Será muito difícil definir-se com exactidão o segundo período da nossa
actividade na pesca do bacalhau nos pesqueiros e bancos da Terra Nova.
Embora o que tenho vindo a descrever, pareça difícil de admitir como
possível e até obra de ficção, especialmente para quem desconheça a área
geográfica em causa, suas condições meteorológicas habituais e
respectivo estado do mar. Porém de uma coisa estou certo, que a
descoberta dos Açores fora devido ao acaso das viagens de ensino aos
pescadores, feitas em pleno Oceano pela Escola Marítima, na aprendizagem
das artes de marinhagem, capitaneadas por genoveses.
A partir daqui, a descoberta dos pesqueiros terá sido também acidental,
mas apenas por marinheiros pescadores só portugueses.
Qual a data e inicio dessa chegada, será segredo dos deuses, já que do
seu termo, sabemos não só as razões como a época em que acabou.
De certo temos que, Filipe II de Castela e primeiro de Portugal, na
sucessão do trono por morte do Cardeal Rei, tio avô de D. Sebastião,
casado com Maria Tudor filha mais velha de Henrique
VIII, rei de Inglaterra e de Catarina de Aragão, viu sua mulher
preterida à sucessão daquele trono, em favor de uma sua irmã, filha do
segundo casamento do pai, Isabel I de Inglaterra.
Neste propósito Filipe que já dominava os Países Baixos (Holanda e
Bélgica) onde era cognominado de Demónio do Meio Dia, com o propósito de
se apoderar do trono das Ilhas Britânicas em nome de sua esposa,
imaginou e decidiu enorme armada para pôr cerco àquelas Ilhas, a que
chamou de Invencível Armada.
Saída de Lisboa em Janeiro de 1588 formada por todos os navios de
Portugal e Castela, nela incluiu também a nossa frota da pesca
longínqua, constituída por navios cujo porte lhe permitiam tais viagens.
Entretanto a armada chefiada pelo Duque de Medina
Sidónio, fora habilmente controlada pelo célebre almirante Drake de modo
a encurralá-la para o Canal da Mancha onde, uma tempestade, em Junho
desse mesmo ano, a atirou contra as
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costas rochosas do sul da Inglaterra e se despedaçou.
A perda da nossa frota de pesca longínqua, aliada às perseguições e
aprisionamentos dos nossos desgarrados navios que intentavam retomá-la,
levados a efeito por corsários ingleses e holandeses por os considerarem
fazendas do Demónio do Meio Dia, foram a principal razão desta
actividade ter caído em desuso e até no esquecimento.
Entretanto e em função do hábito inveterado da utilização do bacalhau na
nossa alimentação, logo aparecera uma nova classe, os importadores a que
se dera o nome de Bacalhoeiros, cujo poder, pelos seus enormes lucros e
influências sobre a classe governativa de então, ajudou a anular todas
as tentativas de a retomar em Portugal.
Entre nós, o século XVIII fora o período mais terrível à Nação, pela
acção deformante da Inquisição, brutalmente activa não em benefício da
Igreja, mas apenas dos seus torcionários que tudo mandavam e faziam, em
benefício próprio, invocando o nome de Jesus Cristo. Fora neste terrível
meio ambiente que os Bacalhoeiros medraram e tudo nesse tempo, de
benefício conseguiram.
Nem mesmo, o grande e implacável Sebastião José de Carvalho e Melo,
resistiu, pois sobre a pesca, incluindo a bacalhoeira, inicialmente
ainda alguma coisa imaginou, programou e decidiu, para no entanto logo
se aquietar e nada mais fazer.
E fora desta maneira que o segundo período da nossa pesca do bacalhau
acabou.
Tentar fazer a história da pesca do bacalhau entre nós, fora coisa que
jamais passou pela minha ideia ou propósitos, não apenas pelo
entendimento que faço das minhas dificuldades pessoais, como pela falta
de documentos onde me basear.
Deve haver escritos de boa gente capaz de elucidar quem goste e se
interesse por estas coisas e delas faça questão, porém dum pescador
embora atrevido, não se pode esperar mais.
Assim permitam-me que continue, ainda que só, a divagar, que tanto pode
estar próximo do que fora passado como muito longe a parecer fruto
cariado da minha pobre imaginação.
