Aveiro
era sede de bispado desde o reinado de D. José I, ou antes, desde o
governo do Marquês de Pombal; as datas da instituição, extinção, sua
área, história dos seus bispos e finalmente quaisquer outras notícias
que lhe sejam relativas farão objecto de uma notícia especial.
Primeiramente cumpre notar que a rua da Costeira era muito estreita,
tendo sido alargada há poucos anos à custa de parte das casas da parte
do nascente e por conta das obras públicas.
A entrada
para a igreja da Misericórdia(14)
não era como agora está, mas simplesmente constava de uns degraus de
pedra, em frente da porta principal
(15).
A casa em
que hoje está o hospital era alugada pela Misericórdia; e o terreno que
se lhe segue para o lado da Costeira era o cemitério dos Pobres que no
hospital faleciam; este era nas traseiras, em seguida ao pátio por onde
se entra para a porta travessa da igreja, com frente para a Corredoura e
porta para esta rua, que ainda hoje lá existe.
A Rua
Direita, desde a sua entrada até à primeira travessa que a comunica com
a Rua do Loureiro, era muito mais estreita, de maneira que a primeira
casa do poente, que pertencia a Luís Cipriano Coelho de Magalhães,
avançava tão fora da linha que hoje tem, que nela havia uma janela que
olhava para a Costeira; foi José Estêvão que lhe deu a largura actual,
comprando todas as casas até à dita travessa, com o fim de fazer um
jardim junto à casa que herdara de seu pai, o que a morte o não deixou
concluir, ficando, porém, a rua na largura que ela tem.
Os Paços
do Concelho foram construídos em 1797 pelo mestre Manuel de Pinho,
natural de Ovar, mas estabelecido nesta cidade, onde deixou numerosa
descendência, e diz-se que foi ele o primeiro que, tendo edificado a
Cadeia, pela primeira vez a estreou.
Até 1834
não havia Tribunal no edifício da Câmara, porque tanto o corregedor como
o provedor e juiz de fora faziam audiências em suas próprias casas, e aí
mesmo presidiam aos mais serviços da sua competência. O lado do poente
do segundo andar era a hospedaria municipal que a Câmara era obrigada a
dar por certos dias aos magistrados que chegavam de novo, até que
arranjassem casa, e assim também a certos funcionários ou pessoas de
superior importância social que à cidade viessem.
Para este
fim tinha a Câmara louças, guardanapos, etc., e mais um faqueiro de
prata.
Em frente
da Casa Municipal não havia aquela espécie de terraço cercado de grades
que hoje existe, mas apenas um estreito passeio com degraus, em frente
da porta, de modo que quem queria, podia chegar às janelas das prisões
inferiores para falar com algum dos presos, ou para lhes dar esmola que
eles continuamente pediam a todos os transeuntes, pois que nesse tempo
não tinham, como hoje, alimento fornecido pelo governo, e os das prisões
de cima tinham para receber as esmolas uma corda com uma seira por
aquela segura a uma das extremidades, que puxavam acima quando alguém
nela lançava alguma esmola.
A Casa da
Câmara, até que esta foi construída, era uma pequena casa situada ao fim
dum beco na Costeira e nas traseiras das casas que depois foram
incendiadas em 18..., achando-se outra casa sobre as suas ruínas.
O Teatro
foi construído em 1881, por acções, sobre as ruínas de uma casa que
existia à entrada da rua de Santa Catarina, e tendo sido adjudicada à
fazenda pública por falta de lançador em uma execução fiscal, foi
concedida à Câmara, a pedido de José Estêvão.(16)
Por
alguns anos se demorou a construção, até que afinal se levou a efeito.
Seguia-se
a esta casa e ainda a uma outra o hospital chamado de S. Brás, sobre
cujas ruínas está edificado o Liceu, também a diligências de José
Estêvão.
Não era
hospital, nem jamais o foi, mas sim uma hospedaria, para aí passarem a
noite os romeiros que das terras do sul por aqui transitavam com destino
a Santiago de Compostela, na Galiza.
