Mas voltando á formação da Laguna a pormenorizar as consequências do
degelo do período glaciar na costa, extremo oeste do continente, onde
viria a ser a Ibéria, verifica-se a
formação de uma larga e extensa reentrância, e o Oceano a entrar terra
adentro, entre as serras de Espinho a norte e Boa Viagem a sul, com os
rios recentemente formados, tais
como o Antuã, seguido do Vouga mais caudaloso, o Águeda, Cértima e Boco,
desaguando directamente no Oceano.
Entretanto e no decorrer de muitos milénios de degelo, em parte já
anteriormente referida, mas que não é demais repetir, dada a
complexidade e
longevidade da questão e os muitos
elementos que integram os fenómenos a eles associados, a região
equatorial
continuou cada vez mais a aquecer e o volume do mar, mais a aumentar e a
elevar-se, entra impetuoso na região abrigada do Mar das Caraíbas,
também recém-formado, onde
ainda mais aumenta a sua temperatura e volume.
Esta massa de água sobreaquecida, sem outra saída senão o Estreito de
Yucatã, entra veloz no Golfo do México onde, mercê do rápido movimento
de rotação do Globo Terrestre,
é centrifugado
contra as paredes continentais do México e Sul dos E.D.A que, lhe
acelera ainda mais a velocidade, para sair pelo estreito da Florida em
direcção ao norte, a costear leste
americano, sempre influenciado e compelido pela rotação da Terra.
Lembrando que, a atmosfera é intimamente ligada e influenciada pelas
variações de temperatura das águas oceânicas, e estas influenciadas
também e sujeitas aos diferentes
estados da
atmosfera, isto é, no mar as altas pressões promovem cavas e
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das baixas resultam montes e montanhas de água, entre as quais, pelo
sistema dos vasos comunicantes resultam, curso d' água, a correr do
monte para a cava, e dar lugar a
correntes marítimas secundárias.
Assim, enquanto na atmosfera as correntes de ar ou ventos, correm das
altas pressões a encher as depressões, no Oceano processa-se de modo
semelhante, porém sempre
contrário ao vento, isto é, das baixas pressões, que no mar provocam
montanhas de água, a correr para as altas pressões que no oceano
provocam cavas, mais ou menos
profundas.
Estas correntes marítimas, desenquadradas do regime geral do Globo
Terrestre, denominam-se de locais ou secundárias, porém têm enorme
influência nas correntes gerais, no
que diz respeito à sua acção, a poderem não só alterá-las, quer na
velocidade como direcção e até o sentido.
Ora na Costa de Portugal, oeste obviamente, onde se assoalha
permanentemente a corrente das Canárias, a correr no sentido sul, último
reduto do Golf Stream, a regressar
superficialmente à Zona Equatorial, as correntes locais, nascidas nas
nossas áreas, especialmente no sul da costa portuguesa, têm enorme
influencia sobre a corrente geral, a
podê-la acentuar, como contrariar, qualquer das suas características.
Assim, sabendo-se, a região dos Açores propícia à formação de altas
pressões, com as suas isóbaras a projectarem-se,
especialmente como lanças para leste, a incidir sobre a costa
continental, entre os paralelos 39,5 e os 43° graus norte, dando ensejo
às nortadas, a fazerem novena, como diz a
sabedoria popular, ao mesmo tempo que a costa noroeste de África, sendo
fértil em depressões atmosféricas, do que resulta, além das nortadas, a
respectiva corrente local ir a
norte, ao arrepio da
geral Canárias.
Tal situação provoca ressaca, cá e lá, entre as duas correntes, a
remexer os fundos arenosos da plataforma marítima submersa,
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por norte das rochas que deram origem às Berlengas, Peniche e Nazaré, a
estender-se até, cerca de vinte e cinco milhas, ao largo da Costa, isto
é, até às funduras abissais do
Oceano, remexendo e depositando as massas arenosas, contra a costa
continental.
Ora estas areias, acumuladas sobre a costa, entre Nazaré e o Cabo
Mondego, foram-se avolumando, camada sobre camada, na costa de perfil
rectilíneo e sem recortes que,
açoitadas pelas nortadas nas direcções sueste, foram-se esparramando
terra adentro, e de tal modo progredindo, sobre as férteis e aráveis
terras adjacentes que, os mouros,
quando no ano no, atravessaram o estreito que, separa África da
Península, e entraram na Ibéria, uma das coisas que primeiro fizeram,
para suster as areias, fora começar a
plantar o pinhal, ainda no século VIII, que veio a chamar-se de Leiria
e, alguns pseudo-historiadores, deram a sua autoria a D. Dinis, que
alcunharam de Lavrador.