A migração açoriana para o Novo Continente, terá sido dos primeiros
povos a para lá se deslocar, não apenas pela proximidade aos pesqueiros
que antes referi, como pelas frequentes alterações
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atmosféricas, a proporcionar ventos para essa aproximação.
Aqui, não me restam dúvidas, que se terão radicado na orla marítima
debruçada no George Bank, onde nasceram Boston, New Bedford, Manchester
e Portland, ao tempo centros de pescadores de bacalhau, pois nenhum
outro peixe ali aparecia, que em meados do século XIX, com o avolumar do
Golf Stream e o encolher da corrente do Labrador, devido ao aquecimento
natural do planeta, ali o bacalhau desapareceu, dando lugar ao red fish
e obviamente a outro tipo de alimentação das populações ribeirinhas, dum
modo geral as do norte dos EUA.
Entretanto, a pesca do bacalhau que até aí fora exercida junto à costa e
dentro das baías, fugindo para locais mais profundos e distantes, passou
a ser procurado pelos mesmos pescadores porém embarcados em escunas e
iates munidos de seis a oito,
conforme as dimensões do navio mãe, pequenas embarcações a
que deram o nome de dory, isto é igual ao de um peixe destituído de
formas, porém muito semelhantes mas em tamanho reduzido ao daquelas
embarcações. Os dóris eram arriados da escuna, tripulados por um
pescador de modo a abranger maior área possível a pescar à linha de mão.
Com a substituição do bacalhau, na alimentação dos americanos, pelo
peixe vermelho frito, aquele passou a ser pescado e salgado para a
exportação não só para Portugal e Espanha como para outros países
mediterrâneos, além da América Central e Brasil.
Entre os exploradores americanos houve, como já referi, pelo menos dois
açorianos ali emigrados que não só armavam como capitaneavam escunas de
pesca, cujo nomes ainda hoje perduram entre nós, a fazer parte da
história desta pesca longínqua.
Desde há muito, tendo relações comerciais com os importadores de Lisboa,
vinham directamente dos pesqueiros na Terra Nova, terminada a carga dos
seus navios, ali vender e descarregar o seu pescado, obviamente só
salgado pois ao tempo entre nós era só este tipo de produto e cura, que
se comercializava e cozinhava.
Só muito posteriormente, coisa que considero deveria ser investigada,
quando, as dificuldades da comercialização, forçadas pela muita
concorrência, dado o peixe salgado quando
armazenado em terra, em contacto do ar mais quente e oxigenado
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ser assediado pela bactéria rouge, que obviamente o avermelhava e
deteriorava, se passou então a lavar, escovar, ressalgar e secar,
exposto ao sol e ao vento nas chamadas secas, de modo a mais o
desidratar e a manter apenas 23 por cento de humidade, que se designara
por cura amarela.
Depois de termos iniciado a pesca do bacalhau a partir de 1835, houve
tempos que armar veleiros para ir pescá-lo, no regresso da viagem,
enfrentavam grandes dificuldades em vendê-lo a preço que compensasse os
gastos feitos para a expedição pois os importadores, não só pela sua
grande capacidade financeira, como
também protegidos pelos poderes administrativos e comerciais,
distributivos, constituídos por gente corrupta e subornável, pecha que
ainda hoje nos atinge e emporcalha, especialmente o sector público,
lançavam no mercado grandes quantidades de bacalhau, a preço abaixo do
normal, de modo a que o peixe pescado pelos nossos veleiros ou ficava a
bordo ou nos armazéns a deteriorar-se pelo rouge, ou teria de ser
vendido a preço não compensador dos custos gasto na expedição a caminhar
para a insolvência.
Do que julgamos saber, já nas décadas de oitenta e noventa do século
XVIII, ao tempo de Pina Manique houve algumas tentativas em Cascais e na
Ericeira de ir à Terra Nova pescar, goradas no entanto por aqueles
engenhosos golpes comerciais
dos importadores, avalizados pelo governo, onde constava como
verdadeiro, terem sido os importadores de bacalhau que pagaram as
centenas dos candeeiros com que Pina Manique iluminou pela primeira vez
Lisboa.
O seu poder era tanto ao tempo, que a legislação nacional definia o
bacalhau pescado por navios portugueses, como estrangeiro por ser
pescado em águas distantes, mais próximas de outros estados, que de
Portugal.
Estes veleiros propriedade e capitaneados por portugueses, daquelas duas
famílias açorianas, depois de descarregados, lavavam os porões e
enchiam-nos com o sal de Alcochete, única coisa de que
se abasteciam em Lisboa, pois até a água era difícil ali de embarcar.