Era
crença naqueles tempos que quem não fosse a Santiago uma vez na vida ao
menos, não podia salvar-se, de modo que pouca gente deixava de fazer
esta romagem, quem podia, à sua custa; e quem era pobre, esmolando pelo
caminho. Então aí, em tempos idos, um cavalheiro desta cidade e nela
contador de fazenda, condoído dos peregrinos, estabeleceu aquela casa
com acomodações, segundo o costume do tempo, estabelecendo-lhe rendas
para sua sustentação na passagem, para pagar ao hospedeiro, e mais
despesas inerentes, o que tudo consta de um testamento muito esquisito
que deve existir no Governo Civil, onde pode pedir-se permissão para o
ler, na certeza de que há-de achar no seu conteúdo e em diversas
disposições muita graça e muita originalidade.
Eu só
conheci umas paredes velhas e muito defumadas, restos destas casas, pois
que tendo esfriado a devoção a Santiago, os sucessores do fundador
deixaram-nas cair por inúteis, e receberam os foros e rendas, até que
tudo foi vendido há poucos anos.
O que
hoje é a Praça Municipal era então ocupado pela igreja de S. Miguel e
seu adro, com excepção das estreitas ruas que o ladeavam.
A igreja
ficava ao lado do Norte, tendo a porta principal para o poente, e
batendo a capela-mor na rua da Costeira. Entre a igreja, porém, e aquela
linha de casas que hoje fecham a Praça pelo lado do norte, havia uma
travessa, beco, ou como melhor se lhe possa chamar, correndo do nascente
a poente. Deve, porém, advertir-se que esta linha de casas, entre as
quais avulta a do Correio, era então muito diferente do que é hoje,
havendo somente a porta de entrada para a Conservatória, que era a
entrada principal do palácio dos Tavares, depois Paço do Bispo, não
havendo mais coisa alguma do que era antigo. Essa porta conserva-se no
mesmo local em que então se achava; de ambos os lados dela viam-se muros
de pedra, irregulares na altura e no alinhamento, que mostravam terem
sido paredes de casas demolidas ou de logradouros de algumas casas da
rua dos Tavares, embora nesse caso lhes ficassem ao nível dos segundos
andares.
Para a
rua que segue para o Alboi e a seguir à viela muito estreita e pouco
limpa que ainda hoje lá existe, havia uma pequena casa sobradada com
entrada e janelas para o poente, parecendo-me que também tinha porta
para a travessa; do lado da Costeira uma outra casa, também pequena com
frente para a rua, mas com um andar superior com porta e janela para a
travessa e com um pequeno varandim, donde para ela se descia por uma
escada de pedra. E por outra estreita escada, também de pedra e de dois
lanços se descia da travessa para a Costeira. Esta casa, acrescentada,
foi depois a morada do marchante António José Lopes.
Se era
irregular por este lado o alinhamento, mais irregular era ainda pelo
lado da igreja, pela saliência da capela do Santíssimo Sacramento, de
uma sacristia da confraria do Senhor dos Passos, da casa dos ossos e da
torre. Esta, unida à capela-mor, mostrava ser de construção posterior à
da igreja, e em um dos seus lados, no qual estava o sino menor, havia
por debaixo dele uma figueira brava, pelo que o povo chamava àquele sino
o sino da figueira. Aqui e ali, junto das paredes, viam-se cardos e
outras ervas bravias.
Pelo que
fica dito, é claro que a largura da travessa devia ser muito irregular,
sendo defronte da porta de entrada para o palácio, que ela era maior, e
daí caía o solo em declive para o lado do Alboi, até ficar ao nível da
rua. Parece ter ficado esta travessa para serventia do palácio, pois a
alguns velhos ouvi dizer que os Tavares costumavam fazer entrar a
carruagem por esta porta e seguindo pelo corredor que atravessando sobre
um arco a rua dos Tavares, ia entrar no salão e que aí montavam e
desmontavam, o que era possível, uma vez que o salão de espera tivesse a
devida segurança de travejamento e soalho.
