Atlântico Norte, a Laguna de Alavário e o porto de Aveiro – pp. 44-49


IX – Da vida de Reinaldo Oudinot

Da vida de Reinaldo de Oudinot, antes da sua chegada a Portugal, parece nada haver que nos conte algo dele, e sua biografia.

De tudo quanto dele julgo saber, ao tempo em que arribou a Portugal, todos nós éramos e estávamos em estado larvar e, pior ainda, proibidos ou incapazes de, por nós próprios, iniciar qualquer processo de evolução, que o mesmo era repensar.

Pela amostra do que projectou e fez, nos fins do século XVIII, em Aveiro, e ainda pelo que não quis fazer, em 1803, na Madeira, prosseguindo apenas e só, o que a própria natureza iniciara, revela, além de inteligência, também cultura superior à gentalha daqueles tempos, ainda não habituada a raciocinar, que o mesmo é ponderar.

De tudo quanto dele julgo saber, fora alguém nascido em França, na década de trinta do ano 1700, quando já neste país fervilhava o espírito das revoluções francesas, que iria tornar a França centro do mundo livre, e o homem, senhor de si mesmo e não escravo de tradições e alguém.

Mas permitam-me que explane o que sei dessa época em França, quando Reinaldo de Oudinot, adolescente, frequentara o liceu e a universidade, para entrar no exército e arma de engenharia, em nada parecido ao que então era e se passava em Portugal, aqui pouco mais do que na Idade Média, com estudos e educação virada para o passado, grotesca, pesada e fradesca.

Em França, por morte prematura de Luís XIII, sucedeu-lhe o filho de 5 anos de idade, Luís XIV, que reinou 73 anos, desde 1642 a 1715, tutelado pelos Cardeais, inicialmente Mazarino e por morte / 45 / deste por Rechelieu, que tiveram a virtude ou defeito, segundo a perspectiva de cada um, para defender o rei menino, das garras e tentativas de extorsão da parte de seus émulos e competidores à realeza, criaram uma nova classe social, constituída por gente vinda do povo, porém instruída, inteligente e culta, chamada gente do rei, que só e exclusivamente com ele, seus haveres e interesses, privava.

Este facto, a partir de meados do século XVII, criara uma nova classe social e esta rotina que dinamizara a França e a tornara o centro da revolução e evolução, intelectual do mundo ocidental, com a exclusão da Península Ibérica e, mais propriamente, o seu extremo ocidental, a culminar na década de noventa do século XVIII com a revolução francesa, levando ao cadafalso Luís XVI e a rainha Maria Antonieta.

Entretanto Reinaldo de Oudinot, nascido na década de trinta do século XVIII, não pode ter sido senão fruto destas influências, entre jovens estudantes frequentando o liceu e entretanto a universidade, em preparativos para a arma de engenharia do exército francês, que de facto sabemos ter frequentado, óbvio ter-lhe acontecido cair em desgraça, frente a qualquer outro grupo revolucionário e condenado à guilhotina, que nesse tempo trabalhava noite e dia.

Reparem que os seus inimigos eram tão poderosos, que o fugitivo Oudinot nem se ficara pelas Castelas, onde ao tempo reinavam familiares de Luís XV rei de França.

Entre nós, refugiado no tempo do Marquês de Pombal, pouco depois do terramoto de 1755, jovem evoluído entre gente pasmada e beócia, deve-se ter feito notar. Além disto, quem vivera intensamente na sua juventude, ganha além de sabedoria e experiência, também como calosidade, para ficar entreaberto a imprevistos e outros incidentes, no modo de viver.

Sabemos ter casado com Maria Vicência Mengi, da qual houve uma filha, Francisca Paula de Oudinot que, veio a casar com Luiz / 46 / Gomes de Carvalho, oficial do exército da arma de engenharia, portanto das altas esferas sociais, que o associaram ao sogro, na abertura da barra de Aveiro.

Mas voltando à ilha da Madeira, aonde se radicou em 1803 e veio a ser sepultado em 1809.

Do pouco que parece ali ter feito, a mim demonstra além de inteligência, equilíbrio e ponderação rara, mesmo que fosse hoje, pois verificando ser a ilha constituída só de basalto, pedra vulcânica, dura e impossível de ser trabalhada ao tempo, sem utensílios capazes para o fazer, decidira prosseguir o que a própria natureza iniciara, isto é, o desenvolvimento das ribeiras para o saneamento, eliminando-lhe, dentro do possível, curvas e socalcos para tornar a sua velocidade mais lenta e menos impetuosa. Não acredito que o Oudinot tenha ficado muito entusiasmado com a solução; porém, ao tempo e com os materiais que dispunha, deve ter considerado minorada a situação.

Este arquipélago, principalmente a ilha da Madeira, de origem puro basalto, localizada geograficamente a escassos dez graus da latitude do trópico de Câncer, proporciona-lhe, durante todo ano, temperatura amena, flores de todas as matizes a torná-la grande atracção turística.

De superfície cerca de 723 km2, é montanhosa e encimada por dois picos de quase 2.000 metros de altura cada, o que a torna, à mistura com a sua natureza basáltica, de enorme capacidade magnética.

