Por mero acaso ou por saberem quanto gosto de velharias, não apenas de
contos e casos, como de enfeites e outras ninharias, vieram parar às
minhas mãos algumas anotações de duas escrituras de compra e venda de
outras tantas parcelas de terreno de cultivo, ali para as bandas do
poente, junto à ria da velha e saudosa Vila da minha infância.
Com datas de Março de 1912, o assunto por correntio não seria merecedor
de grande atenção, fosse para quem fosse incluindo-me a mim próprio, se
tal compra não tivesse por fim com o seu emparcelamento, constituir um
estendal para secagem de bacalhau, com armazenagem em palheiro integrado
no conjunto, o que aqui entre nós ainda hoje é uma seca de bacalhau e no
caso vertente a Seca do Muro Gordo.
Se estes factos tinham já alguma importância no aspecto histórico e
cultural da nossa terra, tão parca em documentos escritos, especialmente
sobre coisas do mar e das pescas, mais interesse então adquiriram a meus
olhos, ao atentar ser o proeminente comprador a Parceria Marítima Boa
União, representada pelo sócio gerente Francisco São Marcos, nem mais
nem menos que o irmão mais velho de meu pai.
Este homem, primogénito de oito filhos de meus avós paternos que ao
tempo ainda não havia planeamento familiar vivendo-se à mercê do Senhor,
todos nascidos e criados ali à rua da Fontoura, assim chamada por no
sopé da ladeira que nos levava então à Lagoa e ao Casal, haver uma fonte
de água corrente e afamada nas redondezas, onde se dizia aparecer, pela
calada da noite, uma moura encantada e sofredora,
que umas vezes gemia e outras
cantava coisas dolentes, estranhas e magoadas.
Filhos de Cristóvão de São Marcos e de Maria Rosa de Jesus Helena, sua
mulher com a bênção da Igreja, mais conhecida por Maria Rosa do Calvo,
por desde menina ter vivido e sido criada em casa do "Padre José António
Morgado", por alcunha o "Calvo".
Ele, o Cristóvão, pescador como já tinha sido seu pai Alexandre, nas
lides das companhas, artes de xávega na Costa Nova, nome
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este, só nos aparece a partir de 1808 depois de construí do o paredão
que não só fixou a barra, como dividiu em duas a então chamada Costa de
S. Jacinto, continuando a de norte a designar-se de S. Jacinto e a sul
do paredão passando a denominar por Costa Nova e mais tarde por Costa
Nova do Prado.
O Cristóvão, que toda a sua vida fora sempre e só, homem das artes da
borda do mar, à pesca das manjuas de sardinhas e outros peixes miúdos de
superfície que desovam na praia, a quem ao tempo chamavam de gente do
marzinho, a distingui-los dos marinheiros do mar alto, logo que passava
meados de Setembro e se avizinhava o equinócio e as suas grandes marés e
tempestades, ia com demais, às levas de viagem sul abaixo em demanda de
outras paragens de costa menos bravia que este danado mar de A veiro,
onde a maresia parece nascer e crescer aqui mesmo na arrebentação da
praia.
Dos caminheiros pelo areal da costa, uns iam ficando por Buarcos, Gala e
Cova, onde o mar a maior parte do tempo tocado do norte e noroeste,
depois de rebentar no promontório da Boa Viagem se alonga nas praias a
sul, mais ameno e menos bravio a permitir saídas ao mar e arribadas
menos perigosas.
No entanto, a maioria continuava a sul, sempre pela borda do mar,
descalça, que a areia é macia, de trouxa e botas ao ombro protegidas das
topadas, já que os dedos e os pés, embora mais sofredores e exangues,
depressa saravam e se recompunham.
Assim caminhando, atingiam S. Pedro de Muel donde, já internados no
pinhal e com um ou outro camarada a desviar-se à Nazaré e mais raramente
a Peniche, seguiam enfiados no sol ao meio-dia, até atingirem o Tejo nas
imediações de Vila Franca e por ali ficavam a mourejar nas tarrafas do
sável.
Mas a lezíria era mar de campino mais para o gado bravo, diferente dos
mansos bois de olhar doce, que habitualmente os ílhavos incitavam na
praia, aos berros e palmadas, quando emboçados à cala e ao reçoeiro da
arte, com o saco cheio de sardinha até à armela, em maré de sorte e a
bênção do Senhor.
No entanto, só por ali permaneciam algumas semanitas por desfeitio a
retemperar forças da viagem, até seguirem rio abaixo a ficar por Algés
ou mais adiante em Cascais.
Daqui à Trafaria, que alguns dizem colonizada também pelos
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ílhavos, o que eu não acredito, por ali as águas serem ainda muito
salobras para o seu gosto, era um saltinho.
