da nomeação do Metropolita de Braga governaram a Diocese até à sua extinção, e
foram eles: Dr. Manuel de Araújo Taborda nomeado em 1845,
Dr. Joaquim de Sequeira, nomeado em 1857, José de Carvalho
Góis, nomeado em 1868, João da Silva Valente, nomeado em 1869, Dr. Manuel
Pires de Lima, nomeado em Dezembro de 1869, Dr. Jacinto Fragoso, nomeado
em 1870, Dr. Manuel A. de Lima, nomeado em 1871, D. Manuel Batista da
Cunha, nomeado em 1879, D. António Mendes Belo, nomeado em 1880.
Foi este o último, porque em
Setembro de 1881 Sua Santidade Leão XIII,
atendendo ao pedido do rei de Portugal, D. Luís I, extinguiu cinco
Dioceses e entre elas a de Aveiro.
E porque foi extinta a Diocese?
Desde 1833 que o governo tinha desejos de extinguir algumas Dioceses.
Em 1840 chegou o governo de então a pedir a extinção da Diocese de Aveiro melindrado com a Santa Sé por ela não querer confirmar o Frei
Santo Egídio.
Em 1869, o então Ministro da Justiça determinou que se não
nomeasse Bispo para Aveiro mas apenas para determinadas
/ 244 /
Dioceses. Em 1876 foi o governo autorizado a modificar a área e a
reduzir o número das Dioceses até que em 1881 se deu a a extinção da de
Aveiro após 107 anos de existência.
Esteve esta Diocese no seu leito de morte 57 anos, mas
passados eles conseguiu a sua ressurreição: resurrexit.
É que pouco tempo depois da sua extinção apareceram
defensores da restauração da Diocese.
Foi pelos anos fora tomando vulto essa
ideia, até que ultimamente o venerando Arcebispo de Ossirinco − Sr. D. João
Evangelista de Lima Vidal − auxiliado pelos dois Núncios Beda e Ciriaci e pela Comissão Pro-restauração do Bispado da qual
fazia parte como presidente o Sr. Dr. Querubim do Vale
Guimarães, conseguiu de Sua Santidade Pio XI, depois de muitos trabalhos
e canseiras, a restauração da Diocese pela
Bula Omnium Ecclesiarum de 24 de Agosto de 1938.
Foi restaurada e aumentada pela Bula de 24 de
Agosto a
Diocese de Aveiro que fica constituída pelas freguesias dos
seguintes concelhos: Águeda, Anadia, Aveiro, Albergaria-a-Velha,
Ílhavo, Estarreja, Oliveira do Bairro, Murtosa, Vagos e
Sever do Vouga, concelhos estes vindos das Dioceses de
Coimbra, Porto e Viseu.
Pela mesma Bula ou
Carta Apostólica de restauração da Diocese foi nomeado seu «Administrador Apostólico», até ser provida
de Bispo próprio, o Ex.mo e Rev.mo Sr. D. João de Lima Vida!.
Quis a Providência que ficasse Administrador Apostólico da
Diocese aquele que mais trabalhou pela sua restauração.
*
*
*
Está, pois, de parabéns a cidade de Aveiro exultando de
alegria todos os seus habitantes pela restauração da Diocese e
pela nomeação do Sr. Arcebispo de Ossirinco para seu administrador.
Mas não é só Aveiro que sente alegria, é também a Igreja
Católica, porque a criação ou restauração dum Bispado, contribuindo para o robustecimento da fé e progresso da religião,
acarreta maior glória para Deus.
O próprio Pontífice romano, ao assinar a Bula
Omnium Eclesiarum, exultou de alegria, como se deduz das suas palavras:
«Entre a solicitude de todas as Igrejas temos sempre grande
alegria quando por mudança propícia das circunstâncias se pode
restaurar qualquer Diocese que a Santa Sé outrora por justos
motivos julgou oportuno extinguir.»
|
|
D. João
Evangelista de Lima Vidal
Arcebispo de Ossirinco e Administrador Apostólico da Diocese
restaurada de Aveiro. |
*
*
*
Quiseram todos os aveirenses sem distinção de classes
patentear o seu regozijo recebendo galhardamente no dia 11 do
corrente o Ex.mo Administrador Apostólico, que nessa data/ 246 / fez
a sua entrada solene na cidade a dar execução à Bula da restauração.