E logo zarpavam directos à América, onde além de terem as sua moradias
com a mulher e os filhos, reabasteciam de tudo quanto precisavam para o
navio, pesca e tripulação, desde lonas para as
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velas, cabos, mantimentos, dóris, remos, anzóis, linhas, etc., etc.
Entre nós, não obstante as lutas entre absolutistas e liberais
e as revoluções de cariz e tendências sociais do século XIX, tudo
continuava nos moldes do século XVIII, governados por
gente de carácter medíocre e corrupto, cuja menor acusação aceitável a
fazer-lhes, é considerá-la incapaz de discernir entre o se locupletarem
com o que lhes era alheio e o de pensarem que governar um país, devia
começar primeiro por se governar a si próprio.
Mas permitam-me um desabafo de irritação e impaciência,
lembrando o que nos meus solilóquios, de marinheiro de quarto em cima,
ensimesmado a falar com os meus botões, rememorando a história de
Portugal e as suas duas primeiras dinastias, em que para além dos
soberanos, especialmente o povo era constituído por gente rara,
desassombrada e audaz, capaz de fazer Portugal físico, tal e qual chegou
até nós e hoje intacto o temos aqui.
Porém chegados ao tempo de João III, que ainda príncipe, aos 16 anos,
apaixonado pela noiva, irmã de Carlos V de Espanha com quem estava
destinado a casar, seu pai D. Manuel I viúvo, lha roubara, casando com
ela, fazendo-a sua madrasta.
O facto dos dois jovens, enteado e madrasta, viverem tão próximo um do
outro, ainda mais intensificou a atracção entre eles e quando três anos
depois o rei morreu, tendo o filho 19 anos de idade, e se preparavam
para casar, acontecera a Carlos V, irmão da viúva, a ir buscar para
casar com Francisco I de França.
Estes desvaires, fizeram dele um rancoroso e misantropo
a caminho da obsessão religiosa e de tal modo que, quando a Reforma de
Erasmo, Lutero e Calvino se propalou por toda a Europa, incluindo a
própria Itália, ele João III, jurou que em Portugal não entraria e
demoveu céus e terra para que o papa lhe concedesse o direito ao
tribunal da Inquisição.
Todos os cristãos novos e sua descendência, arderam nas monstruosas
fogueiras ateadas pela Santa Madre Igreja, e os seus carrascos, mais
para se locupletarem com os seus bens materiais, do que por misticismo
fanático.
Os que se salvaram e eram a nata e elite intelectual, fugiram a
enriquecer os Países Baixos.
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Durante mais de doze gerações, sujeitas a processo acentuado e contíguo
de depauperação, apenas intervalado por curtas tentativas de regeneração
nos períodos e lutas de 1820 e 1910, nós portugueses tornamo-nos em
gente de marasmo e da indiferença pela valorização colectiva.
O nosso único interesse tem estado apenas, no culto da aparência
melíflua e insincera, a pensar acima de tudo enganar a concorrência. E
nisto chegámos ao 25 de Abril, a inverter a
polaridade da situação, em manifestações de coxos e mancos a fingir de
corredores de fundo.
Mas a continuar os meus solilóquios, recordava que em 1820 com a morte
de D. João VI e a renuncia de Pedro IV ao trono de Portugal, em favor de
sua filha D. Maria II e chamado a constituir governo o Duque de Palmela,
o seu melhor acto fora nomear para a Fazenda pública, José da Silva
Carvalho, filho de pobres agricultores de origem judaica, que perseguido
pelos absolutistas teve de se refugiar várias vezes em Inglaterra a
fugir à fogueira. As suas qualidades de carácter e visão, fizeram deste
homem um estadista, na miséria e balofa sociedade portuguesa, vinda
desde João III, o Piedoso.
Do muito que fez e formulou, destaco o que aqui e agora me interessa, o
seu decreto de 3 de Dezembro de 1832 a distinguir bacalhau nacional
pescado por navios portugueses e estrangeiros importado,
estabelecendo-lhes taxas alfandegárias diferenciadas.