Depois era a Caparica onde, aqui sim senhor, os ílhavos do marzinho
devem ter gostado de se fixar, por em tudo lhes parecer e lembrar a sua
Costa Nova, só menos bravia. Terá, então, sido daqui que de barco, em
arribada forçada, debaixo de nortada rija e dura, montado o EspicheI
pelo sul, se acoitaram à revessa de Sesimbra onde, com certeza, algum
mais moço por lá fez filhos, casou e ficou.
E isto só para falar das levas de torna viagem, daqueles que para não
ficarem de quedo todo o santo Inverno, tendo saúde, punham os pés a
caminho do sul, para só tornarem ao Ílhavo das saudades, dos amores e à
família, lá para os finais de Janeiro.
Em toda a costa portuguesa não há nenhum outro trecho parecido a este
terrível mar de A veiro onde, desamparado de qualquer promontório ou até
mesmo de pontalete rochoso, a ondulação desse imenso mar de Cristo que
aqui se alteia, arrebentasse, antes de se alongar na praia.
Ficar na Laguna quando o mar galgando a lomba afugentava barcos,
palheiros e tudo terra adentro até à ria, era modo de vida para velhos,
doentes e chincheiros, gentes de águas salobras, já que a idade e as
maleitas não perdoam e a estes qualquer arremedo de trabalho de
certelas, os entretêm.
Naquele tempo os ílhavos do mar alto, quase só faziam vida nos navios de
viagem, com alguns embarcados ao bacalhau na Figueira e em Lisboa, por
esta navegação só tardiamente ao dobrar dos séculos XIX para XX, se ter
radicado na Laguna.
Antes disto, pelo menos na Vila que alguém em maré feliz chamou de
Maruja, o Natal era um dia santificado pouco ou nada festejado, nem
mesmo na Igreja, por nessa época do ano os homens andarem todos longe,
não só os do mar largo como os do marzinho, distantes lá pelo sul
abaixo.
Aqui na terrinha além das mulheres e das crianças, e estas mesmo, os
cachopos depois de os dez anos, iam mais os pais, só havia os velhos, os
enfermos e os trancas.
A verdadeira festa de família neste Ílhavo, vindo do fundo dos tempos,
era, após a viagem de muitos meses e às vezes de anos, com barco
aportado Aveiro ou ao Douro, os marinheiros
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de todas as categorias da escala de bordo, de saco de lona ao ombro ou à
ilharga, ao chegar a casa, entrando na sala pela porta do Senhor, dar de
frente com a mulher, sorridente e feliz, com o filho mais pequenino que
ele ainda nem vira, ao colo e os demais, ao seu redor a esperá-lo. Era
um mar de alegria, com ela dando graças a Deus da chegada do seu rico
homem, e os filhos, embora risonhos, mas a princípio tímidos da presença
do senhor pai. Só o mais pequenino, num berreiro e gritaria por ver
aquele estranho homem de voz grossa e roufenha do tabaco e das molhas no
convés, a tentar acaricia-lo.
Quando terá tido inicio a dispersão dos ílhavos para norte e sul a
correr na costa de Portugal?
Seria trabalho para um ror de estudiosos desenvolver e julgo que
chegariam ao fim sem resultados palpáveis e conclusivos, quer pelo
hermetismo do meio, como especialmente pelas limitações das gentes,
reduzidas ao labor primário das pescas, actividade sem história nem
culto, mas apenas de natureza morta.
Por mim julgo-a como diáspora a perder-se na noite dos tempos, só que os
ílhavos abertos, extrovertidos e flexíveis, sempre se integraram no meio
onde foram parar a fecundar e a criar ramos de vínculo lagunar.
Posto isto, mesmo sem jeito para historiar, aconteceu-me ser dotado de
memória e reflexos, não direi privilegiados mas de certo modo eivados de
alguma predestinação que me levam por vezes a ficar obstinadamente a
pensar e a relacionar factos que na sua essência e aparência nada tem de
correlativo, acabo depois de muito cismar, neles encontrar e eu tirar a
mesma conclusão. Fora o caso de duas ocorrências passadas e separadas de
duas décadas no século XVIII.
O primeiro deste, fora em Lisboa na freguesia de S. Julião onde um casal
de ílhavos, ele fragateiro de profissão Manuel Simões e ela peixeira
Maria Manuel que registaram °nascimento do filho no dia
23 de Dezembro
de 1734, a quem deram o nome de Francisco Manuel Nascimento que crescido
se fez clérigo e professor da jovem Marquesa de Alorna que, entre
endechas poéticas o crismou de Filinto Elísio.
Este caso leva-me a pensar que na terceira década do século
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XVIII já então havia em S. Julião, Lisboa, um casal de ílhavos do sector
piscatório, mas não dos idos às levas costa abaixo a passar as invernias
para depois regressar, porém de certeza já ali estabelecido e com
vivência de tal modo definida que o pai de Filinto Elísio já não era
pescador, mas sim coisa difícil, de se conseguir então, passar da pesca
para marinheiro das fragatas do Tejo e muito especialmente no século XVIII para as fragatas reais.
