Atlântico Norte, a Laguna de Alavário e o porto de Aveiro – pp. 22-26


V - Formação da laguna

Mas voltando á formação da Laguna a pormenorizar as consequências do degelo do período glaciar na costa, extremo oeste do continente, onde viria a ser a Ibéria, verifica-se a formação de uma larga e extensa reentrância, e o Oceano a entrar terra adentro, entre as serras de Espinho a norte e Boa Viagem a sul, com os rios recentemente formados, tais como o Antuã, seguido do Vouga mais caudaloso, o Águeda, Cértima e Boco, desaguando directamente no Oceano.

Entretanto e no decorrer de muitos milénios de degelo, em parte já anteriormente referida, mas que não é demais repetir, dada a complexidade e longevidade da questão e os muitos  elementos que integram os fenómenos a eles associados, a região equatorial continuou cada vez mais a aquecer e o volume do mar, mais a aumentar e a elevar-se, entra impetuoso na região abrigada do Mar das Caraíbas, também recém-formado, onde ainda mais aumenta a sua temperatura e volume.

Esta massa de água sobreaquecida, sem outra saída senão o Estreito de Yucatã, entra veloz no Golfo do México onde, mercê do rápido movimento de rotação do Globo Terrestre, é centrifugado contra as paredes continentais do México e Sul dos E.D.A que, lhe acelera ainda mais a velocidade, para sair pelo estreito da Florida em direcção ao norte, a costear leste americano, sempre influenciado e compelido pela rotação da Terra.

Lembrando que, a atmosfera é intimamente ligada e influenciada pelas variações de temperatura das águas oceânicas, e estas influenciadas também e sujeitas aos diferentes estados da atmosfera, isto é, no mar as altas pressões promovem cavas e / 23 / das baixas resultam montes e montanhas de água, entre as quais, pelo sistema dos vasos comunicantes resultam, curso d' água, a correr do monte para a cava, e dar lugar a correntes marítimas secundárias.

Assim, enquanto na atmosfera as correntes de ar ou ventos, correm das altas pressões a encher as depressões, no Oceano processa-se de modo semelhante, porém sempre contrário ao vento, isto é, das baixas pressões, que no mar provocam montanhas de água, a correr para as altas pressões que no oceano provocam cavas, mais ou menos profundas.

Estas correntes marítimas, desenquadradas do regime geral do Globo Terrestre, denominam-se de locais ou secundárias, porém têm enorme influência nas correntes gerais, no que diz respeito à sua acção, a poderem não só alterá-las, quer na velocidade como direcção e até o sentido.

Ora na Costa de Portugal, oeste obviamente, onde se assoalha permanentemente a corrente das Canárias, a correr no sentido sul, último reduto do Golf Stream, a regressar superficialmente à Zona Equatorial, as correntes locais, nascidas nas nossas áreas, especialmente no sul da costa portuguesa, têm enorme influencia sobre a corrente geral, a podê-la acentuar, como contrariar, qualquer das suas características.

Assim, sabendo-se, a região dos Açores propícia à formação de altas pressões, com as suas isóbaras a projectarem-se, especialmente como lanças para leste, a incidir sobre a costa continental, entre os paralelos 39,5 e os 43° graus norte, dando ensejo às nortadas, a fazerem novena, como diz a sabedoria popular, ao mesmo tempo que a costa noroeste de África, sendo fértil em depressões atmosféricas, do que resulta, além das nortadas, a respectiva corrente local ir a norte, ao arrepio da geral Canárias.

Tal situação provoca ressaca, cá e lá, entre as duas correntes, a remexer os fundos arenosos da plataforma marítima submersa,  / 24 / por norte das rochas que deram origem às Berlengas, Peniche e Nazaré, a estender-se até, cerca de vinte e cinco milhas, ao largo da Costa, isto é, até às funduras abissais do Oceano, remexendo e depositando as massas arenosas, contra a costa continental.

Ora estas areias, acumuladas sobre a costa, entre Nazaré e o Cabo Mondego, foram-se avolumando, camada sobre camada, na costa de perfil rectilíneo e sem recortes que, açoitadas pelas nortadas nas direcções sueste, foram-se esparramando terra adentro, e de tal modo progredindo, sobre as férteis e aráveis terras adjacentes que, os mouros, quando no ano no, atravessaram o estreito que, separa África da Península, e entraram na Ibéria, uma das coisas que primeiro fizeram, para suster as areias, fora começar a plantar o pinhal, ainda no século VIII, que veio a chamar-se de Leiria e, alguns pseudo-historiadores, deram a sua autoria a D. Dinis, que alcunharam de Lavrador.

