Desde a saída de Trancoso, junto ao Chafariz do Vento, no tempo das
cerejas, vamos vendo no lado direito e esquerdo da estrada muitos
agricultores de Freches e, também de aldeias vizinhas, que aí vendem
cerejas, ervilhas e muitos outros mimos da agricultura. Vão assim
furando o bloqueio às vendas da sua produção, que é imposto aos
nossos agricultores. E nada disto é inevitável, nem sequer é forçado
pela UE. Sabemos. De facto, o comércio de rua existe por toda a
Europa, como forma de abastecimento das sociedades desenvolvidas,
como é a suíça ou a holandesa.
Esta aldeia teve sempre comércio. Mostra-o na ligação ao Grémio de
Comércio da Guarda, quando Francisco Delgado de Freches pediu em
seis de Novembro de 1950 a sua exoneração a partir de 31 de Outubro
desse ano.
Agora, vista da estrada parece um presépio e dela vemos, como marca
indelével, também algumas quintas e uma igreja altaneira. Quando
descemos, encontramos um povoado cheio de casas, algumas apalaçadas,
mas, infelizmente, demasiadas estão pintadas com as cores do
empobrecimento e da emigração. Há ainda duas pequenas mercearias que
vendem de tudo e têm cafés como complemento do negócio, funcionando
como lugar de convívio. Para completar há duas queijarias que
aproveitam o leite de rebanhos que aqui existem. Um deles pasta nas
margens de um ribeiro que mostra a falta de gente que o limpe. Aí,
um cão que guarda o rebanho mostra-se atento a quem passa, mas
ninguém repara na ponte romana que espera quem a valorize. Há ainda
uma padaria, quatro ou cinco talhos e um posto de abastecimento de
combustíveis. Há ainda dois táxis que a ligam ao mundo, assim como
autocarros que param no alto da aldeia num abrigo bem arranjado.
Como raridade, existe um posto de correio, mostrando como Freches
resiste à desertificação. Como equipamento social tem uma escola, um
polidesportivo e um centro de dia para apoio aos idosos. O dono de
um restaurante espera pelos efeitos da anunciada passagem próxima da
A23 para decidir se começar a funcionar.
Contudo, aquilo que mostra a capacidade de luta pela vida desta
gente é mesmo os campos cultivados de muitos mimos e as muitas
árvores de fruta, que abastecem durante a primavera os viajantes. É
tudo produto da terra e principalmente cerejas, tanto brancas como
vermelhas. Mas, há ainda ervilhas, couves, figos e batatas, cujo
valor alegra os estômagos de quem passa e complementa os orçamentos
dos que cultivam os campos. Para isso, os agricultores sobem pela
encosta algo íngreme a caminho da estrada, que serpenteia ao longo
de uns poucos de quilómetros para vender. E fazem-no bem pois aí se
acumulam quase uma dezena de vendedores. Tudo isto é possível por
haver muitos recantos na estrada, que possibilitam a paragem de
veículos em condições de segurança. É o resultado de um acordo da
GNR com a Junta de Freguesia, que também certifica os vendedores
como produtores de produtos locais. Alguns vendem também no mercado
de Trancoso, bem conhecido pela abundância e qualidade dos seus
produtos. Como convivo com eles há muito tempo, sei que é gente de
amizade franca como vemos logo que começamos a falar do que vendem.
De facto, encontramos logo pontos de contacto, pois os frechenses
trabalham noutras profissões, como a construção civil, e um deles já
trabalhou na minha aldeia.
Como exemplo para todos os agricultores, a venda na estrada resolve
em parte o problema do acesso ao mercado da nossa agricultura,
permitindo não só a sua sobrevivência, mas também prenunciando o
tempo feliz e necessário para que Portugal saia da crise. Será o
tempo em que a nossa agricultura produzindo possa contribuir para o
equilíbrio sustentado das contas portuguesas, quebrando a loucura
que vivemos e em que uma política económica doentia nos lançou.
De facto, só produzindo sairemos da crise. Sabemos todos.
Aires Antunes Diniz
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– Livro 7, págs. 101-115. |