Do lado
da Costeira, unido à sacristia, corria um muro até defronte da casa onde
hoje está o hospital, e daí, deixando uma abertura com três ou quatro
degraus de pedra, pela qual se fazia todo o serviço da igreja, saindo
por aí as procissões, o Sagrado Viático, etc., continuava o muro para o
poente, deixando uma rua estreita entre ele e a casa da Câmara.
Defronte
das prisões havia no adro uma pequena capela, onde nos dias de obrigação
se dizia missa aos presos.
Não sei
donde saía o ordenado ao capelão; se era legado ou das rendas da
Comenda, do cabeção das sisas ou enfim donde quer que fosse.
Então, o
muro fazendo ângulo recto, seguia para o norte, até pouco adiante da
esquina da frente da igreja, havendo aí umas escadas de pedra, largas e
de não poucos degraus, por onde se descia para a rua que segue para o
Alboi, mesmo no ponto onde findava a travessa ou serventia de que já
falei. Estas escadas, porém, não davam serventia para a igreja senão às
pessoas que, morando no Alboi ou ruas da Alfândega ou dos Tavares,
quisessem evitar a volta que haviam de dar para entrarem pelo lado do
hospital.
Os muros
para o adro tinham apenas a altura de parapeitos; para fora, porém, mais
altos e tanto mais quanto mais as ruas laterais iam descendo para o
norte.
O palácio
dos Tavares era uma reunião de edifícios de diversas épocas, uns fazendo
ainda parte da muralha, e outros construídos sobre a ruína dela;
prolongava-se desde a casa da Alfândega, com a qual confinava, até
defronte da casa das Alminhas, deixando aí uma rua, em seguimento da
ponte e da mesma largura desta, e virando para a Corredoura, como ainda
hoje para ela se segue do Largo; de largura não tinha mais que a da
antiga muralha e para ele se entrava pela porta que ficava na travessa
de que já falei, e pela qual hoje se entra para a Conservatória. Claro
está que não havia aí as obras que modernamente se fizeram para
acomodação das repartições públicas, pois aquele corredor seguia sempre
no mesmo nível e atravessando sobre um arco a rua dos Tavares, findava
na porta de entrada para o salão de espera; esta porta não abria ao meio
do salão, mas quase junto da parede do nascente, com uma janela para a
rua dos Tavares, e duas para o lado do norte.
Mesmo no
ponto onde findava o corredor da entrada, havia uma porta pela qual se
descia por uma escada de pedra até à rua da Costeira, vindo sempre
encostada à parede do edifício e terminando junto da porta da cidade que
dava para a Costeira. Servia esta escada, a quem, querendo ir ao Paço,
pretendia evitar a volta pelo adro para entrar pela porta principal.
Do salão
da entrada, onde o porteiro recebia os recados, requerimentos e mais
papeis que tinham de subir à presença do bispo ou do vigário geral, que
também vivia no Paço, seguia, para o lado do poente, a parte do edifício
construída sobre as ruínas da antiga casa pelo segundo bispo. Consta que
essa casa velha, sobre cujas ruínas foi edificada a nova, comunicava com
um arco com a casa que segue ao lado da viela estreita de que já falei,
e que nessa casa era a cozinha do paço dos Tavares; no tempo dos bispos,
porém, servia ela para habitação dos criados da sege, tendo na loja as
cavalariças.
Para este
lado do poente é que ficava toda a habitação do bispo; havia salas,
quartos, e a cozinha; escada para a rua dos Tavares. A sala para as
recepções de mais cerimónia era logo em seguida ao salão de entrada, ao
lado do norte, seguindo-se um corredor para as diversas casas daquele
andar e uma escada para o superior, onde havia o quarto do bispo, e além
de outros aposentos, uma sala para as recepções ordinárias, havendo
junto dela uma pequena varanda com muito boas vistas para a ria, barra e
areais das costas. Ao lado do nascente do salão havia ainda casas até à
abertura das portas da cidade. A porta principal da cidade era na parede
do edifício pelo lado do Norte, ficando em frente da entrada da ponte; a
esta porta seguia-se um vão de toda a largura da muralha, e no fim dele
uma outra porta, ou antes, um arco, deixado talvez para segunda porta,
arco que ficava ao fundo da Costeira e em frente desta rua. Entre ele,
porém, e a porta, havia um vão descoberto para onde deitava uma janela
das casas ou aposentos que ficavam ao nascente do salão a que já me
referi.
