A
rua que do Largo da Apresentação vai em direitura à de S. Roque é obra
dos nossos dias, assim como a fonte da Vera Cruz, pouco mais ou menos no
sítio onde antigamente havia um cruzeiro, tratando-se actualmente também
de abrir uma rua, no que já se trabalha, que, partindo do Largo da Vera
Cruz, e começando entre as obras da igreja e as casas do Dr. Francisco
António Marques de Moura, vai directamente à rua de S. Roque.
Terminada que foi a guerra peninsular, foi colocado em Aveiro o Batalhão
de Caçadores n.º 10, que poucos anos aqui se demorou; pois que, saindo
em virtude dos acontecimentos que se seguiram à gloriosa revolução de
1820, só recolheu em 3 de Maio de 1828, retirando logo em 16 do dito mês
para a cidade do Porto, depois de feita nesta cidade a aclamação da
Carta Constitucional e o reconhecimento de D. Maria II e, por
consequência, depois de proclamada a reacção à proclamação de D. Miguel,
como rei absoluto, que havia tido lugar em 25 de Abril antecedente.
Como não havia quartel, foi o batalhão ocupar parte do convento de S.
Domingos, e parte do palácio a esse tempo desabitado dos Marqueses de
Arronches, que hoje pertence ao Sr. Arcipreste deste distrito
eclesiástico, reverendo Manuel Ferreira Pinto de Sousa(13).
Em S. Domingos, servia-se a parte do batalhão ali alojado, pela portaria
que ainda hoje existe debaixo da torre e ocupando algumas casas baixas
nos pátios do convento, tinha as casernas nas varandas que cercavam o
claustro, exceptuada a do norte, da qual os frades não podiam
prescindir, porque por ela se subia aos dormitórios. Nas três restantes
estendeu-se uma tarimba que as ocupava todas, ficando uma estreita
passagem entre ela e os parapeitos, e tapados os vãos entre as colunas
que sustentavam o respectivo tecto por taipais de madeira que de noite
se fechavam, abrindo-se de dia para renovação do ar.
Enquanto o batalhão esteve em Aveiro, havia guarda principal comandada
por oficial subalterno; era na Praça do Comércio e na casa que hoje
pertence à família Fontes; todos os dias era rendida com música que
tocava, enquanto iam render-se as sentinelas da cadeia e casas do
Comandante e do Governador Militar, entidade que houve até 1834, sendo
sempre um oficial superior. O batalhão veio para Aveiro depois da paz
geral em 1814, e o Governador Militar era também às vezes um capitão.
Quando, na ocasião de render-se a guarda, se via chegar à praça o
comandante e outros oficiais, entre os quais o cirurgião-mor ou o seu
ajudante, desde logo se ficava sabendo que haveria nesse dia o
repugnante espectáculo da flagelação, bárbaro castigo então em uso. Com
efeito, pouco depois aparecia o infeliz condenado, que ali recebia o
número de varadas que lhe tinham sido designadas, salvo se antes de
completo o castigo, o facultativo assistente declarava que o paciente
não podia receber mais sem risco de vida; entretanto a música tocava,
mas nem sempre conseguia abafar os gritos e lamentos lancinantes do
padecente; havia-os, porém, que recebiam todo o castigo sem um único ai;
depois lá iam amparados por dois camaradas em direcção do hospital.
Também ali era visto com frequência o castigo de carregar com armas; o
soldado ao qual esse castigo era aplicado, permanecia um certo número de
horas em pé, na frente da casa da guarda, tendo uma espingarda em cada
um dos ombros e duas ou mais atravessadas em cruz, e seguras de modo que
não resvalassem.
Estes e outros castigos não contribuíram pouco para a repugnância da
mocidade ao serviço militar, repugnância que felizmente se acha muito
desvanecida. O soldado, além da enxerga, tinha apenas uma manta.
Tendo-se já falado na capitania-mor de ordenanças, deve acrescentar-se
que desde o princípio do século passado foram capitães-mores a seguir a
Manuel de Sousa da Silveira, da Casa do Terreiro, Miguel Rangel de
Quadros, da Rua Direita, que era o morgado dos Santos Mártires; João
Crisóstomo da Veiga e Lima, que, sendo culpado na devassa, chamada de
rebelião, morreu homiziado, e Gabriel Lopes de Morais e Mariz Picado de
Figueiredo Leão Balacó, morgado de Santa Catarina, o qual, tornando-se
excessivamente faccioso, em favor de D. Miguel, teve de retirar para a
Guarda, donde regressou passados que foram muitos anos, e falecendo
enfim nesta cidade.
Os últimos capitães das companhias da cidade foram José Pereira da
Cunha, Januário António Rodrigues Mieiro, Agostinho de Sousa Lopes, e
Alexandre Ferreira da Cunha. Este último, que era cavaleiro de Santiago,
por serviços durante as invasões francesas, foi reformado em capitão-mor
em 1829, não chegando a tirar patente, porque logo nesse mesmo ano e
pouco depois faleceu.
Durante o governo de D. Miguel houve também nesta cidade um batalhão de
voluntários realistas, cujo primeiro comandante José Maria Rangel de
Quadros, o morgado da Casa do Carmo, pediu a demissão por
desinteligências com as autoridades civis que lhe faziam repetidas
requisições de forças para dar cerco a casas e a quarteirões da cidade,
em busca de constitucionais que aí se imaginava estarem homiziados;
entendia que o batalhão tinha sido criado para defender D. Miguel nos
campos da batalha e nunca para dar caça a malhados, e muito mais,
atendendo-se a que a maior parte das praças do batalhão tinham parentes
e amigos culpados como liberais.
Permaneceu, no entanto, fiel à causa absolutista, e tanto que apenas D.
Pedro entrou no Porto, saiu de Aveiro com seus dois irmãos Francisco e
Diogo, assentando todos três praça em um regimento de cavalaria,
recusando postos e servindo como soldados até a convenção de Évora-Monte.
Quis assim realizar a profecia que fizera, quando por ocasião de
demitir-se, alguns realistas mais facciosos o abuncalharam de ter virado
a casaca, ao que ele respondeu que infelizmente se veria quem era mais
afeiçoado a D. Miguel e à sua causa, se os que perseguiam os liberais,
ou aqueles a quem essa perseguição, por estupidamente excedida, era
altamente repugnante.
Havia um regimento de milícias (auxiliares) que reunia para revistas e
exercícios, duas vezes por ano, e extraordinariamente, todo ou em parte,
para substituir o batalhão de caçadores, depois que este se retirou. |