O segundo exemplo, para mim ainda mais elucidativo e concludente, é o
caso de António Morais da Silva notável lexicólogo nascido no Rio de
Janeiro em 1756, licenciado em direito em Coimbra que, na primeira
edição do seu dicionário cerca de 1775 já define o termo de Ílhavo como
indivíduo natural da região costeira desde A veiro a Lisboa.
Isto leva-me a inferir que para o lexicólogo Morais já então no seu
dicionário significar o termo Ílhavo deste modo, terá sido por ter
ouvido ou lido, em outrem, a revelar e traduzir a prática de décadas ou
de séculos, de pescadores a largar de Ílhavo costa abaixo, a criar ou
colonizar outros centros piscatórios.
A cogitar na sua diáspora e deles a procurar saber mais do que hoje sei,
fiz algumas pesquisas entre os pescadores dos ditos centros frequentados
pelos antigos ílhavos, buscando através dos seus sobrenomes, ramos a
comprovar relações familiares, o que deploro nada de positivo ter
conseguido por duas óbvias razões.
A primeira é que nos meios ditos primários, além das mulheres casadas
perderem o seu sobrenome familiar, ainda por cima sempre aparece alguém,
que as crisma com alcunha que as torna irreconhecíveis. O caso da
alcunha é também comum a atingir os homens porém o sobrenome do pai é
imposto até por lei.
Ora vem isto a propósito de, na dita busca ter encontrado o nome de São
Marcos em vários locais de pescadores onde dizem terem passado os
ílhavos, tais como Figueira da Foz, Cova, Nazaré, Peniche, Cascais,
Sesimbra, Olhão e Vila Real de Santo António. E sabendo eu, sem o poder
no entanto documentar que o primeiro São Marcos aparecera em Ílhavo, ao
redor do século XVII, nome dado pelas freiras do convento a uma criança
enjeitada que lhe aparecera na roda, daqui se possa talvez algo
concluir.
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Esta criança crescera e fez-se homem, e ao tempo em Ílhavo não podia ter
sido feito outra coisa senão pescador. Entretanto casara tornando-se pai
de filhos homens e pescadores também, a juntarem-se às levas que indo
pelo sul abaixo por lá casaram, etc., etc.
Antes da década de trinta do século passado, Ílhavo era ainda a
antiquíssima vila de pescadores da Ria e das praias do mar, errantes
durante os invernos ao longo das costas de Portugal.
Fora a ida pela primeira vez em 1931 aos pesqueiros da longínqua
Groenlândia, donde havia vagas informações, circulando entre os
importadores de bacalhau, que levou um armador português, pressionado
pela sua própria situação de insolvência empresarial, a estimular e
convencer os três capitães dos seus navios a salvá-lo, fazendo o que
embora não parecesse possível irem aquele mar pescar bacalhau.
Entre os comerciantes importadores portugueses de bacalhau, corria em
segredo, por não lhes interessar a divulgação e concorrência, que
pescadores dinamarqueses naquele mar, com navios de dimensões mais
reduzidas do que os nosso, efectuarem ricas pescarias nos bancos do
oeste da Groenlândia.
Porém, o que nada constava dos navios dinamarqueses serem construídos em
aço e propulsados unicamente por motores, a dar-lhes mobilidade e
resistência para se defender dos gelos flutuantes, além de que a pesca
ser feita de bordo dos próprios navios.
Contrariamente os nossos veleiros, além de construí dos em madeira, dois
deles apodrecidos, apenas se deslocavam com o vento e as correntes d'
água.
Aos três capitães da EPA juntou-se um quarto, por demérito de um dos
três, em razão de no ano anterior ter já tentado a mesma aventura e
voltado atrás e pelo que viu e sofreu, ficara na convicção de necessitar
de outros apoios e orientações Quatro navios fragilíssimos e quatro
capitães, gente dura e audaz, cada um sozinho naquele mar de Cristo, tal
e qual como em antanho, por e donde
quatro séculos
antes nenhum dos
Corte Real voltou.
Manuel dos Santos Labrincha no Santa Isabel, João Ventura da Cruz no
Santa Joana, João Pereira Cajeira no Santa Mafalda e
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Aquiles Gonçalves Bilelo no Santa Luzia.
Com a fartura de bacalhau trazido por estes quatro navios, conjugadas às
políticas de horizontes curtos do corporativismo da constituição de
1933, a implementar o obsoleto e escravizante artesanato da pesca do
bacalhau à linha de mão, em pequenos dóris com um pescador, é que a
nossa velha Vila Maruja radical e economicamente se modificou.