Sobre o
arco que fazia a porta da cidade, bem como sobre o outro que deitava
para a Costeira, havia passagens cobertas para o jardim; encostadas à
parede do edifício situado ao nascente do arco para a Costeira, havia
uma escada de pedra, correspondendo à outra que vinha do fim do corredor
de entrada a que já nos referimos, menor, porém, do que esta e que só
servia para serviço do jardineiro e do criado que levava a água para
regar as plantas.
O jardim
era colocado sobre a abóbada de um casarão que seguia desde o vão das
portas da cidade até defronte da Casa das Alminhas, havendo aí uma
pequena rua em seguida da ponte e da largura desta pouco mais ou menos,
a qual voltando a nascente, à esquina da dita casa, seguia para a
Corredoura como ainda hoje se vê. Entre este casarão e as casas que
existiam no local onde se acha a de José Pereira Júnior, com frente para
a Costeira, havia um arco, e sobre ele uma varanda com uma parreira, se
bem me recordo, e que não sei se pertencia ao jardim se à casa da
Costeira, parecendo-me, porém, que era pertença desta. Por baixo deste
arco, seguia também caminho para a Costeira, de modo que o casarão sobre
o qual estava o jardim era cercado por todos os lados por esta passagem
da Costeira para a Corredoura, pela linha que vinha da ponte, pela que
ficava ao norte, entre ele e a cortina e o Canal, e enfim, pela abertura
das portas da cidade. Chamava-se àquele arco o arco do ferrador, porque
debaixo dele existia o cepo sobre o qual trabalhava o único ferrador que
então existia na cidade, e ali mesmo eram ferradas e sangradas as
cavalgaduras ali trazidas para esse fim.
No
casarão com porta para a ria, era o açougue principal da cidade, a que
chamavam o açougue do Bispo, para diferença do outro que havia na rua de
Santa Catarina, também alcunhada por este motivo, em Rua do Açougue.
No vão
entre as portas da cidade e a outra porta ou arco do lado da Costeira,
havia um casebre de cada lado, muito estreitos e sem comunicação com a
parte superior do edifício, em um dos quais, da parte do nascente,
vendia o então bem conhecido Ventura, azeite, toucinho, e manteiga de
porco, e no lado oposto cal fina de que vendia muita quantidade para
caiação de casas.
Sobre o
jardim, no ângulo nordeste, havia uma estátua de pedra, tosca,
representando um homem lutando com uma serpente; acha-se hoje no quintal
do Sr. Prior da Vera Cruz. Dizia-se então que fora ali mandada colocar
por um dos senhores antigos do palácio em memória de um criado, única
pessoa que se atreveu a ir matar uma grande cobra existente no Ilhote, e
que fazia o terror de toda a população, criado que uns diziam ter sido
morto por ela, ou que, segundo outros, conseguiu matá-la, sendo mais,
provável esta segunda versão em vista do monumento que lhe foi
consagrado.
Sobre as
portas da cidade, no passadiço para o jardim, havia três janelas de
peitoril que deitavam para a ponte, e à entrada do mesmo jardim uma
pequenina capela, onde o bispo D. Manuel Pacheco de Resende ia todas as
noites fazer oração; o altar e todas as paredes interiores eram de pedra
calcária, com figuras religiosas em relevo, e parece que estas pedras se
acham ainda nas sacristias da Sé Nova.
Como se
vê, a rua da Alfândega, começando então logo à esquina da ponte, segue
em declive, mas então esta parte da rua era muito estreita, mal cabendo
por ela duas pessoas a par; isto porém, só até ao ponto em que findava o
declive da rua, sendo a causa desta estreiteza uns casarões encostados
ao edifício do paço, de que só conheci as paredes, além de uma pequenina
casa com frente para a rua que vinha a seguir da Costeira pelas portas
da cidade para a ponte.