Acontece também, relativamente à sua posição geográfica, ficar pelo sul, a tangenciar a zona de altas pressões, dita dos Açores, que se estende desde cerca 42º 00' de longitude oeste, prolongada pelas suas isóbaras, como lanças para leste, até às Berlengas, na costa de Portugal Continental.

Como bem sabemos, o nosso planeta rola diariamente, ligado ao Sol pela acção gravitacional deste, do qual recebe os seus raios de luz, com maior incidência nas zonas equatoriais e mais / 47 / tangencialmente nas polares, do que resulta as águas oceânicas aquecerem mais no Equador do que nos Pólos. E daqui, a formação das correntes marítimas quentes, seguindo na direcção dos Pólos, posicionados em plano mais baixo.

Entretanto no Equador, zona de elevadas temperaturas e consequentes baixas pressões atmosféricas, é também correntio a formação de núcleos, ainda mais depressionários, a funcionarem individualmente e independentes da atmosfera envolvente, com características próprias. Formados por corrente de ar frio descencional da estratosfera, com características eIectromagnéticas e grau de humidade próprias, a movimentarem-se, na direcção do Pólo do hemiciclo em que fora criada, correndo em altitudes entre os 2500 a 4500 metros, a provocar cá e lá, conforme as condições atmosféricas locais que vão encontrando, agravamento de tempo com chuvas, ventos e trovoadas, sempre a provocarem acidentes no seu trajecto, a caminho do Pólo e as suas altas pressões, para as encher e acalmar. Será conveniente não esquecer que as centenas de milhões de núcleos depressionários, nascidos nas zonas equatoriais, têm todas características próprias e diferentes de todas as outras suas similares, como os filhos de qualquer animal, nascido no mesmo ventre e até do mesmo óvulo, os gémeos, cada um tem as suas características físicas e até outras, próprias a caracterizá-lo individualmente como seja o seu grau de humidade, intensidade electromagnética e força.

Nestes fenómenos atmosféricos, podemos também incluir, porém mais perigosos por terríveis de enfrentar, os chamados ciclones do Atlântico Norte, a correrem habitualmente na
Costa leste dos E.U.A, semelhantes aos furacões do mar da China, no Pacífico, tempestades circulares monstruosas, também formadas pela acção muitíssimo intensa de correntes de ar frio vindas da longínqua estratosfera, a formar um núcleo central, rodopiando a velocidade circular medonha, inconcebível e indescritível, onde no centro calmo e muito escuro se desenvolvem ventos que são o
/ 48 / somatório da velocidade circular com a velocidade de transacção da tempestade, deslocando-se no espaço na direcção do Pólo Norte.

Quer os ciclones como os furacões seus similares, devemos dividi-los em dois hemiciclos: o perigoso e o de manobra. No primeiro, a velocidade dos ventos resulta do somatório, das velocidades circular com a de transacção e as suas direcções sopram no sentido do centro da tempestade. No ciclo de manobra, não só a intensidade dos ventos é a que resulta da diferença entre as duas velocidades, de rotação como a translação e a direcção dos ventos é no sentido dos bordos da tempestade.

No fim dos anos quarenta e começos de cinquenta do século passado, enquanto a corrente do Labrador se estendia e chegava aos bancos da Nova Escócia, ida através do Estreito de Bell Isle e Golfo de S. Lourenço, os três primeiros arrastões portugueses eram correntios e frequentadores daqueles mares, onde, na época própria, os ciclones eram seguidos, apenas intervalados em dias, e nós a aguentá-los com o Santa Joana, o Santa Princesa e o Álvaro Martins Homem parecendo, de capa cerrada, autênticos submarinos.

Das várias experiências com estas tempestades, recordo a tragédia havida com o veleiro dinamarquês Pamir, navio escola, provido de motor auxiliar de propulsão, que assolado por ciclone a sudoeste do Açores, soçobrou enquanto falava pela telefonia com uma estação costeira dos E.U.A.

Ora, os correntios e frequentes núcleos depressionários, formados no oeste Atlântico, correm como é normal para norte, entre a costa leste dos E.U.A. e os Açores, para Árctico, onde nas proximidades do Pólo alargam, amenizam e enchem.

Já o mesmo não acontece com os núcleos criados na zona equatorial do centro Atlântico, entre o Brasil e o Golfo da Guiné, em África, que a caminho do Pólo, esbarram na zona / 49 / de altas pressões dos Açores, que, com o movimento da Terra, as encaminha para leste, a passarem na Madeira.

Aqui, quer pela constituição basáltica que, como sabemos, tem poderosa acção electromagnética, atraindo os magnetes das depressões, como não só as aproxima dos altos picos da ordem dos 2.000 metros de altura cada, que as rompe e desfaz em trovoadas e chuvas torrenciais.

Mas não se quedam nem se desfazem totalmente aqui, dada a sua largueza e amplitude, depois da tormenta realizada na Madeira, continuam a leste, esbarradas a norte pelas isóbaras das altas pressões dos Açores, a embicar nos distritos de Santarém e Lisboa, onde ser frequente também provocarem largos prejuízos às frágeis armações das estufas e outros sistemas de protecção às flores e frutas, em que a região é fértil e abundante, para então daqui, passarem a ganhar norte, nordeste acima, a caminho do Pólo.