Até ao começo do século XX ainda muitos dos seus homens por falta de
navios, labutavam na Laguna ou no mar ao seu redor, nas xávegas e nas
chinchas conhecidas aqui apenas por artes – trabalhos primevos de pescar
– mas com muitos, pois era o seu errante destino, diferente de todos os
outros povos da nossa Ria, embarcados no alto mar em navios de
transportes comerciais a que se dava o nome de navios de viagem, em
veleiros de pesca de bacalhau das praças de Lisboa, Douro e da Figueira
e tantos outros, embora emigrados, mas também embarcados em navios do
país de seu acolhimento como o Brasil e os Estados Unidos.
Fora exactamente daqui que os nossos emigrantes, especialmente açorianos
trouxeram em 1830 a modalidade de pescar bacalhau à linha de mão, em
dóris de um pescador, arriados do navio mãe a retomar assim pela
terceira vez a pesca do bacalhau entre nós, desaparecida desde a
Invencível Armada há cerca de 400 anos.
De Boston, Gloucester e Portland no século XIX ou antes, eram as escunas
que pescavam bacalhau desde o George ribeirinho desses portos, até ao
Grand Bank na Terra Nova, todas tripuladas por gente emigrada da
Irlanda, Portugal, Suécia e Escócia ou por americanos descendentes
destes.
Estas escunas, providas de seis a oito dóris, utilizando linhas de mão,
zagaias e um curtíssimo espinheI, pescavam exclusivamente bacalhau, por
ao tempo ali, só este peixe aparecer.
Em Portugal nos séculos XVIII e XIX, ou talvez antes o bacalhau salgado
e não seco, era preferencial e corrente na alimentação, fornecido pelos
importadores, ditos então dos bacalhoeiros que o compravam aos ingleses
ou aos noruegueses, dinamarqueses, islandeses, canadianos e americanos
que directamente dos pesqueiros vinham ao Porto e a Lisboa descarregar
os veleiros.
Entre estes últimos contavam-se muitos açorianos, ali
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imigrados e entre eles duas famílias que fizeram história nesta pesca
entre nós, pois em 1835, mercê de circunstâncias especiais os Bensaúdes
e os Marianos que sempre mantiveram dupla nacionalidade, em Lisboa
arriaram nos seus navios o pavilhão dos EUA e hastearam o de Portugal, a
dar início, segundo a minha opinião, ao terceiro período da pesca
longínqua ao bacalhau entre nós.
Fora a partir daqui que muitas outras Parcerias para esta pesca se
formaram para a compra de veleiros a ir pescar à Terra Nova, na senda
dos imigrantes açorianos. Porém quase todos a falir no fim da primeira
viagem por, maldosamente asfixiados pelos importadores que, à sua
chegada, lançavam no mercado grandes quantidades de bacalhau a preços
sem concorrência e então os pescadores tinham de vender o seu bacalhau a
preço não compensador dos gastos efectuados, ou de manter o peixe nos
porões sob as temperaturas continentais, a ser invadido pelo rouge.
Neste proceder ao longo de gerações, assim se fora
estabelecendo o que se designou de pesca do bacalhau, em processo
primevo e artesanal efectuado com linha de mão, vivida em rudimentares
veleiros como navios mãe, feita em pequeninas embarcações tripuladas por
um pescador em cada uma delas, exactamente como as usavam os americanos,
desde o século XVIII de quem os copiamos e lhes chamavam de dóris.
Dory que em inglês significa xarroco, um peixe esguio e sem
grandes formas, exactamente como a embarcação a que fora dado o seu
nome, era uma adaptação americana construída em pinho de Flandres,
moldável e flexível capaz de resistir às pancadas que sofre à borda do
navio mãe, tanto ao desembarcar como ao recolhe-las. Empilhados uns
dentro dos outros por o seu interior ser facilmente desmontável, formam
lotes de três, quatro ou cinco dóris, fortemente amarrados à borda a
cada lado do navio. Estes lotes ou pilhas não podiam ir além da altura a
que trabalhavam as retrancas das velas para poderem correr ou manobrar
dum bordo ao outro.
Julgo que os dóris terão sido copiados das trollas francesas que
no decorrer do século XVII princípios do século XVIII, ao abandonarem a
modalidade de linha de mão, efectuada de
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bordo das caravelas, se iniciaram no sistema de pesca de trol para o que
lhes era indispensável utilizar pequenas embarcações, desembarcadas do
navio mãe, para os espalhar nos bancos.
Só que a trollas francesas não só por serem navios de maior porte
como talvez pela noção de mais segurança, as suas embarcações eram
tripuladas por dois pescadores.
O modo de pescar o bacalhau à linha de mão e à zagaia perdurou entre
nós, desde os tempos em que os nossos emigrantes nos EUA, o trouxeram
para Portugal, cerca de 1830 até 1933/34, em que face a abundância
encontrada nos mares da Groenlândia os nosso pescadores passaram a usar
pequenos troles feitos com os mesmos materiais da linha de mão.
