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Freches

O tempo das cerejas

In: jornal da Associação Comercial da Guarda, 8-12-2010

Aspecto de Freches - Clicar para ampliar.

Desde a saída de Trancoso, junto ao Chafariz do Vento, no tempo das cerejas, vamos vendo no lado direito e esquerdo da estrada muitos agricultores de Freches e, também de aldeias vizinhas, que aí vendem cerejas, ervilhas e muitos outros mimos da agricultura. Vão assim furando o bloqueio às vendas da sua produção, que é imposto aos nossos agricultores. E nada disto é inevitável, nem sequer é forçado pela UE. Sabemos. De facto, o comércio de rua existe por toda a Europa, como forma de abastecimento das sociedades desenvolvidas, como é a suíça ou a holandesa. 

Esta aldeia teve sempre comércio. Mostra-o na ligação ao Grémio de Comércio da Guarda, quando Francisco Delgado de Freches pediu em seis de Novembro de 1950 a sua exoneração a partir de 31 de Outubro desse ano.[1] Agora, vista da estrada parece um presépio e dela vemos, como marca indelével, também algumas quintas e uma igreja altaneira. Quando descemos, encontramos um povoado cheio de casas, algumas apalaçadas, mas, infelizmente, demasiadas estão pintadas com as cores do empobrecimento e da emigração. Há ainda duas pequenas mercearias que vendem de tudo e têm cafés como complemento do negócio, funcionando como lugar de convívio. Para completar há duas queijarias que aproveitam o leite de rebanhos que aqui existem. Um deles pasta nas margens de um ribeiro que mostra a falta de gente que o limpe. Aí, um cão que guarda o rebanho mostra-se atento a quem passa, mas ninguém repara na ponte romana que espera quem a valorize. Há ainda uma padaria, quatro ou cinco talhos e um posto de abastecimento de combustíveis. Há ainda dois táxis que a ligam ao mundo, assim como autocarros que param no alto da aldeia num abrigo bem arranjado. Como raridade, existe um posto de correio, mostrando como Freches resiste à desertificação. Como equipamento social tem uma escola, um polidesportivo e um centro de dia para apoio aos idosos. O dono de um restaurante espera pelos efeitos da anunciada passagem próxima da A23 para decidir se começar a funcionar.

Contudo, aquilo que mostra a capacidade de luta pela vida desta gente é mesmo os campos cultivados de muitos mimos e as muitas árvores de fruta, que abastecem durante a primavera os viajantes. É tudo produto da terra e principalmente cerejas, tanto brancas como vermelhas. Mas, há ainda ervilhas, couves, figos e batatas, cujo valor alegra os estômagos de quem passa e complementa os orçamentos dos que cultivam os campos. Para isso, os agricultores sobem pela encosta algo íngreme a caminho da estrada, que serpenteia ao longo de uns poucos de quilómetros para vender. E fazem-no bem pois aí se acumulam quase uma dezena de vendedores. Tudo isto é possível por haver muitos recantos na estrada, que possibilitam a paragem de veículos em condições de segurança. É o resultado de um acordo da GNR com a Junta de Freguesia, que também certifica os vendedores como produtores de produtos locais. Alguns vendem também no mercado de Trancoso, bem conhecido pela abundância e qualidade dos seus produtos. Como convivo com eles há muito tempo, sei que é gente de amizade franca como vemos logo que começamos a falar do que vendem. De facto, encontramos logo pontos de contacto, pois os frechenses trabalham noutras profissões, como a construção civil, e um deles já trabalhou na minha aldeia.

Como exemplo para todos os agricultores, a venda na estrada resolve em parte o problema do acesso ao mercado da nossa agricultura, permitindo não só a sua sobrevivência, mas também prenunciando o tempo feliz e necessário para que Portugal saia da crise. Será o tempo em que a nossa agricultura produzindo possa contribuir para o equilíbrio sustentado das contas portuguesas, quebrando a loucura que vivemos e em que uma política económica doentia nos lançou.

De facto, só produzindo sairemos da crise. Sabemos todos. 

Aires Antunes Diniz

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 [1] – Livro 7, págs. 101-115.

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