Entretanto um outro português também judeu, Jacob Frederico Tolar de
Pereira Azambuja, secretário da embaixada
do ministério dos negócios estrangeiros, marinha e domínios
ultramarinos, depois de ter servido na Suécia, Áustria e Espanha, em
1842 fora despachado para os EUA onde, além das sua ocupações
profissionais, entre as quais a intermediação na compra de bacalhau
salgado directamente aos pescadores que vinham, após o carregamento nos
pesqueiros, descarregá-lo
a Lisboa e ao Porto entregue aos importadores e que também,
entre outras coisas que efectuou, durante a sua permanência nos EUA,
também rascunhou, algo sobre a pesca do bacalhau que, mandara a Lisboa a
seus amigos e familiares. Isto leva-me a crer que entre eles já então
havia a intenção e movimento para
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constituírem, no âmbito da sociedade judaica, uma sociedade anónima que
veio a chamar-se Pescarias Lisbonense, e que fora esta, em 1835 ano da
sua constituição, que editara o opúsculo do Azambuja com o nome de
Memórias da Pesca do Bacalhau.
Tais memórias que não conheço, mas entendo terem sido escritas por
ouvidas pelo secretário da embaixada aos armadores
pescadores com quem negociava a compra de bacalhau, referiam-se aos americanos, canadianos e terranovenses ainda ao tempo
colónias inglesas, o que justifica ainda hoje em Portugal haver quem não
saiba que, os ingleses das Ilhas Britânicas jamais pescaram nos chamados
bancos do oeste, isto é EUA, Canadá, Terra Nova e Labrador, e até mesmo
nem no estreito de Davis.
Constituída a Companhia Lisbonense e não obstante as orientações do
opúsculo do Azambuja, fora decidido alguém ir a Londres, talvez o
presidente ou vice-presidente do seu conselho de administração, pessoas
da alta estirpe da sociedade modelada desde João III, já que em 1835,
viajar aos EUA seria altamente incomodo para suas excelências, avaliar e
decidir o que fazer para a Lisbonense pescar bacalhau.
Recordo um século mais tarde 1935, sendo eu rapaz a estudar e viver em
Leça da Palmeira, ser normal e correntio o conto de vigário, na então
estação de S. Bento, aos viajantes ali chegados.
Em Londres acontecera algo em grande mas semelhantes,
pois fora proposto e aceite por ambas as partes, a compra de seis
escunas equipadas e munidas de todos os seus pertences, incluindo
capitães e pescadores, para pescarem bacalhau, com a obrigatoriedade do
pescado ser descarregado em Lisboa.
Deste contrato dizem, cinco das escunas terem vindo uma vez a Lisboa
descarregar o pescado, porém logo pararam por não dar o trigo para
renda. E a Lisbonense faliu e os navios ficaram em Inglaterra.
Mas não será de estranhar o acontecido em 1835, pois aqui, ao correr da
pena, sou capaz de me lembrar e citar casos semelhantes
e em épocas mais recentes, como a Sociedade Bacalhau de Portugal em
1930, e a Tunamar – Pesca e Indústria de Tunídeos em 1986, que faliram,
antes de iniciar a actividade com vistas à exploração.
Mas deploravelmente, não tem sido só nas pescas que, entre
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nós, os investimentos se transformaram em ruínas e créditos mal parados.
A nossa incapacidade de comando e chefia, regista-se em todas as
actividades, até no próprio Estado onde o défice é monstruoso.
Além dos empresários industriais e comerciais, onde o dinheiro seja
fácil, atrevo-me, de dedo em riste, apontar os políticos, magistrados,
professores, juristas, agentes das forças militarizadas, agentes de
saúde, enfim todos quantos, por formação académica tinham por dever, o
civismo e a preocupação do exemplo. Porém a eles, basta-lhes o ficar
muito intimamente a olhar o seu umbigo, preocupados com a paz e bem
estar.
Mas voltando ao deplorável negócio da Lisbonense, o que me surpreende é
hoje ainda haver quem busque, a tentar saber se no negócio de compra aos
ingleses, foram cinco ou seis escunas, quando a experiência nos mostra
haver duas situações diferentes: a contratual escrita e a realidade
vivida. Embora na indelével escrita contratual mencione seis escunas, a
nossa experiência vivida, aconselha-nos a deduzir que a rápida
insolvência da Lisbonense, não deu tempo para os seis navios virem
mostrar-se e descarregar a Lisboa. O que garanto, estribado na mesma
experiência, fora que as seis acabaram os seus dias em Inglaterra.