De madre feita de duas a três linhas de cinquenta braças cada, com os
anzóis a ela ligados por estralhos, espaçados de uma braça. O grande
problema de assim pescar, era conseguir o indispensável isco, para
atrair o peixe aos anzóis. Isto fora conseguido com as ovas do bacalhau,
aproveitadas durante a escala do dia anterior, à mistura com pedaços do
próprio bacalhau e de outros peixes não salgáveis. Os veleiros eram
dotados com espingardas, legalmente cinco no máximo por navio, para a
caça dos pombaletes e cagarIas, aves marinhas que em enormes bandos se
posicionavam pela popa dos veleiros, a debicar durante a escala os
detritos do peixe arrastado pela água da sua lavagem.
Entretanto com o andar dos anos e a construção de novos navios, providos
de câmaras frigoríficas para isco, o número de linhas que o mesmo é
dizer de anzóis, fora crescendo e em 1944 já havia bons pescadores a
trabalhar com dezoito linhas isto é 1.000 anzóis, manualmente alados à
força dos braços, duas e três vezes diariamente por um só homem,
embarcado no pequeno e frágil dóri.
Curiosamente e não obstante termos durante tantas décadas, operado junto
às trollas francesas, a usarem um sistema de pesca não só mais
economicamente rendoso, como mais humano, o nosso espírito imobilista e
rançoso, incapaz de por nós próprios dar um passo no sentido da evolução
e do progresso, salvo quando nos é imposto, ficamos arreigados ao triste
e atrasado artesanato de pescar.
Recordo a segunda viagem do Creoula, campanha de 1938,
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depois de construído nos estaleiros da CUF na Rocha de Conde Óbidos em
Lisboa, juntamente com um outro, encomendados pelo mesmo armador Vasco Bensaúde, mas cedido à
Empresa Pesca de Viana onde passou a ser Santa
Maria Manuela, que na mencionada viagem o capitão Aníbal Ramalheira,
quer por influência de um amigo e capitão de trolla francesa, como por
autorizado pelo Bensaúde, se dispôs a experimentar a modalidade de trol
exercida em dóris, com o dobro do porte dos nossos e dois pescadores por
bote, exactamente como os franceses.
Equipado de 26 dóris e 53 pescadores, os ganhos destes seriam a todos
por igual, pescando para um só monte.
Porém, quando naquela viagem a carga do Creoula ia já para mais de
metade do volume dos seus porões, o Aníbal Ramalheira viu que alguns dos
sues bons pescadores ao despescar os troles, em vez de recolher os
peixes, os lançavam borda fora. Tal facto considerado sem desculpa por
inqualificável, era motivado por os bons pescadores tendo maior
produtividade, passarem a ter, quando na preparação do pescado, igual
volume de trabalho aos fracos pescadores. Irritado com o egoísmo e o
distorcido entendimento destes homens, o Ramalheira mandou pregar os
botes de trol ao convés e substitui-os por dóris de um pescador.
A propósito desta lembrança e como uma curiosidade de historietas da
pesca artesanal ao bacalhau, recordo que a construção dos dois lugres de
quatro mastros em aço, encomendados por Vasco Bensaúde à CUF, um destes
a instâncias de João Alves Cerqueira, fora dispensado à empresa de Viana
do Castelo, cuja primeira viagem fora feita em 1937 sob o comando de
João Pereira Cajeira com o nome de Santa Maria Manuela.
Mas a maior curiosidade fora que, ao tempo da dita encomenda à CUF,
estando incidentalmente na Azinheira na reparação dos navios de madeira
o mestre João Bolais Mónica, exímio carpinteiro naval à semelhança de
seus outros irmãos Manuel Maria e António, não só na habilidade manual
como embora iletrados mas de grande visão e inteligência, ao debruçar-se
sobre os planos de construção dos dois veleiros de aço gémeos, logo viu
e avisou que aqueles navios jamais chegariam à seca na Azinheira, por a
boca ser de largura superior à da ponte onde
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teriam de passar para lá chegar.
Fora então que não só alterada a boca do Creoula por muito mais atrasada
a sua construção, como o outro cedido a Viana do Castelo a ficar com o
nome de Santa Maria Manuela.
Esta Parceria Geral das Pescarias, que fez história na pesca artesanal e
que por muito pouco não inverteu o seu curso, quando nela intentou, em
1909 e 1910, experimentar o arrasto, mandando à Terra Nova o seu vapor
Elite pescar.
Antes de continuar o que até aqui tenho vindo a referir ao sabor da
memória que, nem sempre confesso, é tão concisa como eu gostaria, mas
sujeita a lapsos óbvios, não só por falta de treino em me alongar
escrevendo sobre o mesmo tema, como por falhas pessoais criadoras de
confusões devidas à complexidade do tema.