Pelo norte da serra da Boa Viagem, devido ao degelo que se alongara até
cerca de 10.000 anos, antes da nossa era, depois do Oceano ter subido
cerca de 137 metros, em altura,
a criar uma série de mares interiores, a separar as Ilhas Britânicas do
Continente e obviamente muitas outras coisas mais, tais como submergir a
famosa Atlântida, formara-se
também, acentuada e profunda reentrância, espécie de baia, limitada a
norte pelas serranias de
Espinho e a sul pela serra da Boa Viagem, cujo promontório, Cabo
Mondego, fora um dos expoentes.
Ora a corrente marítima, local e temporária, formada ao arrepio dos
ventos dos quadrantes do norte, noroeste e nordeste, já antes comentada,
a correr entre a corrente das
Canárias e a costa continental, saturada de areias levantadas dos
fundos, ultrapassado o Cabo Mondego, entra na baia, a contorná-la contra
a costa por leste, norte até ao
noroeste, a sair francamente, de novo para o Oceano, em Espinho, onde
embate e pára, contra a corrente
das Canárias, em cuja paragem decanta as areias que, arrastadas sul
abaixo a formar a lomba, isto é o lado oeste, da futura Laguna.
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A partir de então, e por muitos milénios, salvo curtos interregnos de
dias ou semanas de acalmias, pois não havendo ventos não há obviamente
corrente marítima local em sentido
oposto, neste caso especial que estamos a analisar, por leste da
corrente geral das Canárias, mais precisamente entre esta e a linha da
costa, a ressacá-la e impregnando-a de
areia levantadas do fundo. Neste embate, contra a corrente das Canárias,
a corrente local pára e obviamente decanta as areias de que vai
impregnada, ao mesmo tempo que a
Canaria as arrasta para sul, a engrossar a lomba que fechou e formara a
Laguna.
Neste evoluir, ao longo de muitos milénios, com ciclos de bom tempo e
mar, a permitir e proporcionar o engrossamento e crescimento do cordão
arenoso, à excepção da porção
entre Mira e Ovar, onde a acumulação e compactação, fora sempre
mais difícil e obviamente demorada, devido ao efeito da corrente de
vazante dos rios, que a iam destruindo, de leste para oeste,
particularmente durante os baixa mares.
Em sentido oposto, durante as tempestades, quando conjugadas às ondas de
marés vivas, o mar entrava pela Laguna adentro, nessa porção de lomba
mais frágil, carreando
consigo
as areias do mar exterior, conjuntamente às que arrancava da própria
lomba, indo depositá-las contra a costa interior, a bloquear os
estuários de cada um dos rios.
Estes e a força das suas correntes de vazante, foram rompendo o novo
areal, ao mesmo tempo que flectiam em direcção ao curso do rio mais
caudaloso, o Vouga, do qual se
tornaram afluentes. A progressão deste fenómeno, foi avolumando o areal,
dentro da Laguna, enquanto as correntes fluviais de vazante, o foram
retalhando, a abrir cales e canais,
de que resultaram ilhas e ilhotas.
Mas a Laguna de Aveiro que, quanto a nós, foi sempre, desde a sua
formação pré-histórica, apenas um enormíssimo lago, separado do mar por
extenso cordão de areia,
esporádica
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e temporariamente aberto, por acessos mutáveis a que o povo, na sua
simplicidade, chamava de barras, e que, no baixa mar de águas vivas,
ficavam totalmente secas, ou quando
muito, a darem passagens a vau, sem permitirem obviamente, livre acesso
ao interior da Laguna.
Foram as amplas e enormes dimensões deste lago, incluindo a profundidade
e a sua localização, tão rente ao mar que, desde tempos remotos, toda a
gente se convencera, poder
aqui fazer um grande porto.
A abrir e a fechar, aqui e acolá, mercê da ressaca e sua posição
relativa ao perfil da costa, cuja acção, ainda hoje, continua a ser
erosiva ou amontoante, mais a norte ou mais a sul,
lá foi de
quando em vez, despejando as grandes massas pluviais, até que, ao tempo
e na dinastia dos Filipes, fechou para não mais abrir.
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