Nesta
pequena casa, ou antes, loja, um homem das bandas de Guimarães que para
aqui tinha vindo como caixeiro, vendia linho que, vindo-lhe do Porto por
junto, ele fazia assedar e reduzir a estrigas para a respectiva fiação.
Tudo o
mais deste acrescentamento eram ruínas que pouco a pouco foram
desaparecendo, alargando-se sucessivamente a rua ate ficar como agora se
acha. Ao fim deste acrescentamento havia uma passagem da rua da
Alfândega para a dos Tavares, já fazendo parte da edificação moderna
feita pelo segundo bispo, a que se chamava o arco da Alfândega, ficando
em frente dela uma lingueta para embarque e desembarque, que hoje se
acha mais abaixo defronte da Alfândega, assim como também foi mudada
mais para poente uma outra que então existia na Praça do Pão, ficando
fronteira à outra na rua da Alfândega.
Por morte
do último bispo de Aveiro, D. Manuel Pacheco de Resende, ficou o Paço
desabitado, até que em 1847 o Governador Civil que então era o visconde
da Granja, transferiu para ali o Governo Civil, permanecendo aí até que
a 20 de Julho de 1864 foi incendiado por descuido, ficando assim até que
foi reconstruído na parte que hoje forma a casa do Sr. Manuel Antero
Baptista Machado.
O
edifício do Governo Civil, sem o haver privativo desde a sua fundação em
todos os distritos, ocupou primeiramente a casa da Rua Direita,
pertencente hoje aos herdeiros do general Rebocho, edifício que então
era de um sujeito da Beira, por apelido Moura, que foi quem o edificou,
adquirido pelo dito General; passou o Governo Civil para a casa do Dr.
Monteiro, ultimamente demolida para alargamento do Terreiro; depois
passou para as casas de José Maria Branco de Melo, na rua José Estêvão,
e hoje dos herdeiros do Visconde de Valdemouro. Dessa casa passou para o
Alboi nas casas que depois foram adquiridas pelo Sr. António Taveira e
que hoje são da sua viúva e filhos, e finalmente, daí para o Paço como
já se disse. Em virtude do incêndio, passou para o Liceu onde se demorou
até 1907. Quando em 1864 teve lugar o incêndio, já não existia a parte
do Paço desde as portas da cidade até ao seu extremo nascente, o que
tudo tinha sido demolido, sendo empregados os materiais na construção do
Liceu.
Este foi
primitivamente colocado no Convento de Santo António, passando para a
sua casa actual entre 1860 e 1864.
─◄►─
A igreja
de S. Miguel era a Matriz da cidade; a sua freguesia compunha-se da
parte dela que fora vila, de muros a dentro, e do Alboi. Não sei se
havia algum legado para pagar a missa dos presos, nem o destino que
teve, se é que o havia como é de crer, pois que certamente a não diziam
de graça.
Tinha
esta igreja capelas em todo o seu comprimento, com retábulos antigos e
velhos sem merecimento, exceptuando dois altares modernos, feitos poucos
anos antes da demolição, para os dois lados do arco cruzeiro, os quais
não condiziam com os restantes, e lá foram para S. Domingos, onde
estiveram ao lado do camarim, até que o velho retábulo assim composto
sem homogeneidade, foi substituído pelo actual.
Num
destes dois altares era venerada na igreja uma imagem de Nossa Senhora,
da invocação da Graça; transferida para a igreja de S. Domingos, foi
crismada em Nossa Senhora da Glória e ficou sendo o orago da freguesia.
Esta mudança de invocação far-se-ia por ser nome próprio da rainha
Senhora Dona Maria Segunda − Maria da Glória? Não sei. Ela algum motivo
teve, qual não sei, sendo certo que ao tempo o partido da Rainha e da
Carta estavam então em toda a sua pujança.
Ora as
capelas laterais eram mais ou menos fundas, sem simetria alguma,
apresentando assim pela parte exterior saliências angulosas, o que, com
o denegrido das paredes, todas de pedra igual à da antiga muralha e sem
revestimento, davam ao edifício um aspecto mais do que desagradável.