Exactamente por isto não me parecer descabido na minha qualidade de
pescador, interrogar-me a mim próprio, sobre duas questões que desde
cedo me prenderam a atenção a atingir à obsessão.
Em primeiro lugar saber a razão que levara o bacalhau a ir viver e
procriar tão longe de nós, e em segundo, procurar entender o motivo que
desde os primórdios da nossa história nos levou a ir em sua procura, a
pescá-lo.
Nisto a pensar, cheguei à conclusão de tudo se encerrar nos movimentos
das massas oceânicas. Não só devidos à acção dos ventos a soprar na sua
superfície, dando lugar às vagas do mar e à ondulação que tudo faz
balouçar quanto nela flutua, nem tão pouco à atracção gravitacional da
Lua e do Sol a dar lugar às ondas de maré.
O que deu vida ao mundo dos oceanos e neles continua a renová-la, fora a
diferente incidência dos raios solares na sua superfície, aquecendo mais
a zona equatorial do que as polares.
Assim enquanto no Equador por ser mais quente, as massas oceânicas
dilatam a ficar menos densas e aumentam de volume, isto é, mais
elevadas, as massas oceânicas nos pólos, por mais frias contraem-se
ficando mais pesadas e baixas, por diminuírem de volume.
Estes dois estados numa mesma superfície de igual gravidade, dão lugar a
uma corrente quente à superfície nos oceanos, do
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Equador para os Pólos.
Estas massas oceânicas chegadas aos Pólos arrefecem e tornam-se não só
mais pesadas, como menos volumosas, do que resulta afundarem-se num
movimento a partir de cima para baixo, isto é, a dar inicio a uma nova
corrente que batendo no fundo, inflecte na direcção do Equador, em
sentido contrário à corrente na superfície, a arrastar-se no leito dos
oceanos.
Acontece porém que o fundo dos mares é, a semelhança dos continentes, de
crosta rugosa feita de montanhas e desfiladeiros, vales e picos
descomunais, a dar às massas líquidas que nele se arrastam desvios a
formar correntes ascensionais que cá e lá atingem a superfície onde
corre água mais quente.
Esta mistura, feita em determinadas condições e circunstâncias, e sob a
influência do dardejar dos raios solares, pode dar lugar e origem a
fenómenos químicos que pela fotossíntese crie microrganismos que estejam
na base da procriação das massas de filoplancton e zooplacton, a
alimentar o grupo bentónico de modo atrai os predadores que servem e são
indispensáveis à alimentação do homem.
Estes fenómenos dão-se e têm lugar tanto no pólo Sul como no pólo Norte.
Na Antárctida, junta em cardumes compactos merlúcios, enquanto no Árctico
de igual modo junta os gadídeos. Estes a que damos genericamente o nome
de bacalhau como os do sul, o nome de pescada, têm estruturas e hábitos
em tudo semelhantes.
Entretanto, quer pelo prometido como muito especialmente pelo maior
interesse que nós portugueses damos aos gadídeos salgados e secos,
permitam-me que aqui e agora esqueça os merlúcios, para só falar do
gadus morua do nosso agrado gustativo.
Este demersal excepcionalmente voraz, vive, desenvolve-se e desloca-se
em cardumes mais ou menos compactos consoante as estações do ano, a
profundidades a que o seu ecos sistema e as massas bentónicas de que se
alimenta, o obrigam a permanecer.
Chamar-lhe espécie migratória, julgo ser forçado dizê-lo, na medida em
que a variável não é gadus mas o ecossistema dentro do qual vive, sendo
este a deslocar-se ao longo do ano em conformidade às quatro estações
climáticas, e que no final de
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cada ano volta ao ponto inicial de partida.
Exemplificando com o por mim pessoalmente verificado como pescador nos
Bancos da Terra Nova, na década de quarenta e metade da de cinquenta do
século passado, onde dois enormíssimos cardumes se movimentavam ao longo
do ano, desde o topo sul até ao seu extremo norte, indo e correndo
próximo do fundo mas quase sempre a altura, a que a rede de arrasto
passava por baixo do cardume sem o capturar.
Ao tempo os fish lupes, sondas muito sensíveis de recepção
visual, ainda não faziam parte dos equipamentos de bordo, porém mesmo
depois de serem instalados, os cardumes só eram ali visualizadas quando
se encontravam próximo do fundo e curiosamente, em condições de
capturáveis pelas redes de arrasto de fundo.
Este tipo de sonda só em 1952 fora instalado no Santo André. Antes disto
eu tinha de me contentar em pressentir o bacalhau, fazendo curtos lanços
de 10 e 15 minutos, para olhar a rede e apreciar o seu aspecto, de modo
a calcular se o cardume andaria por ali perto ou orientar-me em outras
direcções. Enfim era tudo muito contingente, errando a maior parte das
vezes.