Pelo norte da serra da Boa Viagem, devido ao degelo que se alongara até cerca de 10.000 anos, antes da nossa era, depois do Oceano ter subido cerca de 137 metros, em altura, a criar uma série de mares interiores, a separar as Ilhas Britânicas do Continente e obviamente muitas outras coisas mais, tais como submergir a famosa Atlântida, formara-se também, acentuada e profunda reentrância, espécie de baia, limitada a norte pelas serranias de Espinho e a sul pela serra da Boa Viagem, cujo promontório, Cabo Mondego, fora um dos expoentes.

Ora a corrente marítima, local e temporária, formada ao arrepio dos ventos dos quadrantes do norte, noroeste e nordeste, já antes comentada, a correr entre a corrente das Canárias e a costa continental, saturada de areias levantadas dos fundos, ultrapassado o Cabo Mondego, entra na baia, a contorná-la contra a costa por leste, norte até ao noroeste, a sair francamente, de novo para o Oceano, em Espinho, onde embate e pára, contra a corrente das Canárias, em cuja paragem decanta as areias que, arrastadas sul abaixo a formar a lomba, isto é o lado oeste, da futura Laguna.  / 25 /

A partir de então, e por muitos milénios, salvo curtos interregnos de dias ou semanas de acalmias, pois não havendo ventos não há obviamente corrente marítima local em sentido oposto, neste caso especial que estamos a analisar, por leste da corrente geral das Canárias, mais precisamente entre esta e a linha da costa, a ressacá-la e impregnando-a de areia levantadas do fundo. Neste embate, contra a corrente das Canárias, a corrente local pára e obviamente decanta as areias de que vai impregnada, ao mesmo tempo que a Canaria as arrasta para sul, a engrossar a lomba que fechou e formara a Laguna.

Neste evoluir, ao longo de muitos milénios, com ciclos de bom tempo e mar, a permitir e proporcionar o engrossamento e crescimento do cordão arenoso, à excepção da porção entre Mira e Ovar, onde a acumulação e compactação, fora sempre mais difícil e obviamente demorada, devido ao efeito da corrente de vazante dos rios, que a iam destruindo, de leste para oeste, particularmente durante os baixa mares.

Em sentido oposto, durante as tempestades, quando conjugadas às ondas de marés vivas, o mar entrava pela Laguna adentro, nessa porção de lomba mais frágil, carreando consigo as areias do mar exterior, conjuntamente às que arrancava da própria lomba, indo depositá-las contra a costa interior, a bloquear os estuários de cada um dos rios.

Estes e a força das suas correntes de vazante, foram rompendo o novo areal, ao mesmo tempo que flectiam em direcção ao curso do rio mais caudaloso, o Vouga, do qual se tornaram afluentes. A progressão deste fenómeno, foi avolumando o areal, dentro da Laguna, enquanto as correntes fluviais de vazante, o foram retalhando, a abrir cales e canais, de que resultaram ilhas e ilhotas.

Mas a Laguna de Aveiro que, quanto a nós, foi sempre, desde a sua formação pré-histórica, apenas um enormíssimo lago, separado do mar por extenso cordão de areia, esporádica  / 26 / e temporariamente aberto, por acessos mutáveis a que o povo, na sua simplicidade, chamava de barras, e que, no baixa mar de águas vivas, ficavam totalmente secas, ou quando muito, a darem passagens a vau, sem permitirem obviamente, livre acesso ao interior da Laguna.

Foram as amplas e enormes dimensões deste lago, incluindo a profundidade e a sua localização, tão rente ao mar que, desde tempos remotos, toda a gente se convencera, poder aqui fazer um grande porto.

A abrir e a fechar, aqui e acolá, mercê da ressaca e sua posição relativa ao perfil da costa, cuja acção, ainda hoje, continua a ser erosiva ou amontoante, mais a norte ou mais a sul, lá foi de quando em vez, despejando as grandes massas pluviais, até que, ao tempo e na dinastia dos Filipes, fechou para não mais abrir.