Sua Excelência, vindo do Couto de Cucujães, era esperado
nas alturas da Branca (extremo da Diocese) pelos representantes de todos
os valores sociais da Diocese: eclesiásticos, civis e
militares, não faltando também o povo paciente e ordeiro, o
povo que trabalha na fábrica e na oficina e que dia a dia, hora
a hora, moureja para extrair das entranhas da terra a riqueza
pública.
|
MAPA DAS FREGUESIAS DA NOVA DIOCESE DE AVEIRO
Gravura obsequiosamente cedida pelo
"Correio do Vouga" |
(1) Lá, na Branca, foi Sua Ex.ª vitoriado e cumprimentado
pelos presentes, pondo-se seguidamente em marcha o cortejo
de muitos automóveis em direcção a Aveiro onde Sua Ex.ª na
Câmara Municipal recebeu em nome da cidade cumprimentos
de boas vindas que lhe foram dados pelo Sr. Presidente do
Município e ao qual Sua Ex.ª Rev.ma comovidamente agradeceu.
|
Dali dirigiu-se a comitiva para a Igreja da Vera-Cruz, onde
Sua Ex.ª se paramentou a fim de seguir no imponente cortejo,
não para a igreja da Misericórdia que foi a primeira Sé quando
da criação do bispado, mas sim para a igreja paroquial de
Nossa Senhora da Glória, elevada a catedral pela mesma Bula
que restaurou a Diocese.
Ali houve um solene Te-Deum, proferindo a oração gratulatória o
Rev.º P.e Donaciano Abreu Freire, Reitor de Beduído
e distinto orador sagrado.
Findas estas cerimónias organizou-se de novo um cortejo
de automóveis que acompanhou o Sr. D. João Vidal à sua residência, um bom prédio próximo da estação do caminho de ferro
e que Sua Ex.ª cedeu gratuitamente para Paço Episcopal.
|
Igreja de Nossa Senhora
da Glória,
escolhida para Sé de Aveiro. |
Pelas 21 horas, em honra do Ex.mo Administrador Apostólico, realizou-se no Arcada-Hotel um banquete que decorreu na
melhor ordem e no meio de grande alegria, sendo S. Ex.ª aclamado, bem como o Sumo Pontífice, a nova Diocese e a cidade
de Aveiro.
O povo acorreu em grande número a tomar parte nas manifestações ao Prelado; as ruas e diferentes prédios estavam ornamentados.
Houve fogos, música, iluminações, flores, vivas, enfim, em
todos os rostos transparecia grande júbilo e contentamento,
semelhante para alguns ao da viúva de Naim quando Jesus lhe
fez cair vivo nos braços o filho querido que ela chorava.
Era uma ressurreição!
*
*
*
E agora, como remate, apenas isto:
Aveiro, que melhorou sob todos os pontos de vista, contraiu
para com o actual Prelado uma grande dívida.
Essa dívida deverão todos pagá-la. Como?
/ 248 /
Com o seu respeito, com a sua obediência, com a sua
dedicação e amizade e mormente com o seu acatamento às determinações e conselhos de Sua
Ex.ª, evitando-lhe desta forma
insónias e dissabores e tornando-lhe mais suave o caminho da vida e mais
leve a nova cruz que agora tomou sobre seus
ombros.
|
Paço Episcopal de Aveiro
Gravura obsequiosamente cedida
pelo Correio do Vouga |
O Arquivo do Distrito de Aveiro, prestando homenagem a
Sua Ex.ª o Sr. Arcebispo de Ossirinco, também se associa ao
júbilo da nova Diocese.
Pessegueiro do Vouga − Dezembro
− 1938.
ABADE JOSÉ LUCIANO LOBO
|