Um desses dois cardumes quando me iniciei na pesca do arrasto em 1945,
aparecia a partir de meados de Fevereiro nas águas fundas, a descambar
do canal a que os cartógrafos franceses deram o nome de Canal do Fletan,
pelo sudoeste do Banco Verde. De cor esbranquiçada e de tamanhos acima
do meão e graúdo, a proporcionar boas pescas. Fora exactamente ali que
conclui, o grande erro dos biólogos de então, que davam o gadus morua
incapaz de suportar pressões de água superiores às exercidas em
profundidades, acima de 200 metros.
Este conceito era de tal maneira aceite pelos pescadores de então, que
se calhava acidentalmente a rede cair em locais mais fundos do que 200
metros, era logo recolhida. Não porque fosse perda de tempo, trazer o
aparelho de pesca onde não havia bacalhau, mas pela obsessão de além dos
200 metros, poderia haver alguma coisa que não permitisse alar o
aparelho e ficasse por lá perdido.
Ao tempo o meio piscatório era tão primário e mesquinho que, para os
capitães pescadores, contava mais os materiais gastos ou
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perdidos, do que o próprio pescado e o seu valor.
É bem certo que tal mediocridade não atingia só os pescadores, gente
boçal e primária, mas todos os chamados empresários em Portugal, cuja
mentalidade, como diziam as velhas matriarcas, pretendia fazer filhoses
de água.
Fora muito difícil e levado muito tempo aos capitães, entenderem eles
próprios que eram empresários e que aqueles a quem chamavam de patrões,
isto é os proprietários dos navios, apenas seus sócios capitalistas.
Se alguma vez a minha produtividade na pesca fora acima da média, é que
eu sempre e só procurei o bacalhau, alheando-me do pesqueiro onde o
encontrasse e algumas vezes em locais, que julgo piores do que o
inferno.
Mas voltando ao que logo na minha primeira viagem a pescar bacalhau na
modalidade de arrasto, de oficial imediato no Santa Joana, o primeiro
navio português deste tipo construído em 1936, comecei a observar o
cardume já acima mencionado, de tonalidades esbranquiçadas, se acolhia
no descambar do canal por oeste do Banco Verde, a que os cartógrafos
chamaram de Canal de Fletan e que, com a ampliação e subida do Golf
Stream para norte, em conformidade ao aumento da temperatura sazonal, o
bacalhau ia nele subindo também a norte.
Entretanto, à aproximação do extremo sueste da Ilha da Terra Nova, uma
pequena parte desse cardume entrava nas baías e reentrâncias da costa,
seguindo também para oeste até ao arquipélago de St. Pierre e Miquelon,
enquanto o grosso da coluna de peixe continuava a norte pelo canal do
Avalon acima, a distribuir-se em conformidade ao que ia encontrando de
águas mais frias ou quentes. Assim subindo costa acima, com o cardume a
ramificar-se, quer para leste como oeste, chegava ao Grande Norte,
espalhando-se desde o Cabo de Bonavista até cerca dos 49º de longitude
oeste.
Um segundo cardume de tonalidade mais acinzentada e escura, pelas mesmas
razões climáticas do arrefecimento e avanço da corrente fria do
Labrador, refugiava-se na mesma beirada sul dos bancos nas águas
profundas, frente a um outro canal situado por leste do mesmo Banco
Verde a que os mesmos cartógrafos chamavam de Canal de Eglefin. Com este
peixe acontecia
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fenómeno semelhante ao descrito com o do cardume do oeste, só que aqui,
logo que o gadus morua atingia os 200 a 210 metros de profundidade,
seguia para leste, ao longo da beirada até ao extremo do banco, para daí
seguir a norte até Fleming Cap.
Obviamente que tais conclusões foram conseguidas ao longo de anos, a
fazer duas viagens por ano.
Além disto, fui também de ano para ano, constatando que o bacalhau cada
vez se deixava ficar mais pelo norte, devido a que a "banquise", como
todos lhe chamávamos à imitação dos franceses, se ia cada vez mais
amontoando na costa nordeste da Ilha da Terra Nova, a deixar ficar o
sueste e sul dos banco completamente livres de gelos e a mostrar à
evidência, haver qualquer coisa de estranho no planeta, a alterar as
condições climatéricas oceânicas.
Obviamente que os seres vivos, no seu instinto de sobrevivência,
foram-se deslocando com o seu ecossistema e como tal, refugiando-se em
outras paragens, com certeza, a ressentir-se da adaptação aos novos
locais e disto a haver consequências, especialmente nos órgãos e actos
da reprodução, quer na postura das fêmeas como na fecundação dos machos.
