Atlântico Norte, a Laguna de Alavário e o porto de Aveiro – pp. 27-29


VI – Definhamento da região

Os séculos foram passando, e a Vila Notável que, no seu auge – 1560 – atingia 15.000 habitantes, começou a definhar em acentuado declínio, devido por um lado ao crescente nível das águas pluviais que tudo submergiam, por falta de escoamento, e por outro, em consequência das epidemias que daí resultavam. E de tal modo a situação se agravou e a vivência se degradou que, em fins do séc. XVIII, a população de Aveiro estava reduzida, a menos de 3.000 almas.

É então que, os cagaréus, em 1758, perdida a fé em qualquer milagres da sua Princesa Santa e a esperança, num qualquer pau da barca onde, naquele naufrágio, se pudessem agarrar que, por mero acaso e desígnio do destino, conseguem virar o curso da sua história, de vida medíocre e decadente, ao manifestarem-se, publica e ruidosamente, contra o antipático D. José de Mascarenhas, seu donatário, a repudiar o nefando crime de, ter encabeçado o gorado atentado, contra a vida do rei D.  José, que o Marquês de Pombal lhe apontara.

Desta atitude da Câmara de Aveiro, que o Marquês muito apreciou e aproveitara, logo a agonizante Vila passou, do abandono a que tinha estado botada, a conseguir do poder constituído, tudo quanto até então parecera inimaginável.

Primeiro, foi elevada à categoria de cidade e de seguida, proposta a Roma a criação da diocese, que o Papa Clemente XIV homologou pela Bula Militatis Eclesiae Gubernacula.

Mas não se ficou por aqui o Marquês, em recompensas ao apoio moral recebido!

Enquanto aniquilava o Duque de Aveiro e os Távoras, seus / 28 / familiares, além de quase toda a insubmissa nobreza da época, criou primeiro a Superintendência das Obras da Barra de Aveiro, que imediatamente lançou o imposto de real de água, a pagar por todas as câmaras municipais da Comarca de Esgueira, aplicado ao vinho e à carne, comercializados nesta área. Depois, deu autorização a João de Sousa Ribeiro, Capitão Mor de Ílhavo, para, à sua custa, abrir um regueirão na lomba, onde antes estivera a barra, na tentativa de escoamento da Laguna, mas cujo resultado foi negativo.

O dinâmico impulso dado, pelo esclarecido Pombal, às coisas desta região, tomou tal inércia que, nunca mais parou, indo até ainda, para além da sua condenação e consequente afastamento, por D. Maria I

À gorada tentativa do Capitão Mor de Ílhavo, seguiram-se, em 1777, as obras de Guilherme Eldsen e Isidro Paulo Pereira que, apesar de subsidiadas e executadas, fracassaram obviamente, a exemplo de todas as que posteriormente foram tentadas. Segue-se em 1780, nova tentativa, de João Esegi e, em 1788, de Guilherme Valery, das quais, também nada de positivo resultará à drenagem da Ria.

Já no reinado de D. Maria, em 1791, o Superintendente das Obras da Barra de Aveiro, Nuno Faria de Matos Amorim, apresentou ao Governo, um plano para a abertura de uma barra em S. Jacinto que, tendo sido aprovado, dotado e executado por Estêvão Cabral e Luís de Allincourt, o mar logo a fechou, como já acontecera a todas as anteriores tentativas, pois o mundo ao tempo, caminhava lento e de olhos fechados, pelo menos entre nós, onde os estudiosos e bem informados, eram-no, apenas em línguas e literaturas, especialmente latim e grego, porém, julgando-os segundo o meu critério actual, com a obrigação de pelo menos entenderem e discernir que, uma corrente d' água intermitente, ao passar sobre uma lomba de areia, tem dificuldade em permanecer correndo, muito  / 29 / especialmente em sentido contrário, aonde começara tentando passar.

Cerca de 1798, o Príncipe D. João, que ao tempo era quem já governava, isto muito antes de ser na verdade o rei João VI, por alienação mental de sua mãe, a rainha D. Maria I, ordenara a Reinaldo de Oudinot, um francês de muita fama e saber, que estudasse e traçasse um projecto para abertura da barra de Aveiro que, de facto nunca fora barra, só assim chamada pelo povo ignaro e simples, pois barra é passagem livre de entrada e saída do mar, entre dois pontos fixos, o que nos are ais da costa de Aveiro, jamais existira.

O que ali se pretendia ao tempo, era o que hoje se chama de sanear a Laguna que, pela mesma Natureza que lhe dera origem e forma, depois do último período glaciar, a fechara hermeticamente, ao rondar os finais do século XVI, isto é ao tempo dos reis Filipes, e de tal forma que, não obstante as várias tentativas de a reabrir, as águas doces dos rios e invernias, continuaram a tudo inundar, por mais cerca de 200 anos, do que resultara apodrecimento, tornando-se enorme foco infeccioso de febres e epidemias que ,não só a cidade como todas o Baixo Vouga, desertificaram.

E de tal modo que a população, só em Aveiro e no século XVI chegara atingir os 16.000 habitantes, dois séculos depois ao chegar à última década do ano de 1700, não ia além
das 3.000 almas quer por mortos ou fugidos para outras paragens.