AVEIRO – Aspecto do Canal Central e Rossio anteriormente a 1906.

 


Os cânticos da tarde, os salmos do Poente
derramam na amplidão um lânguido torpor...
Mergulha o sol no Oceano e a abelha diligente
haure no último sorvo o mel de flor em flor!...

Os campos, os vergéis, suspiram vagamente
melodias de paz dizendo em seus rumores,
e a Ria, a serpear, levada na corrente,
endechas vai cantando a estremecer de amores.

E o mar, esse gigante azul, cor de safira,
em doida fúria esmaga o dorso contra a praia
à Lei do Eterno querendo impor a sua ira!...
Fenece o horizonte, o dia já desmaia...

Todo o Universo entoa um ritmo divino...
Convida o Campanário, ao longe, à Oração...
Da alma da Cristandade, harmonioso um hino
se desprende inocente e espalha na amplidão.


No bosque a toutinegra, a saltitar, ansiosa
seu ninho busca já por entre mil descantes
e Vénus, lá do Olimpo, a faiscar, radiosa,
ondas de luz dardeja etéreas, cintilantes!...

Da avena ecoa o som do pastor solitário
tocando pró redil as mansas ovelhinhas;
cansado o lavrador repousa do fadário,
indo levar contente o pão às criancinhas.

É prestes a dormir a Natureza inteira!...
Suspira a viração trazida além do Sul;
e, no entretanto, a Lua – a branca feiticeira –
róla argêntea nos Céus por sobre um véu de tule,

beijando carinhosa a linda pátria – Aveiro –
que a Ria de cristal reflecte alegre e amena
e a sorrir, a seus pés, num êxtase fagueiro,
oscula a suspirar, tão meiga e tão serena!...

 

Costa Nova do Prado, Setembro de 1895

ANDRÉ DOS REIS
 

 

6-06-2020