Além destas capelas, uma outra havia muito mais saliente para o adro;
era a de Santa Catarina, pertencente ao morgado Balacó, a qual
comunicava com a igreja por uma porta que somente se abria uma vez por
ano, para celebração da missa a que o administrador do vínculo então era
obrigado por determinação do instituidor.
Este
morgado foi extinto e extinta se acha a família Balacó, tendo os últimos
membros dela vendido os bens e foros que lhe restavam. Entre outros,
tinha os de todas as casas da rua de Santa Catarina, e em algumas delas
se vê ainda nos prédios exteriores a roda de navalhas, para prova de que
eram foreiras a este morgado.
Era esta
igreja a sede da comenda de S. Miguel de Aveiro, da Ordem de Avis, cujo
último donatário foi frei João da Costa de Cabedo. O pároco era vigário,
mas geralmente chamado Prior, para o distinguirem talvez dos vigários
das três restantes freguesias da cidade, que eram como que seus
sufragâneos. Apresentava-o o Rei pela Mesa da Consciência e Ordens.
No último
ano rendeu esta Comenda, calculado o rendimento pelo preço dos géneros,
1.927$473 réis, assim distribuído: a terça parte, 642$493 réis, ao
comendador; duas nonas partes, 428$325 réis, ao bispo da diocese de
Aveiro; uma nona parte, 2I4$165 réis, à Patriarcal; ao pároco 4$000
réis, 128 alqueires de trigo, outro tanto de cevada, quatro pipas de
vinho, e o terço das miúças, afora dos alhos e cebolas; a cada um dos
quatro beneficiados 48$000 réis; ao coadjutor 164$525 réis; aos vigários
das outras três freguesias da cidade 40$000 réis a cada um; o restante,
44$085 réis, paga uma pensão ao Colégio dos Militares de Coimbra, era
distribuído para guisamentos pela Sé e freguesias da cidade.
Não só
dos frutos da terra se pagava o dízimo para a Comenda, mas também do sal
e do pescado vendido na praça de Aveiro. Tinha além disto a Comenda
alguns foros, entre os quais um de 1$067 réis, que lhe era pago por José
Maria Branco de Melo.
Quanto
aos beneficiados, é certo que na igreja de S. Miguel não havia Colegiada
desde muitos anos. Ora, como na Misericórdia havia um coro de quatro
capelães e dois meninos de coro, instituído por D. Isabel da Luz
Figueiredo, mas nos anos que alcancei, funcionavam nela oito ou nove
clérigos, presumo que pela erecção do bispado e da erecção da igreja da
Misericórdia em Sé, o Bispo, para ter o clero mais numeroso e haver na
mesma Sé um certo número de clérigos para os respectivos serviços, fazia
reunir aos capelães da Misericórdia os beneficiados de S. Miguel,
suprimindo assim e por esta forma, a falta de cabido que nesta Sé não
havia.
Não sei
se isto assim seria; é, porém, certo que pela extinção da Comenda os
beneficiados deixaram de ter côngrua e que o coro da Misericórdia foi
suprimido por deliberação da Mesa, em 2 de Abril de 1838, por diversos
fundamentos, entre os quais, os de se haverem suprimido alguns capelães,
e de se acharem os restantes, uns impossibilitados e não sendo os outros
suficientes para o cumprimento das suas respectivas obrigações.
Houve muito quem censurasse, assim como houve quem aplaudisse a
demolição desta igreja, chegando a dizer-se e até a escrever-se em
periódicos e folhetos que o facto procedera por ter ela por orago S.
Miguel, − o nome do príncipe proscrito. Não o acredito. É, porém, certo
que, transferida a igreja paroquial para S. Domingos, e não podendo a
freguesia custear as despesas de conservação e do culto em duas igrejas,
se ela ficasse abandonada em breve cairia em ruínas como aconteceu à
igreja do Espírito Santo, cuja demolição principiou em 29 de Março de
1858. Tanto uma como outra nada tinham que as recomendasse. |