Deste conjunto acima, resultou além da fuga do peixe dos seus locais
habituais, também a diminuição do volume dos cardumes.
Curiosamente o que há cerca de 50 anos atrás, nas lides de pesca e in
loco observei, fora com o andar do tempo concluindo, só mais de quatro
décadas depois li e ouvi na comunicação social relatar, terem os
geofísicos estudiosos das ocorrências astronómicas, anunciar estar o
planeta a ser atingido por graves e acentuados fenómenos de aquecimento
devido a enorme buraco na massa ozónica que o protege.
Entretanto surge-me à memória o facto de, em 1972 quando já deixado de
ser pescador e assentado arrais como director dos serviços de armamento
da EPA, onde curiosamente nela e ao seu redor trabalhei 57 anos, fora
convidado pelo GANPB. A assessorar a representação portuguesa ao XXIII
congresso da ICNAF. (International Comission Norwest Atlantic Fishing)
a realizar em Copenhaga, onde acontecera ali juntar-se enorme multidão
de políticos representando especialmente os países ribeirinhos
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U.S.A, Canadá e Dinamarca que eram quem ali pontificava.
A representação portuguesa presidida por
António Esteves Cardoso,
um oficial de marinha de guerra licenciado em Engenharia de Construção
Naval, ao tempo director do gabinete de estudos de pesca no Ministério
da Marinha, onde tudo quanto não fosse militar era lateral e secundário,
porém homem extremamente inteligente, brilhante e de grande eloquência a
expressar-se na língua de Shakespeare, de tal maneira a fazer emudecer
os representantes dos países de língua inglesa, para ouvir o "captain
Cardoso".
Não obstante, era pessoa muito simples e afável
com uma carrada de
defeitos como ele próprio reconhecia, ligado ao elemento feminino, etc.
Além dele a presidir, éramos mais três assessores. O Dr. Ruy
Monteiro do
Instituto de Biologia Marinha de Lisboa, homem ponderado, discreto e
dado ao tímido, António dos Santos Gaspar, oficial da marinha de guerra
e chefe da Assistência no mar, aos navios bacalhoeiros e como tal
embarcado no Gil Eannes, e eu, humilde e simples pescador.
Ora na Comissão e Plenário, só os presidentes opinavam e quem punha e
dispunha eram os representantes dos países ribeirinhos. Acontecia porém
que fora dos plenários tínhamos as nossas pequenas reuniões, em que
todos nós manifestávamos a opinião a extravasar o seu saber, e eu como
não podia deixar de ser, chamava a atenção dos meus camaradas de grupo
para o que aqui acabo de opinar, manifestando a opinião de que a
diminuição e depauperamento das massas de gadídeos, era mais devido a
fenómeno natural da evolução climática do próprio mundo onde vivem, isto
é do nosso planeta, do que dos excessos da sobrepesca quer dos homens
como dos animais que dele se alimentam, tais como as focas.
Ora o Esteves Cardoso, mirou-me e remirou-me a mastigar a minha
conclusão e de certo a compará-la à tão diferente opinião que sobre o
bacalhau e sua pesca havia na ICNAF. Além disso para ainda mais o
confundir, acrescentei-lhe ser da opinião que, para novamente termos
bacalhau como o tivemos até aqui, será preciso passarem mais umas
centenas de milhares de anos, por novo período glaciar, e só depois o
bacalhau voltará a aparecer.
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Entre nós, cerca de 30 anos eram passados, desde um fugaz convívio aos
vinte e poucos anos de idade, quando em 1943 durante a segunda guerra
mundial, ele comandara um navio de pesca, armado em patrulheiro na barra
do porto de Lisboa, e eu mobilizado da marinha mercante, assumia o cargo
de oficial imediato de um outro barco de pesca, armado também em navio
militar da rocega de minas, na mesma barra do porto de Lisboa.
Naquele momento ignoro, se este passado ressoara na memória do Esteves
Cardoso a lembrar-lhe que o que eu dissera, ser merecedor de alguma
atenção, pois a analisar casos destes, eu não era um qualquer capitão de
mar e guerra licenciado em engenharia naval, mas um pescador de trinta
anos no longínquo Árctico, desde o oeste, norte como nordeste deste
Oceano.
O que sei é que o Cardoso, não com o à vontade que lhe era peculiar, mas
até um pouco ensimesmado me respondeu: «Nunca tinha ouvido nem tal coisa
imaginado, que pudesse vir acontecer! Mas o que você diz é estribado em
observações de uma vivência e experiência plenas no mar, do que fico
receoso que tal coisa possa vir acontecer! Contudo não irei lançar na
mesa das discussões essa cataclismática cartada, que não beneficiaria a
ninguém. Aqui, a nossa presença e trabalho, resume-se a evitar e
contrariar, seja quem for, que pretenda diminuir a nossa actual quota de
pesca.»
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