Na minha vida de simples pescador, ficou-me a noção de, a maioria dos
nossos historiadores, por serem simples escritores académicos,
interpretarem a documentação consultada fora do contexto ou da realidade
vivida. Caso da pesca do bacalhau dos ingleses das Ilhas Britânicas,
nada ter com a dos ingleses das suas colónias, ditas mais tarde Canadá e
Terra Nova. Desde os primórdios do século XVIII, que aqueles pescavam
com trol, exactamente como os franceses, em botes ou dóris tripulados
por dois pescadores enquanto estes, iguais aos americanos, à linha de
mão e zagaia, em botes ou dóris de porte, metade daqueles e tripulados
por um homem.
Desta confusão, a errada ideia de haver quem imagine, as
tentativas sortidas nas gentes de Cascais e da Ericeira, serem um
prolongamento da Lisbonense, quando saíram apenas da pretensão em imitar
os americanos que, ao tempo vinham a Lisboa descarregar o seu bacalhau,
comprado pelos importadores.
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Do rasgo político que conseguiu impor-se à influência dos importadores e
abalou minimamente a sociedade lisboeta, amolengada pelo uso de
cabeleiras empoadas, apenas usufruíram as duas famílias açorianas,
Bensaúde e Marianos imigrados em Portland que logo registaram os seus
navios na capitania de Lisboa, hasteando a bandeira de Portugal e cujo
pescado passou a usufruir dos novos benefícios e taxas. No entanto,
continuaram a proceder na sua exploração como até aí, isto é
descarregado o bacalhau, em Lisboa só embarcavam sal para a viagem
seguinte, logo seguindo directos para as suas casas e famílias em
Portland.
E fora assim que, depois de cerca de 350 anos de interregno, foi
retomada a pesca do bacalhau entre nós e iniciado, em minha opinião, o
seu terceiro período.
Entretanto os dois armadores açorianos, o Bensaúde manteve-se com base
em Lisboa e os irmãos Marianos deslocaram se para a Figueira da Foz.
Com altos e baixos criados, não apenas pela contingência da aleatória
pesca, como pelas perturbações fomentadas, no aspecto comercial e
financeiro, pelos importadores bacalhoeiros, foram entretanto aparecendo
e desaparecendo outros armadores com veleiros que, até à primeira Grande
Guerra, todos na mesma rotina dos dois primeiros Bensaúde e Marianos,
saiam dos portos de Portugal, seguindo directamente aos portos
ribeirinhos do George Bank, para aí se reabastecer de tudo quanto era
gasto e utilizado,
quer na armação dos veleiros como na pesca e alimentação
das companhas, como brim e lonas para fazer velas, cabos de manila de
várias bitolas, dóris e remos, forquetas e agulhas de marear, anzóis e
linhas, farinha de trigo, carne salgada, enfim tudo quanto era
indispensável para a viagem. Até que passada a guerra de 14/18, os dóris
e remos que sendo americanos eram de flandres, leves e flexíveis,
passaram a ser construídos em pinho nacional, duro e pesado, aos quais
as companhas constituídas por açorianos e algarvios, se revoltaram pela
mudança.
Fora a partir daí que os capitães passaram a incluir nas suas
tripulações mais pescadores do norte, desde a Figueira da Foz, Ílhavo,
Afurada, Matosinhos, Vila do Conde, Povoa de Varzim e Viana do Castelo,
gente de mão mais pesada para a pesca de
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linha de mão, mas mais ajustada ao peso dos remos e dóris.
Recordo, não só por ouvir meus familiares como o velho capitão Luís
Bagão, se lamentar das dificuldades enfrentadas pelos armadores em
vender o bacalhau pescado pelos seus navios, que chegados da pesca em
Outubro logo iniciavam a descarga, a lavagem e a secagem do peixe, afim
de proceder à sua venda a partir de 15 de Dezembro, para realizar
dinheiro de
modo a satisfazer aos débitos contraídos nas despesas da viagem
acabada, e dar cobertura a gastos já iniciados na preparação do navio
para a viagem seguinte. Os importadores então, que a esse tempo já não
eram ditos de bacalhoeiros, por este nome já ser dado aos tripulantes
dos navios nacionais que o pescavam,
lançavam no mercado nacional maciças quantidades de bacalhau, a preços
sem concorrência, com o fim de paralisar a frota nacional, arruinando-a
de modo o mercado ficar à sua disposição.
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